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POLÍCIA CIVIL: OLHANDO O PASSADO PARA MUDAR O FUTURO


Autoria:

Laercio Pereira Lima


Servidor Público no Estado de São Paulo da área de Segurança Pública; Pós graduado em Direito Ambiental pela Facinter-Curitiba/PR; atua na apuração de infrações penais em geral e ambientais em particular.

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Resumo:

Aspectos para solução de problemas de segurança pública. Aperfeiçoamento das polícias civis responsáveis pela investigação criminal. Aspectos históricos da segurança pública no Brasil desde o período colonial até os dias atuais.

Texto enviado ao JurisWay em 03/02/2018.



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POLÍCIA CIVIL: OLHANDO O PASSADO PARA MUDAR O FUTURO

Laércio Pereira Lima1

 

RESUMO

O presente trabalho tem como tema a discussão sobre o aperfeiçoamento dos órgãos do sistema de segurança pública, principalmente no que toca às atividades de polícia judiciária, ora desempenhadas pelas polícias civis, visando melhorar a sensação de segurança por parte do cidadão brasileiro. O objetivo é mostrar que a solução não passa pela simples mudança de nomenclatura dos órgãos policiais ou mudanças legislativas extinguindo-as ou transmudando-as por outros órgãos que, no final, enfrentarão o mesmo problema sem solucioná-lo tal como antes da mudança. A idéia é mostrar isso levando ao conhecimento do leitor como nossos governantes enfrentaram a questão desde o momento do descobrimento do Brasil até os dias atuais. Por fim tenta-se contribuir com algo que possa aumentar a eficiência dos diversos órgãos policiais brasileiros proporcionando melhor resposta para a sociedade. O autor valeu-se unicamente de pesquisas na internet.

Palavras chave: Segurança Pública. Polícia Civil. Passado. Futuro.

1  INTRODUÇÃO

Atualmente há grande discussão acerca da eficácia dos órgãos policiais. A criminalidade crescente com o conseqüente aumento da sensação de insegurança, sobretudo por conta dos fatos midiáticos, fazem fervilhar os debates sobre a atuação dos atores da segurança pública. Pior que quase sempre é atribuída à polícia a culpa pela violência generalizada como se tudo fosse solucionado por uma polícia nota dez. Frente a uma sociedade cada vez mais saturada quanto à demanda por serviços públicos de qualidade, cada vez mais distantes da realidade social; situação agravada pela escassez de recursos financeiros do Poder Público o que faz com que os governos pensem em alternativas menos custosas para manter os diversos serviços públicos, entre os quais o sistema de segurança pública.

1 Investigador de Polícia na Polícia Civil do Estado de São Paulo, bacharel em direito pela PUCCampinas, especialista em Direito Ambiental pela Facinter Curitiba/PR, ex- Sargento da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Aspirante a Oficial R-2 do Exército Brasileiro.

No tocante à policia estadual, representada pela Polícia Civil e Polícia Militar, postas em conflito na briga por manter prerrogativas, quase sempre surge a idéia equivocada de unificação das duas instituições como seu isso tivesse o condão de por fim à segurança pública ora deficitária; se não isso, outros conclamam que as duas polícias devem realizar o policiamento preventivo e também o investigativo, no que se tem chamado de “ciclo completo de polícia”, talvez com o objetivo de tornarem as polícias independentes uma da  outra, haja vista que de longa data uma atribui à outra a responsabilidade pelos fracassos na contenção da criminalidade.

Alguns chegam a pensar, absurdamente, na extinção da Polícia Civil com argumentos falaciosos, tais como ineficiência, má vontade, corrupção, etc. como se a instituição fosse representada apenas pelos tais que cometem tais desvios existentes em qualquer instituição!

Não poucos “políticos”, claro, a par de mostrar para o eleitorado que tentarão fazer alguma coisa, ainda vislumbram vantagens na manutenção de apenas uma polícia, notadamente a Polícia Militar, pois se poderia imaginar que, se acaso esta instituição castrense prevalecer, serão resolvidos os embates entre policiais e administração pública no que tange às freqüentes reivindicações de direitos por parte de uma instituição civil que tem a seu favor mecanismos legais para pressionar quem lhe paga salário, a exemplo do direito de greve; ao passo que militarizada tais reivindicações perderiam força, pois sabido que o regime militar sufocaria qualquer tentativa mais eloquente de briga por direitos.

Algumas dessas idéias querem se justificar com o argumento de que em outros países é assim ou daquela forma. Isso é uma falácia porque, na verdade, sempre se pensou assim e estamos vendo o resultado disso. O fato é que pensar assim nada mais é do que fazer o que sempre foi feito desde o descobrimento do Brasil, conforme se mostrará neste trabalho. É que em geral se desconhece a história de como se desenvolveram os órgãos policiais no Brasil. É preciso entender o passado para por luz no presente e ver iluminado o futuro.

2  PERÍODO COLONIAL (1500-1822)

Após o descobrimento do Brasil a Martim Afonso de Souza em 1530 foi incumbida  a tarefa de colonização; chegando aqui ele estabeleceu a mando de D. João III, então rei de Portugal, a estrutura da administração pública da época. Dividiu-se o território em doze Capitanias Hereditárias cada qual sendo entregue a um donatário que se encarregaria de povoar a região, bem como, claro, explorar as riquezas a serem remetidas para a “coroa”. Este donatário fazia uma listagem de “homens bons” e dentre eles eram eleitas pessoas para exercerem a administração das vilas que surgiam dentro de cada capitania; essa administração ficava a cargo das câmaras municipais que era integrada por pessoas com diversas funções, sejam administrativas, legislativas ou judiciais. Nesse período (séc. XVI e XVII) as atividades de policiamento limitavam-se a proteger a costa brasileira dos ataques externos que eram freqüentes e havia necessidade de se proteger a terra recém descoberta (note-se que as invasões promovidas pela França, Holanda e Inglaterra ocorreram neste período); também destinavam-se à proteção dos “homens brancos” de ataque dos índios.

A população girava em torno de 15.000 habitantes entre brancos, índios e escravos, segundo fonte do IBGE (muitos consideram tais números imprecisos) e a economia concentrava-se na exploração do pau-brasil inicialmente e, logo depois, pela intensiva exploração da cana de açúcar, sobretudo na região nordeste do território.

Interessante ressaltar a atuação de dois grupos, a saber, “os Henriques”2 e “os Bandeirantes”3, os quais foram importantes nas guerras travadas com os estrangeiros e também no domínio de povos indígenas, mas não podendo ser considerados tais grupos como forças policiais, haja vista a sua atuação mais direcionada a ações militares.

Devido à insatisfação com o desempenho das capitanias, D. João III criou em 1548 o Governo Geral com o objetivo de centralizar o poder na colônia e por fim à desorganização administrativa, sendo resultado disso o incentivo à agricultura e a importação de mão de obra escrava com conseqüente aumento populacional.

2Trata-se de uma milíciaformada por pretos, índios e mestiços livres que surgiu em Pernambuco nos conflitos com a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais. O termo “Henriques” foi cunhado a partir do nome de Henrique Dias, um preto livre que à frente de 20 homens sob seu comando para a defesa do engenho São Sebastião de Pedro Cunha. Por volta de 1652 sua força já contava com mais de 400 homens.

3Figuras importantíssimas na consolidação, estabelecimento e domínio do território brasileiro, tão comum ao imaginário romântico paulista, amplamente utilizados pelo Estado de São Paulo como arquétipo oficial idealizado. Porém, apesar de portarem armas e atuarem minimamente hierarquizados; seu caráter explorador, no qual se desenvolveram técnicas de acampamento, busca de alimentos e de sobrevivência na selva; os coloca muito mais como um objeto de estudo da historia militar do que policial.

Com essa nova estrutura foram fundadas cidades, cujos governadores também acumulavam o que hoje entendemos como as funções do legislativo, executivo e judiciário, sempre tendo como base o ordenamento jurídico português (ordenações do reino) que ditava as regras para a colônia.

Atribui-se a Estácio de Sá, fundador da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro em 1565, a criação do primeiro grupo com feições de organização policial como existia em Lisboa, a saber, os quadrilheiros. Eram escolhidos em grupo de cerca de vinte pessoas eleitas por um período de três anos, sendo o mais capacitado do grupo o chefe. Recebiam esse nome porque cada equipe cuidava de uma quadra ou quarteirão. Os quadrilheiros em Portugal tinham a função de controle social, incluindo, controle de estrangeiros, fiscalização de diversões públicas, apuração de crimes, etc. Curioso é que tinham o dever de ter como arma uma lança de dezoito palmos para cima!

            Ocorre que esse sistema de policiamento se funcionava a contento em Lisboa, no Brasil colônia teve que sofrer adaptações. Com efeito, havia uma dificuldade para se encontrar interessados em exercer o cargo entre os chamados “homens bons”. Espontaneamente, devido aos interesses e necessidades dos fazendeiros, surgiu a figura do “capitão do mato”4 que era homem mestiço ou negro que recebia pagamento para capturar escravos fujões. Com o passar do tempo o capitão do mato estava exercendo a atividade dos quadrilheiros, ou seja, além da captura de escravos, também apuravam crimes que ocorriam nas vilas e faziam a prisão dos responsáveis, também realizavam controle social fiscalizando tavernas (casa de jogos) e outras atividades que deveriam ser controladas de perto conforme previsto nas ordenações do reino; dessa forma, no Brasil o que vingou foi uma forma híbrida de “quadrilheiro capitão do mato”.

 

 

4A figura do capitão do mato ficou imortalizada na obra do artista alemão Johann Moritz Rugendas, que retratou um capitão do mato, negro montado em um cavalo e puxando um cativo por uma corda. De fato esta era a atividade fim destes homens. Os capitães do mato prestavam um serviço totalmente adequado às exigências de controle social da colônia, porém devido a sua origem mestiça, sua função era considerada de ultima categoria entre as diversas ocupações de interesse público. Apesar de reprimirem pequenos delitos no campo, sua principal atribuição na sociedade escravocrata era a de capturar escravos fugidos, cuja entrega a seus donos era feita mediante pagamento.

Só em 1808 com a chegada da família real no Brasil, especificamente no Rio de Janeiro então capital, é que se iniciou a formulação de um aparato policial mais consistente com a criação da Intendência Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil, apresentando configuração mais parecida com a que conhecemos atualmente.

A população brasileira girava em torno de três milhões de habitantes, sendo que na cidade do Rio de Janeiro eram cerca de sessenta mil pessoas. Metade dos habitantes da cidade era constituída de negros escravos ou já livres. O príncipe regente Dom João VI quis com a criação da Intendência Geral de Polícia, às pressas, por fim à situação caótica em que se encontrava a cidade, não apenas com relação à segurança pública mas também nas diversas áreas do serviço público.

Em seu livro “Uma breve história da polícia no Brasil”, o historiador Flávio Tadeu Ege, citado em seu artigo na internet, observa:

Algo que não é comentado nos diversos trabalhos analisados é que o referido alvará cria o cargo de intendente de polícia e não uma organização policial, nota-se que por um longo período pretendia-se criar uma organização aos moldes do modelo português conforme demonstra o Alvará de criação do cargo de Intendente Geral de Policia da Corte. A ideia principal implícita no documento era a de organizar e disciplinar os costumes da população aos moldes da civilização portuguesa, assim a Intendência Geral de Policia teria muito mais um papel civilizador do que propriamente o de polícia operacional controladora da ordem pública. (Disponível em: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfSU4AJ/1-br-v-historia-policia-no-br-sil?part=5. Acesso em 23 de setembro de 2016).

Como intendente geral de polícia foi nomeado o carioca Paulo Fernandes Viana formado em direito pela Universidade de Coimbra. Ele deu ênfase à urbanização e saneamento da cidade chegando até a determinar prisões, cujos presos por desordem, em geral negros e mestiços, eram usados em diversos serviços públicos, tais como, limpeza pública e abastecimento de prédios públicos. Além disso, com os oficiais da Secretaria de Polícia criada por ele procurava-se regrar todos os setores da sociedade cuidando, por exemplo, de extermínio de cães vadios, reprimir o hábito de algazarras que os brasileiros faziam em eventos públicos, mendicância, alvará para casas de jogos, fiscalização de casas de correção, iluminação pública, abertura de estradas, etc. Depois, Viana criou em 13 de maio de 1809 a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia que seria a força de intervenção operacional a mando do intendente para “manutenção da ordem e do sossego público”.

Todavia, poucos se interessavam em integrar o corpo policial. Diante dessa realidade, os então quadrilheiros capitães do mato não foram desprezados, mas suas atividades foram regulamentadas a começar pela retirada da patente de “capitão” que lhes dava o nome. Também havia a presença no corpo policial de homens com profissões não prestigiadas, tais como, pedreiros, sapateiros, alfaiates, etc.; além dos negros e mestiços livres.

3  PERÍODO IMPERIAL (1822-1889)

Os problemas relacionados à segurança pública continuaram mesmo com o início do Império no Brasil. A Constituição aristocrática de 1824, a primeira do Brasil, excluía a esmagadora maioria da população do direito ao voto, fazendo prevalecer os interesses das classes dominantes. Por isso no período surgiram revoltas que eclodiram em várias províncias, as quais necessitavam urgentemente serem contidas. Entretanto, esse papel seria incumbência do incipiente Exército brasileiro, desestruturado e não confiável pelas elites, haja vista ele mesmo ser integrado por homens dos mais baixos estratos sociais que, claro, se solidarizavam com as reivindicações dos revoltosos. Na verdade quando se precisava do Exército para conter alguma revolta de maior expressão ele se valia da ajuda de outras forças policiais situadas nas províncias. Além da revoltas, intensificavam-se os assassinatos e crimes contra o patrimônio.

Neste cenário, em 1831 o padre Antônio Diogo Feijó, então ministro da justiça, incapaz de socorrer-se através das forças imperiais, para por fim a tanta desordem, tomou providências radicais extinguindo todos os corpos policiais então existentes. No lugar criou uma Guarda Nacional com Guardas Municipais Permanentes vinculadas a ela. Dessa forma descentralizou a segurança pública dando plenos poderes para que cada província instituísse o seu próprio corpo de segurança. Assim, as elites regionais teriam finalmente uma força repressiva fiel, subordinada a oficiais escolhidos entre os seus pares para ser o braço armado da aristocracia rural.

A Guarda Nacional foi mantida como um corpo de apoio às demais forças policiais e também ao Exército. Mas de fato, o que resultou após o Código de Processo Criminal de 1832 e sua modificação em 1841 foi que cada província, representada pela aristocracia, organizava o seu braço armado fortalecendo a polícia local de acordo com sua conveniência. Surgiram forças com nítido aparato militar valendo-se de homens uniformizados e treinados para manutenção da ordem pública, mas também com natural afeição por embates militares, a exemplo do Corpo de Guardas Municipais Permanentes criado pelo Brigadeiro Tobias de Aguiar (de família de fazendeiros) em São Paulo que teve participação importante na guerra do Paraguai e na guerra de Canudos, chegando a ter efetivo superior ao do próprio Exército. Essa instituição acabou dando origem a atual Polícia Militar do Estado de São Paulo.  Alguns consideram que as províncias se fortaleceram com a intenção de serem mais independentes do governo imperial e, realmente, considerando o poderio militar isso pode ter sido verdade!

Por outro lado, o corpo policial mais afeito a atividades judiciárias e administrativas, tais como prisões em flagrante, alvarás de funcionamento, correições em casas de correção, etc, passou a ser representado pelo juiz de paz, escrivães e inspetores de quarteirão nos distritos de paz ( locais com até 75 moradias). Já nas comarcas podia haver até três juízes, dependendo do tamanho, sendo que um deles era o Chefe de Polícia.

O agente da Polícia Federal Cristóvão Góes em seu artigo na internet cita as atribuições da polícia judiciária então instituída:

 Ao Juiz de Paz competia tomar conhecimento das novas pessoas viessem habitar no seu Distrito, caso fossem desconhecidas, ou suspeitas. Concediam passaporte e  obrigavam a assinar termo de bem viver entre os vadios, mendigos, bêbados habituais, prostitutas que perturbam o sossego público; aos que ofendessem os costumes, a tranquilidade pública, e a paz das famílias. Competia também obrigar a assinar termo de segurança aos legalmente suspeitos da pretensão de cometer algum crime, podendo cominar neste caso, a aqueles do parágrafo anterior, multa até trinta mil réis, prisão até trinta dias, e três meses de Casa de Correção, ou Oficinas públicas. Procediam a lavratura do Auto de Corpo de delito, além de formar a culpa aos delinquentes. Determinavam prisões dos culpados no seu, ou em qualquer outro Juízo. (...) Em cada Quarteirão haverá um Inspetor, nomeado pela Câmara Municipal, mediante proposta do Juiz de Paz dentre as pessoas bem conceituadas do Quarteirão, e que sejam maiores de vinte e um (21) anos. Serão dispensados de todo o serviço militar de 1ª linha e das Guardas Nacionais, servindo por um ano, podendo recusar no caso de reeleição. Aos Inspetores competiam as seguintes atribuições: vigiar sobre a prevenção dos crimes; prender os criminosos em flagrante delito, os pronunciados não afiançados, ou os condenados à prisão; observar e guardar as ordens e instruções que lhes forem dadas pelos Juízes de Paz para o bom desempenho de suas obrigações. (Disponível em: http://sinpefpb.org.br/historia-da-policia-no-brasil-2/. Acesso em 23 de setembro de 2016).

Os juízes de paz poderiam delegar suas funções para delegados nos seus distritos. A partir da reforma do código de processo criminal ocorrida em 1841 criou-se a figura do juiz municipal com funções judiciais e policiais antes acometidas aos juízes de paz, além de sustentar ou revogar as decisões dos delegados e subdelegados. Estes eram nomeados pelo governo da corte ou pelos presidentes das províncias como substitutos dos juízes municipais. O exercício era por quatro anos e os requisitos fortuna, inteligência e boa conduta. Os chefes de polícia eram escolhidos pelo Imperador entre os desembargadores e juízes municipais. Os escrivães de paz e os inspetores de quarteirão serviam sob as ordens dos delegados e subdelegados.

4  PERÍODO DA REPÚBLICA (1889- ATUAL)

Começamos este período com uma população estimada em dez milhões de pessoas, tendo aumentado consideravelmente nos anos seguintes. A comoção social, todavia, continua a mesma, ou seja, “vestimenta nova mas problemas antigos”.

Com a proclamação da república e sua nova Carta Constitucional, as antigas províncias se consolidaram em estados-membros com suposta autonomia para criar seus órgãos policiais. A polícia, mantendo-se ainda a estrutura imperial, continua vinculada ao poder judiciário, na medida em que deste poder, dentre os juízes, é escolhido o Chefe de Polícia que possui a autonomia para designar delegados e subdelegados a depender do tamanho da localidade. Ocorre que os delegados e subdelegados nomeados, em geral eram oriundos dentre integrantes das Forças Públicas (antigo Corpo de Guarda Municipal), continuando a polícia a ser o braço armado a serviço dos detentores do poder local. Então, na prática, cabia à denominada Força Pública, seguimento uniformizado e com doutrinamento militar, a realização das atividades de polícia, sejam judiciárias, administrativas ou de policiamento nas ruas.

Mas logo mudanças legislativas impõem o afastamento das funções policiais do judiciário, passando os órgãos policiais a serem totalmente subordinadas ao poder executivo. Em alguns Estados, a exemplo de São Paulo em 1905 e Rio de Janeiro em 1907, ocorria uma tendência de especialização da polícia voltada à investigação criminal. Em São Paulo o governador Jorge Tibiriçá ao mesmo tempo em que aparelhou a Força Pública, trazendo até um notável oficial militar francês para doutrinar a nova tropa; também criou o cargo de Delegado de Polícia privativo de bacharel em direito, além de outros cargos de polícia judiciária denominando-a “Polícia Civil”.

 

No sítio da Polícia Civil do Estado de São Paulo consta o seguinte:

Finalmente, em 1905, mais precisamente no dia 7 de novembro, o presidente do Estado, Jorge Tibiriçá Piratininga deu início à tão sonhada reivindicação de José Cardoso de Almeida, criando a Polícia Civil de Carreira. No dia 23 de dezembro do mesmo ano, através da Lei nº 979, o Congresso Estadual criou a “Polícia Civil de Carreira do Estado de São Paulo”, cabendo ao secretário da Justiça da época, Washington Luis Pereira de Sousa, as primeiras providências para organizá-la. Com essa Lei, a Polícia paulista foi reestruturada e, concomitantemente, foram criadas seis classes de Delegados, alguns distritos policiais, entre outros. Um segundo relatório de José Cardoso de Almeida (então secretário do Interior e Justiça) enviado ao presidente do Estado, Jorge Tibiriçá relatava a necessidade do estabelecimento de uma carreira profissional na Polícia. E diante de uma expressiva mensagem presidencial, não tardou o Congresso paulista a cuidar do assunto. (Disponível em: https://www.policiacivil.sp.gov.br/portal/faces/pages_institucional/historico/historiaPoliciaCivil. Acesso em 26 de setembro de 2016).

Dessa forma, era o início do fim dos chamados “delegados militares”, mas a verdade é que até mesmo depois da transformação da Força Pública em Polícia Militar, em 1970, até bem recentemente muitos oficiais e sargentos eram nomeados delegados nas cidades do interior do país.

Nos grandes centros foram criadas as Guardas Civis, seguimento uniformizado e integrante das polícias civis, a qual, de início, objetivavam auxiliar as Forças Públicas no policiamento, mas depois gerou-se uma rivalidade entre elas com a usurpação de funções de uma pela outra, tendo como grande prejudicado o povo brasileiro.

Essa estrutura desenvolveu-se dessa forma, tanto que, em meados da década de 1960 havia a seguinte divisão quanto aos órgãos policiais: Polícia Civil composta de delegados, peritos em criminalística e médico legistas, escrivães, detetives e guardas civis, ou seja, com incumbência das atividades de polícia judiciária (apuração de crimes), administrativas (por exemplo emissão de documentos de identidade) e também policiamento preventivo; e Força Pública estruturada sob hierarquia e disciplina militar, com incumbência apenas de policiamento preventivo e de contenção de distúrbios em manifestações, ou seja, essencialmente manutenção da ordem pública. Em 1970, ocorreu a extinção das Guardas Civis, sendo os seus integrantes absorvidos ou pela Polícia Civil ou pela Força Pública que, passaria a ser denominada Polícia Militar.

A configuração atual está determinada pela Constituição Federal de 1988:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

...

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

...

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 28 de setembro de 2016)

 

5  CONCLUSÃO

Agora, passados tantos anos, o cenário apresenta-se tal qual se apresentava com a chegada da família real no Brasil em 1808, guardadas as devidas proporções. O que se quer dizer é que a violência urbana, agravada com os diversos serviços públicos não atendidos, se mostra tal como naquela época. Retirando-se a figura do príncipe, substituída hoje por representantes eleitos, até mesmo os atores parecem ser os mesmos. Postos de lados opostos a elite e as classes menos abastadas, a primeira exige segurança “para tocar sua vida” e não órgãos policiais  incapazes de prestar-lhe tal serviço; e a segunda também quer segurança “para tocar sua vida” e não órgãos policiais para reprimi-la.

Note-se, insista-se, que a problemática continua a mesma, agravada com a explosão demográfica, sobretudo nos grandes centros, pois hoje a população brasileira está contabilizada em já duzentos milhões de habitantes.

O maior problema, entretanto, e não se aprendeu com o tempo, são as soluções sugeridas para a grave crise de segurança pública. Desde o começo da colonização, culturalmente, acredita-se que criando órgãos policiais ou transformando-os de forma que seja aumentado, teoricamente, seu poder repressivo isso trará a solução almejada. Nada mais equivocado. Se nos primórdios isso pareceu ser a solução, o ponto em que chegamos mostra que tudo o que se fez resultou numa grande tragédia, pouco se aproveitando, a não ser a experiência!

Atualmente, num país regido pelas leis, autêntico “estado democrático de direito”, tais soluções do passado não cabem mais. É preciso uma mudança de paradigma, mudança radical no jeito de pensar. Fala-se em unificação das polícias, ciclo completo de polícia, aumento de atribuições para uma polícia, diminuição de atribuições para outra, criação de uma polícia municipal (estranhamente, idéia resistida por alguns), enfim, as mesmas soluções já propostas e implantadas tantas vezes no passado.

Tudo isso é válido, mas não basta.  É preciso tornar os órgãos policiais, mesmo que sejam vários, pois não é a quantidade que importa, verdadeiramente capazes de desempenhar sua missão. Analisando-se o passado vê-se que na prática a segurança pública acabava se concentrando no órgão cuja atribuição era a de “manutenção da ordem pública” que por vezes cedia seus policiais para exercerem o que seria atribuição do órgão de polícia judiciária; isso ocorria por uma razão muito lógica, pois aquele necessariamente teria que ter um efetivo maior para o desempenho da função de policiamento haja vista a necessidade de estarem presentes em todas as localidades; dessa forma seus integrantes acabavam exercendo funções que não lhes eram próprias. Infelizmente isso até hoje ainda ocorre. O policiamento preventivo é uma necessidade e tem que estar presente. Mas as atribuições de polícia judiciária não podem ser relegadas a segundo plano. É necessário o investimento na Polícia Civil e isso nunca houve. Claro que algumas distorções ocorrem no âmbito dessa polícia judiciária que precisam ser corrigidas. Acumular várias atribuições de índole administrativa, tais como, emissão de documentos, fiscalização de atividades que podem ser realizadas por outros órgãos não necessariamente policiais, policiamento preventivo “especializado”, etc; dentre outras coisas, parece tolher a atividade fim da Polícia Civil que deveria se dedicar à investigação criminal com todas as suas forças. Parece que muito se progrediu nesse sentido, eliminando-se algumas atribuições, mas é preciso mais, pois somente assim será possível sensibilizar a população, principal destinatária do serviço de segurança pública. Ocorre que por medo ou por indolência, frente ao desconhecido, poucos se atrevem a mudar o que sempre fora feito de outra forma. Ao contrário, insistem nas velhas soluções de sempre. Parafraseando alguém: na teoria a prática é outra!

 

Referências:

Goes, Cristóvão. História da Polícia no Brasil. Disponível em: http://sinpefpb.org.br/historia-da-policia-no-brasil-2/. Acesso em 22 de setembro de 2016.

Ege, Flávio Tadeu. Uma breve história da polícia no Brasil. Disponível em: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfSU4AJ/1-br-v-historia-policia-no-br-sil?part=5. Acesso em 22 de setembro de 2016.

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em< http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censohistorico/1550_1870.shtm>. Acesso em 28 de setembro de 2016.

BRASIL. Ordenações Manuelinas, Afonsinas e Filipinas. Disponível em < http://www.ebah.com.br/content/ABAAAeyNsAJ/ordenacoes-afonsinas-manuelinas-filipinas>. Acesso em 28 de setembro de 2016.

BRASIL. Constituições da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 30 de setembro de 2016.

BRASIL. Código de Processo Criminal do Império. Disponível em:< http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/220538>. Acesso em 25 de setembro de 2016.

 

 

 

 

 

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