A audiência preliminar de conciliação constitui a principal inovação trazida pela Lei n° 9.099/95. Nesse momento processual, suavizam-se os rigores do princípio da obrigatoriedade, que rege a atuação do Ministério Público, concedendo às partes a possibilidade de realizarem uma composição civil. Obtida a composição, satisfaz-se o interesse da vítima, ao mesmo tempo em que se obsta o início da ação penal.
Entretanto, o legislador não especificou qual a conseqüência processual advinda do não comparecimento da vítima à audiência preliminar de conciliação. Diante disso, os juízes dos Juizados Especiais, buscando preencher a lacuna legal, vêm proferindo decisões díspares, causando uma insegurança jurídica inaceitável dentro de um Estado Democrático de Direito. O presente trabalho busca, sucintamente, oferecer uma solução para a celeuma decorrente da omissão da Lei n° 9.09995.
O art. 25 do Código de Processo Penal estabelece que, nos crimes de ação penal pública condicionada, a representação será irretratável após o oferecimento da denúncia. Interpretando esse dispositivo legal conclui-se, logicamente, que existe a possibilidade de que a representação venha a ser retratada, desde que o ofendido o faça antes da propositura da ação penal.
A Lei n° 9.099/95, que disciplina o procedimento dos Juizados Especiais, prevê expressamente que as disposições do CPP se aplicam subsidiariamente ao procedimento sumaríssimo (art. 92). Por certo, o art. 25 do CPP é absolutamente compatível com o procedimento dos Juizados Especiais Criminais. Afinal, a Lei n° 9.099/95 prevê até uma possibilidade de renúncia ao direito de representação, hipótese até então desconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Logo, o instituto da retratação, que representa um minus em relação à renúncia, possui plena aplicabilidade no procedimento sumaríssimo.
Todavia, o comparecimento do ofendido à audiência preliminar não constitui uma mera faculdade da parte. “Seu comparecimento, antes do que um dever, é um ônus” (Ada Pellegrini Grinover. Juizados Especiais Criminais. RT, 1996). Trata-se, portanto, de uma faculdade que, se não exercida, provoca um efeito negativo na esfera de direitos e deveres do próprio interessado.
Como se sabe, o ônus a ser suportado pelo ofendido que não comparece à audiência preliminar de conciliação não está expressamente previsto na lei. A jurisprudência é quem vem completando essa lacuna. Inclusive, em muitos, casos, sabe-se que os magistrados vêm interpretando o desinteresse da vítima como uma renúncia tácita ao direito de representação, senão vejamos:
“A presença da vítima ou seu representante legal na audiência é de tal ordem fundamental que os Juízes dos Juizados vêm determinando o arquivamento por renúncia tácita do direito de representação quando, intimado pessoalmente, deixa o ofendido de se oferecer para conciliação na data aprazada”. (Turma Recursal Criminal do Rio de Janeiro. 2000.700.005199-1. Rel. Juiz(a) Eduardo Gusmao Alves De Brito Neto)
Contudo, data venia, não é esse o ônus que a vítima deverá suportar. O não comparecimento do ofendido devidamente intimado à audiência de conciliação representa o seu desinteresse tácito no prosseguimento do feito. Isso é uma certeza. Todavia, não se pode, a partir dessa constatação, concluir que exista uma verdadeira renúncia tácita ao direito de representação. No caso da vítima nunca ter representado contra o seu ofensor os autos deverão ser arquivados provisoriamente, esperando-se o decurso do prazo decadencial, para, então, ser declarada extinta a punibilidade do agente. O ônus a ser suportado pelo ofendido está na impossibilidade de ressarcimento dos danos eventualmente sofridos já na audiência de conciliação. Além do mais, existirá a possibilidade de que a demora provocada pelo ofendido culmine no decurso do prazo decadencial.
Se, na hipótese, o ofendido já houver representado contra seu ofensor, a solução deverá ser diferente. O desinteresse representado pela ausência na audiência preliminar de conciliação não deverá conduzir à extinção imediata da punibilidade do autor. A conseqüência do não comparecimento está em que o desinteresse da parte deverá ser interpretado como uma retratação tácita da representação anterior. Ou seja, a parte deverá suportar um ônus, que não é a renúncia tácita ao direito de representação, mas a interpretação de seu desinteresse como retratação tácita. Os autos, conseqüentemente, serão arquivados provisoriamente, aguardando eventual nova manifestação.
Nessa última hipótese o ofendido poderia, posteriormente, fazer um pedido de retratação da retratação, se ainda não houvesse se esgotado o prazo decadencial.
Observe-se que a falta de sanção para o não comparecimento da vítima à audiência preliminar consistiria em uma flagrante ofensa ao princípio da igualdade processual. Afinal, não se permite que o autor ausente seja novamente intimado para o mesmo ato processual (a não ser, é claro, que apresente justificativa). Na hipótese, estando formado o convencimento do Ministério Público, a denúncia será oferecida, inclusive com a marcação de AIJ. Logo, se há um ônus para o ofensor, decorrente do não comparecimento injustificado, deve haver obrigatoriamente um ônus para o ofendido.
Esse é o posicionamento defendido por esta Coordenadoria. Saliente-se, no entanto, que o Fórum Nacional de Juizados Especiais adotou entendimento diverso, senão vejamos:
“Enunciado 2 - O Ministério Público, oferecida à representação, em juízo, poderá propor diretamente a transação penal, independentemente do comparecimento da vítima à audiência preliminar”.
Data venia, não nos parece o melhor Direito. Além de ferir o princípio da igualdade processual, conforme o exposto acima, o enunciado 2 do Fonaje contrasta com a própria proposta conciliatória que se encontra incutida no espírito da Lei n° 9.099/95. Afina, a partir do momento em que se dispensa a presença da vítima à audiência de conciliação, se está retirando a possibilidade de que essa venha a compor civilmente com o autor do fato, extinguindo o procedimento criminal.
Mais que isso, não se pode olvidar que a possibilidade de composição cível, no procedimento dos Juizados Especiais Criminais, representa a chance de que o autor venha a se livrar de uma ação penal, ou que tenha que utilizar o benefício da transação penal. Assim, essa etapa do procedimento não representa uma vantagem apenas para a vítima, que pode ter o dano reparado, mas também para o autor. Logo, a presença de ambas as partes à audiência preliminar é obrigatória. O oferecimento de transação penal, sem que seja dada às partes a oportunidade de conciliação, representa uma afronta ao devido processo legal, que ensejará a nulidade dos atos posteriormente praticados.