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Resumo:
Uma visão acerca do programa de direitos humanos sob a ótica dos direitos fundamentais
Texto enviado ao JurisWay em 05/02/2010.
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Recentemente, o Governo apresentou um “programa de direitos humanos” que define diretrizes de assuntos variados, entre ele a criação de uma comissão para apreciar o teor editorial das empresas jornalísticas. Consoante avaliação da comissão julgadora seria estabelecido um ranking nacional de empresas comprometidas com os direitos humanos.
O programa consigna penalidades administrativas tais como multas, suspensão da programação e cassação para empresas de comunicação violadoras dos preceitos por ele consagrado.
Não obstante a novel iniciativa, indubitavelmente, representantes da imprensa e operadores de direito e dos demais poderes da República se manifestaram contrários à intervenção arbitrária do governo, posto que atenta contra o Estado Democrático de Direito e as liberdades fundamentais.
Tal forma de restrição prévia ao conteúdo das empresas de jornalismo, nos remete à história de séculos longínquos, onde as publicações dependiam de autorização governamental, ante a força da palavra escrita e o poder exercido pelos meios de comunicação
O primeiro anúncio concernente à legislação de imprensa brasileira surgiu com a Portaria baixada em 19 de janeiro de 1822, pelo então Ministro do Reino e de Estrangeiros, José Bonifácio de Andrada e Silva.
O Senado da Câmara do Rio de Janeiro, receoso dos abusos que poderiam advir dessa liberdade, solicitou ao Príncipe Regente Dom Pedro, a criação do júri de imprensa para julgar os abusos de opinião de imprensa. [1]
Proclamada a Independência do Brasil, a primeira Assembléia Constituinte tratou de elaborar uma nova Lei de Imprensa.
Essa lei repudiava a censura e declarava livre a impressão, a publicação, a venda e a compra de livros e escritos de toda a qualidade, com algumas exceções. Assim, surge a nossa primeira lei de imprensa, trazendo em seu bojo o postulado da liberdade de imprensa.
A Constituição de 1824, inspirada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 179, inciso IV, manteve a liberdade de comunicação do pensamento por palavras escritas e veiculadas por meio da imprensa. [2]
Um projeto de Gonçalves Ledo, datado de 20 de setembro de 1830, regulamentou o dispositivo constitucional respeitante à liberdade de imprensa, todavia teve efêmera vigência em razão do advento do primeiro Código Criminal, que incorporou as disposições dessa lei, com ínfimas alterações.
O período republicano, diferindo do monárquico, foi marcado por inúmeros atentados à liberdade de imprensa, razão por que, em 17 de janeiro de 1921, foi sancionado o Decreto nº. 4.269, com vistas a repreender o anarquismo e regular normas relativas à imprensa.
Neste ínterim, surge, então, a Lei nº. 4.743 de 31 de outubro de 1923, primeira a tratar da imprensa na era republicana .[3]
Em 14 de julho de 1934, dois dias antes de promulgada a Constituição, o então Presidente da República Getúlio Dornelles Vargas, baixou o Decreto nº. 24.776, considerado nossa segunda lei de imprensa.
Após três anos de vigência, o Decreto nº. 24.776 sofreu alterações com o advento da Constituição outorgada em 10 de novembro de 1937, data do golpe de Estado e instauração do Estado Novo. [4]
O Decreto nº.1949 de 30 de dezembro de 1939 também impôs restrições à liberdade de imprensa ao dispor acerca do exercício das atividades de imprensa e propaganda no território nacional, colocando-o sob o controle do Departamento de Imprensa e Propaganda.[5]
Com o advento da Lei nº. 5.250, de 09 de fevereiro de 1967, revogou-se a Lei nº. 2.083/53. Não obstante sob a égide ditatorial, foi o primeiro diploma legal a admitir a indenização pelo dano moral, além de regular a liberdade de imprensa, a liberdade de manifestação do pensamento e da informação. [6]
A jornalista Célia Romano, em reportagem para o jornal O Estado de São Paulo, em 08 de fevereiro de 1987, pronuncia que “A mesma lei utilizada pelos militares para censurar, serviu também, nestes vinte anos, para que os advogados de defesa garantissem o direito da informação”.[7]
Conquanto resultante de uma proposta do governo militar, a Lei repercutiu uma tendência que já se verificava em diversos países, que, mesmo que desprovidos de normatização específica - como a Inglaterra, a Argentina e os Estados Unidos – já se defrontavam com a dificuldade de enquadramento destas infrações ao seu ordenamento.
Nesta lei, há a proibição de publicações clandestinas e atentatórias à moral e aos bons costumes, a necessidade de permissão ou concessão federal para a exploração de serviços de radiodifusão e a livre exploração do agenciamento de notícias.
A Emenda Constitucional de 17 de outubro de 1969 reiterou o princípio da liberdade de imprensa, constante da Constituição de 1967 e o inseriu no art. 153, § 8º, conservando a redação desta, somente acrescentando, ao final, a repugnância às publicações de exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes.
A Carta Magna de 1988 contempla a liberdade de imprensa em seu art. 220, reconhecendo o direito fundamental à liberdade de pensamento, máxime no que tange ao direito à informação e à comunicação, asseverando que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição” [8]
Em 14 de agosto de 1997 foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, unanimemente, o projeto da nova Lei de imprensa. Atualmente, aguarda votação pela Câmara dos Deputados. Esse projeto consagra o direito à liberdade de imprensa, sem prévia censura e direito de resposta proporcional ao agravo; veda qualquer referência discriminatória sobre raça, religião, sexo, preferências sexuais, doenças mentais, convicções políticas e condição social em jornais, televisões, rádios e outros veículos de comunicação, entre outras disposições.
Segundo a Academia Brasileira de Letras Jurídicas, censura é o exame, em caráter prévio e por autoridade pública (censor), de qualquer texto ou trabalho de caráter artístico, literário ou informativo, para efeito de liberação, corte ou publicação.
Entende-se por censura todo ato de autoridade configurado em exame capaz de aprovar ou desaprovar, permitir ou proibir, ou impedir de circular, integral ou parcialmente, qualquer obra produto da manifestação humana, vedando-se tanto a censura prévia como a posteriori (responsabilidade após a publicação do escrito).
Com as Revoluções Americana e Francesa, expressões máximas do triunfo das idéias liberais sintetizadoras das reivindicações da burguesia no âmbito econômico e político, firmou-se concomitante e decorrentemente, o princípio da liberdade de imprensa.
A França colaborou de modo decisivo, para a proclamação dos direitos individuais, através da célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789. Essa declaração, em seu art. 11, trouxe a idéia de direitos naturais, preexistentes ao Estado, não criados, mas, tão-somente, por ele reconhecidos, além de consagrar o duplo princípio da liberdade de escrever e da responsabilidade dos escritores.[9]
Neste contexto, observa-se uma mudança expressiva no enfoque dado às liberdades de expressão e de opinião, deslocando-se, assim, do individuo para as entidades e órgãos informativos e trazendo conseqüências negatórias do próprio princípio da liberdade de imprensa. Surge o pluralismo da informação, consistindo em pluralidade e variedade de fontes de informação e órgãos informativos.
A liberdade de imprensa, tão arduamente conquistada quão frequentemente jugulada, ainda prossegue em seu processo evolutivo. Como pontifica Jorge Xifras Heras citado por FERREIRA:
Não se deve esquecer, porém que a imprensa não deixou de ser tributária da sociedade burguesa que lhe deu vida. Durante mais de um século, a informação esteve a serviço dos únicos que podiam manter a imprensa. Como todas as liberdades, a de expressão camuflava, no mundo burguês, uma evidente desigualdade econômica que conservava a maioria do povo distanciada das reivindicações liberais. A liberdade de imprensa era privilégio de uma minoria. [10]
Em todo curso da civilização, a repressão à liberdade da palavra e à publicidade aparece rigorosamente em virtude do predomínio do regime militar. As limitações eram reconhecidas como legítimas em circunstâncias excepcionais que, conforme demonstra a tradição secular, restringiram a atuação da imprensa.
Dentre todas as liberdades, já salientava Rui Barbosa apontado por MIRANDA [11]:
É a de imprensa a mais necessária e a mais conspícua; sobranceia e reina entre as mais. Cabe-lhe, por sua natureza, a dignidade inestimável de representar todas as outras; sua importância é tão incomparável que, entre os anglo-saxônicos, os melhores conservadores e os melhores liberais do mundo, sempre foi gêmea do governo representativo a crença de que não se pode levantar a mão contra a liberdade de imprensa, sem abalar a segurança do Estado.
Para que a imprensa atinja a preeminência do seu verdadeiro papel como fulcro dos interesses nacionais, há de se orientar pelos dizeres de Rui, em sua obra A Imprensa e o Dever da Verdade: “Três ancoras deixou Deus ao homem: o amor da pátria, o amor da liberdade, o amor da verdade”. Complementa que:
Cara nos é a pátria, a liberdade mais cara; mas a verdade mais cara que tudo. Damos a vida pela pátria. Deixamos a pátria pela liberdade. Mas pátria e liberdade renunciamos pela verdade. Porque este é o mais santo de todos os amores. Os outros são da terra e do tempo. Este vem do céu, e vai à Eternidade.[12]
Como conseqüência da liberdade ora conquistada, já ao tempo do Império, em 1832, surge o desvirtuamento em seu exercício. Utilizada de forma precipitada e abusiva, a liberdade de imprensa passa a desmoralizar-se, atacando valores individuais, denegrindo imagens e interesses da sociedade e, assim, conspurcando tal instrumento de civilização, e, com isso, sua missão precípua. [13]
O art. 220 da Carta Magna agasalhou o respeito à privacidade do indivíduo como uma das limitações à liberdade de informação. Em seu parágrafo segundo, repudia a censura política, ideológica e artística, já que incompatível com os preceitos democráticos. A censura é vedada para tornar realizável a função social da liberdade de imprensa. É tida como inadmissível no Estado Democrático de Direito a censura exercida previamente pelos órgãos administrativos ou por leis, regulamentos, portarias ou qualquer ato normativo, sob pretexto de ordem política, ideológica ou artística.
O legislador ordinário encontra-se proibido de elaborar normas que importem em dificuldade ou impedimento à atividade de imprensa – falada, escrita ou televisionada – ou de qualquer outro mister destinado à prestação de informação jornalística ao público.
Com isso, nota-se expressa reserva legal qualificada, que autoriza restrição à liberdade de imprensa com o escopo de preservar outros direitos individuais, não menos relevantes hierarquicamente, como os direitos da personalidade em geral.
No caso em testilha, trata-se de patente censura prévia a ser realizada pela comissão julgadora do conteúdo veiculado nos meios de comunicação, apesar da vedação constitucional.
É crível que uma comissão externa que detenha poderes de controle direto no conteúdo de empresas radiodifusoras afrontam, explicitamente, a liberdade de imprensa tão arduamente conquistadas, constituindo uma espécie de censura.
Os veículos responsáveis pela divulgação da informação, tendo como função precípua a ação orientadora da opinião pública, não podem sofrer restrições, sendo-lhes assegurada plena liberdade de informação jornalística.
É inquestionável que a verdadeira missão da imprensa, mais do que a de informar e de divulgar fatos, é a de difundir conhecimentos, disseminar a cultura, consolidar a democracia e orientar a opinião pública, de maneira que a informação transmitida por meio deste veículo constitui a forma mais legítima de livre expressão do pensamento.
Para tanto, a imprensa, como um órgão essencial do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil, deve cumprir seu desiderato com livre arbítrio, sem preocupar-se com aprovação de um órgão que adentre no mérito do seu mister.
Após um conciso relato histórico e a comprovação fática de que a imprensa sofreu opressões políticas e ideológicas e que atualmente é fruto de uma nobre conquista, decerto, há de se refletir acerca da proposta original trazida pelo Governo e a ser analisada pelo Congresso Nacional, de modo que sua aprovação esteja em perfeita consonância com os princípios basilares do Estado Democrático de Direito.
[1] Ibid., p. 40/41
[2] Art. 179, IV, verbis: “Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras, escritos e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura, contanto que hajam de responder pelos abusos que cometerem no exercício deste direito, nos casos e pela forma que a lei determinar”.
[3] MIRANDA, Darcy Arruda. Comentários à lei de imprensa, p. 45
[4] Ibid., p. 46
[5] Ibid., p. 47
[6] Art. 1º da Lei nº. 5.250/67, verbis: “É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer”.
[7] BONJARDIM, Estela Cristina. O acusado, sua imagem e a mídia, p. 64
[8] Medida cautelar inominada. Pretensão no sentido de expedição de ordem judicial de proibição de publicação da matéria em emissora de televisão. Preliminares de cerceamento de prova e de nulidade da sentença afastadas. Requerente demandado em ação cognitiva de indenização por alegado erro médico. Informação jornalística de interesse público. Ação de conhecimento que não tramita sob o pálio do segredo de justiça. Afirmação do princípio da liberdade de imprensa. Proibição constitucional de censura prévia. Constituição da República, arts. 5º, incisos IV, V, IX, X, XIV e LX; 220, § 1º e 2º, Lei nº. 5.250, de 9.2.1967. Sentença confirmada. Recurso desprovido.” (TJSC, Apelação cível nº. 88.088493-9 (51.108) /Blumenau, Câm. Especial, v.u., j. 13.9.2000, Rel. Nelson Schaefer Martins – Fonte: Site do Tribunal.
[9] BONJARDIM, Estela Cristina. O acusado, sua imagem e a mídia, p. 53
[10] FERREIRA, Aluízio. Direito à informação, Direito à Comunicação, p. 131
[11] MIRANDA, Darcy Arruda. Comentários à Lei de Imprensa, p. 64
[12] Ibid., p. 65
[13] Ibid., p. 69
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