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 Sala dos Doutrinadores - Estudos & Pesquisas
Autoria:

Alécio Nunes Fernandes
Mestre em História pela UnB, doutorando em História pela mesma instituição. Professor do UniProjeção Centro Universitário. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1248934447799362 . Alguns textos publicados: https://unb.academia.edu/AlécioNunesFernandes

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"Que seja absoluto da pena": considerações sobre a defesa dos réus em processos inquisitoriais da "Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil

Texto publicado originalmente na revista acadêmica história, histórias. Disponível no link: http://periodicos.unb.br/index.php/hh/article/view/26980/20254 .

Texto enviado ao JurisWay em 02/03/2018.

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“Que seja absoluto da pena”: considerações sobre a defesa dos réus em processos inquisitoriais da “Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil”[*]

 

“Be acquitted”: considerations about the defense of the accused in processes of the First Inquisitorial Visitation to Brazil

 

Alécio Nunes Fernandes

Professor do Centro Universitário Projeção - Brasil

Mestre em História pela Universidade de Brasília

e-mail: alecionunesfernandes@gmail.com

 

RESUMO: No presente texto pretende-se discutir uma afirmação que parece ser usual na historiografia: o direito de defesa na Inquisição portuguesa seria um pro forma jurídico, servindo apenas para legitimar a persecução injusta e arbitrária infligida aos réus daquele Tribunal. Para tanto, as fontes primárias trazidas à discussão são quatro processos da Primeira Visitação ao Brasil, os quais tiveram como sentença a absolvição ou a condenação dos réus a penas que podem ser consideradas brandas pela historiografia especializada. O objetivo é refletir sobre como considerações relativas à defesa dos acusados – necessidade de provas para condenar, circunstâncias atenuantes para a definição das penas, possibilidade de defesa formal, valoração da “qualidade” dos réus – foram decisivas na definição das sentenças prolatadas pelo primeiro visitador, Heitor Furtado de Mendoça.

 

ABSTRACT: In this paper, we intend to discuss a statement that seems to be common in historiography: the right of defense in the Portuguese Inquisition would be a legal formality, serving only to legitimize the unjust and arbitrary persecution inflicted on the defendants of that Court. Therefore, the primary sources brought to discussion are four processes of the First Inquisitorial Visitation to Brazil, which had as their sentence the acquittal or condemnation of the defendants to punishments that can be consideredlenient by the historiography on the subject. The aim of this study is to reflect on how considerations relating to the defense of the accused – the need of evidence to condemn, mitigating circumstances for the definition of penalties, possibility of formal defense, valuation of the “quality” of the defendants – were decisive in defining sentences rendered by the first visitor, Heitor Furtado de Mendoça.

 

PALAVRAS-CHAVE: Inquisição portuguesa, Primeira Visitação, Defesa.

 

KEYWORDS: Portuguese Inquisition, First Visitation, Defense.

           

INTRODUÇÃO

            Em razão de sua longa duração no tempo, da infinidade de fontes primárias disponíveis e, sobretudo, do interesse dos historiadores, a Inquisição portuguesa é objeto de uma constante e crescente profusão de teses, dissertações, livros – incluindo obras coletivas – e de artigos acadêmicos. Os temas são os mais diversos: história dos processados pelo Tribunal – cristãos-novos, sodomitas, padres solicitantes, feiticeiros etc. –, dos seus agentes – em especial, estudos sobre os familiares –, história da instituição e da sua relação com outros poderes etc. O mesmo se dá com as formas de abordagem, que são bastante variadas: biografias, estudos de casos, estudos prosopográficos, obras temáticas, trabalhos de caráter geral. Já em relação aos recortes espaciotemporais, a produção historiográfica é bem abrangente: há diversos estudos relativos ao Reino, ao Brasil Colônia e a Goa, contemplando em grande medida toda a temporalidade dos quase três séculos em que o Santo Ofício existiu no Império português[1]. No entanto, a despeito da variedade e abrangência dos estudos, alguns temas parecem não ter despertado maior atenção dos historiadores, a defesa dos réus é um deles.

            No presente texto pretende-se oferecer alguns elementos para discutir uma afirmação que parece ser usual na historiografia, qual seja, a de que o direito de defesa na Inquisição portuguesa seria um pro forma jurídico[2], o qual, quando autorizado pela instituição, serviria apenas para legitimar a persecução injusta e arbitrária infligida aos réus daquele Tribunal[3]. Para tanto, as fontes primárias trazidas à discussão são quatro processos judiciais da “Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil”, processos estes que tiveram como sentença a absolvição ou a condenação dos acusados a penas que podem ser consideradas brandas pela historiografia que se debruça sobre o tema[4]. O objetivo é refletir sobre como considerações relativas à defesa dos réus – necessidade de provas para condenar, circunstâncias atenuantes para a definição das penas, possibilidade de defesa formal, valoração da “qualidade” dos réus – foram decisivas na definição das sentenças prolatadas pelo visitador inquisitorial Heitor Furtado de Mendoça[5].

 

REVISITANDO A PRIMEIRA VISITAÇÃO ÀS PARTES DO BRASIL

Ao longo de seus 285 anos de existência, o Santo Ofício português jamais conseguiu estabelecer um tribunal no Brasil – embora tal possibilidade tenha sido cogitada em mais de uma ocasião[6] –, sendo Goa (Índia) a única localidade fora do Reino a receber um – situação diferente daquela vivenciada pela Inquisição espanhola, que instituiu tribunais no México, em Lima e em Cartagena. Depois de um período inicial com o funcionamento de pequenos tribunais de distrito, a Inquisição lusitana estruturou-se com tribunais em Évora, Coimbra e Lisboa. Era ao tribunal lisboeta que competia a jurisdição sobre os crimes cometidos em terras coloniais brasileiras, para as quais foram enviadas apenas visitações inquisitoriais[7]. Em relação ao Brasil Colônia, atualmente a historiografia confirma a existência documentada de pelo menos quatro destes tribunais itinerantes[8] – uma visitação nos anos de 1591 a 1595, outra entre 1618 e 1621, uma terceira às capitanias do sul, nos anos 1627-1628, e a visitação tardia ao Grão-Pará, no século XVIII (1763-1769), esta última acontecida no ocaso da instituição, atendendo, segundo os historiadores, a interesses políticos do Marquês de Pombal –, embora haja indícios da existência de outras visitações no século XVII na América portuguesa[9].

A “Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil” foi aquela que mais recebeu a atenção de estudiosos do tema[10]. Ainda assim, há aspectos importantes sobre ela que não foram abordados mais detidamente pela historiografia, sobretudo em relação à sua dimensão histórico-jurídica. No tocante às visitas inquisitoriais promovidas pela Inquisição portuguesa, Francisco Bethencourt ressalta a necessidade de estudos mais aprofundados:

o conteúdo das visitas inquisitoriais ainda deve ser estudado em profundidade. O problema é saber em que medida a “grade” de delitos propostos nos éditos da fé encontra um eco correspondente nas confissões e nas denúncias – ou, se quisermos levar um pouco mais longe esse problema, qual é a relação entre os delitos denunciados e os submetidos verdadeiramente a um inquérito judicial por parte da Inquisição [portuguesa]. Os estudos disponíveis são ainda insuficientes para responder a essa pergunta[11].

 

Em termos factuais, o relato da história da Primeira Visitação do Santo Ofício a partes da região nordeste do Brasil é, em grande medida, bastante conhecido. No entanto, há alguns pontos pouco claros, por exemplo, em relação ao encaminhamento dado pelo visitador inquisitorial a confissões e delações recebidas judicialmente, uma vez que algumas denúncias aparentemente graves tiveram por fim sentenças que podem ser consideradas relativamente brandas e outras sequer seguiram adiante: a desproporção entre crimes confessados e/ou delatados e aqueles que se tornaram processos é bastante considerável[12].

Já quanto às causas que levaram à Primeira Visitação, a historiografia ainda não encontrou elementos que apontem para uma motivação mais específica. Para Bruno Feitler, “a primeira visitação [está] ligada ao contexto da expansão geral do Santo Ofício pelos domínios atlânticos portugueses e das visitações efetuadas na mesma época no reino”[13]. Conclusão semelhante é apresentada por Ronaldo Vainfas, para quem os “estudos sobre a instituição inquisitorial portuguesa têm demonstrado que o envio da Primeira Visitação do Santo Ofício não possuiu nenhuma razão especial, exceto a de integrar-se a uma nova estratégia da Inquisição lisboeta”[14]. Seja como for, mesmo que a motivação para a criação da Primeira Visitação tenha sido a perseguição aos cristãos-novos e o confisco de seus bens – como defende Anita Novinsky[15] –, foram abertos processos contra “judaizantes” em número bem menor que aqueles movidos contra acusados por outras práticas à época consideradas como crimes da alçada do Santo Ofício português.

Os números da ação inquisitorial da Primeira Visitação são bastante expressivos em relação aos crimes que tiveram por fim um processo judicial. Segundo Giuseppe Marcocci e José Pedro Paiva,

durante o século XVI, abriram-se 223 processos contra réus nativos ou residentes no Brasil, na grande maioria homens. Entre eles, só 17 por judaísmo, contra 68 por proposições heréticas, 29 por blasfêmia, 24 por sodomia, 18 por práticas gentílicas, 13 por protestantismo e outros por bigamia e sacrilégio[16].

 

Em sentido semelhante, Elvira Mea também apresenta dados sobre o crime de judaísmo relativos à Primeira Visitação e soma-os aos da visitação iniciada em 1618. Diferentemente do que afirma Francisco Bethencourt[17], a Primeira Visitação não foi monopolizada pelo delito de judaísmo:

Considerando que nas duas visitações de 1591 e 1618 se verificaram 950 denúncias, 283 confissões, 542 denunciantes e 218 confitentes, só 207 casos dizem respeito a judaísmo. Das 530 denúncias da Baía provenientes de 264 denunciantes apenas 120 são de judaísmo. Das duas visitações, finalmente, resultam 179 processos em que há 128 cristãos-velhos para 39 cristãos-novos e 17 com culpas de judaísmo, dos quais 15 vêm para Lisboa[18].

 

Embora não se deva medir o impacto da ação inquisitorial apenas por números – como ressaltado por Feitler[19] –, a enumeração e quantificação dos casos apresentam variáveis que não convém ao pesquisador desconsiderar: é preciso olhar qualitativamente para estes números. Durante a Primeira Visitação o crime de judaísmo não teve o mesmo destaque que recebeu em outras épocas, ao contrário do que se observa ao longo da história da Inquisição portuguesa, que teve no judaísmo sua “obsessão maior”[20]. As possíveis explicações para a discrepância da atuação inquisitorial que os números da Primeira Visitação apontam, quando comparados à proeminência dos casos de judaísmo no Reino, não parecem ser suficientes[21].

De uma forma geral, depois das “culpas de judaísmo”, a sodomia era o crime que mais atenção recebia no Santo Ofício português, sobretudo em relação às penas que eram destinadas àqueles acusados de cometerem o nefando – penas bastante duras, certamente, como o degredo às galés, embora os casos de entrega ao “braço secular” tenham sido pouco frequentes[22]. Comparativamente, o número de confissões e denúncias da Primeira Visitação que tiveram por fim a formação de um processo formal foi maior no caso do crime de sodomia – 24, contra 17 de judaísmo. A despeito de condenações duríssimas impostas a alguns réus[23], pode-se dizer que houve casos em que os acusados de cometerem o “nefando” foram sentenciados de forma relativamente branda, sobretudo ao levar-se em conta a gravidade das culpas que lhes foram atribuídas – a análise dos casos aqui apresentados aponta nesse sentido.

Segundo José Antonio Gonsalves de Mello, os processos da Primeira Visitação seguiram “o estilo judicial da Inquisição metropolitana” e “era idêntico o procedimento judicial neles usado ao do Tribunal de Lisboa”[24]. Ainda que se concorde com ele, é preciso destacar que a Primeira Visitação teve especificidades próprias – estrutura disponível, pessoal envolvido[25], dificuldades encontradas etc. –, acontecendo em condições bem diferentes daquelas observadas no mesmo período no Tribunal de Lisboa. Por outro lado, também é importante ressaltar que o primeiro visitador

andou extrapolando as instruções que recebera do Cardeal Alberto, as quais lhe investiam do poder de, sobretudo, instruir os processos cabíveis, remetendo os suspeitos para Lisboa, e só despachando os casos mais simples. Mandou prender suspeitos sem licença do Conselho Geral do Santo Ofício, órgão máximo da Inquisição Portuguesa; processou na colônia réus que deveriam ser julgados na metrópole; enviou a ferros para Lisboa réus com processos mal instruídos; absolveu indivíduos com grave presunção de culpa, segundo os inquisidores de Lisboa; sentenciou gente que o Conselho considerava inocente; realizou, enfim, verdadeiros autos de fé públicos, sem ter autorização para tanto, embora não tenha condenado ninguém à fogueira de moto próprio[26].

 

Por ter se excedido em suas funções, foram feitas duras críticas pelo Conselho Geral do Santo Ofício à atuação de Heitor Furtado[27]. Mas se em alguns processos o visitador foi considerado rigoroso demais, em outros, mesmo não tendo autorização para proceder em casos mais graves, a crítica recebida foi justamente por ter sido muito leniente com alguns réus. E as principais críticas feitas pelo Conselho Geral à “brandura” do primeiro visitador são relativas às sentenças dadas a alguns acusados de cometer o crime de sodomia – os quatro casos aqui analisados referem-se exatamente a tal conduta.

 

1º CASO, PROCESSO CONTRA FRUTUOSO ÁLVARES[28]

            Começaremos a análise com um processo bastante conhecido, o do padre Frutuoso Álvares, clérigo de missa, vigário de Matoim, que se apresentara ao visitador em 29 de julho de 1591, em Salvador, para confessar “tocamentos desonestos com algumas quarenta pessoas[,] pouco mais ou menos”[29]. Mesmo para alguém “conhecedor da miséria humana”, na observação arguta de Emanuel Araújo[30], a confissão do padre parece ter sido recebida com alguma irritação pelo visitador, como se depreende da admoestação feita por Heitor Furtado[31]. No entanto, a despeito de ele ter “esquecido” de fazer confissão completa de um ato de sodomia perfeitíssima com um “mancebo” – pelo qual seria denunciado posteriormente[32] –, a sentença do padre pode ser considerada a mais branda dentre as aqui analisadas[33]. Isto porque, embora fosse a primeira vez que o sacerdote se apresentava no foro inquisitorial, ele já havia sido condenado em outras instâncias judiciais pelo mesmo crime[34] – a sodomia era crime de foro misto em Portugal –, afora as duas vezes em que o padre foi acusado, sendo que em uma delas “saiu absoluto por não haver prova bastante”[35], como destacado na sentença prolatada por Heitor Furtado. O visitador, mesmo considerando o réu “costumeiro a cometer os ditos pecados [nefandos,] sendo tantas vezes já acusado e condenado por eles em Portugal, e no Cabo Verde, e neste Brasil [...] e mostrar tão pouco cuidado de sua salvação”[36], sentenciou o padre à “suspensão das ordens por tempo de cinco meses”[37], bem como a pagar as custas – que, via de regra, eram obrigatórias para todos os réus, absolvidos ou não[38]. Surpreendentemente, a menor condenação recebida pelo padre Frutuoso Álvares por suas “culpas de sodomia” viera justamente da Inquisição portuguesa – tribunal que, até onde se tem notícia, foi o último foro a julgar as “culpas” do padre.

            Ao contrário do processo do padre Frutuoso, em que não houve o que se possa chamar tecnicamente de defesa formal, é possível citar pelo menos três processos da Primeira Visitação em que foi oferecido – e pelos réus foi aceito – o direito de se defender juridicamente por meio de um procurador. São eles: o processo de Pêro Domingues, sentenciado na primeira fase da visitação, ainda em Salvador; o processo de Pedro de Leão; e o processo do casal Francisco Martins e Isabel de Lamas – estes três últimos sentenciados em Pernambuco.

 

2º CASO, PROCESSO CONTRA PÊRO DOMINGUES[39]

Pêro Domingues apresentou-se em 04 de fevereiro de 1592, no tempo da graça, para confessar um crime de sodomia cometido, segundo disse, por culpa do vinho e de sua esposa, “moça áspera” que ao tempo da confissão tinha 13 anos – pouco mais, pouco menos, como se dizia à época –, a qual não consentiu na ocasião relatada que ele dormisse “com ela carnalmente”... Confessou também que resvalou seu “membro” no “vaso traseiro” de uma sua escrava, sem, contudo, consumar o ato nefando[40]. Pediu perdão. Mas aconteceu de ele ser denunciado pelo mesmo crime que confessara, primeiro por sua cunhada e depois pela “moça áspera” com quem casara, Maria Grega, sua esposa, ambas “mamelucas”[41]. Em um de seus depoimentos, ela afirmou “que despois que é casada com o dito seu marido, [ele] teve com ela ajuntamento carnal [apenas duas vezes] pelo vaso dianteiro natural e todas as mais vezes foi sempre no dito pecado nefando”[42]. Como a confissão feita no período da graça não batia com os depoimentos prestados pela cunhada e por sua esposa, a confissão de Pêro Domingues foi considerada “diminuta” e, vista “a qualidade das culpas”, ele foi preso em 22 de setembro de 1592[43]. O processo seguiu e, em razão de o réu não querer confessar suas culpas, foi lido para ele o “libelo da justiça”. Detalhe curioso: na falta de promotor, foi o próprio notário da visitação, Manoel Francisco, quem fez as vezes de acusador naquele processo[44]. Já o papel de procurador foi assumido pelo licenciado Dionísio de Mesquita, a quem cumpria o dever de fazer a defesa formal do acusado. O procurador ofereceu a “contrariedade” do réu e elaborou as perguntas que deveriam ser feitas às testemunhas[45], cujos depoimentos, esperava-se, comprovariam as alegações apresentadas pela defesa. Ouvidas as testemunhas de defesa, faltava apenas a sentença, a qual foi prolatada em 29 de julho de 1593 nos seguintes termos:

Foram vistos estes Autos em mesa e pareceu a todos os votos que visto como o Réu se defende bem na sua contrariedade e prova a ela dada [e] por que se mostra sua mulher e sua cunhada serem suas inimigas[.] E outrossim visto as ditas sua mulher e cunhada serem mamelucas e não de muito crédito, e ele provar sua abonação e vir no tempo da graça confessar a culpa que confessou donde se também infere por ele que se mais houvera mais confessara. E vistas as mais considerações que se tiveram, que o Réu seja absoluto da pena [...].[46]

 

A despeito das graves acusações, Pêro Domingues foi “absoluto da pena”: sua defesa teve, ao que parece, papel determinante em tal desfecho.

 

3º CASO, PROCESSO CONTRA PEDRO DE LEÃO[47]

O processo de Pedro de Leão foi julgado em Pernambuco, local em que, aparentemente, a visitação já estava mais bem aparelhada, contando com a prestação de serviços dos advogados Diogo Bahia e Jorge Barbosa Coutinho, os quais serviram na mesa inquisitorial da Primeira Visitação, respectivamente, como promotor e advogado de defesa. Acusado por uma só testemunha[48], mesmo assim Pedro de Leão foi preso a pedido do promotor[49], o qual alegou que crimes como o que o réu supostamente havia cometido “se provam dificultosamente por razão do resguardo com que se fazem”[50]. Já preso, Pedro de Leão foi admoestado “com caridade” que confessasse “a verdade de suas culpas”[51], ao que o réu respondeu

que tem cuidado muito e corrido pela memória sua vida, e que não acha em si culpa pertencente ao santo ofício e que se ele a tivera que ele a confessara. [...] perguntado se sabe ele que também ao santo ofício pertence julgar os Réus culpados no pecado nefando de sodomia[,] respondeu que sim sabe e que também sabe que se queimam os Réus desse pecado[52].

 

As perguntas feitas pelo visitador foram, aparentemente, um indicativo para Pedro de Leão das acusações pelas quais fora preso. Por se recusar a reconhecer as culpas que pesavam contra si – talvez pela razão óbvia de não as ter cometido –, ouviu o “libelo da justiça”, ocasião em que passou a ter direito a defesa formal[53]. Assumiu a sua defesa o advogado Jorge Barbosa Coutinho, que apresentou a “contrariedade”[54] e nomeou testemunhas que caracterizaram o réu como bom cristão, uma delas – o padre Diogo de Barbuda –  chegou mesmo a dizer que “que se tinha tão boa opinião dele que o não tinham por cristão-novo”[55]... Em seguida, foi feita a “publicação da prova da justiça”[56], o que indicava a gravidade que o processo assumia. Não satisfeito, o advogado de defesa ofereceu “embargos de contraditas”[57] – nos quais teve êxito ao apresentar o denunciante João Baptista como inimigo capital do réu[58]  e requereu a oitiva de novas testemunhas[59]. A pedido do promotor, os autos foram conclusos. Faltava apenas a sentença, proferida em 20 de setembro de 1595:

[...] não se prova bastantemente contra o Réu haver feito o nefando pecado de sodomia de que é acusado pela Justiça em seu libelo e que tudo visto e respeitando ao Réu ter boa abonação de sua pessoa e a outras considerações que se tiveram[,] mandam que o Réu seja solto e somente cumpra as penitências  espirituais[60].

 

No caso de Pedro de Leão parece inequívoco que a participação do advogado contribuiu sobremaneira para o desfecho processual que lhe foi amplamente favorável.

 

4º CASO, PROCESSO CONTRA FRANCISCA MARTINS E ISABEL DE LAMAS[61]

Francisco Martins foi preso e processado pelo crime de sodomia em razão da denúncia feita por sua esposa, Isabel de Lamas, com quem se casou quando ela tinha 12 anos. Em 31 de janeiro de 1594, na vila de Olinda, capitania de Pernambuco, Isabel denunciou que, ao longo de quatro anos,

todas as vezes que o dito seu marido teve com ela ajuntamento carnal foi sempre pelo dito modo sodomítico”[62]. [Falou também que] “ele lhe dava má vida e bofetadas[,] contudo ela lhe não quer mal e que vem fazer esta confissão sem induzimento de nenhuma pessoa somente por desencargo de sua consciência e que tudo passa assim na verdade[63].

 

Em face do depoimento de Isabel, o qual ainda não havia sido ratificado, o promotor pediu a prisão de Francisco. Preso[64], ele foi “admoestado com caridade que confess[asse] a verdade”, ao que respondeu “não lembra[r] culpa nenhum pertencente a esta mesa”[65]. Mas já naquela ocasião deixou claro ao visitador que “ele Réu tem a dita sua mulher e a seu sogro e toda sua família por inimigos”[66] – talvez por desconfiar, acertadamente, de onde teriam partido as acusações que resultaram em sua prisão. O momento decisivo do processo seria o da ratificação do depoimento feito por Isabel: um dos assistentes do visitador desconfiou “da desenvoltura e afirmação com que ela ratifica[,] suspeitou ele que puderia ela vir induzida por alguém, ou por algum ódio”[67]. Por certo não lhe pareceu verossímil que o réu, ao longo de quatro anos, tivesse tido apenas relações sodomíticas com sua esposa – sagacidade que demonstra o quão inteirados das coisas do mundo eram os homens da Igreja. Apesar da desconfiança que ficara em relação ao depoimento de Isabel, o processo seguiu seu curso. Como Francisco insistiu em negar a acusação a ele imputada, o promotor apresentou o “libelo da justiça”[68], e o réu passou, então, a ter direito a defesa formal[69], por meio do advogado Jorge Barbosa Coutinho, nomeado pelo próprio juiz da causa. As diversas testemunhas apresentadas na “contrariedade” corroboraram as alegações formuladas pela defesa, em especial a de que a esposa de Francisco e seus familiares eram “inimigos capitais” do réu. Feita a “publicação da prova da justiça”, o defensor apresentou os “embargos de contraditas”[70]. Em despacho, o visitador consignou no processo: “não recebo as contraditas do Réu ex causa”[71]. Ao contrário do que poderia parecer, o juiz já havia sido convencido pelos argumentos apresentados pela defesa, e, dali em diante, o processo teria um revés: de acusadora, Isabel passaria à condição de acusada, sendo presa em seguida[72]:

Vistos foram estes autos em mesa e pareceu a todos os votos que vistaa boa informação que as testemunhas dão do Réu, e a ruim informação que dão da testemunha da justiça mulher do Réu[,] e não parecer verossímil que em quatro anos nunca dormisse naturalmentecom a mulher [...] E vistos outros respeitos e o mais destes Autos de que resulta muita presunção contra a dita testemunha sua mulher de dizer falso contra ele, que a dita sua mulher Isabel de Lamas seja presa no cárcere[73].

 

Ao fim do processo[74], Francisco foi absolvido, mas admoestado a viver “pacificamente com sua mulher”[75]. Em face da gravidade de suas culpas, a sentença imposta a Isabel foi relativamente branda, e ela foi advertida que ficasse em “concórdia e quietação com o dito seu marido”[76]. Atenuante decisivo na pena recebida por Isabel foi o fato de ela ser “moça de pouco saber” e “mameluca”, como se vê na sentença:

Foram vistos estes autos em mesa e pareceu a todos os votos que visto não haver contra o Réu Francisco Martins mais prova do caso do nefando per que foi preso, que o testemunho de sua mulher, a qual ora depois de presa retratou seu testemunho e afirma ser falso o que tinha dito contra seu marido e que por ódio que lhe tinha jurou falsamente contra ele [...] que o Réu seja solto e se vá em paz e nesta mesa seja admoestado que viva pacificamente com sua mulher[.] E outrossim pareceu a todos os votos que vistos estes autos e como despois de a Ré Isabel de Lamas jurar nesta mesa contra o seu marido que fizera com ela o nefando, e ele por isso ser preso, e depois de preso e se tomarem as informações que se tomaram resultar presunção contra ela que falsa tem jurara contra ele pelo que foi presa[.] E visto ora presa retratar o que tinha dito e jurado contra o dito seu marido e confessar que tudo o que disse contra ele é falso[, e] que ela falsamente contra ele jurou nesta mesa[,] Respeitando-se porém que da dita falsidade sua e perjúrio não se seguiu condenação danosa ao Réu seu marido, e respeitando-se a ela ser moça de pouco saber e mameluca, e a outras considerações  pias que se tiveram para ela ficar em concórdia e quietação com o dito seu marido[,] que se lhe perdoem as penas de degredo e de açoite que de direito merecia e que somente vá em corpo com uma vela acesa na mão ao auto público na qual se lhe leia sua sentença em que se não especifique mais do caso se não que jurou falso nesta mesa em caso grave pertencente ao santo ofício ~ e que se lhe ponham penitências espirituais[77].

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS        

Os processos aqui analisados permitem algumas conclusões, ainda que preliminares:

i)       Os casos de absolvição ou de condenação a penas menos gravosas foram condicionados, em grande medida, pela avaliação – subjetiva, é bem verdade – daquilo que o visitador inquisitorial Heitor Furtado de Mendoça considerava como “prova bastante” para condenação[78];

ii)     Em termos processuais, as justificativas apresentadas pelos réus – tais como “estar tomado de vinho” ou ter “errado o vaso” – parecem ter sido levadas em consideração pelo visitador na definição das sentenças, uma vez que ele mesmo fazia perguntas nesse sentido a réus e testemunhas[79];

iii)   A “qualidade” dos envolvidos nos processos podia desembocar tanto em um agravamento da situação dos acusados quanto em circunstâncias consideradas atenuantes das culpas cometidas[80], como no caso de Isabel de Lamas[81]: o depoimento de réus e testemunhas tinha peso variável, a depender da idade dos envolvidos, de serem eles cristãos-velhos[82], cristãos-novos, “gente de cabedal”, “negros da terra”, negros da Guiné, “mamelucas” etc.; 

iv)   Em três dos processos aqui analisados, os réus tiveram direito a uma defesa formal, feita por advogados de defesa indicados pelo próprio visitador – o que não necessariamente implicou defesas meramente formais. Como se viu, Pêro Domingues foi absolvido, e as qualidades de sua defesa foram inclusive ressaltadas pelo visitador[83]; Pedro de Leão foi sentenciado a ser solto e “e somente cumpr[ir] as penitências espirituais”[84]; na sentença de Francisco Martins ficou consiginado “que o Réu seja solto e se vá em paz”[85];

v)      Nos casos aqui analisados, as falas das testemunhas de defesa foram importantes na definição das sentenças dos acusados, sendo decisivas para compor a sua imagem – real ou inventada – de bons cristãos.

 

Poder-se-ia dizer, com razão, que várias das decisões tomadas por Heitor Furtado de Mendoça foram questionadas não apenas pelos réus mas também pelo próprio Conselho Geral da Inquisição portuguesa – como aqui se ressaltou –, o que poderia levar à conclusão de que a Primeira Visitação teria sido, por assim dizer, uma exceção no que se refere às práticas de justiça na justiça do Santo Ofício português – assim sendo, cabe refletir: as exceções devem ser deixadas de lado pelo historiador? Poder-se-ia também levantar a hipótese de que o direito de defesa, ainda que existente, não se estenderia aos acusados de “judaísmo”, este sim, reconhecidamente, o crime mais grave da jurisdição inquisitorial – como se viu, os processos analisados neste texto referem-se apenas ao crime de sodomia. No entanto, i) os acusados de “judaísmo” pelo Tribunal de Lisboa foram, em números absolutos, os que mais receberam sentenças absolutórias no século XVI[86]; ii) era prática comum no Tribunal de Lisboa já desde o início de suas atividades oferecer defesa a réus considerados diminutos e/ou negativos, independentemente das culpas cometidas – o que não quer dizer que a instituição o fizesse movida, necessariamente, por piedade cristã: oferecer defesa aos réus era uma estratégia de defesa da imagem da própria instituição. Nesse sentido, emblemática é a correspondência do Conselho Geral para Heitor Furtado de Mendoça:

tereis advertência que daqui por diante não façais semelhantes prisões sem ter prova bastante para isso, pelo muito que importa não se desacreditar o procedimento do Santo Ofício, além dos danos e perdas que recebem as partes em suas pessoas e fazendas de que lhe socrestam[87].

 

Pouco utilizada por historiadores brasileiros e portugueses, a abordagem histórico-jurídica das práticas de justiça[88] da Inquisição portuguesa proposta neste artigo pode ser uma alternativa profícua para complementar os estudos apresentados pela historiografia: a interpretação histórica sobre o Santo Ofício português só tem a ganhar ao ampliar suas possibilidades de análise. Para além de uma história dos processados pelo Santo Ofício, dos seus agentes, e da relação da instituição com outros poderes – inquestionavelmente, estudos importantíssimos para a historiografia –, já é tempo de se escrever uma história das práticas de justiça – também elas historicizáveis – do Tribunal da Inquisição portuguesa, o qual era, também, mas não apenas, um tribunal de justiça criminal de seu tempo.

 

 

 



[*] Texto originalmente publicado na revista História, Histórias, da UnB, ISSN 2318-1729. Disponível em http://periodicos.unb.br/index.php/hh/article/view/26980/20136



[1] Não é nosso propósito fazer neste artigo uma lista minuciosa da vasta e relevante produção historiográfica sobre o tema “Inquisição portuguesa”. Sendo assim, destacamos apenas alguns dos principais nomes que, a nosso ver, são representativos de um ou mais dos campos aqui citados. A copiosa e importante obra de Anita Novinsky, orientadora de tantos historiadores brasileiros, é a mais expressiva da historiografia sobre os cristãos-novos; ressaltamos, a título de exemplo, NOVINSKY, Anita Waingort. Cristãos-novos na Bahia: a Inquisição no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2013. Já Luiz Mott é a principal referência nos estudos sobre os sodomitas processados pelo Tribunal, ao qual ele chama, em diversos de seus textos de “monstrum horrendum”; de sua produção caudalosa, pode-se citar MOTT, Luiz. Bahia: inquisição & sociedade. Salvador: EDUFBA, 2010. Em relação aos temas feitiçaria/bruxaria/práticas mágicas, destacamos i) BETHENCOURT, Francisco. O Imaginário da Magia: feiticeiras, adivinhos e curandeiros em Portugal no século XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2004; PAIVA, José Pedro. Bruxaria e Superstição num país sem “caça às bruxas”: Portugal 1600-1774. Lisboa: Notícias Editorial, 1997; e iii) SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Quanto aos agentes inquisitoriais, ressaltamos CALAINHO, Daniela Buono. Agentes da fé: familiares da Inquisição portuguesa no Brasil colonial. Bauru, SP: Edusc, 2006. Em relação à história da instituição e da sua relação com outros poderes, sublinhamos i) BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália. Séculos XIV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2004; ii) MARCOCCI, Giuseppe; PAIVA, José Pedro. História da Inquisição portuguesa (1536-1821). Lisboa: A Esfera dos Livros, 2013; iii) FEITLER, Bruno. Nas malhas da consciência. Igreja e Inquisição no Brasil. São Paulo: Alameda: Phoebus, 2007; e iv) LOPEZ-SALAZAR CODES, Ana Isabel.Monarquia hispánica en tiempos del perdón general de 1605. Lisboa: Colibri, 2010. Quanto às biografias históricas, ressaltamos VAINFAS, Ronaldo. Antônio Vieira: jesuíta do rei. São Paulo Companhia das Letras, 2011. Em relação à ação inquisitorial no Brasil, além de alguns dos autores e obras citados acima, também destacamos SIQUEIRA, Sonia. A Inquisição portuguesa e a sociedade colonial. São Paulo: Ática, 1978. Por fim, como exemplo das relevantes obras coletivas produzidas pela historiografia, ressaltamos i) NOVINSKY, Anita; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (Coord.). Inquisição: ensaios sobre mentalidade, heresias e arte. Rio de janeiro: Expressão & Cultura, 1992; ii) GORENSTEIN, Lina; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (orgs.). Ensaios sobre a Intolerância: Inquisição, Marranismo e Anti-semitismo. São Paulo: Humanitas/LEI, 2005; e VAINFAS, Ronaldo; FEITLER, Bruno, LINA, L. L. G., (orgs.). A Inquisição em Xeque: temas, controvérsias, estudos de caso. Rio de Janeiro: Editora Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2006.

[2] Dois dos mais importantes nomes da historiografia brasileira, Sonia Siqueira e Anita Novinsky, apontam nesse sentido. A defesa como mera formalidade jurídica foi sublinhada por Sonia Siqueira: “[...] o Santo Ofício só procedia contra alguém após opinião convicta da existência da heresia, compreende-se facilmente que a ação efetiva dos Procuradores parece ter-se limitado à elaboração, dentro de fórmulas jurídicas do tempo, das contraditas possíveis, aos libelos dos promotores. Organização formal apenas, não arrazoados ou defesa no sentido autêntico dos procedimentos judiciais comuns”. SIQUEIRA, Sonia. A disciplina da vida colonial: os Regimentos da Inquisição. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a. 157, n. 392, jul./set. 1996, p. 541-542. Já para Anita Novinsky, os processos inquisitoriais constituíam uma farsa. Em diversos textos, Anita Novinsky desconsidera qualquer possiblidade efetiva de defesa e chega mesmo a afirmar que “não importava a gravidade do crime, a Inquisição não absolvia jamais”. NOVINSKY, Anita. A Inquisição. (Coleção Tudo é História, 49). São Paulo: Editora Brasiliense, 1985, p. 65, grifo nosso. Discutindo a produção historiográfica de Novinsky, Lina Gorenstein e Maria Luiza Tucci Carneiro destacam que “o julgamento sempre levava à condenação do réu e, da maneira como estava construída a máquina inquisitorial, o réu era sempre culpado”. GORENSTEIN, Lina; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (orgs.). Ensaios sobre a Intolerância: Inquisição, Marranismo e Anti-semitismo. São Paulo: Humanitas/LEI, 2005, p. 15, grifos nossos.

[3] Um dos poucos a contraditar a ideia da defesa nos processos inquisitoriais como um pro forma jurídico, Ronaldo Vainfas afirma que “o papel dos procuradores – os advogados dos presos – foi por vezes mais importante que o suposto na ‘legenda negra’ da Inquisição. Eram decerto funcionários do tribunal, somente habilitados se naturais do Reino, cristãos-velhos, limpos de ‘sangue infecto’ e de infâmias morais, e deviam ainda ser pessoas de ‘letras, prudência, e confiança, graduadas em Canônes ou Leis’ e, de preferência, eclesiásticas. Sua atuação na defesa dos acusados era em tudo dificultada pelas regras do segredo que norteavam o processo – ao qual não tinham acesso –, mas tais homens não foram apenas gendarmes da lnquisição, nem se limitavam a exortar o réu a confessar, alegando que não lhe restava outro remédio. Ao menos no caso de sodomitas – embora talvez não em crimes de judaísmo –, surpreendemos notáveis defesas de advogados baseadas unicamente na ciência que tinham do funcionamento do tribunal e dos critérios da Inquisição para formar as culpas”. VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 315.

[4] Por exemplo, para Helen Ulhôa Pimentel, “de uma maneira geral, as punições estabelecidas por Heitor Furtado de Mendonça foram bastante brandas, apesar de, segundo as observações do Conselho Geral, ter abusado em algumas penas”. ULHÔA PIMENTEL, Helen. Sob a lente do santo Ofício: um visitador na berlinda. Textos de História (UnB), v. 14, p. 37-55, 2006, p. 44, grifo nosso.

[5] “Mendoça”, e não “Mendonça”, era a preferência do próprio visitador: “Heitor Furtado de Mendoça, sem o segundo n, à castelhana, como [ele] fazia questão de assinar”. MELLO, Evaldo Cabral de. O nome e o sangue: uma parábola genealógica no Pernambuco colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 134.

[6] Segundo José Antonio Gonsalves de Mello, Heitor Furtado de Mendoça teria sugerido ao Conselho Geral da Inquisição portuguesa a “conveniência de que se estabelecesse no Brasil um tribunal pleno do Santo Ofício, onde fossem julgados ‘em final’, o qual seria constituído por ele próprio e seus assessores religiosos”, sugestão que não foi acatada. MELLO, José Antonio Gonsalves de. Um tribunal da Inquisição em Olinda. Revista Universidade de Coimbra, 1991, p. 370. Bruno Feitler aponta dois momentos importantes em que se discutiu a criação de um tribunal inquisitorial no Brasil: o primeiro, na década de 1620, quando se tentou criar um tribunal na Bahia, e o segundo, em 1639, em que se cogitou a criação de um tribunal no Rio de Janeiro. Feitler aponta também um pedido feito em 1599 ao Conselho Geral pelo bispo da Bahia, d. Antônio Barreiros – que havia participado como prelado na Primeira Visitação – no sentido de se criar um tribunal na Bahia, pedido este que foi negado. FEITLER, Bruno. Usos políticos del Santo Oficio portugués en el Atlántico (Brasil y África occidental). El período filipino. Hispania Sacra. Madrid, 2007. Já para Ana Isabel Lopez-Salazar Codes, “Filipe IV fracassou [...] na sua tentativa de erigir um tribunal inquisitorial no Brasil [...] devido ao choque entre os desejos da Coroa e os interesses do Santo Ofício. O rei pretendia criar um tribunal na Bahia presidido pelo bispo, ao passo que o inquisidor geral e o Conselho [Geral] sustentavam a necessidade de estabelecê-lo conforme aos existentes no reino, isto é, com inquisidores e deputados”. LOPEZ-SALAZAR CODES, Ana Isabel. “Con grande perturbación del Santo Oficio”. A reforma da Inquisição portuguesa no tempo dos Filipes. In: CARDIM, Pedro; COSTA, Leonor Freire; e CUNHA, Mafalda Soares da (orgs.). Portugal na Monarquia hispânica. Dinâmicas de integração e de conflito. Lisboa, 2013, p. 193.

[7] Ao que parece, o único autor a discordar de tal afirmação é José Antonio Gonsalves de Mello. Para ele, ainda que provisoriamente e com poderes limitados, houve um efetivo tribunal na colônia, em razão das várias pessoas submetidas a julgamento na Bahia e em Pernambuco durante a presença de Heitor Furtado de Mendoça no Brasil: “é certo que as culpas que eram objeto [dos julgamentos feitos por Mendoça] eram da competência da Inquisição e que era idêntico o procedimento judicial neles usado ao do Tribunal de Lisboa, com processos, inquirições, libelos, contrariedades, com participação de promotores, advogados, etc. como na metrópole. É, ainda, certo que o colegiado formado pelo Visitador e assessores não pode ser considerado um tribunal de primeira instância, pois que na sua alçada julgava ‘em final’ e não havia recurso para o Reino e seus julgamentos não foram revistos, nem mesmo quando não foram considerados pelos inquisidores de Lisboa justos e acertados. [...] houve no Brasil [...] um Tribunal do Santo Ofício, embora com alçada limitada a culpas que exigissem abjuração de levi”. MELLO, José Antonio Gonsalves de. Um tribunal da Inquisição em Olinda. Revista Universidade de Coimbra, 1991, p. 374.

[8] Para Ronaldo Vainfas, “as visitações eram uma espécie de Justiça itinerante, mais informal e agilizada em sua atuação que o solene Palácio dos Estaos”. VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 315.

[9] Tais indícios “apontam para a realização de uma primeira visita às capitanias do Sul [anterior à que ocorre nos anos 1627-1628], em 1605, e é possível que outras tenham tido lugar mas, até agora, a sua realização não pôde ser comprovada”. PEREIRA, Ana Margarida Santos. Terceira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil. Capitanias do Sul, 1627-1628. Politeia: História e Sociedade, 2011, p. 39-40.

[10] Vários autores se dedicaram ao estudo da Primeira Visitação, boa parte deles é elencada ao longo deste artigo; destes, destacamos SIQUEIRA, Sonia. A Inquisição portuguesa e a sociedade colonial. São Paulo: Ática, 1978; e VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.

[11] BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália. Séculos XIV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 216.

[12] Bruno Feitler aponta que “segundo os dados da documentação originada das duas primeiras visitações, mesmo se o maior número de denúncias foi de culpas de judaísmo (207), elas parecem não ter originado mais que 17 processos”. FEITLER, Bruno. A ação inquisitorial no Brasil: uma tentativa de análise. In: FURTADO, Júnia Ferreira e RESENDE, Maria Leônia Chaves de (orgs.). Travessias inquisitoriais das minas Gerais aos cárceres do Santo Ofício: diálogos e trânsitos religiosos no império luso-brasileiro (sécs. XVI - XVIII). Belo Horizonte: Fino Traço, 2013, p. 31.

[13] FEITLER, Bruno. A ação inquisitorial no Brasil: uma tentativa de análise. In: FURTADO, Júnia Ferreira e RESENDE, Maria Leônia Chaves de (orgs.). Travessias inquisitoriais das minas Gerais aos cárceres do Santo Ofício: diálogos e trânsitos religiosos no império luso-brasileiro (sécs. XVI - XVIII). Belo Horizonte: Fino Traço, 2013, p. 32.

[14] VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2000, p. 586.

[15] Segundo Vainfas, “Anita Novinsky atribuiu a decisão [de ter a Inquisição de Lisboa enviado a primeira visitação ao Brasil] à crescente prosperidade açucareira do nordeste colonial e ao fato de que muitos comerciantes e senhores de engenho da região eram cristãos-novos, ali estabelecidos desde meados do século XVI. Sugere, portanto, que a motivação principal da visitação teria sido a perseguição aos cristãos-novos e o confisco de seus bens”. VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2000, p. 586. Em sentido parecido ao das conclusões de Anita Novinsky, José Antonio de Mello Gonsalves de Mello afirma que como a Primeira Visitação foi “levada a efeito nos dois principais núcleos açucareiros da colônia, é de crer que estivesse relacionada com a presença naquelas duas capitanias de numerosa parcela de cristãos-novos; e, consequentemente, de possíveis judaizantes”. MELLO, José Antonio Gonsalves de. Um tribunal da Inquisição em Olinda. Revista Universidade de Coimbra, 1991, p.  07.

[16] MARCOCCI, Giuseppe; PAIVA, José Pedro. História da Inquisição portuguesa (1536-1821). Lisboa: A Esfera dos Livros, 2013, p. 118, grifo nosso.

[17] “[...] as visitas [...] ao Brasil, em 1591-5 e em 1618-20, são sempre monopolizadas pelo delito de judaísmo”. BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália. Séculos XIV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 217.

[18] MEA, Elvira Cunha. Os cristãos-novos, a Inquisição e o Brasil – séc. XVI. Revista da Faculdade de Letras. Porto: Universidade do Porto. Faculdade de Letras, 1987, p. 156. Disponível em: <https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/8941>. Acesso em: 6 dez. 2017, grifos nossos.

[19] “A ação da Inquisição não pode (e não deve) ser avaliada apenas a partir dos números de prisões ou de execuções, pois sua influência sobre as sociedades em que atuava ultrapassava em muito sua ação penal”. FEITLER, Bruno. A ação inquisitorial no Brasil: uma tentativa de análise. In: FURTADO, Júnia Ferreira e RESENDE, Maria Leônia Chaves de (orgs.). Travessias inquisitoriais das minas Gerais aos cárceres do Santo Ofício: diálogos e trânsitos religiosos no império luso-brasileiro (sécs. XVI - XVIII). Belo Horizonte: Fino Traço, 2013, p. 42.

[20] Para Ronaldo Vainfas, “o judaísmo secreto dos cristãos novos [...] continuou a ser a obsessão maior dos inquisidores portugueses, disso não resta dúvida, e assim seria até a metade do século XVIII. No caso do Brasil seria mesmo com a Primeira Visitação que os cristãos novos da Colônia passariam a conhecer a desdita dos inquéritos e prisões de que se julgavam até então livres, por não haver na Colônia um tribunal inquisitorial específico. Mas neste fim do século XVI [...] o campo semântico e penal da heresia se havia ampliado consideravelmente, no âmbito da Inquisição Portuguesa [...]”. VAINFAS, Ronaldo (org). Confissões da Bahia: Santo Ofício da Inquisição de Lisboa. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 10-11.

[21] Segundo Feitler, “[a] aparente discrepância da ação inquisitorial no Brasil e no Reino, onde os judaizantes foram, nessa época e desde o início das atividades inquisitoriais em Portugal, o maior alvo do tribunal, pode ter duas causas; seja, como chegaram a aventar alguns historiadores, que não interessava à coroa desbaratar ou afugentar os cristãos-novos da colônia por seu importante papel na ocupação territorial, o que desestabilizaria o difícil adensamento populacional de origem branca, seja a perda de uma parte da documentação da primeira visitação à Bahia, mais especificamente relativa ao recôncavo baiano, região açucareira de importante população cristã-nova (Prado, 1976:107)”. FEITLER, Bruno. A ação inquisitorial no Brasil: uma tentativa de análise. In: FURTADO, Júnia Ferreira e RESENDE, Maria Leônia Chaves de (orgs.). Travessias inquisitoriais das minas Gerais aos cárceres do Santo Ofício: diálogos e trânsitos religiosos no império luso-brasileiro (sécs. XVI - XVIII). Belo Horizonte: Fino Traço, 2013, p. 31.

[22] Conforme Luiz Mott, “os sodomitas, culpados pelo abominável pecado nefando, depois dos cristãos-novos, foram os que mais duramente penaram nas garras deste monstrum terribilem: das 4.419 denúncias registradas nos Repertórios do Nefando, na Torre do Tombo de Lisboa, aproximadamente 400 redundaram no encarceramento dos homossexuais acusados, e destes, trinta terminaram seus dias na fogueira”. MOTT, Luiz. Justitia et misericordia: a Inquisição portuguesa e a repressão ao nefando pecado de sodomia. In: NOVINSKY, Anita; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (Coord.). Inquisição: ensaios sobre mentalidade, heresias e arte. Rio de Janeiro: Expressão & Cultura, 1992, p. 704, grifo nosso. Em texto mais atual, o historiador apresenta porcentagens e números mais detalhados, mas sem contradizer o número de 30 sodomitas executados, ver MOTT, Luiz. Filhos de Abraão & de Sodoma: cristãos-novos homossexuais no tempo da Inquisição. In: GORENSTEIN, Lina; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (orgs.). Ensaios sobre a intolerância: inquisição, marranismo e antissemitismo. São Paulo: Humanitas/LEI, 2002, p. 23-63.

[23] Dentre os acusados de sodomia, a pena mais dura foi a recebida por André Freitas de Leça: dez anos de galés. Contudo, o Conselho Geral parece não ter ficado satisfeito com a pena imposta por Heitor Furtado: eles queriam uma pena ainda mais dura. Na capa do processo consta a seguinte informação: “este delito tem pena de morte por direito”. ANTT/IL, processo 8.473.

[24] MELLO, José Antonio Gonsalves de. Um tribunal da Inquisição em Olinda. Revista Universidade de Coimbra, 1991, p. 371 e 374.

[25] Conforme Capistrano de Abreu, a comitiva da visitação era bastante enxuta: “a visitação exigia apenas três pessoas, visitador, notário e meirinho”, Primeira Visitação do Santo Officio ás Partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado de Mendoça capellão fidalgo del rey nosso senhor e do seu desembargo, deputado do Santo Officio. Confissões da Bahia 1591-92. Capistrano de Abreu (prefácio). São Paulo: Editor Paulo Prado, 1922, p. 17. A comitiva inquisitorial da Primeira Visitação estava de acordo com o que previa o capítulo 5º Regimento de 1552: “quando parecer tempo aos Inquisidores para visitar a comarca e[m] que Residem ou alguns lugares dela o foram em esta maneira irá um Inquisidor com um notário e meirinho e solicitador se for necessário”. SIQUEIRA, Sonia Aparecida. A disciplina da vida colonial: os Regimentos da Inquisição. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a. 157, n. 392, jul./set. 1996, p. 575. Além de Heitor Furtado de Mendoça, compuseram a comitiva inquisitorial o notário Manoel Francisco e o meirinho Francisco de Gouvêa. Por outro lado, a visitação também contou com pessoal de apoio que não pertencia aos quadros inquisitoriais. Ao que parece, tanto os que exerceram as funções de procuradores (advogados de defesa) dos réus como de promotor (acusador), não tinham experiência anterior em processos inquisitoriais. Foram eles: Dionísio de Mesquita e Jorge Barbosa Coutinho, os quais atuaram como advogados de defesa, o primeiro na Bahia e o segundo em Pernambuco, e Diogo Bahia, que desempenhou a função de promotor apenas em Pernambuco. Em Salvador, foi o próprio notário inquisitorial, Manoel Francisco, quem fez as vezes de promotor.

[26] VAINFAS, Ronaldo (org). Confissões da Bahia: Santo Ofício da Inquisição de Lisboa. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 27-28. No mesmo sentido, José Antonio Gonsalves de Mello afirma que “Heitor Furtado de Mendoça foi considerado leviano e precipitado em sua atuação na Bahia e em Pernambuco. Alguns presos por culpas da Inquisição, por ele mandados para Lisboa, lá foram soltos ‘por as culpas não serem bastantes’; os autos-de-fé que fez ali e aqui foram também censurados no Reino”. Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil. Denunciações e Confissões de Pernambuco, 1593-1595. Prefácio de José Antonio Gonsalves de Mello. Recife: FUNDARPE, 1984, sem número de página [p. 21, contada a partir da capa]. Ainda com relação aos excessos de Heitor Furtado, Sonia Siqueira afirma que a confiança que o Conselho Geral tinha em Heitor Furtado “não era muito grande, pois aquele Visitador se excedeu, seja promovendo um precipitado Auto-de-Fé, seja remetendo a Lisboa processos mal instruídos”.  SIQUEIRA, Sonia. A Inquisição portuguesa e a sociedade colonial. São Paulo: Ática, 1978, p. 199. Por seus excessos, Heitor Furtado foi advertido duramente pelo Conselho Geral: “tereis advertência que daqui por diante não façais semelhantes prisões sem ter prova bastante para isso, pelo muito que importa não se desacreditar o procedimento do Santo Ofício, além dos danos e perdas que recebem as partes em suas pessoas e fazendas de que lhe socrestam”. BAIÃO, António. “Correspondência inédita do inquisidor geral e Conselho Geral do Santo Ofício para o primeiro visitador da Inquisição no Brasil”. In: Brasília. Coimbra, 1942, vol 1, p. 547 apud SIQUEIRA, Sonia. A Inquisição portuguesa e a sociedade colonial. São Paulo: Ática, 1978, p. 199.

[27] Para um apanhado detalhado dos casos, ver SIQUEIRA, Sonia. A Inquisição portuguesa e a sociedade colonial. São Paulo: Ática, 1978, p. 199-200; e ULHÔA PIMENTEL, Helen. Sob a lente do santo Ofício: um visitador na berlinda. Textos de História (UnB), v. 14, p. 37-55, 2006.

[28] ANTT/IL, processo nº 5.846, contra o Padre Frutuoso Álvares. Disponível em: <http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2305880>. Acesso: em 6 dez. 2017.

[29] ANTT/IL, processo nº 5.846, fl. 2.

[30] No entanto, há um evidente exagero da parte de Emanuel Araújo – no trecho a seguir –, o qual parece desconsiderar que o clero compunha boa parte dos processados pelo Santo Ofício português, logo não haveria “surpresa” para o visitador o fato de ser um padre o primeiro a confessar, muito menos pelo crime que confessara, “culpas” de sodomia, conhecida desde a época medieval como “vício dos clérigos”. Nesse sentido, o “choque” parece ter saído apenas da pena do historiador: “Foi um choque. E a situação, além de surpreendente, tornava-a por si bastante embaraçosa. Logo a primeira pessoa ouvida pelo primeiro inquisidor da primeira visitação do tribunal do Santo Ofício ao Brasil era um sacerdote. Não se tratava de um recém-ordenado, mas de um padre de 65 anos, portanto com muitos e muitos anos de prática no pastoreio de vasto rebanho de ovelhas pecadoras. E justo ele, um velho religioso, vinha abertamente declarar-se pederasta confesso e assumido”. ARAÚJO, Emanuel. O teatro dos vícios: transgressão e transigência na sociedade urbana colonial. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997, p. 189.

[31] “[...] o senhor visitador o admoestou muito que, pois era sacerdote e pastor de almas, e tão velho, pois disse que é de sessenta e cinco anos pouco mais ou menos, e tem passado tantos atos torpes em ofensa de Deus Nosso Senhor, e ainda há um só mês que os deixou de cometer”. VAINFAS, Ronaldo (org). Confissões da Bahia: Santo Ofício da Inquisição de Lisboa. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, grifo nosso. Neste artigo, optou-se por uma atualização ortográfica mínima, semelhante em alguma medida àquela adotada por Vainfas na organização do Confissões da Bahia; atualização esta que, a nosso ver, facilita a leitura e o entendimento do texto, mas que não compromete a fala e a escrita originais. De qualquer forma, a referência às citações dos processos aqui analisados seguirá uma formatação acadêmica, inclusive com a indicação dos fólios. Por exemplo, para o trecho citado acima, a referência é ANTT/IL, processo nº 5.846, fl. 5v.

[32] O padre seria denunciado pouco menos de um mês depois, em 17 de agosto de 1593, por Jerônimo de Parada, um dos vários “mancebos” com os quais se envolvera na Bahia. O traslado da confissão de Jerônimo de Parada foi acostado aos autos de Frutuoso Álvares: ANTT/IL, processo nº 5.846, fl. 6-9.

[33] Consideração semelhante é feita pelo historiador Angelo Adriano Faria de Assis, para quem a pena recebida pelo padre foi “demasiadamente branda para a época e pelo crime que [ele] cometeu”. ASSIS, Angelo Adriano Faria de. João Nunes, um rabi escatológico na Nova Lusitânia: sociedade colonial e Inquisição no nordeste quinhentista. São Paulo: Alameda, 2011, p. 46, grifo nosso.

[34] O padre foi condenado pelo ordinário, em Braga, a degredo para as galés, pena que ele mesmo admite não ter cumprido. Esteve em Cabo Verde, de onde foi mandado preso para Lisboa. Lá, foi acusado em razão de “tocamentos torpes” com dois mancebos e por apresentar um documento falso – provavelmente relativo ao degredo que ele não cumpriu –, tendo sido condenado a degredo perpétuo para o Brasil, punição que não o impediu de exercer o cargo de vigário, em Matoim, na Bahia, local em que residia quando se apresentou ao visitador inquisitorial. Chegou a ser acusado no Brasil por pelo menos mais quatro pessoas, em duas oportunidades diferentes; na primeira delas foi absolvido por falta de provas; já na segunda, o padre foi condenado a penas pecuniárias e à suspensão das ordens “por certo tempo”.

[35] ANTT/IL, processo nº 5.846, fl. 17v.

[36] ANTT/IL, processo nº 5.846, fl. 19.

[37] ANTT/IL, processo nº 5.846, fl. 20.

[38] No entanto, como destacado por Vainfas, o pagamento de custas “não era exatamente uma pena, pois mesmo os réus absolvidos ou simplesmente admoestados na sala eram abrigados a fazê-lo”. VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 386. Ressalte-se que a própria defesa dos réus era custeada pelo pagamento das custas processuais. Os réus reconhecidamente pobres tinham suas despesas pagas pelo Santo Ofício, conforme o que preceituava o Regimento de 1613: “Quando as partes disserem que não querem procurador, e parecer aos Inquisidores que é o negócio de qualidade para lhe ser dado, sempre lho darão, e mandarão que procure por eles e defenda suas causas, para que não fiquem indefesos; e quando forem tão pobres que não tiverem por onde pagar, lhe mandarão satisfazer seu trabalho, à custa do dinheiro das despesas da Inquisição”. De quando se há de dar procurador às partes ainda que digam que o não querem, XXXV. Regimento de 1613. In: SIQUEIRA, Sonia Aparecida (ed.). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a. 157, n. 392, jul./set. 1996, p. 639. Mas, certamente, a prática era anterior à sua codificação.

[39]ANTT/IL, processo nº 2.525, contra Pêro Domingues. Disponível em: <http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2302449>. Acesso em: 6 dez. 2017.

[40] ANTT/IL, processo nº 2.525, fl. 2v-3.

[41] Francisca Grega denuncia o cunhado em 31 de janeiro de 1592, ANTT/IL, processo nº 2.525, fl. 4-5; Maria Grega também se apresenta no mesmo dia perante o visitador, ANTT/IL, processo nº 2.525, fl. 6-7v, o que sugere que a confissão de Pêro Domingues, que acontecerá cinco dias depois, pode ter sido motivada pelos depoimentos de sua cunhada e esposa.

[42] ANTT/IL, processo nº 2.525, fl. 11v.

[43] ANTT/IL, processo nº 2.525, fl. 17.

[44] Conforme trecho de processo citado por Angelo Assis, o notário Manoel Francisco também exerceu tal papel no caso do réu João Nunes, acusado de judaísmo: “[...] eu, notário, em falta de promotor da Justiça do Santo Ofício, requeri ao dito senhor [visitador] mandasse fazer conclusos estes autos destas culpas de João Nunes, cristão-novo, e as despachasse como fosse justo [...]”. ASSIS, Angelo Adriano Faria de. João Nunes, um rabi escatológico na Nova Lusitânia: sociedade colonial e Inquisição no nordeste quinhentista. São Paulo: Alameda, 2011, p. 70-71, grifo nosso.

[45] A defesa formal tem 5 fólios em ANTT/IL, processo nº 2.525, fl. 34-38v.

[46] ANTT/IL, processo nº 2.525, fl. 52.

[47]ANTT/IL, processo nº 13.139, contra Pedro de Leão. Disponível em: <http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2313353>. Acesso em: 6 dez. 2017.

[48] A acusação foi feita por João Baptista, em 12 de agosto de 1593, ainda em Salvador, ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 3, mas o processo terá seguimento apenas quando a visitação já se encontrar em Pernambuco. Aparentemente, João Baptista fez uma denúncia falsa contra Pedro de Leão – pelo que se depreende dos autos, a denúncia foi motivada por uma briga entre os dois. Ao fim do processo, o denunciante será reconhecido como inimigo capital do réu.

[49] A prisão aconteceu em 12 de agosto de 1595, cf. ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 8. Mas por falta de provas, o réu foi solto pouco mais de quarenta dias depois, em 25 de setembro de 1595, cf. ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 31.

[50] ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 7v.

[51] ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 8v.

[52] ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 9-9v.

[54] ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 16-16v (“contrariedade” e lista das testemunhas).

[55] Regra geral, o fato de ser cristão-novo pesava contra os acusados. Ao fazer um elogio ao réu, a testemunha de defesa dá bem a dimensão do preconceito que existia contra a “gente da nação”. ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 18.

[56] ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 23.

[57] ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 24.

[58] Nas contraditas, Pêro Domingues, por meio de seu advogado afirmou: “provará o Réu Pedro de Leão que um [certo] João Baptista que esteve na cidade do salvador na Bahia de todos os santos nesta província do Brasil é seu inimigo capital por que há muitos anos que ele Réu lhe deu uma bofetada e o diz o ameaçou dizendo que nalgum tempo lhe havia de pagar [...]”. ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 24.

[59] ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 26-28.

[60] ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 30, grifos nossos. As penitências espirituais a que ele foi sentenciado foram as seguintes: “que no ano que se segue se confesse e comungue de conselho de seu confessor cinco vezes fora da obrigação da quaresma e a primeira vez seja logo de confissão geral de sua vida e que jejue cinco quartas-feiras e em cada uma delas reze uma coroa de nossa senhora”. ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 29v

[61] ANTT/IL, processo nº 9.480, contra Francisco Martins e Isabel de Lamas. Disponível em: <http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2309626>. Acesso em: 6 dez. 2017. A princípio, o processo foi instaurado apenas contra Francisco Martins, acusado de cometer o crime de sodomia. Posteriormente, Isabel de Lamas será condenada por “falsidades e perjurios”.

[62] ANTT/IL, processo nº 9.480, fl. 3.

[63] ANTT/IL, processo nº 9.480, fl. 5.

[64] À época da denúncia feita por sua esposa, Francisco havia “ido ao sertão na companhia dos que vão descobrir o salitre”, ANTT/IL, processo nº 9.480, fl. 2v. Por essa razão, a prisão de Francisco Martins aconteceu apenas em 9 de junho de 1595, provavelmente, por ocasião de seu retorno; já a sua soltura acontecerá pouco mais de um mês depois, em 24 de julho do mesmo ano.

[65] ANTT/IL, processo nº 9.480, fl. 7.

[66] ANTT/IL, processo nº 9.480, fl. 9v.

[67] ANTT/IL, processo nº 9.480, fl. 12v.

[68] ANTT/IL, processo nº 9.480, fl. 18.

[69] Além dos argumentos de defesa, o advogado apresentou uma lista de 12 testemunhas. ANTT/IL, processo nº 9.480, fl. 21.

[70] Nos seus embargos, ANTT/IL, processo nº 9.480, fls. 43-44, o advogado apresentou uma lista ainda maior de textemunhas, que, no entanto, não chegaram a ser ouvidas, pois Heitor Furtado já havia formado convicção favorável ao réu.

[71] ANTT/IL, processo nº 9.480, fl. 44.

[72] Isabel de Lamas foi presa em 20 de julho, sendo “solta em fiança depositária” no dia 25 de julho – uma vez que ela ainda teria penas a cumprir –: “aos vinte e cinco dias do mês de julho de mil e quinhentos e noventa e cinco em Olinda perante o senhor visitador apareceu Rodrigo Eanes pai da Ré Isabel de Lamas e se obrigou como fiel carcereiro depositário [de] entregar a dita sua filha presa quando pelo senhor visitador lhe for mandado”, ANTT/IL, processo nº 9.480, fl. 53.

[73] ANTT/IL, processo nº 9.480, fls. 44v-45.

[74] Ressalte-se a celeridade do processo, que entre a prisão do acusado e a sentença levou pouco mais de um mês.

[75] ANTT/IL, processo nº 9.480, fl. 52.

[76] ANTT/IL, processo nº 9.480, fl. 52.

[77] ANTT/IL, processo 9.480, fl. 51v-52v, grifo nosso.

[78] Por exemplo, é dito no processo de Pedro de Leão que “não se prova bastantemente contra o Réu haver feito o nefando pecado de sodomia de que é acusado pela Justiça em seu libelo”. O réu acaba solto, condenado a “somente” cumprir penitências espirituais. ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 29.

[79] Sonia Siqueira chama atenção para circunstâncias que poderiam ser consideradas pelo visitador como atenuantes da culpa: “perguntava também o Inquisidor sobre algumas circunstâncias que poderiam ser atenuantes, como, se o acusado costuma tomar-se de vinho, [...] se estava em seu siso, e sobre quaisquer outros dados que pudessem melhor esclarecer a Mesa”. SIQUEIRA, Sonia. A Inquisição portuguesa e a sociedade colonial. São Paulo: Ática, 1978, p. 246. Luiz Mott pontua que as perguntas feitas aos réus no foro inquisitorial visavam apurar a responsabilidade criminal do réu: “quando menos, desde a primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil, já em 1591, era uma preocupação constante, nos interrogatórios inquisitoriais, perguntar ao confessando se ‘estava no perfeito uso do seu juízo ou se tinha tomado vinho’ por ocasião do cometimento do pecado ou crime que o levava agora às barras deste Santo Tribunal, visando avaliar o grau de responsabilidade criminal ou intencionalidade do delito”. MOTT, Luiz. In vino veritas: vinho e aguardente no cotidiano dos sodomitas luso-brasileiros à época da Inquisição. Topoi. v. 6, n. 10, jan.-jun. 2005, p. 10.

[80] Para uma apropriada discussão sobre as circunstâncias atenuantes em processos inquisitoriais, ver GACTO FERNANDEZ, Enrique. Las circunstancias atenuantes de la responsabilidad criminal en la doctrina jurídica de la Inquisición. Estudios penales y criminológicos. Universidad de Santiago de Compostela, 1991. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2103551>. Acesso em: 6 de dez. 2017.

[81] “[...] respeitando-se a ela ser moça de pouco saber e mameluca”, Isabel de Lamas acabou por ter perdoadas “as penas de degredo e de açoite que de direito merecia” por culpas de “falsidades e perjúrios”. ANTT/IL, processo 9.480, fl. 52.

[82] Não por acaso, o padre Frutuoso Álvares fez questão de destacar em sua confissão que “é cristão velho de todos os costados”. ANTT/IL, processo nº 5.846, fl. 4v.

[83]o Réu se defende bem na sua contrariedade e prova a ela dada”. ANTT/IL, processo nº 2.525, fl. 52, grifo nosso.

[84] ANTT/IL, processo nº 13.139, fl. 30.

[85] ANTT/IL, processo nº 9.480, fl. 54.

[86] O que não chega a ser uma surpresa, em face de o número de processos de judaísmo no Tribunal de Lisboa, ao longo do século XVI – e mesmo nos séculos seguintes –, ser bem maior que o de outros crimes. Para alguns dados relativos ao século XVI, ver FERNANDES, Alécio Nunes. Por “defeito da prova”: a sentença de absolvição em processos inquisitoriais do Tribunal de Lisboa (século XVI). In: XXIX Simpósio Nacional de História – contra os preconceitos: história e democracia, 2017, Brasília. Anais do XXIX Simpósio Nacional de História – contra os preconceitos: história e democracia, 2017.

[87] BAIÃO, António. “Correspondência inédita do inquisidor geral e Conselho Geral do Santo Ofício para o primeiro visitador da Inquisição no Brasil”. In: Brasília. Coimbra, 1942, vol 1, p. 547 apud SIQUEIRA, Sonia. A Inquisição portuguesa e a sociedade colonial. São Paulo: Ática, 1978, p. 199.

[88] Ressalte-se, no entanto, que a historiografia espanhola já adota este tipo de abordagem (histórico-jurídica) desde o século passado, ver, por exemplo, a monumental obra coletiva: ESCUDERO, José Antonio (ed.). Perfiles Jurídicos de la Inquisición española. Madrid: Instituto de Historia de la Inquisición de la Universidad Complutense de Madrid, 1989. Do lado brasileiro, a principal historiadora a adotar tal perspectiva é Sonia Siqueira. Ela foi a primeira a discutir o quanto a Inquisição tinha de tribunal, o quanto os inquisidores tinham de juízes, o quanto o pecado tinha de crime: “não era igreja, era tribunal; não era sacerdócio, era justiça. Menos que padres[,] pediam-se juristas. Juristas que fossem padres para uma justiça que a Igreja se prestava a distribuir”. SIQUEIRA, Sonia. A disciplina da vida colonial: os Regimentos da Inquisição. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a. 157, n. 392, jul./set. 1996, p. 526.

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