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O DIREITO DE PUNIR DO ESTADO TENDO COMO PARADIGMA O SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO


Autoria:

Eder Luiz Dos Santos Almeida


Eder Luiz dos Santos Almeida, Bacharelando do Curso de Direito da Faculdade de Ciencias Humanas e Sociais-AGES no 10º periodo.

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Texto enviado ao JurisWay em 13/09/2011.

Última edição/atualização em 14/09/2011.



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                                                                                                                       Eder Luiz dos Santos Almeida[1]
 
RESUMO
Este trabalho trás a baila fatores que justificam o Direito de Punir do Estado. Paralelamente a isso, irá de forma crítica fazer uma abordagem sobre o sistema prisional brasileiro, demonstrando que o cárcere, na forma em que está instituído, viola expressamente os preceitos constitucionais e a Lei de Execução Penal. Por fim, defenderá a idéia de que o indivíduo que transgride a norma penal deve ter em sua plenitude a dignidade protegida, sob pena de estarmos violando preceitos do Estado Democrático de Direito.
 
PALAVRAS – CHAVE: Direito de Punir do Estado; sistema prisional brasileiro; dignidade;
 
INTRODUÇÃO
 
A pena, em termos genéricos pode ser traduzida como sinônimo de uma reação negativa, para àqueles que violam preceitos estabelecidos no ordenamento jurídico, ou seja, as normas de convivência social. A prisão, por sua vez, é uma modalidade de exteriorização da pena, na qual o Estado, se valendo do jus puniendi, priva a liberdade do homem, em prol da sua suposta recuperação.
O Estado, enquanto detentor do poder punitivo tem o dever de acionar os mecanismos legais que tem a sua disposição para a efetiva imposição de sanção penal àquele que com sua conduta interfere a coexistência pacífica entre os integrantes da sociedade política.
Precisa, pois, exercer esse poder conforme os preceitos constitucionais e infraconstitucionais, isto porque, se o Estado é omisso, discricionário e adota tratamento díspar a situações assemelhadas, acaba por imprimir na consciência coletiva a pouca importância que devemos ter para com os valores éticos e sociais.
A seguir discorreremos sobre o jus puniendi, tendo como paradigma o sistema carcerário brasileiro, afirmando ser este legítimo desde que resguarde direito e garantias fundamentais do cidadão. Será defendido também que a pena efetivamente necessita possuir um caráter incorpóreo, e que deve observar os princípios da proporcionalidade, legalidade o e humanidade.
 
1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA FACE O DIREITO DE PUNIR DO ESTADO E O SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO
 
Uma breve retomada histórica acerca do direito de punir do Estado nos demonstra que, até por volta do século XVII, à sanção estava relacionada à noção de violação dos mandamentos de Deus, de forma que a criminalização de condutas estava eminentemente relacionada com a imposição de preceitos religiosos morais.
Vivenciamos um período no qual, o Estado, mais do que nunca, atuava com intensa discricionariedade, em que o status político e econômico do indivíduo era crucial para identificá-lo como tendo sido ou não violador de preceitos jurídicos. Neste aspecto, Tatiana Viggiani Bicudo informa:
 
Um sistema jurídico não pode ser simples quanto ao seu conteúdo se na sua configuração há diferenças entre os sujeitos, de acordo com o seu status social, sua religião, sua raça, seu sexo, seu estado familiar, e assim por diante, tal qual era a organização jurídica no século XVII. (2010, p. 34)
 
Com o passar dos anos, grandes pensadores, em especial Cessare Beccaria, Jereny Benthan, Franz Von Liszt e Claus Roxin se destacaram no cenário criminal, passando a denunciar os abusos da legislação jurídico-penal da época. Rompe-se o paradigma até então vigente, e surgem novos pressupostos que legitimam o poder de punir do Estado.
 A noção do crime deixou de estar relacionada como negação da justiça divina, e tornou-se sinônimo de desrespeito a um fato típico, ilícito, culpável, fato este que nega a segurança e a tranqüilidade entre os indivíduos e se propagou a noção da humanização da pena. Nesse aspecto, Tatiana Viggiani Bicudo aduz:
 
No âmbito do Direito Penal, propriamente dito, as propostas reformadoras do século XVIII baseavam-se principalmente na sua humanização e na adoção de princípios como ser a lei penal simples e clara, com conteúdo desvinculado de preceitos morais e religiosos; que a lei penal fosse anterior à prática da ação considerada criminosa. A pena, por sua vez, deveria ser expressão da justa medida ou razão para remediar o mal cometido e para que se evitasse que outros males fossem cometidos contra a sociedade, ou seja, a pena deve ser proporcional ao crime cometido e suficiente para atingir as finalidades utilitárias do Direito Penal. (2010, p. 35).
 
Atrelado a isto, desenvolveu-se a noção que ainda predomina em nossa contemporaneidade, no sentido de que o papel da lei é preservar o bem estar social, e qualquer vantagem oriunda da sociedade deve ser distribuída equitativamente entre os seus membros, ao passo que a função da pena e, em especial, o cárcere, é torná-lo um útil freio contra o criminoso, ressocializando-o, para que este não venha a reincidir na conduta criminosa e como alerta para que os demais membros da sociedade não venham a delinqüir.  
Em síntese, esta é a ideologia dominante que justifica o jus puniendi do Estado. Contudo, constantemente somos bombardeados por informações que nos revelam elevados indicies de criminalidade, e paralelamente a isto, que demonstram as precárias condições do cárcere, ambiente no qual o individuo, em tese, deveria ser “educado” para que pudesse conviver harmonicamente com os demais membros da comunidade. Beccaria, já afirmava:
 
À medida que as penas forem mais brandas, quando as prisões já não forem a horrível mansão do desespero e da fome, quando a piedade e a humanidade penetrarem nas masmorras, quando enfim os executores impiedosos dos rigores da justiça abrirem os corações à compaixão, as leis poderão contentar-se com indícios mais fracos para ordenar a prisão. (2007, p. 35).
 
A prisão já não cumpre mais a sua função (se é que um dia veio a cumprir), e em total paradoxo, representa uma espécie de “escola” do crime. Isto porque, os detentos são tratados como animais, não dispõem de um ambiente que lhes proporcione mínimas condições para que se tenha uma vida digna, em total desrespeito a Lei de Execuções Penais, a qual prevê uma série de direitos/garantias para o internado/condenado. Para tanto vejamos, alguns de seus dispositivos:
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.
  Art. 11. A assistência será:
 I - material;
 II - à saúde
 III -jurídica;
IV - educacional;
V - social;
 VI - religiosa
 
 Institucionaliza-se o “terror”, sob a ideologia de uma falsa ordem, porque o atual sistema punitivo viola, sobremaneira, o princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, as garantias de uma existência de vida plena e saudável, embora seja este o princípio que fundamenta a existência/atuação do Estado Democrático de Direito e esteja internacionalizado como universal.
 O poder do Estado é legítimo quando exercita a vontade de seu povo de forma que lhes proporcione o maior bem-estar possível, contudo, se observa que o sistema prisional é totalmente divorciado dessa afirmativa. A crueldade que se institucionaliza no cárcere acaba fazendo com que a pena produza resultado contrário ao esperado, pois não ressocializa o indivíduo e o torna um mero objeto de manipulação. Corroborando com esta idéia, Tatiana Viggiani Bicudo é enfática ao ressaltar que:
 
Leis cruéis e que apliquem penas acima do indispensável para se evitar o delito podem ter efeito inverso, pois o autor de um delito pode praticar novos delitos para acobertar o primeiro, ou mesmo, para se esquivar da aplicação da lei. É preciso que haja uma proporção entre o dano causado com o delito e o causado com a aplicação da pena. (2010, p. 75).
 
O indivíduo encarcerado não desfruta de condições mínimas para uma existência virtuosa, uma vez que, na prática, o princípio da dignidade humana não se acopla a dinâmica do sistema penal, nele não se realiza concretamente. O delito deve sim, ser suprimido, sob pena de voltarmos ao estado de guerra, mas o Estado não pode ser valer do Direito Penal como instrumento de violação das garantias fundamentais.
O universo prisional está desconexo com os objetivos para os quais foram criados, e acaba por despertar no detento, o qual é vítima de atrocidades, as mais variadas formas de distúrbios de personalidade, abre-se espaço para proliferação de sentimentos de raiva, vingança, insensibilidade e individualismo.
Acerca do encarceramento, Foucault destacou:
 
O encarceramento deve ser acompanhado de medidas de controle e de assistência até a readaptação definitiva do antigo detento. Seria necessário não só vigiá-lo a sua saída da prisão, mas prestar-lhe apoio e socorro. È dada assistência aos prisioneiros durante e depois da pena com a finalidade de facilitar a sua reclassificação. (2005, p. 57).
 
Não se defende aqui a negação da punição pelo cárcere, mas sim que este não sirva de reprodução do crime. O que se busca é o garantismo penal. Nesse aspecto, Ferrajoli define o garantismo como sendo:
 
Garantismo significa a tutela de todos os valores fundamentais cuja satisfação, ainda que contra o interesse da maioria, é o fim justificador do Direito Penal: a imunidade dos cidadão contra a arbitrariedade das proibições e castigos, a defesa dos fracos mediante a regra do jogo igual para todos, a dignidade da pessoa do imputado e, por conseguinte, a garantia de sua liberdade mediante o respeito também de sua verdade. É precisamente a garantia desses interesses fundamentais a que parece ser aceitável a todos, inclusive para a maioria dos réus e dos imputados, ao Direito Penal e ao mesmo princípio minoritário. (FERRAJOLI, 1997, P. 336).
 
 
Para que esse garantismo seja operacionalizado, basta que o Estado, enquanto detentor do jus puniendi invista em medidas eficazes, o que é possível com a modificação de todo a infra-estrutura prisional, que faça valer as garantias da Lei de execução Penal, que, antes mesmo da Constituição Federal já direcionou para humanização da sanção.
A defesa social não pode se valer de excessos, o Direito Penal deve ser visto muito mais do que um instrumento opressivo em defesa do aparelho estatal. Não podemos aceitar a cominação de penas que atentem desnecessariamente contra a incolumidade física ou moral daquele que transgride a norma.
 
CONCLUSÃO
            A conclusão a que se chega é no sentido de que é necessária a punição de condutas que causam dano a sociedade, mas que esta sanção deve ser justa, moderada, que faça com que o delinqüente seja integrado ao meio e não seja visto como um inimigo a ser descriminado dos demais.
            É necessário que o foco da punição deixe de ser somente a paz social e a segurança, e que se centre na efetividade das garantias fundamentais do homem, na busca de uma justiça equitativa, pois, na medida em que estes valores são respeitados, àqueles passam a ser atingidos.
De nada adianta “minimizar” a insegurança, com o cárcere, se este contrariar garantias e valores fundamentais. O indivíduo que tem sua liberdade tolhida é vítima de variadas formas de preconceitos, o processo, por si mesmo, é uma tortura, provoca um fardo a pessoa de bem.
 
 
REFERÊNCIAS
 
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução por Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2007.
BICUDO, Tatiana Viggiani. Por que punir? Teoria Geral da Pena. São Paulo: Saraiva, 2010.
BRASIL. Lei n° 7.210/1984, 11 jul. 1984. Institui a Lei de Execução Penal. In: Vade Mecum. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
 
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 30.ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
FERRAJOLI, Luigi et al. Diritti fondamentali: un dibattito teórico. A cura de Ernanno Vitale. Roma: Laterza, 2001. 
 
 
 
 


[1] Acadêmico do X período de Direito da Faculdade Ages
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