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Lei Processual Penal no Espaço


Autoria:

Evander De Oliveira Silva


É estagiário de Direito e trabalha no mercado financeiro e de capitais. É aluno do último período da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo.

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Resumo:

O presente artigo busca demonstrar a relevância da aplicação da lei processual no espaço como afirmação da soberania do Estado, que determinará como serão processados e julgados os feitos perante os juízos criminais brasileiros.

Texto enviado ao JurisWay em 17/11/2014.

Última edição/atualização em 20/11/2014.



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Lei Processual Penal no espaço

 

 

1. Introdução

 

 

A aplicação da lei processual penal no espaço passa pelo estudo do Código de Processo Penal e da legislação extravagante que cuida dos conceitos empregados pelo legislador naquele diploma, como a noção de território nacional, e demais regras, princípios e conceitos propagados pela doutrina que estuda a teoria geral dos processos.      
           

O processo, enquanto cuida de regras e princípios para aplicação do Direito ao caso concreto, é manifestação plena da Jurisdição e, ao mesmo tempo, configura limites para atividade soberana estatal, trazendo em seu bojo uma série de garantias de caráter constitucional. Sendo assim, enquanto manifestação plena de soberania, caberia ao legislador definir quando, onde e para quais casos são aplicáveis a legislação brasileira em seu aspecto material ou formal.

 

A relevância da aplicação da lei processual no espaço é, portanto, afirmação da própria soberania do Estado, que determinará como serão processados e julgados os feitos perante os juízos criminais brasileiros. Em sede penal, trata-se de garantia fundamental dos jurisdicionados, já que estes se encontram em especial condição de sujeição quando réus em demanda penal.

 


 

2. O princípio da territorialidade no ordenamento jurídico brasileiro

 

 

Tamanha é a importância do tema que este abre o Código de Processo Penal. Prescreve o art. 1º deste diploma:         


         O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados:

I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional;

II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de          responsabilidade (Constituição, arts. 86, 89, § 2o, e 100);

III - os processos da competência da Justiça Militar;

IV - os processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, no 17);

V - os processos por crimes de imprensa. Vide ADPF nº 130

Parágrafo único.  Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos referidos nos nos. IV e V, quando as leis especiais que os regulam não dispuserem de modo diverso.

 

Como se percebe, o legislador adotou o princípio da territorialidade como regra em nosso ordenamento jurídico, ou seja, ressalvadas as exceções trazidas pelos incisos deste artigo, sempre que houver uma demanda penal tramitando nos órgãos judiciários brasileiros, aplicar-se-á o Código de Processo Penal. Sem embargo, é possível que sejam realizados atos processuais estrangeiros no Brasil por meio de carta rogatória ou, ainda, que regras da legislação processual estrangeira sejam aplicados a feito em trâmite no Brasil como ferramenta de integração da lei.

 

Este princípio consagra, ainda, a singularidade do processo penal em território brasileiro. Nenhuma sanção penal poderá ser aplicada sem a observância de suas regras e princípios, a não ser que o legislador o faça por meio de outro instrumento legal. Não se admite a edição de normas com idêntica finalidade por outros entes federativos que não a União.                        

Os atos processuais penais deverão, portanto, ser praticados segundo a lei brasileira, o que não significa que a infração foi necessariamente cometida no País. Em verdade, a jurisdição brasileira será aplicável, mormente, quando o crime houver sido cometido no Brasil, justamente por ser expressão de sua soberania. O Código Penal, em seu art. 6º, adota a teoria da ubiquidade para determinar onde foi cometido o crime, qual seja, este é considerado cometido no local da atividade ou do resultado, e determina aquele diploma o território nacional para fins penais.

 

Assim, via de regra, cometido o crime dentro do território nacional, será a autoridade brasileira a responsável por instruir o feito tendente à aplicação de punição ao responsável, o que não obsta a incidência excepcional da extraterritorialidade. O crime poderá ter somente seu resultado no Brasil e, ainda assim, ser julgado segundo as leis penais e processuais brasileiras, pois neste caso é o CP que exclui a jurisdição estrangeira.

 

Percebe-se, outrossim, que existe um diálogo entre as diversas fontes do direito material e processual penal.  Neste sentido, Nucci limita a aplicação do Código Penal ao âmbito internacional. Afirma o autor que “o Código Penal destina-se, exclusivamente, ao denominado direito penal internacional, ou seja, à aplicação da lei penal no espaço, quando um crime tiver início no Brasil e terminar no exterior ou vice-versa (…). Para delitos cometidos no território nacional, continua valendo o disposto no art. 70 da lei processual. Em suma, conflito é somente aparente, mas não real”.

           

Além do território nacional em sentido estrito, exposto acima, o Código Penal regulou o cometimento de infrações a bordo de aeronaves e embarcações. O § 1° do artigo supra inclui em território brasileiro aquelas de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro, onde quer que se encontrem, ou aquelas que estejam em alto-mar ou no espaço aéreo correspondente. Em oposição, as embarcações estrangeiras de natureza pública são consideradas território do País de origem e as privadas o são se estiverem em território neutro. É considerado território brasileiro em sentido amplo e, sendo assim, devem ser processadas e julgadas pelas autoridades nacionais.

 

É possível, ainda, que o Brasil avoque a competência de crimes cometidos no exterior. A extraterritorialidade da lei penal pode ser incondicionada (absoluta), casos em que o mero cometimento da infração no estrangeiro, sem o preenchimento de requisito algum, permitem que o réu seja processado e julgado validamente no Brasil, ainda que absolvido ou condenado no exterior, ou que o faça mediante o cumprimento de requisitos específicos, sendo esta a extraterritorialidade condicionada (relativa).      

Em todo o caso, percebe-se que a regra processual, em termos espaciais, é a seguinte: o crime deve ser processado e julgado por autoridades brasileiras, aplicando-se o CPP, quando o crime for cometido em território nacional (em sentido amplo ou estrito) ou, ainda que cometido no exterior, o Brasil avoque competência para tal como expressão de sua soberania. Neste sentido, é de salutar importância o local de consumação do crime, pois dentre os juízes brasileiros, o Código de Processo Penal definirá aquele que é competente para processar e julgar o feito, tendo por regra como juízo competente aquele em que o crime se consumou (artigo 70, CPP). Prevalece, em tais casos, a teoria do resultado, pois entendeu o legislador que a Justiça e a Polícia do local da consumação teriam melhores condições para instruir o feito.      
           

Fixada a competência brasileira, por haver sido o crime cometido no território brasileiro (em sentido lato) ou por, ainda que cometido no estrangeiro, o Estado brasileiro avoque esta competência (extraterritorialidade), resta saber qual o foro ou seção judiciária competentes para processar e julgar a infração cometidas a bordo das aeronaves e embarcações, já que não estão no território nacional em sentido estrito.

 

O Código de Processo Penal resolve a questão nos artigos 89 e 90, que afirmam que os crimes cometidos a bordo de embarcações serão processados e julgados “pela justiça do primeiro porto brasileiro em que tocar a embarcação, após o crime, ou, quando se afastar do País, pela do último em que houver tocado” (CPP, art. 89); e, no caso de aeronaves, “pela justiça da comarca em cujo território se verificar o pouso após o crime, ou pela da comarca de onde houver partido a aeronave” (CPP, art. 90). Nota-se, em ambos os casos, que a competência será do foro ou seção judiciária de chegada, se o crime foi cometido na volta para o País ou em viagens nacionais, ou pelo porto ou aeroporto de saída, se cometido na saída do Brasil.         


 

3. Exceções ao princípio da territorialidade

 

 

Feitas estas ponderações, cabe analisar cada inciso do artigo de abertura do Código de Processo Penal. O inciso I ressalva a aplicação do processo penal pátrio se houver tratados, convenções e regras de direito internacional que sejam a isso opostas. A subscrição do documento pelo Estado brasileiro integra os esforços internacionais para conter determinados crimes especialmente nocivos à comunidade internacional. Mesmo que o ato seja praticado no Brasil, haverá de ser respeitada o regramento processual internacional a que o País haja anuído.

A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 56.435/65, traz uma série de imunidades penais aos integrantes da carreira diplomática que cometem delitos penais enquanto em serviço de seu país de origem. Ainda que a legislação processual penal brasileira lhes seja mais benéfica, esta é inaplicável por força do tratado.

 

O inciso II, por sua vez, exclui a aplicação do Código de Processo Penal nos casos de jurisdição política, quando a conduta criminosa será processada e julgada perante o Poder Legislativo. Neste caso, é o regimento interno da Câmara dos Deputados e do Senado Federal que disciplinarão a forma de processar e julgar tais condutas. Note-se que o Código de Processo Penal, editado sob a égide de Constituição anterior, deve ser interpretado à luz do atual regime constitucional, instituídas pelo artigo 52, incisos I e II da Carta Política.  

Quanto ao inciso III, o Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei 1.002/1969) é que determinará o devido processo legal aplicável aos crimes sujeitos à sua jurisdição. As normas processuais penais comuns podem, no entanto, serem aplicadas supletivamente à legislação especial (artigo 3º, alínea “a”, do Código Penal Militar).  
           

Já a disposição trazida no inciso IV não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Tal disposição se amoldava à Constituição de 1937, que previa a existência de tribunais de exceção. Contudo, tendo em vista que a criação de tribunais de exceção é vedada pelo atual ordenamento jurídico por ofender o princípio do juiz natural (artigo 5º, XXXVII e LIII), a prescrição do inciso IV fica prejudicada.

 

Não obstante, verifica-se que já foram criados tribunais de exceção no Brasil, como o Tribunal de Segurança Nacional para o processamento de crimes políticos. Em apertada síntese, Nucci afirma que este Tribunal era previsto pela Constituição de 1937 e que os crimes outrora julgados por ele, mormente políticos, devem ser julgados pela Justiça Federal.

 

O inciso V também se encontra prejudicado em face da procedência da ADPF 130-7, em que o Supremo Tribunal Federal declarou a não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição de 1988. O cometimento de crime, ainda que relacionado à atividade jornalística, seguirá o rito procedimental comum. Sendo assim, as disposições processuais penais porventura expostas naquele diploma não podem ser aplicadas, devendo ser aplicadas as normas do Código de Processo Penal em sua inteireza.       

Por fim, o parágrafo único excepciona os casos em que a legislação especial prescreve procedimento diverso. No magistério de Nucci, "quando a legislação especial regular procedimento diverso do previsto no CCP, pelo princípio da especialidade, aplica-se aquela e somente em caráter subsidiário este último. Ilustrando: Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), Lei de Abuso de Autoridade (Lei 4.898/65), etc.”.


 

4. Análise do caso concreto

 

 

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. APLICAÇÃO DA LEI BRASILEIRA. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL. CRIME INICIADO EM TERRITÓRIO NACIONAL. SEQÜESTRO OCORRIDO EM TERRA. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME PROBATÓRIO. CONDUÇÃO DA VÍTIMA PARA TERRITÓRIO ESTRANGEIRO EM AERONAVE. PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE. LUGAR DO CRIME - TEORIA DA UBIQÜIDADE. IRRELEVÂNCIA QUANTO AO EVENTUAL PROCESSAMENTO CRIMINAL PELA JUSTIÇA PARAGUAIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ORDEM DENEGADA.

1. Aplica-se a lei brasileira ao caso, tendo em vista o princípio da territorialidade e a teoria da ubiqüidade consagrados na lei penal.

2. Consta da sentença condenatória que o início da prática delitiva ocorreu nas dependências do aeroporto de Tupã/SP, cuja tese contrária exigiria exame profundo do acervo fático-probatório, incabível em sede de habeas corpus, sendo assegurado ao acusado o reexame das provas quando do julgamento de recurso de apelação eventualmente interposto, instrumento processual adequado para tal fim.

 

3. Afasta-se a competência da Justiça Federal, pela não-ocorrência de quaisquer das hipóteses previstas no art. 109 da Constituição Federal, mormente pela não-configuração de crime cometido a bordo de aeronave.

 

4. Não existe qualquer óbice legal para a eventual duplicidade de julgamento pelas autoridades judiciárias brasileira e paraguaia, tendo em vista a regra constante do art. 8º do Código Penal.

 

5. Ordem denegada.[1]

 

No julgamento do Habeas Corpus 41.892/SP, a Quinta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça analisou caso de sequestro ocorrido no aeroporto de Tupã – Estado de São Paulo, com posterior traslado da vítima, por meio de aeronave, para o Paraguai, onde ela foi morta.

 

Conforme se verifica no voto do Ministro Relator, considerou-se que o “iter criminis” teve início no território nacional, nas dependências do aeroporto de Tupã, uma vez que foi nesse local em que o ofendido perdeu sua liberdade. Dessa forma, considerando a teoria da ubiquidade, adotada pelo direito penal pátrio, definiu-se como lugar do crime, para efeitos penais, a cidade em que foi verificada, a princípio, a ação delitiva.

 

Nesse ínterim, o Tribunal identificou a competência da Justiça local para julgar o caso, bem como a aplicação da lei brasileira, tendo em vista o princípio da territorialidade e a teoria da ubiquidade.


 

5. Conclusão

 

 

Conforme explicado no presente trabalho, em regra, a lei processual penal será aplicada a todas as infrações penais cometidas no território nacional. Trata-se do princípio “lex fori” ou “locus regit actum”, que se justifica pela soberania nacional, bem como pela ausência de sentido em aplicar legislação alienígena a fatos criminosos cometidos em território brasileiro.

 

Embora a regra constante do “caput” do art. 1º do CPP seja a territorialidade, não se pode deixar lembrar das exceções à aplicação da lei brasileira, presentes nos incisos do mesmo dispositivo, nas quais devem incidir normas incorporadas ao direito estrangeiro – em razão de tratados internacionais, por exemplo – ou regras nacionais que preveem regulamentação específica para determinadas situações – como na apuração dos crimes militares.


 

6. Referência bibliográficas:

 

AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.

 

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 2005.

 

NORONHA, Magalhães. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2005.

 

NUCCI, Guilherme. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: RT, 2012.

 

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2006.                

 

 

 



[1] (HC 41892/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2005, DJ 22/08/2005, p. 319)

 

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