Eder Luiz dos Santos Almeida[1]
RESUMO
O presente trabalho discute o modelo de interrogatório como instrumento de punição. Além disso propõe outras reflexões acerca de algumas leis e de alguns tratados internacionais dos quais o Brasil é partícipe e integrante. Sabe-se que o interrogatório possui a singularidade de medir o tamanho da pena a ser atribuída ao provável criminoso, tendo este o direito de defesa, proporcionado pelas próprias leis que punem.
Palavras-chave: Interrogatório; Leis; Punição; tratados internacionais.
1 INTRODUÇÃO
Art. 1º O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados:
I- Os tratados, as convenções e regras de direito internacional;
II- As prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade.
III- Os processos de competência da Justiça Militar;
IV- Os processos de competência do tribunal especial;
V- Os processos por crimes de imprensa.
(CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 2009).
Refletir acerca da conceituação e do formato do interrogatório é uma maneira de poder pensar e discutir o sistema penal brasileiro e suas interfaces com o sistema internacional, em conformidade com alguns tratados.
A relevância deste trabalho está em repensar a estrutura e a base legal para os interrogatórios que são aplicados na apuração dos crimes praticados.
2 O INTERROGATÓRIO: considerações
Mas à medida que a função da pena se volta à comunidade, o ordenamento jurídico, para cumprir sua função de dissuadir, influenciar e orientar o comportamento humano, cria seu próprio universo, onde os homens não possuem características dos homens mortais. O tempo da pena não se relaciona com o indivíduo de carne e osso a quem ela será aplicada. O delinqüente será mero veículo da mensagem a ser transmitida pelo ordenamento penal à comunidade, a de dissuasão, finalidade essa já apontada por Beccaria.
(Bicudo, 2010)
O interrogatório é um ato judicial, presidido pelo juiz, em que se indaga, ao acusado, sobre os fatos imputados contra ele, advindos de uma queixa ou denúncia, dando-lhe ciência ao tempo em que oferece oportunidade de defesa.
O Código de Processo Penal considera o interrogatório como meio de prova e a doutrina atribui-lhe também a natureza de meio de defesa. Logo, o interrogatório possui um caráter híbrido, visto que é considerado tanto meio de prova, bem como ato de defesa.
Segundo Grau (2005, p. 162):
O direito moderno/direito formal apresenta como uma de suas peculiaridades a universalidade abstrata. Os seres concretos que dão sustentação a suas funções estão distribuídos em duas categorias uniformes: as pessoas e as coisas. Se, de uma parte, no capitalismo tardio já se desuniformizam as coisas (bens de produção, bens de consumo), a uniformidade (universalidade abstrata) das pessoas – sujeitos de direito – é mantida, na instância do direito, como pressuposto necessário do modo de produção capitalista.
O acusado pode, dentro do processo, fazer valer e usar o direito expresso pelos tratados internacionais. Dispõe o art. 5º, § 2º, da Carta Magna, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Como consequência dessa norma, os direitos e garantias fundamentais expressos pelos tratados internacionais, dos quais o Brasil faz parte, porque aderiu, possuem o mesmo valor legal e democrático de direito dos que são prontamente estabelecidos na Constituição Federal do Brasil de 1988.
Assim, “têm aplicação imediata”, do art. 5º, § 1º, da Constituição Federal. Como se trata de duas normas constitucionais intra e extra-nacional, há a real possibilidade de uma oferecer maiores e amplos direitos que outra, neste caso, o legislador deve optar pela norma que ofereça e assegure eficientemente os direitos e as garantias essenciais, favorecendo, portanto, o princípio da seguridade dos direitos fundamentais.
Para Tatiana Viggiani Bicudo (2010, p. 71):
A pena representa a desaprovação da sociedade ante o delito e, ainda que a vítima do delito seja uma determinada pessoa, a comunidade se apropria do dano causado, assumindo o papel de vítima fundamental. Desse modo, a pena atribuída ao delinqüente corresponde a uma medida: a do dano causado à sociedade. Essa medida também possibilita que a pena deixe de ser uma reação espontânea ou vingativa, uma vez que a intensidade da pena deve variar de acordo com a gravidade do delito cometido.
No cenário do direito internacional, a nação brasileira subscreveu, no que tange ao tema em questão, três tratados internacionais. O primeiro é o pacto internacional sobre direitos civis e políticos de Nova Iorque – PIDCP. Este pacto internacional, em seu artigo 14, I, dispõe que “todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça...”, não existindo, enfim, de se discernir entre acusados ou réus soltos e presos.
Neste mesmo artigo, no inciso III, enfatiza-se o mesmo princípio, estabelecendo o direito de que “toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plenaigualdade”, às garantias de “d) estar presente no julgamento e defender-se pessoalmente ou por intermédio de defensor de sua escolha...”, ou indicado ou nomeado ex-officio, na condição de não poder constituí-lo.
Há a garantia, conseguintemente, dada pela lei ao réu preso ou solto, além das já conhecidas defesa técnica, os direitos de se fazer presente e de se defender, usando-se de todas as provas cabíveis, que possam garantir seu direito à liberdade, embora o acusado não se encontre fisicamente nas audiências instrutivas e de julgamento.
Depois da alínea ‘d’, tem-se a ‘e’ que reza o seguinte “interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter o comparecimento e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições de que dispõem as de acusação”.
O outro pacto internacional é o de San José da Costa Rica conhecido também como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH). Este pacto, em muitos de seus artigos, reafirma e amplia as garantias individuais postas pela Constituição Federal do Brasil e pelo Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque (IDCP).
E em seu artigo 7º, V, afirma que “Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz...” Observa-se, por isso mesmo, que esse mecanismo legal ultrapassa o que prega o artigo 5º, LXII da Constituição Federal de 1988, que prevê somente que “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente...” Por ser mais garantidora da liberdade que a CF 88, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, esta deve se sobrepor frente ao princípio de liberdade.
A real aplicabilidade, conforme o que propõe o artigo 5º, §1º, da Carta Magna poderia ter “aplicaçãoimediata”, o que, como se sabe, infeliz e incompreensivelmente, não aconteceu até os dias de hoje no Brasil, embora seja, indubitavelmente, uma das mais eficientes ferramentas contrapondo-se à antiga, hedionda e além da mais resistente prática de tortura e flagelação por parte da polícia.
Esta garantia legal, como bem afirma e lembra claramente Carlos Weiss, integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, possui “a mesma inspiraçãoque deu origem ao habeas corpus”.
No entanto, de que maneira ser ouvida, “com as devidas garantias”, “por um juiz ou tribunal competente”, não sendo encontrado o réu presente in lócus judiciário e aí seja argüido pelo próprio magistrado ou pelos magistrados? De que forma possuir as “devidas” garantias, encontrando-se na prisão ao longo do interrogatório?
A mesma Convenção firma que “2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente em particular, com seu defensor”.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, é preciso respeitar os direitos de defesa àqueles que cometeram determinado crime, ato delinqüente. Como se viu, está claro que a cena armada para o interrogatório deve contemplar o direito de ficar calado, mesmo em juízo, e que, para a justiça conseguir o depoimento e confissão não pode nem deve usar de meios violentos, pois o Brasil faz parte e assinou muitos tratados internacionais de respeito aos direitos humanos dos presos e acusados.
REFERÊNCIAS
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 2009.
CÓDIGO PENAL, 2009.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 2003.
ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. Trad.: André Luís Callegari; Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
[1] Acadêmico de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - AGES.