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Resumo:
O artigo tem por finalidade analisar os efeitos penais da atual caça aos corruptos, tendo por espelho os casos "MENSALÃO" e a operação "LAVA JATO", bem como as prisões dos ex-governadores Sergio Cabral e Anthony Garotinho.
Texto enviado ao JurisWay em 03/12/2016.
Última edição/atualização em 08/12/2016.
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1. Introdução
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, construída sobre os escombros do período de ferro da nação brasileira e pelos fortes ventos democráticos e miscigenados que irrompiam nos gritos estrondosos dos movimentos de “Diretas Já”, deram às suas linhas um importante teor garantista, cujas sombras da ditadura seriam violentamente extirpadas do conjunto normativo que se inaugurava. Nascia, portanto, uma Constituição Cidadã, extremada na ontologia da dignidade humana e na axiologia dos direitos fundamentais.
Não por outro motivo, a Magna Carta desenhou um compilado jurídico-fundamental, formado por 250 (duzentos e cinquenta) artigos contemporizados por regras e princípios, que não apenas esculpem a forma de Estado e de governo, como também abordam a forma de direção da nação brasileira, outorgando competências aos membros da federação e delimitando ações a serem realizadas nos mais diversos campos. Assim sendo, a melhor doutrina classifica a Constituição brasileira como prolixa e programática, diferentemente da Constituição Norte Americana, por exemplo, cujo texto é formado apenas por 7 (sete) artigos e 27 (vinte e sete) emendas.
Entretanto, apesar dos esforços engendrados para se construir um sistema normativo rígido que não permitisse que abusos fossem praticados quando do trato ao cidadão e/ou no manuseio da coisa pública, a realidade social demonstra exatamente o contrário. Isto é, apesar de exaustivo e rígido, o arsenal jurídico brasileiro diuturnamente é violado e as fissuras e feridas deixadas em seu conjunto normativo têm causado dor e sofrimento aos que mais sentem seus efeitos, ou seja, o cidadão.
Ademais, a sociedade, enquanto destinatário final de toda essa falta de escrúpulos, é obrigada a pagar as custas de todo o infortúnio provindo de uma gestão deficitária que, por mais das vezes, descobre-se que não são obras de uma má escolha política cujo acaso agasalhou à falta de sorte, mas, sim, frutos de uma sucessão de atos deflagrados por uma oculta e organizada criminalidade, até então inatingível pelo sistema penal e cuja tipologia se convencionou chamar de “criminosos do colarinho branco”.
Não obstante, o poder que corrompe, oculta e eleva a sombra que incrementa a cifra negra da criminalidade, fazendo este tipo criminoso se afastar dos holofotes da lei penal, tem se descortinado e feito ressurgir o furor dos movimentos de “Diretas Já”, agora não mais num contexto de reinvindicações por uma nova forma de governo, mas para o resgate do próprio Estado de Direito.
Mais do que isso, pode-se depreender que a busca por justiça no atual momento do sistema criminal, visa não apenas resgatar os valores e a credibilidade das leis e do aparato estatal (incluído, aqui, não apenas o executivo e o legislativo, mas também e, principalmente, o judiciário, enquanto guardião das leis), mas o próprio sentimento de dignidade da nação brasileira, tão agredida e ridicularizada nos últimos tempos. Exsurge, portanto, a supremacia da lei e do Estado Constitucional Democrático de Direito.
2. Estado e governo: formas e sistemas
O Estado como o conhecemos, nada mais é que o produto da soma das influências históricas que ao longo dos tempos foram enrijecendo culturas, refutando ideias e tecendo argumentos numa fina malha dogmática. O que contemporaneamente se conhece por Estado de Direito é, pois, a contextualização de um compilado histórico-social que tem na temática dos Estados liberais e absolutistas as suas raízes.
Não obstante a análise histórico-social do modelo de Estado, os governos também podem ser definidos por uma visão macro-histórico-social como sendo, pois, o resultado de uma comunhão ideológica, cuja gestão cingiu o egocentrismo de outrora (os déspotas dos antigos regimes) da época vindoura, conhecida por muitos como a era dos direitos.[1] Neste ponto, portanto, já não se enxerga mais o território como um mero jardim do rei, mas como o espaço do cidadão.
Entretanto, comumente as pessoas se referem ao Estado quando querem se referir ao governo que os dirige, não os distinguindo quanto às suas especificidades. Destarte, governo e Estado são, então, tratados como se fossem a mesma coisa, numa nítida confusão epistemológica.
Doutrinariamente, porém, o Direito os difere. Não por outro motivo, os destrincha em formas e sistemas pelos quais suas singularidades são perceptíveis, consubstanciando diferenças claras entre os dois.
O Estado, formado pela conjugação de uma população à um território e regido por um governo soberano, é a expressão máxima da independência de um povo, bem como a limitação mínima de um governo independente. Ademais, tendo em vista a divisão de poder, o Estado poderá ser classificado ainda em unitário ou federado.
No Estado unitário, o poder é centralizado num único órgão, sendo este o centro das decisões administrativas e políticas, enquanto que na forma do Estado federado, o poder é então parcelado entre os membros que o compõem, não sendo as decisões responsabilidade exclusiva de um único órgão, mas uma prerrogativa conjunta dividida entre todos. Essas são as formas pela qual o Estado é classificado pela melhor doutrina, sendo ainda estas formas subdivididas em outras mais a depender da pureza de cada espécie, bem como da distributividade das competências constitucionalmente apregoadas pelo arcabouço jurídico de cada Estado.[2]
Já no que concerne ao Governo, suas formas podem tomar as faces de uma república ou de uma monarquia, sendo ainda dividida quanto ao sistema de escolha e exercício do poder executivo em presidencialismo e parlamentarismo.
A forma republicana de governo, donde os bens do Estado são do povo e para o povo devem ser concentrados os esforços, tem na excelência da coisa pública sua égide compromissória, enquanto que na monarquia a figura do rei é quem assume proeminência. Por vezes, aliás, é o monarca a própria personificação do Estado, como testifica a célebre frase do rei francês Luiz XIV quando de sua definição enquanto chefe supremo da nação europeia: “L’état c’est moi” (O Estado sou eu).
No entanto, seja na república ou na monarquia, o sistema de governo pode ser ainda subdividido em presidencialista ou parlamentarista, a depender do grau de influência do parlamento na vida política do Estado. Isto é, na sistemática do presidencialismo, o povo escolhe o chefe do executivo enquanto que no parlamentarismo o titular do cargo executivo será escolhido dentre os parlamentares e por estes próprios, sendo também mais nítido o controle deste sobre aquele quando comparado com a forma presidencialista.
Inserida nesta temática ontológica de composição estatal, a Constituição brasileira fez emergir um Estado federal republicano de direito, cujas raízes se encontram no solo pluralista da democracia.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos [...][3]
Assim, o atual quadro normativo da nação brasileira esculpida na literalidade de uma Constituição rígida e diretiva, fez surgir uma feição amparada na forma federada de Estado, consubstanciada na maneira republicana de condução dos bens e na sistemática presidencialista de gestão. A democracia é, por ora, o ornamento que plasma o cenário jurídico brasileiro, sendo a fonte de onde provém o organograma final das instituições nacionais.
2.1. A democracia brasileira
A democracia e toda a sua significação dentro da ótica de Direito, tem na Grécia o seu berço. Lá estão sua forma embrionária e toda a ordem filosófica que o construiu, fazendo-o ser hoje a expressão máxima de garantia de um povo, bem como a fórmula exata para a contenção do poder.
Etimologicamente, a palavra democracia deriva da junção de duas expressões gregas, a saber, demos (povo) e kratos (poder, autoridade), ou seja, poder do povo.[4]
Entretanto, mais do que uma simples expressão filosófica e/ou maneira de divisão do poder, o termo democracia possui hodiernamente a capacidade de denotar em que estágio social uma determinada população se encontra, consubstanciando a própria dignidade humana enquanto instrumento de otimização da busca pelo bem comum.
Assim como o Estado e o governo são na atualidade a forma definida de uma luta ideológica subdividida em tantos modelos que ainda o tempo não soube resolver qual a melhor forma e cuja doutrina ainda conjectura acerca de outras tantas, assim também o é na democracia, não havendo discussão acabada e nem forma definida.
De modo geral podemos classificar os regimes democráticos em três espécies: a) democracia direta, em que o povo exerce por si o poder, sem intermediários, sem representantes; b) democracia representativa, na qual o povo, soberano, elege representantes, outorgando-lhes poderes, para que, em nome deles e para o povo, governem o país; e c) democracia semidireta ou participativa, um “sistema hibrido”, uma democracia representativa, com peculiaridades e atributos da democracia direta, a qual, conforme observação de Monica de Melo, constitui um mecanismo capaz de propiciar, “além da participação direta, concreta do cidadão na democracia representativa, controle popular sobre os atos estatais”.[5]
Apesar de concentrar uma constituição polifacetária, a democracia em nenhuma de suas faces perde sua essência, qual seja, a de expressão máxima de poder ao componente humano do Estado, o povo.
Pelo escólio do professor Lenza e tendo por respeito à literalidade do parágrafo único do art. 1º da Magna Carta de 1988[6], pode-se depreender que a Constituição Federal e toda a sua onda rejuvenescedora da época não inovou muito no quesito democrático, sendo a forma brasileira de democracia um sistema híbrido ou conciliatório. Em outras palavras, a titulação do poder está concentrado na malha social (o povo), sendo este, entretanto, delegado aos seus representantes que são eleitos pelo voto, variando, apenas, quanto aos sistemas de escolha (majoritário para os chefes do executivo e proporcional para os parlamentares), que o exercem em seu nome para o atingimento dos objetivos e aspirações lapidados no texto constitucional, cujo destinatário final é sempre o cidadão.
É o povo, portanto, o filtro pelo qual devem passar as decisões políticas de um Estado independente e soberano regido pelos dogmas da democracia e o cidadão, por oportuno, a parcela mínima do poder de gerenciamento da coisa pública. Na democracia não devem haver privilégios e/ou favores quando do trato do bem coletivo, mas, sim, probidade e respeito à legalidade que o contorna e o define.
3. A Ação Penal 470 e a Operação Lava Jato: da resignação à mudança
Em meados de 1651, Thomas Hobbes lança na Inglaterra a obra que intitularia como “O Leviatã”, numa clara alusão ao Estado. Mais tarde, a obra ganha o gosto popular e passados já quase quatro séculos, sua escrita e filosofia ainda permeiam a consciência crítica da atualidade, fazendo-a contingenciar com os fatos contemporâneos.
O Leviatã é uma obra de contornos jusfilosóficos que enraizado no cenário da época, trouxe à tona a grandiosidade do Estado. Por muito tempo, aliás, definiu-se esta como uma literatura obrigatória do homem político, cuja análise, ao lado de outras obras clássicas, como é, por exemplo, o sempre prestigiado “O Príncipe” de Maquiavel, serviram de base à complexa realidade política dos séculos posteriores à sua edição, sendo, portanto, uma obra atemporal quando da análise filosófica subjacente às palavras que o compõem. Não por outro motivo, foi esteio para uma variada gama política mundo afora, ora como postulado axiológico de compreensão da realidade factual, ora como dogma de algum chefe político. O fato é que, seja numa ou noutra vertente, sempre foi uma obra de descortino, ou seja, de revelação política, social e causal.
Malgrado o viés político da obra de Thomas Hobbes, no atual quadro da democracia, onde os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana ganham em importância, suas linhas transcendem a seara política para corporificar o Estado como um gigante consciente e autônomo. As pessoas passam, então, de meros coadjuvantes da peça social à protagonistas do roteiro escrito pela nação, numa pitoresca encenação do destino de um povo.
Fenômenos como o de “Diretas Já” são, por vezes, escritos na história de uma nação como o capitulo da revolta, superação e/ou avivamento de toda uma nação. O país se vê constrangido no que concerne à sua estabilidade e então uma nova onda rejuvenescedora trazendo para as trevas a luz, emerge, assim como o foi no período Iluminista ou, como também é conhecido, o século das luzes. A ignorância e a escuridão que por anos tomaram conta da sociedade são suprimidas pelas claras chamas do conhecimento e do discernimento, acesso nos candelabros da esperança. É a retomada da consciência e a recuperação da visão. Tudo é visto e julgado. Tudo é esquadrinhado para ser fortalecido ou extirpado. É a revolta do Leviatã.
Ao despertar de um profundo sono, acomodado em berço esplêndido, tendo as mentiras como coberta e a corrupção por travesseiro, eis que o povo brasileiro abre os olhos aos poucos e uma imagem vai se desenhando. O país submergido no ganho fácil e com um grave caso de hemorragia moral, tem feridas profundas. O crime e a política se misturam a ponto de, em alguns momentos, não ser mais possível apontar suas distinções sem antes ter de reconhecer suas semelhanças.
Mas, então, em 2005 explode o que se convencionou chamar de “Mensalão” e a pátria amada e idolatrada tem a frente um novo e particular rol de criminosos. Pessoas do alto escalão, membros dos poderes institucionais, patrões de outrora que agora seriam réus. A máfia do terno e gravata. Autoridades e empresários acima de qualquer suspeita. Sai de cena o traficante do bairro e o ladrão de leite do supermercado, entra agora os donos e dirigentes das grandes estatais e os chefões dos ministérios. A política é definitivamente manchada. A nação, ultrajada.
Com a explosão da denúncia surge a ação penal 470 e a famigerada caça aos corruptos. O STF, antes um ilustre espectador da seara criminal, agora desponta como o grande guardião da probidade administrativa.
Em 2012, têm-se início o julgamento do caso que, de imediato, teve 40 acusados pelo Ministério Público Federal. O Supremo, entretanto, acolheu a acusação de apenas 37 e, ao final, culminou na condenação de 25 dos citados. Em 2014 a fase de apreciação dos recursos interpostos pelos acusados foi encerrada e destes apenas um teve a sentença reavaliada pela suprema corte que, quanto aos demais, manteve as condenações.[7]
Deste caso, em diante, o quadro jurídico, social e político brasileiro nunca mais foi o mesmo.
Com a sessão de julgamento sendo transmitida para todo o Brasil, os ilustríssimos e anônimos Ministros da mais alta corte do país ganharam a boca do grande público. Livros foram publicados. Discussões iniciadas. Debates reavivados. Dissenções políticas e jurídicas reacendidas. O Brasil mudara e a comunhão nacional voltava a fluir no sangue do brasileiro. Era o fim da resignação e o início de uma reabilitação.
Na sistemática iniciada com o caso Mensalão, a caça aos corruptos seguiu o seu curso.
Em 2009 começam as investigações da Policia Federal para desmantelar um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo o deputado federal José Janene, em Londrina, no estado do Paraná. Entretanto, o caso seria bem mais complexo que o imaginado pelos delegados e agentes da PF, os quais foram descobrindo uma rede de corrupção que rompiam com as expectativas das autoridades policiais envolvidas na investigação. Surge, então, a maior operação de combate à corrupção já vista no cenário jurídico brasileiro.
O nome do caso, “Lava Jato”, decorre do uso de uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de automóveis para movimentar recursos ilícitos pertencentes a uma das organizações criminosas inicialmente investigadas. Embora a investigação tenha avançado para outras organizações criminosas, o nome inicial se consagrou. A operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve. Estima-se que o volume de recursos desviados dos cofres da Petrobras, maior estatal do país, esteja na casa de bilhões de reais. Soma-se a isso a expressão econômica e política dos suspeitos de participar do esquema de corrupção que envolve a companhia.[8]
Com o caso, os atos de corrupção deflagrados pelos membros dos mais altos cargos da Republica já não podem mais ser escondidos e a cortina de ferro que os cobria se abre à marteladas. Novos personagens surgem para serem venerados como os “salvadores” da nação. O juiz Sergio Moro e os membros do MPF ocupam agora a vaga deixada por Joaquim Barbosa. A “Liga” é organizada contra o mau.
A essa altura o Leviatã já despertou e a engrenagem constitucional do moralmente correto é finalmente posta em funcionamento.
O relógio da justiça está atrasado, mas ainda há tempo para concertá-lo e fazê-lo funcionar. A fé não há de perder para a corrupção e o mau caráter, típicos de quem deposita no dinheiro sua satisfação, ainda que à custa do sofrimento alheio.
Às vezes olho para uma paisagem local, nacional ou mundial e me pergunto se as sombras da corrupção humana irão obscurecer a visão para sempre. Mas então, quando tudo parece destinado à escuridão, uma frágil centelha de luz pontua a vista. Nesse lugar em particular, a malevolência é repelida um passo ou dois. Algo perverso recebe resistência. Algo bom é exaltado. Exige-se aquilo que é justo. A esperança pura e total é mais uma vez acessa.[9]
4. O efeito Hamã na Justiça Penal
Já a algum tempo a doutrina alemã tem apregoado na seara criminal uma forma autônoma e especial de autoria, a saber, a autoria de escritório.
Segundo os professores Zaffaroni e Pierangeli, a autoria de escritório não deve ser confundida com as demais espécies de autoria mediata, simples ou convencional, que a doutrina a tempos vem se debruçando.[10] Diferentemente destas, onde o conceito de autor liga-se à uma conduta deflagrada por alguém inculpável dentro da ótica maior da culpabilidade e/ou do próprio injusto penal, a autoria de escritório, sem perder o status de espécie de autoria mediata, apresenta em suas linhas gerais um contorno mais aprofundado quando da análise da conduta praticada, haja vista não ser possível reduzir a ação do executor a um mero ato de instrumentação, ou seja, quando o executor do verbo do tipo se apresenta aos olhos do direito penal como um mero instrumento do verdadeiro autor da conduta criminosa.[11]
Esta forma de autoria mediata pressupõe uma “máquina de poder”, que pode ocorrer tanto num Estado em que rompeu com a toda a legalidade, como numa organização paraestatal (um Estado dentro do Estado), ou como uma máquina de poder autônoma “mafiosa”, por exemplo. Não se trata de qualquer associação para delinquir, e sim de uma organização caracterizada pelo aparato de seu poder hierarquizado, e pela fungibilidade de seus membros (se a pessoa determinada não cumpre a ordem, outro a cumprirá; o próprio determinador faz parte da prganização). [...].[12]
Assim sendo, tendo em vista os escândalos dos últimos tempos que tem trazido à tona uma conhecida velha-nova realidade criminal, qual seja, a máfia do terno e gravata, cujas ações deflagradas em seus escritórios com ar condicionado e secretárias particulares, lesionam uma variada gama de direitos do cidadão, fazem transparecer um Estado oculto à margem de uma legalidade de fachada.
Não que o Estado brasileiro tenha rompido com a legalidade que o define enquanto Estado de Direito, mas, sim, que, inserido dentro deste, há uma cúpula ideologicamente imoral por onde o crime flui e a sociedade é a vítima.
Entretanto, como dito linhas acima, a realidade parece mudar. As escavações realizadas pelos órgãos policiais e pelo Ministério Público tem revelado o que Zaffaroni denominou de Direito Penal Subterrâneo. Isto é, uma ordem jurídica lastreada na influência, própria dos sistemas internos da administração pública onde o poder é o amálgama das relações interpessoais, erigindo uma forma de Estado que, enquanto órgão infringente da norma posta e mantenedor das cifras negras da criminalidade, encobre seus ilícitos às grosas vistas da corrupção.[13]
Entretanto, uma vez trazido às luzes dos preceitos da ordem fundamental inscrita no corpo da Constituição Brasileira, bem como de todo o sistema jurídico, a obscuridade que define os postulados do direito penal subterrâneo se prostra e as consequências de um ato contrário às ordenações de direito se revelam aos criminosos de luxo.
Destarte, políticos e pessoas que antes eram tidas como intocáveis pelos órgãos de repressão ao crime são presas e, como um delinquente comum, levadas ao cárcere sem que tenham direito a qualquer tipo de tratamento privilegiado.
Enleio a estes atos de avivamento da dignidade social e prestigio da norma penal, eis que fatos curiosos acontecem. Exemplo disso é a prisão dos ex governadores do Estado do Rio de Janeiro, Sergio Cabral e Anthony Garotinho.
Antes chefes do executivo do Estado carioca, hoje são meros números dentro do sistema carcerário, ocupando as celas que anteriormente haviam construído. Sergio Cabral, acusado de ser o chefe de uma organização criminosa cuja lucratividade com esquemas de propina superou o teto dos 220 milhões de reais (numa das extensões da operação Java Jato), está preso no Complexo Penitenciário Gericinó, em Bangu, cuja estrutura de segurança, curiosamente, havia inaugurado em 2008 quando de sua gestão à frente do executivo.[14]
O ex-governador Sérgio Cabral, preso nesta quinta-feira (17) na Operação Calicute, foi levado para um lugar que ele já conhecia, ainda que só do lado de fora. O Conjunto Penitenciário de Gericinó, em Bangu, na Zona Oeste, onde ele inaugurou, em maio de 2008, um reforço na segurança para dificultar a entrada no complexo com aparelhos celulares, armas e drogas escondidos no corpo ou em bolsas.[15]
Já Anthony Garotinho, acusado de intimidar testemunhas e manipular programas da prefeitura em seu favor, também viveu um dilema particular.[16] Recentemente, o ex governador também esteve preso no Complexo Penitenciário de Gericinó, mais precisamente no hospital acoplado ao complexo. E a curiosidade de sua prisão repousa sobre o nome de sua esposa, Rosa Garotinho que, quando governadora do Estado, inaugurara o complexo penitenciário para que presos com curso superior pudessem ser ali mantidos. Ironicamente, seu marido possui curso superior.[17]
Mas o que hoje acontece não é novidade aos conhecedores da Palavra de Deus que, em Salmos 118:8 e em Jeremias Cap. 17, versículo 5, nos ensina a depositar nossa confiança no Senhor e não nos homens, num claro prelúdio dos tempos que viriam.
A corrupção humana tem submergido às profundezas da ilegalidade toda a sociedade e, não por acaso, deteriorado os vínculos do homem com o seu Criador, trazendo dor e sofrimento à população pela insegurança instalada, pelo crescimento demasiado da criminalidade organizada e violenta, pelos serviços públicos desfalecidos e por uma onda ideológica de manipulação da vida, onde o “jeitinho” é a regra e a malandragem do ganho fácil sem perdas, o modus operandi.
No entanto, ainda firmado no conhecimento extraído da Palavra de Deus, a verdade por trás das prisões dos ex governadores do Rio de Janeiro, nos é revelada através livro de Ester, quando da apreciação do preço pelo mal planejado e executado. A maldade materializada nos atos de corrupção que mutilam a sociedade contemporânea e negligenciam a probidade administrativa e que são trazidos à superfície das leis e depositados no árido e perfurante solo da punição, por vezes, revelam uma misteriosa punição divina.
No livro de Ester, Deus revela como uma jovem judia chamada Hadassa, levada contra a vontade ao palácio real para a satisfação do rei, reinou sobre um povo estrangeiro em meio às perseguições que o seu comunidade sofria e, entregue ao infortúnio de uma vida que não era sua, pôde salvar da morte toda uma geração de judeus, sem que precisasse ofender a honra e a glória do Criador.
Mais do que isso, o livro de Ester trás às gerações futuras um ensinamento sobre como a palavra de Deus é onipotente, isto é, mesmo em meio às turbações da vida, ainda sim se pode confiar no Deus Vivo, cujas palavras são boas e o caminho justo aos que nEle confiam. Sendo o choro de uma noite grande em dias, mas a promessa da alegria pela manhã maior em anos (Sl 30:5).
Ao ler a história da rainha Ester, no capitulo de número três, pode-se deparar com a exaltação do príncipe Hamã sobre toda a realeza que compunha a corte do rei Assuero. Assim o fazendo, o rei então ordenou que todos se prostrassem perante Hamã, cuja glória superava aos dos demais príncipes.
Entretanto, à margem de toda e qualquer submissão ao homem, o judeu Mardoqueu não se inclinava ante a presença do poderoso Hamã, e isso o fez arder em fúria, principalmente porque Mardoqueu era um escriba e, dentro da ordem social daqueles tempos, um escriba pouco representava na sistemática da comunidade. Dentro dessa ótica, a conduta de Mardoqueu ofendia diretamente a honra do príncipe, afetando seu orgulho e manchando sua superioridade. A fúria de Hamã então se transformara em ódio ao povo judeu e à figura emblemática de Mardoqueu.
No transcorrer da história, o Senhor revela como Hamã pretendeu matar todos os judeus (no capítulo 3, versículo 7 ao 15), e de como uma forca foi construída por ele para que nela fosse decretada a sentença de morte de Mardoqueu.
Então, lhe disse Zeres, sua mulher, e todos os seus amigos: Faça-se uma forca de cinquenta côvados de altura, e amanhã dize ao rei que enforquem Mardoqueu e, então, entra alegre com o rei ao banquete. E esse conselho bem pareceu a Hamã, e mandou fazer a forca.[18]
No entanto, assim como os ex governadores do Rio de Janeiro que tanto estimaram pelo Complexo Penitenciário que ajudaram a levantar com o intuito de que ali fossem encarcerados presos diplomados, sem que imaginassem um dia serem os enclausurados nas paredes daquilo que haviam construído, Hamã também se viu constrangido a sofrer a pena que imaginara para outro.
Já nos capítulos finais do livro, precisamente no capitulo 7, versículos 9 e 10, a magnitude da vontade e justiça de Deus se revelam. Anunciando aos povos os tempos difíceis que viriam e o curioso efeito que o sistema de justiça criado pelo homem, através da razão que o Senhor mesmo os havia entregue, ocorreria, em meio à balburdia da corrupção humana, assim sentencia a palavra de Deus ao final do livro da Rainha Ester.
Então, disse Harbona, um dos eunucos que serviam diante do rei: Eis que também a forca de cinquenta côvados de altura que Hamã fizera para Mardoqueu, que falara para bem do rei, está junto a casa de Hamã. Então disse o rei: Enforcai-o nela.
Enforcaram, pois, a Hamã na forca que ele tinha preparado para Mardoqueu. Então, o furor do rei se aplacou.[19]
5. Considerações finais
Quando do início das sociedades organizadas, membros de destaque da comunidade eram elevados aos postos de liderança do grupo, servindo aos seus pares como os salvaguardas dos direitos de todo o povo. O adjetivo “carreira” não compunha o cerne do substantivo Política. Não se atrelava à palavra gestão o sinônimo corrupção.
Mas os tempos modernos não apenas rejuvenesceram os direitos antigos e trouxeram outros, como também instigou ao homem político a ideia de lucratividade à coisa pública. Passou-se, então, a enxergar na política uma carreira e a se fazer da corrupção um sinônimo de gestão.
O efeito Hamã na justiça penal brasileira é, pois, um reflexo da intrigante justiça de Deus e de como os atos praticados podem se voltar contra aqueles que os praticaram.
A sociedade brasileira tem visto o descortino da corrupção que impregnou a política nacional, desvirtuando ideologias, conspurcando valores, deflagrando crimes e condenando a sociedade a uma vida indigna e promíscua.
Neste espectro, onde a prisão dos autores de escritório são a luz de uma salvação, os movimentos populares que aqui chamou-se de revolta, são a imagem de uma resignação que aos poucos vai sendo superada. O leviatã despertou e o efeito Hamã é a consequência do mau que por anos seguiu silencioso, agindo na obscuridade de um povo não consciente de sua própria força, enquanto detentor do poder e senhor supremo das decisões finais do Estado.
6. Referências
BIBLIA. Português. Bíblia de Estudo Defesa da Fé. Tradução de Degmar Ribas. Rio de Janeiro: CPDA, 2010.
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
DIAS, Reinaldo. Ciência Política. 1º edição. São Paulo, 2010.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Geral. 17º edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.
G1, Site. Cabral reforçou sistema de segurança na unidade onde está preso no Rio. Disponível em: < http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/11/cabral-inaugurou-melhorias-de-seguranca-na-presidio-onde-esta-preso.html >. Acessado em 24 de novembro de 2016.
G1, site. Ex-governador Sérgio Cabral é preso no Rio de Janeiro. Disponível em: < http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2016/11/ex-governador-sergio-cabral-e-preso-no-rio-de-janeiro.html >. Acessado em 24 de novembro de 2016.
HYBELS, Bill. Axiomas: máximas da liderança corajosa. São Paulo. Vida, 2009.
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MPF, Site. Caso Lava Jato. Disponível em: < http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-caso >. Acessado em 23 de novembro de 2016.
UOL, site. Mensalão julgou 37 e condenou 24; relembre o caso dez anos depois. Disponível em: < http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/06/05/dez-anos-depois-relembre-o-caso-mensalao.htm >. Acessado em 23 de novembro de 2016.
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 8º edição. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2009.
[6] Art. 1º [...] Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
[7] UOL, site. Mensalão julgou 37 e condenou 24; relembre o caso dez anos depois. Disponível em: < http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/06/05/dez-anos-depois-relembre-o-caso-mensalao.htm >. Acessado em 23 de novembro de 2016, às 09h:42min.
[8] MPF, Site. Caso Lava Jato. Disponível em: < http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-caso >. Acessado em 23 de novembro de 2016, às 09h:59min.
[10] ZAFARONI, Eugenio Raúl; PIRANGEGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro - Parte Geral. 2009, p. 582.
[12] ZAFARONI, Eugenio Raúl; PIRANGEGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro - Parte Geral. 2009, p. 582.
[13] ZAFARONI, Eugenio Raúl; et, al. Direito Penal Brasileiro – Teoria Geral do Direito Penal. 2013, p. 69.
[14] G1, site. Ex-governador Sérgio Cabral é preso no Rio de Janeiro. Disponível em: < http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2016/11/ex-governador-sergio-cabral-e-preso-no-rio-de-janeiro.html >. Acessado em 24 de novembro de 2016, às 13h21min.
[15] G1, Site. Cabral reforçou sistema de segurança na unidade onde está preso no Rio. Disponível em: < http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/11/cabral-inaugurou-melhorias-de-seguranca-na-presidio-onde-esta-preso.html >. Acessado em 24 de novembro de 2016, às 13h27min.
[16] BLASTINGNEWS, Site. Com a cabeça raspada, Sérgio Cabral é levado para presídio que ele mesmo inaugurou. Disponível em: < http://br.blastingnews.com/brasil/2016/11/com-a-cabeca-raspada-sergio-cabral-e-levado-para-presidio-que-ele-mesmo-inaugurou-001267327.html >. Acessado em 24 de novembro de 2016, às 13h40min.
[17] G1, Site. Cabral reforçou sistema de segurança na unidade onde está preso no Rio. Disponível em: < http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/11/cabral-inaugurou-melhorias-de-seguranca-na-presidio-onde-esta-preso.html >. Acessado em 24 de novembro de 2016, às 13h27min.
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