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O ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA COMO INSTRUMENTO JURÍDICO PARA ALCANÇAR A SUSTENTABILIDADE NA CIDADE


Autoria:

Wender Imperiano Ribeiro Soares


Nome: Wender Imperiano Ribeiro Soares Graduação: Bacharel em Direito pela Faculdade Paraibana (FAP) e Bacharelando em Geografia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Ocupação: Estagiário.

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Resumo:

A Lei 10.257/2001, que regulamentou os arts. 182 e 183 da CF/88, que versam sobre a Política Urbana, trazendo um rol de instrumentos da reforma urbana, dentre eles está o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), que visa um diagnóstico ambiental.

Texto enviado ao JurisWay em 03/01/2012.



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SUMÁRIO

 

1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS. 11

 

2 DEVER DO ESTADO DE PROTEGER A CIDADE.. 15

2.1 DOS PRIMEIROS AGRUPAMENTOS HUMANOS. 15

2.1.1 O Estado Selvagem.. 15

2.1.2 A Barbárie. 16

2.2 DO SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS CIDADES. 17

2.3 O SURGIMENTO DAS CIDADES NO BRASIL. 18

2.4 ELEMENTOS DE UMA CIDADE. 20

2.5 A CIDADE E A TUTELA ESTATAL. 24

2.5.1 O Direito Ambiental Brasileiro e as Cidades. 26

2.5.2 O Direito Urbanístico Brasileiro e as Cidades. 28

 

 

3 A TUTELA JURÍDICA PARA REFORMA URBANA.. 31

3.1 REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E AS MUDANÇAS NA CIDADE. 31

3.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A REFORMA URBANA.. 33

3.3 INSTRUMENTOS DA REFORMA URBANA.. 35

 

4 DA AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL – AIA, COMO INSTRUMENTO DA POLÍTICA NACIONAL DE MEIO AMBIENTE.. 40

4.1 HISTÓRICO.. 40

4.2 CONCEITO.. 43

4.3 OBJETIVOS. 44

4.4 ESPÉCIES DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL. 44

 

5 O ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA COMO INSTRUMENTO JURÍDICO PARA ALCANÇAR A SUSTENTABILIDADE NA CIDADE.. 47

5.1 BREVE HISTÓRICO DO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA - EIV.. 47

5.2 CONCEITO.. 47

5.3 OBJETIVOS DO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA.. 48

5.4 CONTEÚDO BÁSICO DO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA.. 50

5.5 DOS EMPREENDIMENTOS ALVO DO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA ...................................................................................................................................................52

                                                                                                                                      

5.6 DO RELATÓRIO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA (RIVI) 53

5.7 O INSTRUMENTO JURÍDICO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA E AS CIDADES SUSTENTÁVEIS 54

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 60

 

REFERÊNCIAS. 62

 

1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

 

 

            A população mundial vem crescendo em um ritmo frenético, principalmente nos países onde não existem políticas de controle de natalidade e o acesso à informação e métodos contraceptivos são restritos. Esta população, atualmente, se concentra nas áreas urbanas, uma vez que lá são encontradas e fornecidas melhores condições e possibilidades para ingressar no mercado de trabalho, permitindo uma ascensão particular de determinado (s) indivíduo (s), bem como uma variedade de bens e serviços mais sofisticados. Assim, tendo as áreas urbanas um “atrativo”, os fenômenos como o êxodo rural e movimento pendular diário[1] são comuns no dia a dia da atual sociedade, intensificando a atividade humana nessas áreas e provocando um saturamento demográfico.

            A dinâmica encontrada no fluxo diário de pessoas e o intenso consumo/exploração dos recursos naturais, impulsionada pela lógica do modo de produção capitalista, acabam por deixar marcas significativas no meio ambiente natural, bem como no meio ambiente das cidades, onde podemos apontar a falta de saneamento básico e esgotamento sanitário, cuja destinação é voltada para o rio mais próximo, poluindo-o; ocupação de áreas consideras de alto risco, como as encostas de morro e as beiras de rios; a coleta de lixo precária, e em alguns casos com destinação deficiente etc. Assim, banhada por uma lógica exploradora e mesquinha, a sociedade atual acaba por ficar impregnada com os malefícios do sistema dominante, onde o consumo desenfreado e o acumulo de capital se sobrepõe à qualidade de vida da população. Esta, por sua vez, em muitos casos, se apresenta de forma cega e conivente com a situação calamitosa na qual a sociedade está mergulhada.

            As cidades atuais, são os locais da morada da maioria da população mundial, segundo o Instituto Nacional de Estudos Demográficos (INED), cerca de 3,3 bilhões de pessoas, ou seja, 51% da população mundial. Desta forma, as cidades, apresentam uma situação pouco aprazível, transmitindo a ideia, em um primeiro momento, de um amontoado de prédios (residenciais e comerciais), local de intensos e extensos engarrafamentos, poluição (sonora, visual, do ar...), gritos de ambulantes, pessoas apressadas, confusões isoladas etc.

            Em meio a este “turbilhão” aparentemente desorganizado e sem sentido, por trás de tudo isso, há a (des) organização estatal, é a “mão” do Estado tutelando a sociedade, organizando-a, protegendo-a.

            A cidade como sendo uma sociedade, esta tem a necessidade de se fazer presente a figura do Direito. Com propriedade GAGLIANO & PAMPLONA FILHO (2007, p.2-3) dão um exemplo que se molda a esta linha de raciocínio:

 

 

“Enquanto Robinson Crusoé vivia sozinho na ilha, não importava o surgimento do fenômeno jurídico (o direito). Que importância teria reconhecer o seu “direito de propriedade” sobre a sua cabana, se era o único morador da ilha? Entretanto, com o aparecimento do índio “Sexta-Feira”, houve a necessidade social de se implantarem regras de conduta, que viabilizariam a convivência pacífica entre ambos. O direito, enquanto norma, portanto, não pode prescindir da interferência intersubjetiva de indivíduos.

 

Isso significa que não há falar em direito sem alteridade, isto é, a relação com o outro, valendo ser invocado o brocardo latino ubi homo, ibi jus (onde há homem há direito), significativo de tal condição. ”

 

 

            O Direito (conjunto de regras sociais que disciplinam as obrigações e poderes referentes à questão do meu e do seu, sancionadas pela força do Estado e dos grupos intermediários [2]) vem normatizando os interesses ao longo dos tempos, sempre variando com as modificações culturais da sociedade e suas necessidades momentâneas ou a longo prazo.

            O Direito, por se fazer presente nos mais diversos países, adquire forma e conteúdo de acordo com a identidade dos povos, os seus costumes e a suas culturas. Portanto, com base nos ensinamentos de Ihrering (1872), o Direito é fruto da luta do homem, visando a paz da coletividade, como podemos notar a seguir em suas palavras:

 

 

“(...) Se viveis na paz e na abundância, deveis ponderar que outros têm lutado e trabalhado por vós.

     Se se quiser falar da paz sem a luta, do gozo sem o trabalho, torna-se mister pensar nos tempos do Paraíso, porque nada se conhece na história que não seja o resultado de penosos e contínuos esforços.”

 

 

            O Homem é dinâmico e apresenta interesses que precisam ser tutelados com o fim de garantir a harmonia social e preservar a paz e a boa-fé, mediante o estabelecimento de regras de conduta, independente da forma de governo. Assim, como manifestação do Estado, tem como um dos seus objetivos atender às necessidades da coletividade, cuja sua finalidade é o bem comum.

            Sendo a cidade o lugar da morada da grande maioria da população mundial, e também sendo um reflexo do modo de produção capitalista, ou seja a desigualdade de tal sistema é reproduzida no social, o Estado (organizador do Direito e da sociedade de determinada Nação), tem o dever de promover a melhoria da qualidade de vida das pessoas, através das suas ações políticas na forma, por exemplo, da melhoria ou implementação dos equipamentos urbanos como o saneamento básico, a pavimentação, transporte, coleta de lixo, hospitais, iluminação pública, creches, escolas, água potável etc., e pelas normas institucionalizadas, com o fim de, ao menos, minimizar o sofrimento das camadas mais pobres e proporcionar uma sociedade mais justa.

            As dificuldades e desigualdades presentes nas cidades brasileiras, fizeram intensificar o debate acerca de um desenvolvimento urbano, visando a melhoria da qualidade de vida da população urbana brasileira. Assim, após vários debates, pouco a pouco foi se consolidando a ideia de que era necessária uma lei que modificasse paulatinamente o grave quadro do meio urbano brasileiro.

            O Estatuto da Cidade tem as suas raízes fincadas na década de 1980, mais precisamente em 1982, época em que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU), ciente das problemáticas da estrutura urbana brasileira, criou um grupo de trabalho para estudar e preparar um anteprojeto de lei que versava sobre a promoção do desenvolvimento urbano.

            Algumas reuniões do CNDU se sucederam, e assim, com o parecer dos eminentes professores e juristas Miguel Reale e Hely Lopes Meirelles, o colegiado aprovou, através da Resolução CNDU n.º 18, de 22 de fevereiro de 1983, o almejado anteprojeto que seria encaminhado à Presidência da República.

            Em 3.5.83, o Ministro-Chefe do Gabinete Civil encaminhou à Câmara dos Deputados Mensagem do Presidente da República, acompanhada da Exposição de Motivos do titular do então Ministério do Interior, relativo ao projeto de lei dispondo “sobre os objetivos e a promoção do desenvolvimento urbano” (GASPARINI, 2002).

             Na Câmara dos Deputados, a proposta foi alvo de outros projetos substitutos, deixando o processo cada vez mais moroso. Após uma intensa luta, no dia 10 de julho de 2001, veio a lume o Estatuto da Cidade, regulamentando os arts. 182 e 183 da Constituição Federal de 1988.

            Diante do exposto, o trabalho visa explanar a formação da cidade no mundo e em particular como se deu no Brasil; ainda, mostrar a figura do Estado como ente organizador da sociedade por meio das normas reguladoras.

            Ainda, procuraremos explicar o instituto da reforma urbana, como este deve ser entendido e os seus instrumentos que auxiliam na sua concretização; Dentre estes instrumentos, podemos destacar o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), o qual foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio por meio da Lei Federal 10.257/2001 (Estatuto da Cidade);

            O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), como instrumento da reforma urbana, visa, nas palavras de WILLEMAN (2007), “o licenciamento urbanístico e destina-se a empreendimentos de impacto significativo no espaço urbano, não existindo limitação de extensão territorial ou de área construída, sua finalidade é diagnóstico ambiental e socioeconômico, além de instruir e assegurar ao Poder Público a capacidade do meio urbano para comportar determinado empreendimento”. Assim, tendo em vista o fim a que visa, entendemos que o EIV é um instrumento primordial para que seja possível o alcance da sustentabilidade nas cidades, aspecto importante para o desenvolvimento de uma sadia qualidade de vida humana.

            O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) é uma espécie de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), portanto, necessário para a implementação de determinado empreendimento em área urbana, sendo, também, requisito para a concessão da Licença Ambiental pelo órgão de meio ambiente de determinado ente federativo (União, Estado e Município), nesse sentido, procuraremos elucidar as diferença entre as mais variadas espécies, que muito se confundem o seu gênero.

 

 

2 DEVER DO ESTADO DE PROTEGER A CIDADE

 

 

2.1 DOS PRIMEIROS AGRUPAMENTOS HUMANOS

 

 

            Ao longo da história as figuras da cidade e do Estado chegaram a se fundirem, como é o caso das Cidades-Estado da Grécia Antiga. Mas, o desenvolvimento de um foi paralelo ao outro, muito embora aja um momento da história em que eles se comunicaram diretamente.

            A Cidade e o Estado são figuras diferentes, porém, nos atuais dias, estão intimamente ligadas, pois o último tem o poder sobre o primeiro, e o desenvolvimento do primeiro, ao menos parcialmente, depende das ações daquele.

            A cidade, na forma como a conhecemos hoje em dia, não surgiu, nas palavras da Professora Ana Fani A. Carlos (1991), “da vila a partir do aumento da população, da extensão do sítio ou do aumento de sua densidade”, e sim através de um processo histórico, paulatino, assumindo formas e conteúdos diversos tendo em vista as peculiaridades dos seus indivíduos.

            Assim, podemos afirmar que a cidade tem a sua forma atual devido o processo de desenvolvimento técnico e cognitivo do homem, ou seja, desde o tempo em que este se encontrava no seu estado mais primitivo, em que as técnicas de sobrevivências eram as menos sagazes.

            O filósofo alemão Friedrich Engels, em 1884, inspirado por Morgan, na sua obra A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (2009) expõe uma evolução dos agrupamentos humanos, classificando-os em Estado Selvagem, Barbárie e Civilização, aonde o avanço de estágio se dá através dos progressos dos meios de subsistência.

 

 

2.1.1 O ESTADO SELVAGEM

 

 

            Com base nos ensinamentos de Engels, no Estado Selvagem, em sua fase inferior, estágio mais primitivo do Homem, este vivia, pelo menos parcialmente, em árvores, pois assim mantinham a sua sobrevivência diante das feras, e se alimentavam através de frutos, nozes e raízes. Quando não se encontravam em árvores, os homens viviam como nômades, sempre em busca de lugares com recursos mais abundantes para prover a sua subsistência.

2.1.2 A BARBÁRIE

 

 

            Com a intensificação das atividades humanas, o meio natural - natureza primeira, intocada pelo homem - passou por constantes alterações, fruto do trabalho, adequando-se sempre às necessidades dos grupos, surgindo, assim os chamados espaços geográficos (espaço modificado, construído ou produzido pela humanidade). Tendo em vista que a cidade é um espaço geográfico, CARLOS (1991, p. 57) diz que a “cidade é uma realização humana, uma criação que vai se constituindo ao longo do processo histórico e que ganha materialização concreta, diferenciada, em função de determinações históricas específicas”.

            É no estágio, proposto por Engels (1884), conhecido como Barbárie, que o Homem passa a dominar o manuseio do ferro para a fabricação de armas mais sofisticadas à sua fase anterior e, também, a utilização de pedras para as suas edificações com o fim de melhor abrigar os seus semelhantes, alterando significativamente o espaço natural. Ainda, é nesta fase em que o homem começa a domesticar animais com o fim de manter a subsistência dos grupos em constante crescimento, bem como o uso da irrigação para prover a agricultura. Assim, as primeiras cidades da humanidade vão surgindo, como bem expõe Ana Fani A. Carlos (1991, p. 58-59):

 

 

“No momento em que o homem deixa de ser nômade, fixando-se no solo como agricultor, é dado o primeiro passo para a formação das cidades. Quando o homem começa a dominar um elenco de técnicas menos rudimentares que lhe permitem extrair algum excedente agrícola, é um segundo impulso para o surgimento das cidades, visto que ele pode agora dedicar-se a outra função que não a de plantar”. (Grifo Nosso)

 

 

            Neste ritmo a humanidade caminha rumo à civilização que, segundo ENGELS, é o “período de aprendizagem de novas formas de trabalhar os produtos naturais; período da indústria propriamente dita e da arte”.  É na civilização que as cidades vão assumindo as complexidades e disparidades que tanto nos deparamos diariamente, como aponta Braudel in Carlos, que “a oposição entre cidade e campo começa com a passagem da barbárie à civilização, do regime de tribo ao Estado, da localização pontual e dispersa à nação”.

 

2.2 DO SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS CIDADES

 

 

            Após uma série de eventos, tais como a fixação do homem na terra e a construção das primeiras edificações, a utilização da agricultura como meio para prover a subsistência dos membros do grupo etc., demonstraram o aperfeiçoamento técnico e cognitivo do homem, os agrupamentos humanos foram ficando mais sofisticados e complexos com o andar da carruagem do tempo. Obviamente, as primeiras cidades eram mais arcaicas que as atuais, pelo fato do homem não dominar algumas técnicas tidas como corriqueiras para o nosso tempo, e por não conhecerem determinados assuntos hoje considerados basilares.

            Por volta do ano de 6.000 a.C., “inovações técnicas, tais como o arado de relha, aliadas ao deslocamento para os vales fluviais (inicialmente Tigre, Eufrates, Nilo, Indo e mais tarde o rio Hucango na China), cuja inundação deixava – em extensas áreas alagadas um lodo bastante fértil, dão à agricultura um notável impulso. As inovações tecnológicas prosseguem e no ano 5.000 a.C já se podia notar a presença de diques, canais e vales de irrigação” (CARLOS, 1991, p. 60).

            A fixação do homem na terra como agricultor faz surgir a figura da propriedade privada, uma vez que aquele se apropria de um lote de terra com o fim de ali permanecer e tirar o seu sustento e disponibilizar o excedente para os membros do grupo de assentados. Assim, esse esquema de aldeamento consiste em um primeiro passo para o surgimento da cidade antiga.

            Neste ritmo, segundo CARLOS (1991, p. 61), “foi em torno de 5.000 a.C que surgem, junto ao Eufrates e em outros pontos da Ásia Menor, as primeiras povoações às quais pode-se dar o nome de cidade. Dentre essas as mais antigas foram provavelmente: Kish, Ur e Uruk. As duas últimas desapareceram com a mudança do leito do rio Eufrates”.

            A seguir, com o fim ilustrativo, elencaremos o rol das cidades mais antigas, segundo Schneider in CARLOS:

 

TABELA I – AS CIDADES MAIS ANTIGAS

 

Cidade

País Antigo

País Atual

Época de Origem

Jericó

Canaã

Jordânia

5.000 a.C

Ur

Babilônia

Iraque

V Milênio

Uruk

Babilônia

Iraque

V Milênio

Susa

Elam

Pérsia

4.000 a.C

Hierakompolis

Egito

Egito

4.000 a.C

Kich

Babilônia

Iraque

Início do IV Milênio

Nipur

Babilônia

Iraque

Início do IV Milênio

Eridu

Babilônia

Iraque

Início do IV Milênio

Lagasch

Babilônia

Iraque

IV Milênio

Anau

 

Rússia

3.500 a.C

Tróia

 

Turquia

3.500 a.C

Mohenjo-Daro

 

Paquistão

3.000 a.C

Mênfis

Egito

Egito

2.850 a.C

Roma

 

Itália

2.700 a.C

Assur

Assíria

Iraque

2.500 a.C

Anyang

 

China

2.000 a.C

Fonte: Schneider in CARLOS, A.F.A. A Cidade - Coleção Repensando a Geografia, 1º Ed., São Paulo, Editora Contexto, 1991.

 

 

2.3 O SURGIMENTO DAS CIDADES NO BRASIL

 

 

            Após a chegada do Português em terras brasileiras, iniciou-se um processo de ocupação (e sua consequente modificação da paisagem natural) e de exploração dos recursos naturais. Assim, com o desenvolvimento das mais variadas atividades econômicas em diversas localidades do território brasileiro, houve uma expansão da ocupação humana, como bem aponta SILVA (2010, p. 21):

 

 

“No Brasil, o fenômeno urbano vincula-se à política de ocupação e povoamento da Colônia e sua evolução liga-se estreitamente aos ciclos econômicos brasileiros. O sistema inicial de exploração grosseira dos recursos naturais (pau-brasil) deu origem às primeiras feitorias e alguns agrupamentos humanos com rudimento de agricultura.” (Grifo Nosso)

           

 

            Portanto, tudo iniciou-se com o regime adotado pela lei de sesmarias, onde eram doados lotes de terras às pessoas de alto poder aquisitivo com o fim de explorarem atividades econômicas (plantio da cana de açúcar e a criação de bovinos, por exemplo), para em seguida abastecer as necessidades da Metrópole e do mercado mundial. Vale ressaltar que a doação era variável de acordo com o número de escravos que cada senhor possuía, como bem aponta MOREIRA (1990, p. 11):

 

 

“Segundo essa lei, o acesso à terra deve ser proporcional ao número de escravos de propriedade de cada senhor. Dessa maneira, o acesso à terra restringe-se, de direito, a alguns poucos, dele ficando excluída a maioria da população.”

 

 

            Acompanhando alguma atividade econômica, a ocupação do território brasileiro foi se desenrolando gradativamente, sempre tendo em vista os parâmetros estabelecidos pela Coroa Portuguesa, uma vez que na época eram as leis da Metrópole que prevaleciam. Portanto, a ocupação do território brasileiro já nasceu de forma exploratória e desigual, se arrastando assim até os dias atuais, uma vez que as pessoas de grande poder aquisitivo eram as mais, quiçá as únicas, beneficiadas.   

            A ocupação e a exploração deram-se início no Nordeste brasileiro, aonde o plantio de cana de açúcar era a atividade mais explorada, sendo acompanhada, após o decurso de alguns anos, pela pecuária, quando a primeira atividade se encontrava em via de decadência.

            O desenvolvimento da atividade pecuária passou a ser um tanto prejudicial para os senhores de engenho, uma vez que o gado pisoteava as mudas de cana, impossibilitando o crescimento das mesmas. Assim, o gado foi levado para regiões diversas das destinadas ao plantio da cana, e assim a ocupação do sertão nordestino surgiu.

            Ainda, no vale amazônico, o extrativismo das chamadas drogas do sertão se fazia presente. “O arranjo espacial combina os aldeamentos jesuíticos disseminados pelo vale com a entrada da sua população índia pela mata para extrair produtos” (MOREIRA, 1990, p.22)

            Com a descoberta do ouro nas Minas Gerais (depois de três séculos, os portugueses encontraram o que tanto procuravam quando aqui se instalaram), a ocupação humana, no Brasil, passou a ocupar porções interioranas, uma vez que com a decadência da cana de açúcar no mercado mundial, o ouro passou a ser o objeto de cobiça das pessoas, inclusive dos próprios escravos, pois muitos conseguiam comprar a sua liberdade, graças à Carta de Alforria (documento em que o proprietário do escravo, ou este mesmo, caso dispusesse de recursos, rescindia os direitos de propriedade do primeiro).

            Neste ritmo, passo a passo, decadência e ascensão de atividades econômicas, o território brasileiro foi sendo ocupado e reproduzido de acordo com as necessidades e interesses da classe dominante.

 

 

TABELA II – CIDADES MAIS ANTIGAS DO BRASIL

 

Cidade

Ano de Fundação

Cananéia (SP)

1531

São Vicente (SP)

1532

Espírito Santo (ES)/Igaraçu (PE)/Olinda (PE)

1535

Pereira (Bahia, futura Vila Velha)/Nazaré (Maranhão)/Santos (SP)

1536

Iguape (SP)

1537

Vila da Rainha (próxima ao rio Itabapuana, RJ)

1538-39

Vitória (Ilha de Santo Antônio, ES)

 1540

Salvador (BA)/Itanhaém (SP)

1549

Santo André da Borda do Campo (SP)

1553

São Paulo (SP)

1554

Fonte: BONTURI, João. Revista Galileu, 2007.

 

 

2.4 ELEMENTOS DE UMA CIDADE

 

 

            Até o momento explanamos como se formaram os primeiros agrupamentos humanos, e como este evoluiu até chegar ao status de cidade. Porém, não está claro o que faz uma cidade ser considerada como tal, como questiona o Professor Marcelo Lopes de Souza no seu livro ABC do Desenvolvimento Urbano, “o que faz uma cidade ser uma cidade?”.

            Temos que ter em vista que nem toda ocupação humana é sinônimo de cidade, assim do ponto de vista urbanístico, impende destacarmos a diferença entre urbano e cidade, que muitas vezes são confundidos. SILVA (2010, p. 24), inspirado por Nestor Goulart Reis Filho, no explica o que é necessário para um centro habitacional seja considerado como urbano:

 

 

“Para que um centro habitacional seja conceituado como urbano torna-se necessário preencher, no mínimo, os seguintes requisitos: (1) densidade demográfica específica; (2) profissões urbanas como comércio e manufaturas, com suficiente diversificação; (3) economia urbana permanente, com relações especiais com o meio rural; (4) existência de camada urbana com produção, consumo e direitos próprios. Não basta, pois, a existência de um aglomerado de casas para configurar-se um núcleo urbano.” (Grifo Nosso)

 

 

            Sendo núcleo urbano e cidade gêneros de ocupação humana, a simples existência do primeiro não faz surgir o segundo. Com isso, entendemos que para uma ocupação humana se tornar uma cidade se faz necessária presença de alguns elementos. Estes são entendidos como cada parte que forma um todo. Isto é, ume série de componentes que juntos caracterizam uma cidade, seja ela de pequeno, médio ou grande porte. Assim, devemos entender que característica faz uma área de pequena ocupação espacial ser considerada uma cidade, bem como uma área de forte centralidade e indiscutível destaque, como os grandes centros, ser considerada, também, como tal.

            Os elementos podem variar de cidade para cidade, dependendo sempre do seu porte e da sua área de influência. Assim, como muitos leigos pensam ser, não é o fator numérico da população que irá fazer uma cidade ser pequena, média ou grande, e sim o conjunto dos seus elementos.

            As mais variadas cidades, por mais simplórias ou mais complexas, ou mais antigas e mais modernas que sejam, têm um rol de elementos comuns que a caracterizam. Ciente deste aspecto, o Prof. Marcelo Lopes de Souza (2007, p. 24) expõe:

 

 

“A cidade é um objeto muito complexo e, por isso mesmo, muito difícil de se definir. Como não estou falando de um determinado tipo de cidade, em um momento histórico particular, é preciso ter em mente aquilo que uma cidade da mais remota antiguidade e cidades contemporâneas como, digamos, Cairo, Nova Iorque, Tóquio, mas também uma pequena cidade do interior brasileiro (...), têm em comum, para encontrar uma definição que dê conta dessa imensa variação de casos concretos.” (Grifo Nosso)

 

 

            Com base nos ensinamentos de CARLOS (1991), SOUZA (2007) e SILVA (2010), entendemos que é possível classificarmos a análise da cidade sob dois pontos de vista, um levando em consideração as características sócioespaciais e outro levando em consideração as influências eminentemente políticas, moldando-se aos “interesses” dos gestores.

            A cidade, segundo uma análise sócioespacial, é observada em diversos ângulos e aspectos. Ainda, é feito um esforço mental em demasia para apontar as características (ou elementos) de uma cidade. Assim, estudiosos como o economista e geógrafo Alemão Walter Christaller e o sociólogo Max Weber, se preocuparam em estudar as cidades e as suas características. O primeiro introduziu o conceito de localidade central, onde SOUZA (2007, p. 25) explica que “toda cidade é, do ponto de vista geoeconômico, isto é, das atividades econômicas vistas a partir de uma perspectiva espacial, uma localidade central, de nível maior ou menor de acordo com a sua centralidade – ou seja, de acordo com a quantidade de bens e serviços que ela oferta, e que fazem com que ela atraia compradores apenas das redondezas, de uma região inteira ou, mesmo, de acordo com o nível de sofisticação do bem ou serviço, do país inteiro e até de outros países”; O segundo, diz que a cidade é primordial e essencialmente, um local de mercado, que SOUZA (2007, p.25) explica que “apesar de nem todo “local de mercado” ser uma cidade (...), toda cidade é um local de mercado, onde se dá o intercâmbio regular de mercadorias”.

            Assim, até os dias atuais, muitos estudiosos, principalmente das ciências sociais, não poupam esforços com o fim de explicar e conceituar a cidade, visando um estudo mais apurado deste objeto tão complexo, que ainda não tem suas delimitações teórico-conceituais estabelecidas, muito embora seja um objeto concreto e perceptível aos sentidos humanos, pois a cidade está ao nosso redor, no nosso cotidiano, em suma, está em nossas vidas.

            Como dito alhures, o homem passou, e continua passando, por diversas fases, evoluindo em suas características e nos seus modos de produção e reprodução da vida e do espaço. As novas técnicas e tecnologias, a escrita e a comunicação, a acessibilidade a locais antes inacessíveis etc., são conquistas do homem ao longo dos séculos. Assim, levando em consideração todo um contexto histórico, a Professora Ana Fani Alessandri Carlos (1991, p.59-60), aponta o desenvolvimento do homem e da cidade. Com isso, citamo-la:

 

 

“(...) o desenvolvimento da revolução agrícola permitiu a algumas sociedades o acúmulo de inovações tecnológicas que ao alcançar o nível de uma nova revolução imprimiram nessa sociedade um movimento de aceleração evolutiva que acabou por configurá-la como uma nova formação sociocultural. Seus motores foram a acumulação de inovações técnicas que ampliaram, progressivamente, a eficácia produtiva do trabalho humano, provocando alterações institucionais nos modos de produção e nas formas de distribuição dos produtos de trabalho. As inovações tecnológicas mais importantes dessa fase são as descobertas de técnicas ainda incipientes de irrigação e de adubagem do solo que implicam fartas colheitas, e a generalização do uso do arado do solo e dos veículos de roda (ambos de tração animal), bem como dos barcos à vela (para navegação costeira). Acrescenta-se que a existência da cidade pressupõe uma participação diferenciada dos homens no processo de produção, ou seja, uma sociedade de classes. A origem da cidade se confundiria com o princípio de uma hierarquização social, a qual no entanto, a precede historicamente.”

 

 

            Assim, a autora ora citada, culmina a sua exposição com seis elementos, sob a sua óptica, são tidos como essenciais para vincular a existência de uma cidade, como podemos notar a seguir (CARLOS, 1991, p. 60):

 

a)     divisão do trabalho;

b)    divisão da sociedade em classes;

c)     acumulação tecnológica;

d)    produção do excedente agrícola decorrente da evolução tecnológica;

e)     um sistema de comunicação;

f)      uma certa concentração espacial das atividades não-agrícolas.

 

            Ainda, a cidade pode ser estabelecida de acordo com ações políticas, ou seja, a cidade sendo instituída através de uma simples convenção dos representantes políticos de um determinado país. Comumente, segundo esta acepção, as cidades são assim consideradas de acordo com o seu número demográfico.

            O conceito demográfico e quantitativo de “cidade” é muito difundido, pelo qual se considera cidade o aglomerado urbano com determinado número de habitantes: 2.000, em alguns países; 5.000, em outros; 20.000 para a ONU; 50.000 nos Estados Unidos da América (SILVA, 2010, p. 24).

            Este método, assim o entendemos, pode até ser o mais ágil, mas também é o mais cômodo para traçar os elementos e a conceituação da cidade. Porém, seja de interesse maior a delimitação de forma ágil com o fim de tornar um determinado território em entidade político-administrativa, gozando dos direitos estabelecidos pela Constituição Federal.

            Além da estipulação de limites demográficos mínimos há, também, critérios “funcionais” muito vagos, que deixam tudo em aberto: é o caso do Brasil, onde núcleos urbanos são as cidades e as vilas, sendo que as primeiras são sedes de municípios e as segundas são sedes de distritos (subdivisões administrativas dos municípios) (SOUZA, 2010, p. 29).

            Quanto às cidades, no Brasil, SILVA (2010) aponta:

 

 

“Os conceitos demográfico e econômico não servem para definir as cidades brasileiras, que são conceitos jurídico-políticos, que se aproximam de concepção das cidades como conjuntos de sistemas. O centro urbano no Brasil adquire a categoria de cidade quando seu território se transforma em Município. Cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de sistemas político-administrativo, econômico não-agrícola, familiar e simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja sua população.” (Grifo Nosso)

 

 

 

            Assim, como, no Brasil, o número de habitantes independe para a constituição de uma cidade, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos trás um rol de classificação das cidades, tendo em vista o conceito demográfico. Portanto, o conceito demográfico, no Brasil, é um simples fator de classificação e não de constituição de uma cidade. Com isso, a seguir a classificação das cidades proposta pelo IBGE:

 

 

TABELA III – DEFINIÇÃO DAS CIDADES BRASILEIRAS

 

 

Classificação da Cidade

Número de Habitantes

Cidade Pequena

500 a 100.000 Habitantes

Cidade Média

100.001 a 500.000 Habitantes

Cidade Grande

Acima de 500.000 Habitantes

Metrópole

Acima de 1.000.000 Habitantes

Megacidade

Acima de 10.000.000 Habitantes

Fonte: IBGE, 2011.

 

 

2.5 A CIDADE E A TUTELA ESTATAL

 

 

            A cidade como sendo uma manifestação da sociedade humana, também precisa ser alvo da tutela do Estado, com o fim de garantir a harmonia social e preservar a paz e a boa-fé, mediante o estabelecimento de regras de conduta, fazendo valer o brocardo latino ubi homo, ibi jus (onde há homem há direito).

            Em 1648, foi assinado o tratado da Paz de Westfália, fato em caracterizou “um novo tipo de Estado, com a característica básica de unidade territorial dotada de um poder soberano. Era já o Estado Moderno, cujas marcas fundamentais, desenvolvidas espontaneamente, foram-se tornando mais nítidas com o passar do tempo e à medida que, claramente apontadas pelos teóricos, tiveram sua definição e preservação convertidas em objetivos do próprio Estado” (DALLARI, 2007, p. 70-71).

            Assim, após a assinatura do Tratado de Westfália a figura do Estado Moderno surgiu, trazendo no seu bojo uma nova concepção de estruturação social, formado pelos chamados elementos essenciais, quais sejam, basicamente o território, o povo, a finalidade e a soberania. É com o uso deste último elemento que o Estado organiza a sua estrutura interna, apontando diretrizes, protegendo direitos e proclamando deveres. Acontece que o significado de Soberania é dual. Assim, o mestre Dalmo de Abreu Dallari (2007, p. 84) nos esclarece sobre o significado da Soberania de um Estado:

 

 

“De fato, porém, apesar do progresso verificado, a soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas: como sinônimo de independência, e assim tem sido invocada pelos dirigentes dos Estados que desejam afirmar, sobretudo ao seu próprio povo, não serem mais submissos a qualquer potência estrangeira; ou como expressão de poder jurídico mais alto, significando que, dentro dos limites da jurisdição do Estado, este é que tem o poder de decisão em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica.”

 

 

            Assim, todo Estado Moderno detém a sua soberania para elaborar as normas jurídicas de acordo com as suas necessidades e características culturais, como por exemplo, nos países árabes a mulher poderá ser condenada à morte por apedrejamento em caso de adultério, e não sendo permitido a intervenção de outros Estados Estrangeiros, salvo os casos previstos nas deliberações da ONU. Nesta regra o Brasil não é exceção.

            O Brasil, como Estado Moderno, possui um ordenamento jurídico que visa uma finalidade, segundo a ciência política, o bem comum. Esta finalidade é preceituada na atual Carta Magna em seu art. 3º, a qual citamos:

 

 

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

 

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,  raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (Grifo Nosso)

 

 

            Para se alcançar tais objetivos (finalidades), o Estado Brasileiro deve editar as suas normas com base nestes preceitos, afinal as normas infraconstitucionais não podem confrontar a Lei Maior. Assim, o Estado tutela diversos institutos, tendo sempre em vista o bem comum, tais como os direitos e garantias fundamentais, os direitos políticos, as estruturas administrativas etc., e dentre elas podemos apontar a tutela da Política Urbana, como podemos notar nos arts. 182 e 183, visando a reorganização do meio urbano. Esta tutela é inédita no rol das diversas Constituições Federais da República Brasileira.

            Impende destacarmos que dois ramos do Direito Brasileiro costumam ser confundidos quanto à competência de tutela das cidades, o Direito Ambiental e o Direito Urbanístico. A seguir tentaremos elucidar, com base na mais notável doutrina pátria, esta dúvida.

 

           

2.5.1. O DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO E AS CIDADES

 

 

            O Direito Ambiental, que como o próprio nome sugere, o meio ambiente é o seu objeto de estudo. Acontece que tal objeto de estudo, aos olhos do leigo, vem à tona a ideia de meio ambiente natural, como por exemplo, as florestas.

            Contudo, juridicamente falando, o meio ambiente não abraça apenas a natureza primeira, e sim um leque muito mais amplo, e como aponta BARROS (2008, p.121) “meio ambiente não é uma nomenclatura jurídica possível de ser delimitada através de uma mensuração exata”. Assim, salutar mencionarmos o significado da palavra meio ambiente, segundo a doutrina jurídica.

            A Lei que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981), em seu art. 3º diz que meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências, alterações e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

            Meio Ambiente, lato sensu, significa tudo que nos rodeia, como bem aponta BARROS (2008, p. 121), sob a óptica ecológica, “meio ambiente é tudo aquilo que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas. Esse conceito, por si só, demonstra a sua infinitude”. Por sermos seres dinâmicos em demasia, diversos ambientes nos rodeiam, sendo estes tutelados pelo Estado, conforme preceitua o art. 225 da Constituição Federal de 1988:

 

 

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.” (Grifo Nosso)

           

 

            Assim, a doutrina classifica o Meio Ambiente em:

 

        Meio Ambiente Natural: Para Fiorillo (2000, p. 19), “O meio ambiente natural ou físico é constituído por solo, água, ar atmosférico, flora e fauna. Concentra o fenômeno da homeostase, consistente no equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e meio em que vivem”. O meio ambiente natural é formado pelo solo, ar, água, fauna e flora.

 

        Meio Ambiente do Trabalho: É “aquele com enfoque na segurança da pessoa humana no local de seu trabalho. Envolve saúde, prevenção de acidentes, dignidade da pessoa humana, salubridade e condições de exercício saudável do trabalho” (TRENNEPOHL, 2009, p.37). Vale ressaltar que a doutrina majoritária adota esta classicação.

 

        Meio Ambiente Cultural: O meio ambiente cultural é aquele composto de bens de natureza material ou imaterial e caracterizado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, científico e pelas sínteses culturais que integram o universo das práticas sociais das relações de intercâmbio entre homem e natureza (BARROS, 2008, p. 143).

 

         Meio Ambiente Artificial: É aquele ambiente, ou espaço, modificado pelo homem por meio de suas atividades, alterando, assim, a natureza primeira. Assim, entendemos serem sinônimas as expressões meio ambiente artificial e espaço geográfico. Nesta classificação abarca as cidades.

 

            Segundo o nosso ponto de vista, sendo a cidade objeto de tutela do Direito Ambiental, resta configurada uma confusão quanto à matéria com o Direito Urbanístico, dificultando, assim, a distinção entre ambos.

            Muito embora, atualmente, as ramificações em comento possuam um rol de normas jurídicas que versam sobre matérias que aparentemente faça uma distinção, mas outras normas fazem com que haja uma confusão, tanto é que alguns doutrinadores, dentre eles citamos: TRENNEPOHL (2009), FIORILLO (2003), MILARÉ (2007); os quais inserem o Direito Urbanístico como um segmento do Direito Ambiental, tratando aquele, mesmo que seja de forma sucinta e dando ênfase à Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), em capítulo à parte.

            Ainda, entendemos que tal confusão não se dá unicamente pela semelhança de objeto entre os dois ramos, e sim, pelo fato de o Direito Ambiental, ao menos no Brasil, ter surgido do Direito Urbanístico, como bem elucida SIRVINSKAS (2011, p. 85):

 

 

“Trata-se de disciplina relativamente nova no direito brasileiro. O direito ambiental era um apêndice do direito administrativo e do direito urbanístico e só recentemente adquiriu a sua autonomia com base na legislação vigente e, em especial, com o advento da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981.” (Grifo Nosso)

 

 

            Além disso, esse ramo do direito só foi elevado à condição de ciência no momento em que adquiriu autonomia, com o advento da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). Essa lei trouxe em seu bojo todos os requisitos necessários para tornar o direito ambiental uma ciência jurídica independente, ou seja, com regime jurídico próprio, definições e conceitos de meios ambiente e de poluição, objeto do estudo da ciência ambiental, objetivos, princípios, diretrizes, instrumentos, sistema nacional do meio ambiente (órgãos) e a indispensável responsabilidade objetiva (SIRVINSKAS, 2011, p. 90).

 

             

2.5.2 DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO E AS CIDADES

 

 

            Mesmo o Direito Ambiental tendo surgido do Direito Urbanístico, conforme afirma SIRVINSKAS (2011), o último só conseguiu a sua autonomia, no Brasil, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, como bem frisa DANTAS (2008):

 

 

“A Constituição de 1988 destaca-se inicialmente pela definição das competências em matéria de ordenamento urbano. Primeiro, define as competências da União Federal sobre a matéria: elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território (art. 21, IX); instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (art. 21, XX); e legislar privativamente sobre desapropriações (matéria que, como se viu, tem significativo peso dentro do ordenamento territorial). Aos Estados ficou reservada outra importante matéria de ordenamento territorial, principalmente com o avanço do processo de urbanização brasileira e as possibilidades de ocorrência do fenômeno conhecido como conurbação: instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões (art. 25, §3º). Ao município, elevado pela Constituição de 1988 a categoria de ente federativo, ao lado da União e dos Estados, sacramentou-se, de forma mais estruturada, a sua função história: promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII), além de ser o responsável pela elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, o instrumento básico de desenvolvimento e expansão urbana (art. 182, §1º). Fundamental para concluir essa visão panorâmica e, principalmente, para fixar a origem do Direito Urbanístico como ramo autônomo do Direito, é a sua inscrição constitucional no artigo 24, inciso I que decreta que: “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: “I. direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico.” (Grifo Nosso)

 

           

            Conquistar autonomia não pode ser considerado como nascimento de um ramo do Direito, pois antes da promulgação da Carta Magna de 1988, o Direito Urbanístico vinha se desenvolvendo através de normas esparsas, que vem se acumulando desde o tempo em que a Coroa Portuguesa era a nossa Metrópole. Assim, com propriedade, DI SARNO (2004, p. 10-11) nos esclarece:

 

 

“No caso brasileiro, sempre houve legislações esparsas de caráter urbanístico. Exemplo disso são as Ordenações Filipinas, que, entre outros assuntos, trataram de matéria edilícia, organização urbana e atribuíra competências às autoridades locais para tratar dos assuntos urbanos. Contudo, não havia uma consciência sobre a necessidade de unidade e convergência dessas leis no período colonial, até porque os núcleos urbanos tinham uma estrutura bastante simples e, de maneira geral, bastavam leis sobre arruamento e alinhamento dando um caráter regular e embelezando as cidades e vilas.” (Grifo Nosso)

 

 

            Essa preocupação com a estrutura e organização da malha urbana veio se desenrolando na Europa, onde Portugal abraçou a ideia e assim implantou nas suas Colônias, e assim, trouxe as primeiras noções e normas que versavam sobre o Direito Urbanístico.  E, com o crescimento da ocupação humana e o consequente surgimento de novas cidades no Brasil, as necessidades foram aparecendo para que novas normas fossem editadas com o fim de organizar a cidade, pois esta vai se tornando cada vez mais complexa ao acompanhar a evolução das atividades econômicas aqui desenvolvidas.  Com isso, acompanhando todo este desenvolvimento das cidades e das normas, o Direito Urbanístico vai tomando corpo, onde teve a sua alma agregada após a promulgação da Constituição Federal de 1988.

            Entendemos que os dois ramos do Direito em comento (Direito Ambiental e Urbanístico) são aptos para tutelar a cidade, uma vez que ambos possuem objetos, até certo ponto, idênticos, pois o Direito Urbanístico versa sobre a tutela do Meio Ambiente (do trabalho, cultural e natural) que estejam dentro do Meio Ambiente Artificial, ou Urbano, que por sua vez também é consagrado, segundo a Doutrina, pelo Direito Ambiental. Mas, o que diferencia e que, ao nosso ver é primordial para sacramentar seus limites de atuação, é o fator humano que irá caracterizar o limite de atuação do Direito Urbanístico. Não havendo o fator humano na constituição de um meio ambiente, não há que se falar na participação do Direito Urbanístico.

            Assim, é pertinente citarmos as palavras esclarecedoras da Professora Daniela Campos Libório Di Sarno (2004, p. 94), para retirarmos definitivamente este véu:

 

 

“Observe-se, contudo, que nem sempre tais aspectos ambientais são objeto de interesse do meio ambiente urbano: só o serão quando estiverem sendo considerados os núcleos urbanos. Significa dizer que sempre deverá estar presente o elemento humano, considerado na sua coletividade, com a ordenação dos espaços onde desenvolve suas atividades e a qualidade que se obtém das relações estabelecidas por meios destes elementos.

 

Portanto, estarão excluídas das considerações do meio ambiente urbano pessoas que vivam isoladas da comunidade, bem como elementos e aspectos ambientais que não estejam inseridos, pelo critério da territorialidade, na vida urbana.” (Grifo Nosso)

 

           

            Diante da interdependência entre a proteção do meio ambiente como um direito fundamental e o espaço urbano como lócus onde essa proteção se concretiza, torna-se imprescindível o diálogo intersetorial entre o Direito Urbanístico e o Direito Ambiental. O tema requer análise interdisciplinar, aspecto que não pode manter-se ignorado pelos operadores do direito na tutela do meio ambiente nas cidades, é evidente a indissociabilidade do urbanismo e do meio ambiente, posto que somente uma análise conjunta terá possibilidades de proteger o meio ambiente como um direito que emerge do próprio direito à vida (WILLEMAM, 2007).

 

 

3. A TUTELA JURÍDICA PARA REFORMA URBANA

 

 

3.1 REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E AS MUDANÇAS NA CIDADE

 

 

            No século XVIII, com a eclosão da Revolução Industrial, o perfil da sociedade começa a passar por uma significativa modificação. As nações passaram a interagir com maior facilidade devido à evolução dos meios de transporte e das construções de novas estradas, facilitando o acesso a outras localidades, bem como a eficiência dos meios de comunicação, agilizando as transações mercantis.

             A Revolução Industrial trouxe uma série de inovações tecnológicas que impulsionaram o aumento da produção, fazendo surgir, assim, inúmeras indústrias nas quais exploravam as mais variadas atividades, deixando de lado a manufatura, como bem apontam MARX E ENGLES (2001):

 

 

“(...) Os mercados não pararam de crescer e as demandas, de aumentar. Logo a manufatura revelou-se insuficiente. Então, o vapor e o maquinismo revolucionaram a produção industrial. A manufatura deu lugar à grande indústria moderna. (...)

 

 

            Com isso, o modo de produção capitalista ganhou mais força, e assim proliferou-se. Porém, para toda esta “máquina” funcionar se fez necessário a presença de um “combustível”, este nada mais é do que o proletariado.

            O proletariado é composto por cidadãos das localidades onde se encontravam as grandes indústrias e aqueles indivíduos que deixaram o campo para tentarem uma nova sorte nas áreas urbanizadas. Estes últimos, na maioria das vezes, antes mesmo de ingressarem nas indústrias para trabalharem, passavam a ocupar áreas precárias da cidade por não possuírem condições para manterem-se em locais mais aprazíveis, as áreas marginais da cidade. Sobre os marginalizados, MACÊDO (2008) aponta:

 

 

“A história desses marginalizados se dá com o início da Revolução Industrial e a ascensão e o crescimento da indústria moderna, no final do século XVIII, que levou à massiva urbanização e à ascensão de novas grandes cidades, primeiramente na Europa, e posteriormente em outras regiões, à medida em que as novas  oportunidades geradas nas cidades fizeram com que grandes números de migrantes provenientes de comunidades rurais instalassem-se em áreas urbanas.” (Grifo Nosso)

 

 

            E, quando ingressado no mercado de trabalho, o proletário mantém-se na sua condição ínfima, pois o seu salário é baixo e pouco lhe possibilita uma oportunidade de ascensão social, afinal a lógica capitalista é a de explorar a força de trabalho com o fim de extrair seus lucros e assim manter a classe dominante, a burguesia.

            O capitalismo, como assegura o Prof. Marcelo Lopes de Souza (2007, p. 116), “é um modo de produção ótimo para gerar riqueza, mas péssimo para distribuí-la com justiça”. Assim, esta distribuição injusta da riqueza reflete na sociedade, reproduzindo espaços precários, onde lá se encontram os marginalizados, e espaços sofisticados, onde se localiza a classe dominante da sociedade. Este estigma do modo de produção capitalista acaba ficando incrustada na sociedade, reproduzindo um espaço desigual entre seus habitantes. Assim, as cidades modernas vão tomando formas de acordo com o modo de produção vigente.

            As cidades modernas mostram uma dupla face para os seus habitantes. Uma primeira para os membros da elite dominante, onde o mundo é bonito, limpo, e tudo e todos possuem preços e são passíveis de apropriação; e, uma segunda face, tenebrosa e hostil para com a maior parte da população, composta por pessoas de baixo poder aquisitivo, nos países periféricos e semi-periféricos, como é o caso do Brasil.            

            Ao nos depararmos com os mais variados problemas encontrados na cidade moderna, automaticamente vem à nossa mente a ideia de mudança, pois todo homem deseja viver em um ambiente saudável e harmonioso. Mas, em que consiste esta mudança? A mudança consiste em uma série de ações, que poderão ser sentidas a médio ou longo prazo. Ações como conscientização ambiental da população, aumento no número de emprego e sua consequente distribuição de renda, melhoria da infraestrutura urbana através dos seus equipamentos básicos, tais como esgotamento, luz, água potável, transporte, hospitais, escolas e etc. Porém, estas ações não dependem apenas do Poder Público, como se a cidade a este pertencesse, como muitos se precipitam em pensar. A isso CANUTO (2010, p. 77-78) explana:

 

 

“Inconveniente, inadequado e impossível pensarem-se as cidades unicamente como um pertence do Poder Público que, ao seu talante, traceja os movimentos e as modificações que entende serem adequados para a concretização do seu plano de governo, esquecido de que os destinatários precisam, além do cumprimento dos seus direitos constitucionais, resguardar a memória do seu tempo, do seu espaço, enfim, a sua história.”

 

 

 

            Temos que reconhecer que o Poder Público é agente imprescindível para a modificação da cidade, pois este executa o Poder e administra a riqueza do povo, que será investida na sociedade, viabilizando o planejamento e as ações. Porém, a própria população também é agente ativo, podendo fazer-se presente nas decisões políticas, o que foi possível, com maior intensidade, no que tange às Políticas Urbanas, somente com o advento da Lei Federal 10.257 de 10 de julho de 2001 – O Estatuto da Cidade, que por sua vez, limita a discricionariedade do Poder Público, investindo ao cidadão o poder de deliberar, e não mais apenas de consultar.

            À esta mudança, ou reestruturação, recebe o nome de reforma urbana, tema que abordaremos a seguir.

 

 

3.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A REFORMA URBANA

 

 

            Entendemos por reforma como uma nova forma, reorganizar determinada coisa (podendo ser uma casa, o ambiente de trabalho, até mesmo cidades inteiras). Assim, reforma urbana seria dar uma nova forma ao espaço urbano, desenvolvendo-o com o fim de proporcionar uma sadia qualidade de vida para os seus habitantes e visitantes.

            Erroneamente muitos atribuem o instituto da reforma urbana com o simples crescimento da malha urbana, fechando os olhos para os mais variados problemas da sociedade que “persistem” em existir. Ainda, muitos se confundem por causa do brilho ofuscante de determinada alteração na paisagem urbana, que muitas vezes não passa de um “simples” embelezamento de tal paisagem. Esta acaba sendo apenas, muitas vezes, uma melhoria que atinge apenas as camadas mais privilegiadas da sociedade.  Portanto, não devemos nos enganar com, por exemplo, cidades que se sofisticam ao ofertar bens e serviços cada vez mais variados, aumentando a sua centralidade, bem como o número de cinemas, teatros, shoppings centers etc., contribuindo para o aumento do PIB municipal, mas acabam deixando um saldo ambiental negativo, com manguezais destruídos, áreas desmatadas, aterros de lagos e rios, e sem falar no aumento da poluição (do ar, sonora, visual e hídrica), e ainda segregando ainda mais a população de baixa renda para as áreas de extremo risco.

            No Brasil, a Reforma Passos, que se deu na cidade do Rio de Janeiro, entre 1902 e 1906, é muito citada como exemplo de uma reforma urbana ocorrida no país. Mas, na verdade, a “reforma” em comento, não faz jus à sua nomenclatura. Assim, nos utilizamos das palavras do Prof. Marcelo Lopes de Souza (2007, p. 111-112), onde são ressaltados os acontecimentos da chamada Reforma Passos, mostrando as suas peculiaridades:

 

 

“Hoje em dia, aceita-se que a Reforma Passos possuiu três grandes objetivos: um, econômico (adaptar o Rio, então capital da jovem república brasileira, às exigências de uma economia urbana capitalista, deixando para trás a velha cidade colonial, com suas ruas apertadas e sua paisagem arcaica); outro, de natureza política, ou sociopolítica (“limpar” a área central dos cortiços e casas-de-cômodos, vistos como estando perigosamente próximos dos prédios que abrigavam o poder político formal e sediavam os negócios econômicos, por abrigarem pobres e indivíduos considerados ameaçadores, como capoeiras); e, finalmente, um objetivo ideológico-simbólico (modernizar e, assim, tornar mais digna a capital do Brasil, cuja imagem, tão associada a epidemias e outras mazelas, permitia um constrangedor contraste com as europeizadas rivais platinas, Buenos Aires e Montevidéu). Para lograr esses objetivos, o Estado promoveu a abertura e alargamento de ruas (demolindo até bem além do que seria estritamente necessário, o que demonstra nitidamente a meta de promover uma expulsão maciça da população pobre), além da construção de praças e da promoção de outras obras de embelezamento.” (Grifo Nosso)

 

 

 

            Como visto, a Reforma Passos possuiu um espírito inverso à reforma urbana, uma vez que esta deve ser justa e equânime para com todos, e não pode ser destinada a um pequeno segmento da sociedade. Uma reforma urbana deve ter como principal sustentáculo a ideia de desenvolvimento, de uma cidade sustentável, que proporcione uma sadia qualidade de vida para os cidadãos, e não de simples crescimento e/ou embelezamento da paisagem urbana.

            Quanto ao desenvolvimento, devemos ter em mente a ideia de equilíbrio, igualdade e sustentabilidade, pois estes elementos formam o tripé que, ao nosso ver, compõem a base na qual deveriam ser estruturadas as cidades modernas.

            Para alcançar o almejado desenvolvimento, se faz necessário um planejamento, que conforme afirma a Carta dos Andes de 1958, resultante do Seminário de Técnicos e Funcionários de Planejamento Urbano, realizado em Bogotá (Colômbia):

 

 

“É o processo de ordenamento e previsão para conseguir, mediante a fixação de objetivos e por meio de uma ação nacional, a utilização ótima de recursos de uma sociedade em uma época determinada. O Planejamento é, portanto, um processo do pensamento, em método de trabalho e um meio para propiciar o melhor uso da inteligência e das capacidades potenciais do homem para benefício próprio e comum.” (CINVA, 1960, p. 9) (Grifo Nosso) 

 

 

            Cabe ao Poder Público, através de seus agentes, organizar tal planejamento, visando uma melhoria na qualidade de vida da cidade. E, sendo a cidade objeto de tutela do Direito Ambiental, uma vez que esta se enquadra como meio ambiente artificial, que segundo TRENNENPOHL (2009, p. 36) “representa o direito ao bem estar relacionado às cidades sustentáveis e aos objetivos da política urbana”, a atual Carta Política, em seu art. 225, aponta o objetivo a ser almejado, incluindo, assim, as cidades brasileiras.

 

 

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (Grifo Nosso)

 

 

            Como dito linhas atrás, o Estado Moderno possui uma finalidade, o bem comum. Tendo em vista que a maior parte da população mundial vive em cidades – sejam elas rurais (minorias) ou urbanas (maiorias) -, cabe ao Estado assegurar o bem estar da população através de políticas públicas. Sendo o Brasil um país em que a sua malha urbana vem crescendo em demasia, é fundamental a preocupação pelo uso de Políticas Urbanas, ou seja, ações voltadas para o meio urbano. E, com o advento da Lei 10.257/2010 a tão almejada reforma urbana deu os primeiros passos rumo à sua concretização, regulamentando os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, que versa sobre a Política Urbana.     

 

 

3.3 INSTRUMENTOS DA REFORMA URBANA

 

 

             É comum quando há carência, dificuldade ou necessidade para preencher uma lacuna na legislação com o fim de dirimir algum problema social, o Estado criar uma política, por meio de Lei, com o fim de sanar eventual problema. Tanto é verdade que podemos notar, na legislação pátria, diversas leis criando políticas sanadoras, tais como a Política Nacional de Meio Ambiental (Lei 6.938/1981), Política Nacional do Idoso (Lei 8.842/1994), Política Nacional de Recursos Hídricos (9.433/1997) etc.

            Em 1988, “foi aberta a possibilidade para que a própria sociedade civil apresentasse, diretamente ao Congresso, propostas legislativas, denominadas “emendas populares”. Os requisitos para que tais emendas fossem recebidas pelo Congresso Constituinte eram os seguintes: a emenda deveria ser subscrita por, pelo menos, 30.000 eleitores e, além disso, deveria ser apoiada por, pelo menos, três entidades da sociedade civil. Uma dessas “emendas populares” foi justamente a da reforma urbana” (SOUZA, 2007, p.118). 

            Ainda, segundo BASSUL (2002) referendo-se ao quantum angariado na proposta de “emenda popular”, esclarece:

 

 

“(...) Levaram ao Congresso Nacional uma emenda popular que conseguiu angariar 160 mil assinaturas. (Segundo o Jornal da Constituinte, „foi apresentada emenda popular sobre a reforma urbana, com 131 mil assinaturas, patrocinada pelas Federações Nacional dos Engenheiros e Nacional dos Arquitetos e pelo Instituto de Arquitetos do Brasil)” (Grifo Nosso)

 

 

            Assim, a atual Constituição Federal proclamou a Política Urbana, nos seus arts. 182 e 183, com o fim de, ao menos, diminuir as dificuldades e desigualdades encontradas nas cidades, isto é, promover o bem estar entre os seus habitantes através da reforma urbana.

            Reza o art. 182 da Carta Maior:

 

 

“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.” (Grifo Nosso)

 

 

             O texto do artigo constitucional retromencionado caracteriza uma norma constitucional de eficácia contida, que segundo OLIVEIRA (2009, p.33), “São aquelas normas que têm aplicabilidade imediata, integral, plena, direta (autoaplicáveis ou autoexecutáveis), mas podem ter reduzido o seu alcance pela atividade do legislador ordinário, em virtude de autorização constitucional”, pois depende de norma integradora federal e local (através do plano diretor). Assim, ficou estabelecido a competência da União para apontar as diretrizes gerais, por meio de lei, para alcançar a reforma urbana, e cabendo aos municípios a competência de estabelecer as especificidades, de acordo com as suas necessidades reais, por meio do seu plano diretor.

            Sendo a cidade o lugar da morada da grande maioria da população mundial, e também sendo um reflexo do modo de produção capitalista, ou seja a desigualdade de tal sistema é reproduzida no social, o Estado, como ente organizador de toda a sociedade, tem o dever de promover a melhoria da qualidade de vida das pessoas, através do uso de equipamentos urbanos como o saneamento básico, a pavimentação, transporte, coleta de lixo, hospitais, iluminação pública, creches, escolas, água potável etc., com o fim de, ao menos, minimizar o sofrimento das camadas mais pobres. Assim, tendo em vista as dificuldades e desigualdades presentes nas cidades brasileiras, no dia 10 de julho de 2001, após vários anos de lutas e discussões, é publicada a Lei Federal 10.257, o Estatuto da Cidade, regulamentando os arts. 182 e 183 da Constituição Federal de 1988.  

            Para reformar um espaço tão extenso e complexo, se faz necessário a utilização de instrumentos para obter êxito, ou ao menos minimizar as disparidades sociais, na finalidade estatal, o bem comum.

            Neste contexto, entendemos por instrumento como o recurso empregado para se alcançar um objetivo, ou seja, são os meios pelos quais se almejam atingir a reforma urbana.

            A Lei Federal 10.257/2001, trás alguns instrumentos da Política Urbana. O art. 4º desse diploma legal elencou, sem muita sistematização, ditos instrumentos jurídicos e políticos. Sem nenhuma preocupação em distingui-los segundo tal bipartição, pode-se afirmar que os incs. I e II mencionam a utilização de instrumentos mais amplos, como os planos nacionais, regionais e estatuais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social e o planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. O inc. III explicita o planejamento municipal, instrumentos mais restritos que os anteriores, e nomeia, em especial: o plano diretor; a disciplina do parcelamento, do uso e ocupação do solo; o zoneamento ambiental; o plano plurianual; as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual; a gestão democrática participativa; os planos, os programas e projetos setoriais; o plano de desenvolvimento econômico e social. Os institutos tributários estão arrolados no inc. IV. São: o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU; a contribuição de melhoria; os incentivos e benefícios fiscais e financeiros (GASPARINI, 2002, p. 16).

 

 

Art. 4º Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:

I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;

III – planejamento municipal, em especial:

a) plano diretor;

b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;

c) zoneamento ambiental;

d) plano plurianual;

e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;

f) gestão orçamentária participativa;

g) planos, programas e projetos setoriais;

h) planos de desenvolvimento econômico e social;

IV – institutos tributários e financeiros:

a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU;

b) contribuição de melhoria;

c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;

V – institutos jurídicos e políticos:

a) desapropriação;

b) servidão administrativa;

c) limitações administrativas;

d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;

e) instituição de unidades de conservação;

f) instituição de zonas especiais de interesse social;

g) concessão de direito real de uso;

h) concessão de uso especial para fins de moradia;

i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;

j) usucapião especial de imóvel urbano;

l) direito de superfície;

m) direito de preempção;

n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;

o) transferência do direito de construir;

p) operações urbanas consorciadas;

q) regularização fundiária;

r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos;

s) referendo popular e plebiscito;

VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).

§ 1º Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que lhes é própria,

observado o disposto nesta Lei.

§ 2º Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação específica nessa área, a concessão de direito real de uso de imóveis públicos poderá ser contratada coletivamente.

§ 3º Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil.” (Grifo Nosso)

 

 

            Dentre os instrumentos da Política Urbana elencados anteriormente, se faz presente a figura do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), espécie de Avaliação de Impacto Ambiental, introduzida pela legislação brasileira por meio da Lei Federal 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), cujo fim é preservar a boa qualidade de vida não apenas de uma vizinhança, e sim de toda a população, evitando a instalação de empreendimentos que venham, assim, a deturpar o sossego e a harmonia dos habitantes.

 

 

 

4 DA AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL – AIA, COMO INSTRUMENTO DA POLÍTICA NACIONAL DE MEIO AMBIENTE

 

 

4.1 HISTÓRICO

 

 

            A humanidade, sempre após o domínio de uma nova técnica, bem como o seu desenvolvimento cognitivo ao longo dos séculos, vem se apropriando dos recursos da natureza para prover as suas necessidades. E, estas necessidades vieram deixando suas marcas na natureza primeira ao longo das datas imemoráveis. Entendemos até que podemos dizer, de uma forma genérica, que tecnologias mais sofisticadas são sinônimo de maior impacto no meio físico. Vale ressaltar que não podemos considerar as chamadas tecnologias limpas neste rol sombrio.

            Foi após a Revolução Industrial, com a intensa utilização da máquina a vapor com o fim de melhorar e aumentar a produção capitalista, que a exploração dos recursos naturais acentuou-se e proliferou-se com o passar dos anos, principalmente nas nações mais desenvolvidas e industrializadas, como os países da Europa e os Estados Unidos.

            No final da década de 60, diante da intensa degradação ambiental provocada pelas indústrias dos países desenvolvidos, atiçou na população o interesse pelas questões ambientais, como bem apontam BASTOS & ALMEIDA (2006, p.77):

 

 

“No final da década de 60, nos países industrializados e também em alguns em desenvolvimento, o crescimento da conscientização do público quanto à rápida degradação ambiental e aos problemas sociais decorrentes levou as comunidades a demandar uma melhor qualidade ambiental. Assim crescia a participação pública, que passou a exigir que as questões ambientais fossem expressamente consideradas pelos governos ao aprovarem seus programas de investimento e projetos de grande e médio portes.” (Grifo Nosso)

 

 

            Em 1969, os Estados Unidos aprovaram o “National Environmental Policy Act- NEPA”, que corresponde, no Brasil, à Política Nacional do Meio Ambiente. O NEPA instituiu a execução de Avaliação de Impacto Ambiental interdisciplinar para projetos, planos e programas e para propostas legislativas de intervenção no meio ambiente. O documento que apresenta o resultado dos estudos produzidos pela AIA recebeu o nome de Declaração de Impacto Ambiental (“Environmental Impact Statement-EIS.”) O EIS mostrou-se um instrumento eficiente, principalmente no que se refere à participação da sociedade civil nas tomadas de decisão pelos órgãos ambientais, via Audiências Públicas. Seguramente, o grau de educação e politização, esclarecimento e conscientização da sociedade americana foram fatores determinantes para a efetividade do instrumento. (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE - MMA, 1995)

            Impende destacarmos que, antes da promulgação da NEPA, no dia 1 de janeiro de 1970, pelo presidente Nixon, outros estudos foram realizados nos Estados Unidos, sendo que não recebiam a nomenclatura de Avaliação de Impacto Ambiental, como bem aponta CLARK (1994, p. 4):

 

 

“Embora a expressão “Avaliação do Impacte Ambiental” não tivesse sido utilizada anteriormente à promulgação da NEPA, certas formas de AIA já tinham nessa altura sido realizadas. No fim dos anos trinta, o Bureau of Reclamation dos EUA elaborou um estudo sobre os principais efeitos ambientais e sociais da Barragem de Grand Coulee construída no Rio Columbia no Estado de Washington. No entanto, só no final dos anos sessenta, aquando da ocorrência de “catástrofes” ambientais tais como o derramamento de petróleo em Santa Barbara, que provocaram protestos de grupos de ambientalistas chamando a atenção para a ineficácia das técnicas utilizadas para identificar e incorporar as perturbações ambientais na avaliação de projectos, a AIA ganhou dimensão nacional.” (Grifo Nosso)

 

 

            A institucionalização da AIA, no Brasil e em diversos países, guiou-se pela experiência americana, face a grande efetividade que os Estudos de Impacto Ambiental demonstraram no sistema legal da “common law” dos Estados Unidos. (MMA, 1995)

            O período que compreende o final da década de 1970 e início da década de 1980, foi marcado pela intensa elaboração de estudos que versavam sobre impactos ambientais de grande escala no Brasil, conforme podemos notar a seguir:

 

 

“(...) alguns projetos desenvolvidos em fins da década de 70 e início dos anos 80 e financiados pelo BIRD e pelo BID foram submetidos a estudos ambientais, dentre eles: as usinas hidrelétricas de Sobradinho, na Bahia, e de Tucuruí, no Pará; e o terminal porto-ferroviário Ponta da Madeira, no Maranhão, ponto de exportação do minério extraído pela CVRD, na Serra do Carajás.” (MMA, 1995)

 

 

            A Avaliação de Impacto Ambiental, no Brasil, foi institucionalizada pela Lei Federal nº 6.938/81, que criou a Política Nacional do Meio Ambiente, que no seu art. 9º considerou a AIA como ferramenta essencial para o Licenciamento Ambiental.

 

 

Art 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:

(...)

III - a avaliação de impactos ambientais;”

 

 

            Diferentemente dos demais países que adotavam o instituto da AIA, o Brasil, na década de 80, ainda não dispunha de normas regulamentadoras, chegando a utilizar as normas das agências internacionais durante esta vacância.  Assim, no ano de 1986, é editada a Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA de número 001/86, a qual estabeleceu “as definições, as responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente”. (Resolução CONAMA 001/86)

            Acontece que, no Brasil, “após a aprovação da Resolução CONAMA 001/86, seguiu-se um período de incertezas e de adaptação por parte dos órgãos de meio ambiente existentes. Tal fato foi atribuído à falta de tradição de planejamento em nosso País, às diferenças regionais na edição de leis complementares à Resolução, a problemas de interpretação da legislação federal e à falta de definição de atribuições e competências em nível dos órgãos ambientais. Esse período foi marcado por intensa mobilização, busca de informações e intercâmbio em torno do funcionamento do processo de AIA no País” (MMA, 1995).

            Diante dos problemas causados pelas incertezas e confusões geradas em torno das legislações complementares, interpretações, competências, diversos eventos foram realizados com o fim de traçarem ideias norteadoras referente a AIA, e assim, estabeleceram os seguintes requisitos básicos para operacionalizar a AIA no País:

 

 

“• criar procedimentos de licenciamento ambiental específicos, conforme os tipos de atividades;

 

• treinar equipes multidisciplinares na elaboração de EIA/RIMA;

 

• treinar pessoal dos órgãos de meio ambiente para analisar os casos de AIA no País;

 

• gerar instruções e guias específicos para conduzir os diferentes tipos de estudos, de acordo com as características dos projetos propostos.” (MMA, 1995)

 

            O Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA vem regulamentando o licenciamento de obras e atividades mediante avaliação de impacto ambiental, estabelecendo, para cada caso que mereça regulamentação específica – devido às peculiaridades e características inerentes -, um tipo de estudo capaz de aferir o meio mais adequado e correto de obviar as interferências negativas no ambiente (MILARÉ, 2007).

 

 

4.2 CONCEITO

 

 

            Inicialmente, antes de conceituarmos o instituto da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), achamos por bem entendermos o que significa o termo impacto ambiental, uma vez que é envolto deste termo que a AIA surgiu e desenvolveu-se. 

            A palavra Impacto (do latim impactu) significa ‘choque’ ou ‘colisão’. Assim, o douto Édis Milaré, em uma contribuição ao livro Previsão de Impactos (2006, p.54), nos dá uma conceituação pertinente, a qual citamos:

 

 

“Na terminologia do direito ambiental a palavra aparece também com o sentido de ‘choque’ ou ‘colisão’ de substâncias (sólidas, líquidas ou gasosas), de radiações ou de formas diversas de energia, decorrentes da realização de obras ou atividades com danosa alteração do meio ambiental natural, artificial, cultural ou social.”

 

 

            Tendo em vista o significado da palavra impacto, o art. 1º da Resolução CONAMA 001/86 considera impacto ambiental como sendo “qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem: a saúde, a segurança e o bem estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos ambientais”.

            Assim, a Avaliação de Impacto Ambiental é, segundo IMPERIANO (2011, p. 146), um “instrumento de política ambiental, formado por um conjunto de procedimentos capazes de assegurar, desde o início do processo, que se faça um exame sistemático dos impactos ambientais de uma ação proposta (projeto, programa, plano ou política) e de suas alternativas, e que os resultados sejam apresentados de forma adequada ao público e aos responsáveis pela tomada de decisão, e por eles considerados. Além disso, os procedimentos devem garantir a adoção das medidas de proteção do meio ambiente determinadas, no caso decisão sobre a implantação do projeto”.

 

 

4.3 OBJETIVOS

 

 

            Após muitas lutas populares desenroladas nos Estados Unidos, o Governo americano por meio da NEPA criou a AIA. Mas, interessante é entendermos a que propósito este instituto tão salutar foi criado. Com isso, nos utilizamos das palavras de CLARK (1994), que com propriedade nos explica qual é o objetivo do instituto ora em comento:

 

 

“O objectivo de uma AIA consiste em determinar os potenciais efeitos ambientais, sociais e sobre a saúde de um dado projecto. A AIA tenta avaliar os efeitos físicos, biológicos e sócio-económicos de forma a permitir que as decisões sejam tomadas de forma lógica e racional. Podem fazer-se tentativas no sentido de reduzir ou atenuar os possível impactes adversos através da identificação de potenciais locais e/ou processos alternativos.” (Grifo Nosso)

 

 

4.4 ESPÉCIES DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL

 

 

            Muito se confunde no trato dos estudos sobre os instrumentos de impactos ambientais, principalmente entre os estudantes, pois acabam por não discernir qual instrumento deve ser considerado em determinada ocasião devido a sua extensa variedade, como por exemplo, muitos se confundem que a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) é a mesma coisa que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Mas, temos que ter em mente que o EIA, neste caso, foi a primeira AIA que surgiu no Brasil, e assim se popularizou. Na verdade, Avaliação de Impacto Ambiental é gênero, na qual o EIA é uma das suas espécies.

            Neste sentido são os ensinamentos de Édis Milaré (2007):

 

 

A avaliação de impacto ambiental é tomada em sentido amplo, genérico, de procedimento metodológico para localizar, identificar, prognosticar, ponderar e, em certos casos, valorar em medidas as alterações que podem ocorrer no meio ambiente (natural e social), como conseqüências ou efeitos da ação antrópica. Nesta relação Homem-Natureza, cidadão-cidade, o ser humano exerce um papel causal ou desencadeador de modificações.” (Grifo Nosso)

 

 

            Todas as espécies de Avaliação de Impacto Ambiental têm o mesmo espírito, ou seja, de ser um estudo que visa localizar, identificar e prognosticar eventual impacto ambiental. No entanto, cada estudo possui a sua característica própria, de acordo com o objeto que lhe é conferido, ou seja, a que meio ambiente ele é voltado.

            Com propriedade, SÁNCHEZ (2008) aponta algumas espécies de AIA existentes no Brasil:

 

 

“(...) Além do EIA e seu respectivo RIMA, encontram-se denominações como o plano e relatório de controle ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco (...)” (Grifo Nosso)

 

 

 

            A seguir, com fins didáticos, poderemos observar a ordem cronologia do surgimento dos Estudos Ambientais existentes no Brasil:

 

TABELA IV – ESTUDOS AMBIENTAIS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA

 

 

ESTUDOS

REFERÊNCIA LEGAL

EIA – Estudo de Impacto Ambiental e RIMA – Rel. de Impacto Ambiental

Resolução CONAMA 01, de 23/01/1986.

PBA – Projeto Básico Ambiental

Resolução CONAMA 06, de 16/09/1987.

PRAD – Plano de Recuperação de Áreas Degradadas

Decreto Federal n° 97.636, de 10/04/1989.

PCA – Plano de Controle Ambiental

Resolução CONAMA 09, de 06/12/1990.

RCA – Relatório de Controle Ambiental

Resolução CONAMA 10, de 06/12/1990.

EVA – Estudo de Viabilidade Ambiental

Resolução CONAMA 23, de 07/12/1994.

RAA – Relatório de Avaliação Ambiental

Resolução CONAMA 23, de 07/12/1994.

EVQ – Estudo de Viabilidade de Queima

Resolução CONAMA 264, de 20/03/2000.

Plano de Encerramento

Resolução CONAMA 273, de 29/11/2000.

RAS – Relatório Ambiental Simplificado

Resolução CONAMA 279, de 27/06/2001.

Plano de Emergência Individual

Resolução CONAMA 293, de 12/12/2001.

Plano de Contingência, Plano de Emergência e Plano de Desativação

Resolução CONAMA 316, de 29/10/2002.

RAP – Relatório Ambiental Preliminar

Resolução SMA – SP 42, de 29/12/1994.

EAS – Estudo Ambiental Simplificado

Resolução SMA – SP 54, de 30/11/2004.

EAR – Estudo de Análise de Risco/PGR – Programa de Gerenciamento de Riscos/ PAE – Plano de Ação de Emergência

Norma Técnica CETESB P 4.261, de 20/08/2003.

Plano de Desativação

Decreto Estadual SP 47.400, de 04/12/2002.

EIV – Estudo de Impacto de Vizinhança

Lei Federal n°10.257, de 10/07/2001.

Fonte: SÁNCHEZ, Luiz Enrique. (Adaptado). Avaliação de Impacto Ambiental – Conceitos e Métodos. São Paulo, Oficina de Textos, 2008.

5 O ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA COMO INSTRUMENTO JURÍDICO PARA ALCANÇAR A SUSTENTABILIDADE NA CIDADE

 

 

5.1 BREVE HISTÓRICO

 

 

            A intensa exploração das mais variadas atividades econômicas permitiu que uma série de empreendimentos se desenvolvessem no meio urbano, e cada vez mais se aproximando e se avolumando nas áreas residenciais, locais que outrora eram reservados unicamente para o descanso e deleite dos indivíduos, sendo pouco a pouco violados pela “máquina” capitalista.   O crescimento acelerado das cidades, foi se desenvolvendo gradativamente o direito de vizinhança, versando sobre a propriedade privada, resguardando-as de eventuais danos causados por terceiros. Estes danos, por sua vez, podem ser causados por grandes empreendimentos desenvolvidos por entes públicos ou particulares.  

            Pode-se apontar que a necessidade de resguardar os ‘vizinhos’ de possíveis incômodos, decorridos de determinados usos e edificações, foi aspecto balizador para a formulação das leis e regulamentos urbanísticos que adotamos ainda hoje (TOMANIK, 2008).

            O Estudo de Impacto de Vizinhança, espécie de AIA, como vimos anteriormente, surgiu no seio de uma necessidade de desacelerar os danos causados à vizinhança pelos mais variados empreendimentos, causando transtornos à população. Ainda, este instrumento é genuinamente brasileiro, sendo criado com o advento da Lei Federal 10.257/2001, o Estatuto da Cidade, conforme previsto no art. 36.

 

 

5.2. CONCEITO

 

 

            Por ser uma espécie de Avaliação de Impacto Ambiental, o EIV “herdou” a mesma natureza, isto é, um estudo prévio que visa localizar, identificar e prognosticar eventual impacto ambiental.

            WILLEMAN (2007) nos apresenta o seguinte conceito:

 

 

O Estudo prévio de Impacto de Vizinhança é um documento técnico que deve ser elaborado previamente à emissão das licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento de empreendimentos privados ou públicos em área urbana.

 

 

5.3 OBJETIVOS DO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA

 

 

            Inicialmente, cumpre tecermos alguns comentários acerca do Licenciamento Ambiental, uma vez que este instrumento é essencial para ser permitido o desenvolvimento de determinada atividade econômica efetiva ou potencialmente poluidora. Este instrumento surgiu no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei Federal 6.938 de 31.08.1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, cujo objetivo era de manter “o controle, a conservação, a melhoria e a recuperação ambiental propícia à sadia qualidade de vida, bem como garantir o desenvolvimento sócioeconômico e a proteção aos recursos naturais” (IMPERIANO, 2011).

            Assim, FARIAS (2007, p. 26) nos explica o que vem a ser o licenciamento ambiental:

 

 

“(...) O licenciamento ambiental é o processo administrativo complexo que tramita perante a instância administrativa responsável pela gestão ambiental, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, e que tem como objetivo assegurar a qualidade de vida da população por meio de um controle prévio e de um continuado acompanhamento das atividades humanas capazes de gerar impactos sobre o meio ambiente”

 

 

            Em 1998, com o advento da Lei Federal Lei Federal 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), a falta da licença ambiental foi elevada a categoria de crime, previsto em seu art. 60.

            Como bem aponta IMPERIANO (2011), “de acordo com o artigo 60 da Lei de Crimes Ambientais, o funcionamento de estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes é considerado crime ambiental, cujas penalidades a serem aplicadas podem ser a detenção de um a seis meses ou multa, ou ambas as penas aplicadas cumulativamente.”

            A licença ambiental, nos dias atuais, para ser concedida, exige um estudo técnico prévio, que chamamos o seu gênero de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). E, dependendo do meio ambiente (natural, artificial, cultural ou laboral) em que determinado empreendimento efetivo ou potencialmente poluidor se encontrar, uma das espécies de AIA será utilizada. No caso de empreendimentos efetiva ou potencialmente poluidores localizados no meio ambiente artificial o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) será utilizado.

            O EIV visa o licenciamento urbanístico e destina-se a empreendimentos de impacto significativo no espaço urbano, não existindo limitação de extensão territorial ou de área construída, sua finalidade é diagnóstico ambiental e socioeconômico, além de instruir e assegurar ao Poder Público a capacidade do meio urbano para comportar determinado empreendimento (WILLEMAM, 2007).

            Ainda, WILLEMAN (2007), entende que o “EIV se enquadra em mais um dos instrumentos que permitem a tomada de medias preventivas pelo ente estatal a fim de evitar o desequilíbrio do crescimento urbano, garantir as mínimas condições de ocupação dos espaços, bem como assegurar a população a tutela do meio ambiente nas cidades. Isso sustentando a incindível relação entre o urbanismo e o meio ambiente, posto que somente assim existirá uma real possibilidade de proteção ao meio ambiente no espaço urbano, não permitindo que a aplicação do instituto mantenha-se aquém a um direito que emerge do direito à vida e da dignidade da pessoa humana”.

            Carla Canepa (2007, p. 227) em sua obra Cidades Sustentáveis realça bem esta questão, ao apontar o desafio da aplicabilidade do EIV em nossas cidades:

 

 

“O grande desafio, entretanto, é conseguir chegar a uma equação satisfatória entre os ônus e os benefícios de cada empreendimento, visando não só a sua vizinhança imediata, mas também o conjunto da população. Pois muitos empreendimentos (aliás, qualquer empreendimento) causam impactos, mas são também fundamentais para o funcionamento da cidade.” (Grifo Nosso)

 

 

            Assim, entendemos que o objetivo maior do EIV é evitar o impacto ambiental no meio urbano, preservando a boa qualidade de vida não apenas de determinada vizinhança onde um dado empreendimento pretende se instalar, e sim da população como um todo, apartando desta os malefícios causados pela poluição (do ar, da água, sonora, visual...) em demasia, com o fim de assegurar o direito da dignidade da pessoa humana, bem como o direito a vida sadia.

 

 

 

5.4. CONTEÚDO BÁSICO DO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA

 

 

            Assim, entendemos que os instrumentos da política urbana, previstos no art. 4º do Estatuto da Cidade, terão as suas características delimitadas pelos municípios, nos seus respectivos Planos Diretores. Sendo o EIV um instrumento da política urbana, previsto no art. 4º da Lei 10.257/2001, o que for abordado nele poderá variar de acordo com a localidade, nos termos da Lei.

            A Lei Federal 10.257/2001 preconizou normas gerais onde os Municípios, de acordo com as suas características e necessidades locais, devem apontar suas especificidades no seu Plano Diretor, como bem aponta OLIVEIRA (2002, p. 8):           

 

 

“A Lei 10.257/2001 regulamentou os arts. 182 e 183 da CF, estabelecendo normas gerais para os Municípios efetivarem, segundo as suas características e necessidades locais, o disposto no seu Plano Diretor.”.

 

 

            O art. 37 do Estatuto da Cidade aponta o que chamamos de elementos gerais, ou seja, o que deve conter, no mínimo, em todo e qualquer EIV.

 

 

Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões:

 

I – adensamento populacional;

II – equipamentos urbanos e comunitários;

III – uso e ocupação do solo;

IV – valorização imobiliária;

V – geração de tráfego e demanda por transporte público;

VI – ventilação e iluminação;

VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.”

 

 

            MORAES (2010) nos diz acerca do art. 37 do Estatuto da Cidade:

 

 

“Reiterando o que estabelece a lei, este conteúdo é mínimo, no entanto, ao se regulamentar o EIV, o Município deve se atentar para as particularidades locais e regionais, complementando os quesitos a serem analisados, como, por exemplo, a geração de lixo, poluição do ar, sonora, etc.” (Grifo Nosso)

 

 

            Salutar citarmos o douto Édis Milaré (2007, p. 539), se referindo à temática:

 

 

“Cabe ressaltar que é a futura norma municipal que deverá dispor a respeito do conteúdo, da abrangência e do procedimento para elaboração do Estudo de Impacto de Vizinhança observado o mínimo estabelecido pela norma federal.” (Grifo Nosso)      

 

 

            Ainda, o “EIV deverá contemplar aspectos negativos e positivos do empreendimento ou atividade e, se possível, apontar alternativas para minimizar ou eliminar as negatividades, buscando conciliar interesses. Poderá, ainda, ser exigido em qualquer caso, independentemente da ocorrência ou não de significativo impacto de vizinhança, entretanto é a lei municipal que define quais são as atividades e empreendimentos que dependerão do EIV para obtenção de licença ou autorização para construção, ampliação e funcionamento. Isso porque, projetando para o futuro, serão estas possivelmente responsáveis por afetar a qualidade de vida da população residente na área ou nas proximidades” (WILLEMAM, 2007).

            Então, para que o EIV seja realizado com presteza, o operador deve ter uma visão que consiga abraçar o todo, ou seja, a coletividade, uma vez que esta poderá ser beneficiada ou prejudicada pelo empreendimento a ser instalado. Assim, nos utilizamos da competente colocação de MORAES (2010):

 

 

“Portanto, para se aplicar adequadamente o EIV, faz-se necessária uma visão sistêmica e completa da cidade, pois o excesso de restrições em determinadas áreas pode tanto inibir como segregar para as periferias os empreendimentos e atividades fundamentais para o funcionamento da cidade, locais estes, por vezes, com piores condições de acesso e infraestrutura, prejudicando uma população de baixa renda, que não possui voz ou mesmo conhecimento dos prejuízos ambientais que poderão ser gerados com o novo empreendimento.”

 

           

 

5.5. DOS EMPREENDIMENTOS ALVO DO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA

 

 

            Por ser um instrumento voltado para o meio urbano, nem todos os empreendimentos implantados são alvo do Estudo de Impacto de Vizinhança, seja por se localizarem em áreas distantes ou por simplesmente não serem consideradas como efetivas ou potenciais poluidoras.

            O art. 36 do Estatuto da Cidade incumbe ao Poder Público Municipal definir os empreendimentos e atividades que necessitarão de um Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança, como bem aponta GASPARINI (2002, p. 18):

 

 

“Prescreve o art. 36 do Estatuto da Cidade que lei municipal definirá os empreendimentos e atividades, privados ou públicos, em área urbana, que dependerão da apresentação de Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV para a obtenção das licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento (...)”

 

 

            O Poder Público deve observar que serão alvo de EIV os empreendimentos e atividades que promovam “significativas mudanças nas características da região onde se instalarão, ainda que algumas vezes por pouco tempo” (GASPARINI, 2002, p. 19). Neste diapasão, podemos imaginar que empreendimentos como super e hipermercados, um grande evento a ser realizado (como, por exemplo, a Festa do Peão de Boiadeiro em Barretos), um grande edifício residencial e/ou comercial, postos de gasolina etc., por promoverem significativas modificações no ambiente e o consequente impacto de vizinhança. Assim, OLIVEIRA (2002, p. 33) aponta:

 

 

“Institui-se o impacto de vizinhança, ou seja, qualquer obra que possa alterar o destino natural do local. Grandes obras, por exemplo, a construção de um shopping center podem causar impacto no trânsito, de forma a obrigar, previamente, que haja um estudo sobre nova movimentação dos veículos no local.”

 

 

            Por ser o EIV um estudo prévio, vale salientar que os empreendimentos causadores de significativas modificações no meio urbano não terão a sua licença ou autorização de construção, ampliação ou funcionamento concedida pelo município, caso este estudo não tenha sido apresentado. 

 

 

5.6 DO RELATÓRIO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA (RIVI)

 

 

            Embora não seja mencionado no Estatuto da Cidade, assim como o EIA/RIMA, o EIV deve conter um Relatório de Impacto de Vizinhança – RIVI, que, a partir das conclusões do EIV, declarará os impactos ambientais potenciais que o novo empreendimento causará a vizinhança imediata e na sua área de influência. No entanto, cabe ainda destacar o art. 38. do Estatuto da Cidade que prescreve: “A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação de estudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação ambiental”, visto que este último é muito mais abrangente. (MORAES, 2010).

            Com propriedade, o douto jurista Édis Milaré (2007) nos fala da necessidade de publicidade do EIV/RIVI:

 

 

“À semelhança do que se prescreve para o EIA-RIMA, os documentos relativos ao EIV-RIVI deverão ter publicidade e permanecerão disponíveis, para consulta de qualquer interessado, no órgão competente do Poder Público municipal.”

           

 

            O intuito da publicidade é de proporcionar à população uma cidadania participativa, concretizando o desejo do Estatuto da Cidade, prevista no art. 2º, II, no qual citamos a seguir:

 

 

“Art. 2º  A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

I – omissis;

II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;” (Grifo Nosso)

 

 

 

 

5.7 O INSTRUMENTO JURÍDICO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA E AS CIDADES SUSTENTÁVEIS

 

 

            Antes de entendermos o que vem a ser uma cidade sustentável, devemos ter em mente o significado de sustentabilidade, pois esta é o principal sustentáculo da primeira.

            A palavra sustentabilidade é derivada do latim sustinere, que por sua vez significa segurar, por cima; segurar, por baixo; fortalecer o espírito, de confirmar. Isto é, perpassa a conotação de algo sólido e firme, que possibilita o equilíbrio de determinado objeto.

            Tendo em vista a noção de sustentabilidade, na década de 1970 surge a expressão Ecodesenvolvimento,  que IMPERIANO (2011) expõe com clareza:

 

 

“No início da década de 70 do século passado surgiu o conceito de ecodesenvolvimento, como expressão acadêmica para compatibilizar as relações entre crescimento econômico e utilização dos recursos naturais, notadamente após a publicação do relatório do Clube de Roma, intitulado Limites do Crescimento, o qual pregava o crescimento zero como forma de evitar a catástrofe ambiental mundial.”

           

 

            Com a evolução dos debates acadêmicos, o termo ecodesenvolvimento foi substituído, na década de 1980, por Desenvolvimento Sustentável, termo utilizado nos dias atuais. “O programa Estratégia Mundial para Conservação (World Conservation Strategy Fund), lançado no início da década de oitenta pela União Internacional para a Conservação da Natureza -  IUCN e o Fundo Mundial para a Vida Selvagem – WWF, apresentou as bases do conceito de desenvolvimento sustentável, que parte do princípio de que o uso dos recursos ambientais dos ecossistemas deve se dar em benefício das gerações atuais e futuras” (IMPERIANO, 2011).

            O relatório da Comissão Mundial da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), intitulado Nosso Futuro Comum (Our Common Future), o qual ficou mundialmente conhecido como Relatório Brundtland, foi o último de uma série de trabalhos realizados no sentido de inter-relacionar a problemática meio ambiente e desenvolvimento. Surge então, com este relatório, a idéia principal que os países desenvolvidos e subdesenvolvidos devem reorientar suas políticas no sentido de buscar um desenvolvimento sustentável (IMPERIANO, 2011).

            FAVRIN (2009), citando a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, expõe o conceito consagrado pelo Relatório Brundtland, conforme se segue:

 

 

  “desenvolvimento Sustentável, segundo a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) da Organização das Nações Unidas, é aquele que atende às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de que as gerações futuras satisfaçam suas próprias necessidades”.

 

 

            Ainda, IMPERIANO (2011) citando a Comissão Mundial da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1987), nos diz que desenvolvimento sustentável vem a ser “o processo de transformação no qual a exploração dos recursos, direção de investimentos, orientação do desenvolvimento tecnológico e mudanças institucionais se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas”.

            Carla Canepa (2007) aprofunda o que vem a ser desenvolvimento sustentável, apontando algumas soluções, à sua ótica, na qual somos adeptos:

 

 

“Entende-se também que o desenvolvimento sustentável visa promover a harmonia entre os seres hu­manos e a natureza, e, para alcançá-lo, são necessários vários requisitos, como um sistema político que asse­gure efetiva participação dos cidadãos no processo decisório, além de um sistema econômico capaz de gerar excedentes, também um sistema social que possa resolver tensões causadas por um desenvolvimento não equilibrado, um sistema de produção que respeite a obrigação de preservar a base ecológica do desenvolvi­mento, mais um sistema tecnológico que vise novas soluções, um sistema internacional que estimule padrões sustentáveis de comércio e financiamento e, ainda, um sistema administrativo flexível capaz de corrigir-se.”

 

 

            O Desenvolvimento Sustentável deve constituir um compromisso inadiável da humanidade como resposta a nosso conhecimento científico atual, a nossa reflexão e consciência, de que os modelos atuais de desenvolvimento geram miséria humana e devastação natural (NEGRET, 1994).

            Desenvolver de forma sustentável quer dizer responder às necessidades da humanidade do presente, de forma equilibrada e racional, sem comprometer as do futuro de prover as suas necessidades.

            Entendemos que erroneamente a maioria das pessoas se precipitam ao assegurar que o desenvolvimento sustentável se dá apenas no chamado meio ambiente natural. Acontece que o instituto em comento deve se dar nas demais espécies de meio ambiente (laboral, cultural e artificial), com o fim de proporcionar uma sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações humanas. Sendo assim, as cidades, ou meio ambiente artificial, também são alvo da aplicabilidade da ideia do desenvolvimento sustentável, porque ali se encontram a maioria dos seres humanos que habitam o nosso planeta.

            A problemática que se refere à qualidade de vida do Homem vem se arrastando por muito tempo, tanto é que Conferências Internacionais da Organização Nações Unidas foram realizadas, de tempos em tempos, com o fim de debaterem um novo rumo para humanidade, como por exemplo, a Estocolmo-72 e a Rio-92 (também chamada de Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, Cúpula da Terra ou ECO 92). 

            IMPERIANO (2011), nos diz que:

 

 

“A partir da Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), foram produzidos documentos fundamentais para reorientar as políticas de desenvolvimento e o conceito de desenvolvimento sustentável, dentre os quais destacamos:

 

Ø         Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Carta da Terra), um conjunto de 27 princípios pelos quais deveria ser conduzida a interação do homem com o planeta Terra;

 

Ø         A Agenda 21, que é um amplo programa de ação com a finalidade de dar efeito prático aos princípios aprovados na Declaração do Rio.

 

Ø         Declaração sobre Florestas;

 

Ø         Convenção sobre Biodiversidade Biológica;

 

Ø         Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas;” (Grifo Nosso)

 

 

            Conforme acordado na Rio-92, cada país poderá ter a sua própria Agenda 21, apontando soluções para os problemas socioambientais existentes.

            Sobre o documento Agenda 21, NEGRET (1994, p. 72-73) expõe:

 

 

“Trata-se de um documento de aproximadamente 800 páginas contendo um programa de ação para a implementação dos princípios definidos na declaração do Rio e orientados especificamente à busca do Desenvolvimento Sustentável. A Agenda foi adotada pelo consenso de mais de 170 nações, o que dá uma noção da importância do documento (...)” (Grifo Nosso)

 

 

            A Agenda 21 Brasileira consagrou um capítulo para as chamadas Cidades Sustentáveis, demonstrando a preocupação com o meio urbano nacional e internacional, numa tentativa de melhorar, ou ao menos atenuar, os problemas sociais.

            A discussão sobre cidades sustentáveis só tomou vulto graças aos impulsos dados pela Rio-92 e pela Conferência Habitat II. Após essas conferências mundiais houve uma mudança expressiva de inflexão na abordagem da problemática urbana e sua relação com o mundo rural. As principais razões para essa mudança podem ser tributadas a dois fatores irrefutáveis: a) o fracasso das políticas de fixação da população rural em todo o mundo, independentemente do contexto político ou econômico; b) a efetividade do fato de que a cidade parece ser a forma que os seres humanos escolheram para viver em sociedade e prover suas necessidades (Agenda 21, 2004).

            Além da Agenda 21 Brasileira ter previsto alcançar as Cidades Sustentáveis, a Lei Federal 10.257/2001, o Estatuto da Cidade, principal Lei do ordenamento jurídico pátrio no que tange as diretrizes do meio urbano, em seu inciso I do art. 2º preceitua que um dos objetivos almejados pela política urbana é a garantia as cidades sustentáveis para as presentes e futuras gerações, como podemos notar a seguir:

 

 

Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;” (Grifo Nosso)

 

 

            Assim, nos utilizamos do conceito de CAVALLAZZI (2007), acerca das cidades sustentáveis:

 

 

“Nessa perspectiva, a cidade sustentável significa a concretização da justiça distributiva, o equilíbrio das relações de todos os atores sociais e ainda implica o desenvolvimento econômico compatível com a preserva­ção ambiental e qualidade de vida dos seus habitantes, que se pudesse ser resumida em uma só palavra, seria equidade.” (Grifo Nosso)

 

 

            Ainda, a cidade sustentável passou a ser Direito de todos, podendo ser considerado como sendo um direito fundamental implícito, como bem assegura DIAS (2000), que este argumento “encontra fundamento em diversos direitos fundamentais inseridos expressamente na Constituição Federal; por isso, é considerado por muitos como um direito fundamental implícito”.

            O direito à cidade sustentável é alicerçado por diversos princípios consagrados pela nossa Carta Maior, como podemos citar a função social da propriedade, direito social à moradia, direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o princípio da dignidade da pessoa humana.

            Entre os juristas pode até ser pacífico o entendimento de que o Direito à Cidade Sustentável seja considera um direito fundamental, mas a concretização deste ainda tem um longo e árduo caminho a ser percorrido. Por ainda estarmos no início desta longa jornada, fica claro de que longínquo também é a efetivação deste direito, que entendemos ser uma manifestação da finalidade estatal, o bem comum.

            Todavia, devemos destacar que há um princípio de efetivação deste objetivo mencionado no Estatuto da Cidade, através de alguns instrumentos. Alguns destes são os previstos pela Lei Federal 10.257/2001, em seu art. 4º, nos quais fizemos menção (v. item 4.2) e assim repetimos, por melhor didática:

 

 

Art. 4º Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:

I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;

III – planejamento municipal, em especial:

a) plano diretor;

b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;

c) zoneamento ambiental;

d) plano plurianual;

e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;

f) gestão orçamentária participativa;

g) planos, programas e projetos setoriais;

h) planos de desenvolvimento econômico e social;

(...)

VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).

(...).” (Grifo Nosso)

 

 

            Entendemos que o EIV é um instrumento de suma importância para a efetivação das Cidades Sustentáveis, por prever se determinado empreendimento acarretará em adensamento populacional descontrolado, nos casos das construções de grandiosos condomínios residenciais, por exemplo; se os equipamentos urbanos (água, luz, esgoto etc.) serão suficientes para suprir um aumento de demanda, bem como nos casos de transporte público; ainda, se haverá um prejuízo quanto a ventilação e iluminação de determinada localidade, afetando negativamente o bem estar da população, etc. Além de prever os efeitos positivos e/ou negativos gerados por um determinado empreendimento, cabe ao EIV definir medidas mitigadoras dos impactos negativos, com o fim de atenuar, ou até mesmo eximir, os danos causados à população.

            Ainda, por ter uma natureza de estudo prévio, o EIV permite a  tomada de ações pelo Estado, numa tentativa de evitar a instalação de um desequilíbrio numa determinada área, preservando os direitos à vida e da dignidade da pessoa humana.

            Porém, vale salientar que o EIV não é o único instrumento que alcançará as Cidades Sustentáveis, uma vez que este esforço deve ser conjunto entre as mais variadas ciências e seus instrumentos.

            Destacamos, ainda, a dificuldade quanto à elaboração do estudo, bem como a intensa proliferação dos empreendimentos que acabam envolvendo as diretrizes políticas municipais. Infelizmente vivemos em um país em que a maioria dos seus municípios vivem a lógica desenvolvimentista, acabando por prejudicar, em alguns casos, a elaboração do EIV, pois alguns operadores visam apenas os “benefícios” do tipo aumento de empregos que o empreendimento pode gerar, o desenvolvimento do comércio e etc., não sendo observados os impactos que podem ser causados na população, não apenas na vizinhança, mas no meio ambiente em sentido amplo. As palavras MORAES (2010) vem a corroborar a nossa linha de pensamento:

 

 

“(...) a cultura desenvolvimentista apreciada na maioria dos municípios brasileiros privilegia apenas os efeitos positivos que um empreendimento ou atividade podem trazer à população, como por exemplo o aumento da taxa de emprego, o desenvolvimento do comércio, o acesso a novos serviços, etc., ignorando as seqüelas que o novo empreendimento pode causar a vizinhança e ao meio ambiente.”

 

 

            Havendo prejuízo à vizinhança e ao meio ambiente, e sua consequente perda da qualidade de vida, resta configurado uma afronta aos princípios constitucionais alicerces do direito à cidade sustentável, prejudicando a população e a finalidade estatal, o bem comum. Enquanto perdurar esta ideia desenvolvimentista, o foco das questões ambientais serão ofuscadas, podendo causar danos em demasia para a população.

 

 

 

 

 

 

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

            A humanidade, desde os primórdios, vem trilhando um caminho de contínua ascensão devido à constante evolução cognitiva e sua consequente manifestação em diversas searas, como nas artes, nas ciências, na filosofia, no modo de vida etc.

            Com a evolução da medicina após a Segunda Grande Guerra Mundial, cumulada com a alta taxa de natalidade no mundo, a população do mundo, principalmente nos países subdesenvolvidos, cresceu de forma vertiginosa, auxiliando o inchaço urbano dos grandes centros. A falta de estrutura dos grandes centros urbanos fez com que houvesse uma má distribuição demográfica, onde os menos providos de recursos financeiros se encontrassem nas áreas menos aprazíveis.

            Ainda, com a avassaladora lógica capitalista dominando a atual sociedade, os grandes empreendimentos auxiliarão na segregação dos mais pobres, e valorizarão os espaços dos mais ricos.

            Na necessidade de garantir uma sociedade mais justa e igualitária para as presentes e futuras gerações, diversas manifestações de grupos da sociedade civil que abordam temas como meio ambiente, aquecimento global, estrutura urbana etc., vêm acontecendo com bastante intensidade. E, assim, diante de muita pressão popular, os dirigentes acabam por ceder em alguns casos.

            Exemplos dessas manifestações podemos citar a que houve nos Estados Unidos na década de 1960, referente à intensa degradação do meio ambiente provocado pelas grandes indústrias, que influiu para, posteriormente, ser editada a NEPA (equivalente à Lei da Política Nacional de Meio Ambiente, aqui no Brasil), e as manifestações das Federações Nacional dos Engenheiros e Nacional dos Arquitetos e pelo Instituto de Arquitetos do Brasil que deram guarida para a elaboração de uma emenda popular referente às Políticas Urbanas, que seria encaminhada ao Congresso Nacional e em seguida incorporadas à Constituição Federal de 1988.

            Ainda, as sucessivas discussões no meio acadêmico, bem como entre as organizações da sociedade civil, levaram o enfoque sobre as cidades sustentáveis - que têm suas bases alicerçadas na noção de sustentabilidade - à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Rio-92) e a Conferência Habitat II, numa tentativa de apontar diretrizes que viabilizassem a concretização de tal conceito.

            Tendo em vista a ideia das cidades sustentáveis, abordamos ao longo do corpo do trabalho algumas diretrizes que julgamos ser uma das soluções para alcançar o fim almejado, como por exemplo a AIA, que em 1969, veio a lume através da NEPA, nos Estados Unidos, com o fim de, ao menos, atenuar os danos e modificações provocados no meio físico, por meio de uma análise prévia. Com a introdução deste instrumento no Brasil, diversas outras espécies foram incorporadas pelo ordenamento jurídico pátrio com fim de assegurar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem preceitua o art. 225 da atual Carta Magna.

            Com o advento da Lei Federal 10.257/2001, o Estatuto da Cidade, o Estudo de Impacto de Vizinhança fora criado com o fim de atenuar os danos causados pelos empreendimentos no meio urbano, que por sua vez, vem sendo alvo de inúmeras dilapidações, que se acentuaram após a Revolução Industrial, com o aumento do êxodo rural e a proliferação das indústrias ao longo do território, provocando sérias alterações no meio físico.

            Vale salientar que o Estudo de Impacto de Vizinhança não é o único instrumento que poderá alcançar as cidades sustentáveis, mas podemos considerá-lo como um importante meio, tendo em vista a sua natureza prévia quanto a instalação de um empreendimento que, porventura, venha causar danos não apenas a uma vizinhança, e sim a toda população de uma determinada área.

            Entendemos que as manifestações e os debates precisam continuar, pois o caminho a ser trilhado é longo e tumultuado, sendo necessária a participação das mais variadas ciências, tais como o Direito, a Sociologia, a Geografia etc., bem como a participação da população num todo, para que seja viabilizada uma sociedade mais branda e igualitária.

 

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[1] É o fluxo de trabalhadores assalariados que residem em uma cidade e trabalham em outra, fazendo este itinerário diariamente.

[2] R. Limongi França, Instituições de Direito Civil, 5.ed., São Paulo: Saraiva, 1999.

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Comentários e Opiniões

1) Cleofas (14/11/2013 às 15:04:17) IP: 187.111.223.146
Excelente trabalho, será muito útil para dar uma nova visão no meu dia a dia


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