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Posicionamento contemporâneo da abreviação da gestação de feto anencéfalo


Autoria:

Rafael Correia Da Silva Félix


Assessor Jurídico do Ministério Público;Advogado; Ex-Conciliador/mediador do JEC; Ex-Conciliador/mediador do JECRIM;

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Resumo:

O artigo pretende demonstrar a definição da anomalia e suas conexões, sendo foco de discussão, o engendramento da descriminante na abreviação de gestação de fetos anencéfalos.

Texto enviado ao JurisWay em 11/01/2013.



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I. Introdução 

 

O tema apresenta uma complexidade acentuada na temática brasileira, tendo em vista que o atual posicionamento decorre de inúmeras demandas judiciais, imperativos e reclamos sociais que versam sobre a interrupção de gravidez nestes enquadramentos. Como não havia texto legal competente para regular a matéria, fez-se necessário à intervenção do Supremo Tribunal Federal a fim de pacificá-la. Não obstante, dependendo do ângulo de observação ou do controle social evocado, há entendimentos diversos, contrários ou a favor, para abreviação da vida intrauterina de fetos vitimados por este patologia, in casu, anencefalia. Pois para alguns, como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, autorizar esta modalidade de aborto terapêutico, além de consagrar a insensibilidade diante dos indefesos e imperfeitos é abrir precedentes para inúmeros casos relacionados ou não com a anencefalia.[1]

 

Este trabalho não pretende esgotar o tema em análise, nem demonstrar os métodos de prevenção de anomalias fetais competentes à seara médica-técnica. Possui escopo de estudar o posicionamento contemporâneo da interrupção da gestação de fetos portadores da patologia anencefálica, demonstrando a ratio da decisão da Suprema Corte.

 

Citando as vestes literárias da medicina, à anencefalia é representada pela má-formação do feto, resultante de distúrbios genéticos, deficiência alimentar, enfermidades metabólicas, entrelaço de fatores genéticos, entre muitos outros fatores, como o uso de entorpecentes e consumo contínuo ou esporádico de drogas afins.

 

Esta patologia é identificada pelo defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, não apresentando o feto, os hemisférios cerebrais - estruturas que compõe o lado direito e esquerdo do órgão cerebral; e o córtex, parte indispensável para o exercício da linguagem, memória, atenção, consciência, percepção e pensamento humano.  O Conselho Federal de Medicina (CFM) classifica o feto anencéfalo como um natimorto, pois o mesmo não possui as estruturas elementares para o exercício e manutenção da vida, como supramencionados.[2]

 

O Prognóstico complexo e definitivo

 

Em 65% daqueles que são vitimados por esta anomalia alcançam o óbito ainda no ventre materno, e os neonatos vivem apenas algumas horas ou dias após o parto. [3]

 

Não obstante, a história brasileira possui dois registros que desafiam a medicina mundial, e criam dúvidas se o prognóstico de anencefalia é definitivo ou não. O primeiro é o caso da Marcela de Jesus Ferreira, diagnosticada no 5º mês de gestação, com o quadro de anencefalia. Mesmo sob a orientação médica e ciente que as possibilidades de sobrevivência eram remotas, a gestante, Sra. Cacilda Galante Ferreira, resolveu assumir os riscos inerentes à gestação de um feto anencéfalo, que sobreviveu um ano, oito meses e doze dias após o nascimento.


 

           O segundo caso, versa sobre a história do casal Joana e Marcelo Croxato, pais da pequena Vitória de Cristo. Diagnosticada na décima segunda semana de gestação com anencefalia craniana. Segundo os médicos, fora do útero, sobreviveria por algumas horas, talvez dias, ou então sairia morta da barriga da mãe em virtude dos danos causados pelo liquido amniótico que destruiria as estruturas cerebrais não protegidas. [4]


 

Posicionamento contemporâneo da Suprema Corte


 

Dentro muitos julgamentos, um obviamente se eternizará nos anais do Supremo Tribunal Federal, estamos nos referindo a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 54, onde o Arquente é a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS, que por 8 (oito) votos a favor dos ministros (Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto - Atual presidente do STF, Gilmar Mendes e Celso de Mello) contra 2 (dois) votos do ministro Ricardo Lewandowski e do ex-presidente do STF (Cesar Peluso) julgou procedente, legitimando os pedidos de abreviação de gestação de fetos ou bebês com o quadro de anencefalia.[5] Resultando em suspensão de todas as ações criminais que versam sobre o tipo penal, bem como, a exclusão da punibilidade nos termos do art. 107, III do Código Penal.                                                        

 

Não podendo deixar de ser consignado nesta obra que o atual entendimento da Corte Suprema para o tema, engendra o fenômeno jurídico conhecido por abolitio criminis, previsto pelo art. 2º do mesmo diploma supramencionado que reza: “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.” Em linhas gerais, o Estado renuncia o seu ius puniendi, na esfera penal, pois o fenômeno do abolitio criminis não alcança a esfera cível. [6]

 

Por influência das mais diversas possíveis, a decisão da descriminalização do aborto de feto anencéfalo é retardatária, pois, por muito tempo, chocam entre si, regras jurídicas e teológica nas mais variadas relações legais do país. O próprio preâmbulo da Carta política faz alusão à proteção de Deus que se traduz na representação da maioria católica do país, apesar de se tratar de uma nação laica, sem religião oficial, ainda há muitos registros de como este controle social prepondera nas evoluções legais desta nação, a exemplo, a decisão que ora é exposta.

 

Todavia, os próprios países de maioria católicos e sob o regime democrático de governo, como a Itália, México e Portugal, não criminalizam as mulheres que optarem pela interrupção da gestação de fetos anencéfalos. Não deixando de ressaltar que o Brasil era uma das poucas nações da América Latina que não permitia aborto terapêutico nestes termos, ademais segundo pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UNB), quase metade dos países integrantes da ONU (Organização das Nações Unidas) reconhecem a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. A título de ilustração podemos citar os Estados Unidos, Alemanha, Bélgica, Canadá, África do Sul, França, entre mais de 87 nações.[7] Usando o brilhantismo do Ministro Mauro Aurélio Mello conseguimos ilustrar bem a posição coercitiva que o Estado deve assumir: “concepções religiosas não podem guiar decisões estatais devendo ficar circunscritas à esfera privada”.[8] 

 

IV. O ônus de quem gera

 

           Não se pode impor a mulher o ônus de sustentar uma gestação até o derradeiro momento de imensuráveis danos psíquicos. Quando constatar, nas palavras do atual presidente do STF Ayres Britto, que dar a luz é dar a vida e não dar a morte. O mesmo aventa a possibilidade de que sempre houve um posicionamento desfavorável acerca do tema, pois somente a mulher tem condições naturais de gerar outro ser, se o homem possuísse a mesma capacidade geradora, com certeza a autorização já seria lícita desde sempre. Não que o parceiro experimente sentimento diverso da mulher, mas a mesma, como exílio para o início de toda a vida, é capaz de sofrer exponencialmente mais do que os espectadores ou cogeradores dos seres em formação na vida intrauterina, por possuir um natural elo efetivo ao feto. O País já possui uma dívida histórica com a mulher que deve ser paulatinamente recompensada, e uma das formas de atender esse reparo é fazer com que as mulheres alcancem seus direitos e deveres na esfera civil e criminal assim como a raça oposta.

 

Nos tribunais é notório a presença de demandas e alvarás judiciais que versam sobre o cerne em discussão, todavia, por vezes, nos deparamos com pedidos sendo julgados improcedentes pois na cognição do magistrado há distorções entre os princípios morais, éticos e jurídicos. Fazendo com que muitas gestantes busquem clinicas clandestinas, ficando expostas ao sofrimento causado por multilações e deficiências irreversíveis ou, mesmo o óbito destas. Em recente levantamento estima-se que mais de 1 milhão de intervenções cirúrgicas são realizadas por ano, nos moldes ilegais, o que eleva o problema para uma questão de saúde pública.[9]

 V. Ressurgimento da raça pura

Em outrora Adolfo Hittle instituiu a exterminação de todos aqueles não pertencentes à raça pura – raça ariana. Em linhas gerais esta teoria aplicada consistia no aniquilamento de pessoas que poderiam disseminar ou pulverizar moléstias, contaminando o contorno social sã. Isto porque, os arianos, na concepção de Hittle, era um povo puro, livre de qualquer patologia capaz de mazelar os demais e prejudicar a evolução da raça humana.

 

Não é cabível associar tal teoria a abreviação da gestação de fetos anencéfalos. Isto porque, a aplicabilidade desta alcança não só os enfermos, mas os que não encontram-se semelhantes a normalidade estética social coletiva. O que está sendo descriminalizado é o aborto terapêutico em caso de bebês ou fetos desprovidos de cérebro e não por contragosto de feição ou características estéticas hereditárias.

 

Isto porque para a ciência contemporânea, os anencefálicos não apresentam condições mínimas de desenvolvimento dos sentidos ou funções interligados a atividade cerebral. Na anencefalia inexiste esta atividade, e para o direito a vida do indivíduo está subordinado a esta. Cessando estes efeitos, resta-se apenas a morte, resultando na perda da capacidade civil.[10]

No direito civil atual o inicio da capacidade se dá pelo nascimento com vida. Como preleciona o art. 2º do diploma civilista (A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro). A seu turno, no Brasil não há o limite temporal, se ocorrer o nascimento com vida, este já adquiri os direitos inerentes a personalidade. Não nos esqueçamos que se este nascer apto a vida sua capacidade remontará à concepção.[11]

Diferentemente como ocorre direito civil Francês e Holandês (art. 3º), não basta o nascimento com vida, é necessário que o neonato seja viável, isto é, apto para a vida. Assim como há uma previsão diversa nos diplomas civis de Portugal e Espanha que segue o sistema ainda mais próprio. Além do nascimento com vida, é necessário que o nascituro esteja com forma humana e a viabilidade, ou seja, que este seja apto para a vida extrauterina nas condições legais do país.

 VII. Término da personalidade civil

 

No direito hodierno, só considera-se perda da capacidade civil com a extinção da vida, que se resta a partir da cessação da atividade cerebral, in casu, morte encefálica.[12]

 

         O Nascituro ainda não possui direitos inerentes à capacidade civil. Segundo Caio Mario da Silva Pereira, não há falar, portanto, em reconhecimento de personalidade ao nascituro, nem se admiti que antes do nascimento seja sujeito de direito. Tão certo é isto que, se o feto não vem a termo, ou se não nasce vivo, a relação de direito não se chega à formar, nenhum direito se transmite por intermédio do natimorto.[13]

 

 

Referências

 

1. http://www.cnbb.org.br/site/articulistas/cardeal-odilo-pedro-scherer/9107-anencefalos-licoes-de-um-julgamento.

2. ADPF  nº 54.

3. Revista Época, 23 de abril de 2012 nº 727, pag. 66 a 70.

4. Revista Época, 23 de abril de 2012 nº 727, pag. 66 a 70.

5. Jornal O Globo, ano LXXXVII, nº 28739, 13 de abril de 2012, pag. 3.

6. Greco, R. Curso de Direito Penal. Parte geral, Vol I. 13. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012 pag. 109 e 110.

7. UNB Agência - 24 de abril de 2009.

8. Jornal O Globo, ano LXXXVII, nº 28739, 13 de abril de 2012, pag. 3, in fine.

9. Revista Época, 16 de abril de 2012 nº 726, pag. 10.

10.Conselho Federal de Medicina, Nº 1480/97.

11.  Diniz, M. Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral do Direto Civil – Vol. I – São Paulo, Saraiva, 2006.

12. Pereira, C. M. da S. Instituições do Direito Civil. Parte geral, Vol. I. Rio de Janeiro, Forense, 2006 pag. 223.

13.Pereira, C. M. da S. Instituições do Direito Civil. Parte geral, Vol. I. Rio de Janeiro, Forense, 2006 pag. 217.

 

 

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