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CASAMENTO HOMOAFETIVO. POR QUE NÃO.


Autoria:

Marlus Garcia Do Patrocínio


Advogado especialista em direito civil e processo civil, atuante no direito de família, direito do consumidor e responsabilidade civil.

Telefone: 21 34746195


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Resumo:

Este estudo traça um paralelo entre o reconhecimento da entidade familiar oriunda de um núcleo homoafetivo e a não possibilidade do casamento para pessoas do mesmo sexo no Brasil.

Texto enviado ao JurisWay em 14/10/2010.



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1. Introdução.
 
O presente estudo trata de uma das questões mais polêmicas e atuais do direito de uma forma geral, que é a união homoafetiva.
Por incrível que pareça, o direito volta o seu olhar para a família e para o casamento numa época de crescimento de outras áreas jurídicas como o direito ambiental e do direito tecnológico.
Nos últimos meses a sociedade brasileira vem recebendo novas informações e regras jurídicas, tais como a nova regra para o divórcio, desaparecendo o instituto da separação (EC 66); novas discussões sobre a constitucionalidade e aplicação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06); observamos a Argentina publicar uma lei reconhecendo e legalizando o casamento homoafetivo, da mesma forma como alguns Estados americanos já vêm autorizando esse novo tipo de casamento; e por fim, a luta de casais homoafetivos para conseguirem adotar crianças e obter o reconhecimento como família.
Trataremos somente do casamento, direcionando esse instituto às relações homoafetivas.
 
 
2. A família e o casamento.
 
2.1. A família.
 
O que surgiu primeiro? A família ou o casamento? Partindo de um conceito amplo de família, onde família seria aquele grupo de pessoas “ligadas por um vínculo consanguíneo, procedendo de um ancestral comum”1, e guardando seus desdobramentos e suas restrições mais para frente, podemos afirmar, sem medo de errar, que a família humana existe há alguns milhares de anos e podemos colocar aquele conhecido “a.C” para demonstrarmos o seu tempo de existência.
Vários doutrinadores do direito e filósofos de diversas épocas da história tentaram e continuam tentando explicar o que pode ser considerado família.
Nas primeiras aulas de direito de família aprendemos que aquela nossa prima “de segundo grau” pode não ser considerada parente e, ainda, aquele tio camarada, que também era tio do nosso pai, não passa nem perto do vínculo de parentesco. Tudo isso graças ao nosso direito civil, mais precisamente aos artigos 1.592 e 1.594 do atual CC.
Para chegarmos a esse ponto de discussão precisamos falar um pouco de como era em Roma, porém, é preciso frisar que não dissertaremos a fundo o direito romano nem toda a parte histórica, pois esse não é o objetivo deste estudo.
Na antiga família romana a figura principal era o pater familias, que por ser o ascendente comum mais velho, era o chefe, o rei e o deus de todos aqueles que estavam sob o seu poder de pai. Não é segredo que a mulher era subordinada e totalmente subjugada pelo seu marido.
Essa família era composta por todas as pessoas que viviam de forma subordinada aos poderes do pater: os descendentes não emancipados; sua esposa e todas as outras mulheres casadas com os seus descendentes - lembram do que foi dito acima sobre aquela “prima de segundo grau”? Pois bem, aí está a fonte daquele pensamento - e todo o patrimônio da família era administrado pelo pater.
Com a evolução social e jurídica de Roma, todo esse poder do pai foi sendo mitigado e no século IV, sob a influência da Igreja, Roma passou a admitir a concepção cristã da família e a autoridade do pater foi diminuindo cada vez mais, contudo, os membros da família permaneciam os mesmos. Não havia discussões sobre conceitos de família. Família era aquele modelo estipulado e que vivia sob a batuta do pater. A conhecida expressão “pátrio poder”, que foi substituída pelo “poder familiar” vem daquele tempo.
Com o passar do tempo o casamento religioso foi ganhando força e como era considerado um sacramento, não podia ser dissolvido e, ainda, cresceu a tese de que a única família legítima era aquela formada pelo casamento religioso, seguindo o direito canônico.
Todo esse dogma, esses ensinamentos, toda essa doutrina, permaneceu vigente até pouco tempo atrás, ou seja, durante séculos, durante mais de mil anos só era família legítima, protegida pelo Estado e pela sociedade, se fosse oriunda do casamento religioso, seguindo as orientações cristãs.
A linha do tempo continuava fluindo, estudos filosóficos foram aprimorando o entendimento social, surgiu o Iluminismo, Revolução Francesa, liberdades e igualdades. Todo esse turbilhão de acontecimentos foi aprimorando o sentimento humano e lapidando a discussão sobre viver de forma digna, sobre os direitos fundamentais de todo ser humano e, como consequência lógica, essa revolução de idéias passou a modificar as pessoas dentro de casa e no seio familiar.
Tudo isso vem da Europa que sempre foi a fonte da qual bebemos ideologia e filosofia jurídicas. Teses, pensamentos e princípios surgiram e ainda surgem lá e somente após vários anos é que nós podemos ter acesso e entender a evolução social e humana dos países de primeiro mundo. Juridicamente é assim! Não se muda todo um ordenamento jurídico de um povo e costumes não são criados de uma hora para outra. Toda evolução necessita de tempo e o povo de um país precisa estar preparado para sua própria evolução, para um próximo passo.
O direito de família traz em seu DNA todas essas mudanças. Há pouco tempo, na vigência do Código Civil de 1916, o artigo 229 dizia que o efeito principal do casamento era a criação da família legítima. Essa flagrante discriminação permaneceu legal mesmo após a promulgação da nossa querida CRFB/88.
Da mesma forma, os filhos, se não fossem concebidos dentro de um casamento legal, ou seja, dentro de uma família legítima, eram discriminados e não tinham direitos sucessórios nenhum, pois eram considerados ilegítimos ou espúrios e nem podiam ser reconhecidos, por expressa disposição legal do artigo 358 do CC/1916.
As concubinas e seus filhos ilegítimos não tinham direitos nenhum e a dignidade humana não era estendida para essas pessoas que viviam à margem da sociedade e passavam por toda a sorte de humilhações e dissabores extremos.
Nos tempos atuais, após vários anos de estudo sobre a nossa própria CRFB/88 e sobre a tão decantada evolução social e jurídica, o sentido de família ganhou amplitude e segurança.
Os filhos passaram a ser tratados de forma igual, nascidos ou não de um casamento. Hoje discutimos filiação afetiva e podemos tratar da possibilidade do pai biológico perder a sua condição de pai e até mesmo a mãe biológica pode ser destituída do poder familiar. Não há mais espaço para qualquer tipo de discriminação sobre os filhos.
Seguindo na mesma toada, as mulheres lutaram e conseguiram vários direitos e liberdades. Não se fala mais em mulher desquitada, mulher honesta ou concubina, porém, até pouco tempo, não existia a figura da união estável e várias mulheres perdiam sua vida e seus direitos por conta de uma legislação injusta.
Pela doutrina de gente de peso como Pablo Stolze, Maria Berenice Dias, Paulo Lobo e Luiz Edson Fachin, entre outros, a nossa CRFB/88 adotou um conceito aberto e inclusivo de família, englobando e protegendo qualquer arranjo familiar pautado na afetividade e no objetivo claro de viver como família.
Essa é a linha moderna de se estudar e entender o direito de família e quando se fala em dar proteção a qualquer arranjo familiar que tenha como pilar a afetividade, é preciso respeitar e colocar sob o mesmo manto protetivo a família formada por união homoafetiva, sem qualquer discriminação, pois a CRFB/88 não restringe o conceito, extirpou qualquer tipo de discriminação e tem como um de seus fundamentos e objetivos a dignidade da pessoa humana e o bem de todos2.
O Estado e sua legislação não podem virar as costas para essa família homoafetiva, para essa nova formação familiar que é real e há muito deixou de ser um mito e vem apresentando consequências jurídicas no direito de família e previdenciário.
 
2.2. O casamento.
 
Quando falamos sobre casamento logo imaginamos uma mulher vestida com um grandioso vestido branco, entrando na igreja de braços dados com o seu pai, o noivo esperando a noiva no altar sagrado, junto com seus pais, e centenas de convidados testemunhando a cerimônia e loucos para chegar a hora da festa.
Esse ainda é o sonho de várias mulheres, mesmo nos dias de hoje e também é o sonho de vários pais.
Perceberam que ninguém imagina a cerimônia civil? Perceberam que ninguém quer pensar nos artigos 1.512, 1.514, 1.526, 1.533, 1.534, etc. todos do CC? Conseguem entender todas as questões envolvidas?
Vejam o que dizem tais artigos:
 
Art. 1.512. O casamento é civil e gratuita a sua celebração.
Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.
Art. 1.526.  A habilitação será feita pessoalmente perante o oficial do Registro Civil, com a audiência do Ministério Público.
Art. 1.533. Celebrar-se-á o casamento, no dia, hora e lugar previamente designados pela autoridade que houver de presidir o ato, mediante petição dos contraentes, que se mostrem habilitados com a certidão do art. 1.531.
Art. 1.534. A solenidade realizar-se-á na sede do cartório, com toda publicidade, a portas abertas, presentes pelo menos duas testemunhas, parentes ou não dos contraentes, ou, querendo as partes e consentindo a autoridade celebrante, noutro edifício público ou particular.
§ 1o Quando o casamento for em edifício particular, ficará este de portas abertas durante o ato.
§ 2o Serão quatro as testemunhas na hipótese do parágrafo anterior e se algum dos contraentes não souber ou não puder escrever.
 
Até hoje a sociedade não entende o processo de habilitação de um casamento e as regras que devem ser seguidas, salvo as pessoas que habitam o mundo jurídico. Para a maioria da sociedade a única ligação que existe entre o casamento e o direito civil só aparece na hora da partilha de bens, quando há a dissolução do vínculo matrimonial.
Ocorre que há muito tempo o casamento deixou de ser uma obrigação religiosa para a constituição da família. Isso não quer dizer que as pessoas são pecadoras ou que o mundo se esqueceu de Deus. Trata-se da evolução social que está sendo tratada neste estudo.
O casamento é regulado e regido pelas normas civis, melhor dizendo, pelo Código Civil, do artigo 1.511 até o 1.570, sem falarmos sobre os artigos que tratam da dissolução, da filiação ou do direito patrimonial.
Toda essa norma sobre o casamento mantém sua base religiosa, mesmo que vocês tenham lido acima sobre a evolução jurídica e social que o mundo e o Brasil vêm passando.
Observem os artigos 1.511, 1.514, 1.515 e 1.517:
 
Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.
Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.
Art. 1.515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.
Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.
 
As expressões “comunhão plena de vida”, “homem e a mulher”, “casamento religioso” apresentam a origem religiosa do casamento, nos fazendo lembrar daquela imagem do casal subindo as escadas do altar.
Sempre foi assim e assim ainda será por muito tempo. Talvez nunca mude!
Lembram do que foi dito sobre a família?
Pois bem, a mesma coisa acontece com o casamento, que é um instituto jurídico e um sacramento religioso. A proteção jurídica só aconteceu por conta da citada evolução social e, principalmente, por conta do desligamento ou dissociação das imagens do Estado e da Igreja.
O direito civil e as regras sociais tomaram o lugar do direito canônico, pelo menos aqui na Terra, mas essa mudança não foi capaz de destruir ou modificar costumes com a mesma velocidade.
O casamento no Brasil, por enquanto e talvez por muito tempo, permanecerá não aceitando pessoas do mesmo sexo, por conta de sua origem religiosa e pela tradição que ultrapassa séculos. Sempre foi assim e assim continuará!
Será uma discriminação? Será uma violência aos direitos das pessoas?
Essas perguntas cobram horas, dias, meses e anos de debate e é possível que nunca se pacifique um entendimento.
Diante disso, a união homoafetiva pode ser considerada família, mas o casamento não é admitido? É isso que estamos falando?
Sim, é basicamente isso.
A nossa sociedade, de uma maneira geral, sente repulsa pela idéia do casamento homoafetivo como sentia repulsa pelo divórcio antes da década de 1970, como discriminava a concubina e seus filhos ilegítimos.
A sociedade mudou, os costumes mudaram e a legislação – muito atrasada – acompanhou tais mudanças para proteger essas pessoas que representavam uma afronta à família tradicional e religiosa.
Então o próximo passo será aceitar o casamento homoafetivo?
O presente estudo entende que não, pois uma coisa é legalizar a situação de uma mulher que vivia como se fosse casada e tinha um filho, outra coisa é admitir o casamento entre dois homens que vivem como casados ou entre duas mulheres que convivem da mesma forma.
A legislação civil sobre o casamento exige a diversidade de sexo e a CRFB/88 entende da mesma forma. A dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade já são usados para proteger todo e qualquer vínculo familiar unido pela afetividade, sendo dispensado o instituto do casamento para que se reconheça a existência de uma família.
Alguns Estados americanos admitem o casamento homoafetivo, a Argentina admitiu neste ano de 2010 e vários países europeus admitem, mas não podemos comparar situações e momentos sociais e políticos distintos dos nossos.
Deixando de lado linhas políticas e escolas jurídicas, a legislação brasileira, a nossa Constituição de 1988 e os nossos costumes ainda não irão permitir o casamento homoafetivo pelo simples fato de que todo esse ordenamento citado exigir a diversidade de sexo para tal formalidade.
A mesma regra que impede o casamento homoafetivo é usada para as pessoas que casam contra a vontade, ou seja, sem consentimento e para os casamentos celebrados sem a presença de autoridade apta à celebração e registro do ato. Essas hipóteses são de ato inexistente, pois não podem produzir efeitos, mesmo que temporários. Imaginem um testamento lavrado por uma pessoa qualquer que não seja um oficial investido de tais poderes. Outro ato inexistente.
O foco da discussão tem de ser outro, pois a mesma legislação civil, que admite a união estável e toda a proteção que a CRFB/88 oferta a todo núcleo familiar, abrangem, também, a família homoafetiva, não sendo necessário que exista um casamento para que essa família tenha direitos sucessórios, previdenciários ou patrimoniais.
Quando falamos sobre casamento, a imagem que nos vem à cabeça sempre será a de uma mulher de branco no altar, noivo esperando e alianças sendo abençoadas. Quanto às alianças, essas são o maior símbolo do casamento e a origem é religiosa, demonstrando para a sociedade que aquela mulher ou aquele homem são casados.
A discussão precisa ser direcionada para outro lado, procurando a utilização das mesmas regras da união estável, que não é casamento, mas é tratada como se fosse.
 
 
3. Conclusão.
 
O direito de família, passando pela doutrina, legislação e jurisprudência, ampliou o conceito de família, deixando-o aberto para todo e qualquer núcleo de pessoas ligadas pela afetividade e que, logicamente, vivam como uma entidade familiar.
Não há mais espaço para qualquer discriminação e os direitos como entidade familiar são protegidos pela CRFB/88.
O que não se pode mudar é a tradição religiosa, a cerimônia civil ou os pressupostos de existência de um instituto jurídico como o casamento, que também tem sua regra protegida pela constituição.
Os casais homoafetivos não precisam enfrentar a luta inglória por um casamento ou uma cerimônia que não vão existir, pois a sua entidade familiar já pode ser reconhecida sem o casamento nos moldes da união estável, com direitos patrimoniais e previdenciários.
 
 
1. GONÇALVES, Roberto Gonçalves. Direito Civil Brasileiro. v. 6. São Paulo: Saraiva, 2010. 7. ed. p. 17.
 
2. Artigos 1º e 3º da CRFB/88.
 
 
Bibliografia.
 
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. v. VI.
 
GONÇALVES, Roberto Gonçalves. Direito Civil Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 6.
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