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SERENDIPIDADE: ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS NAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS


Autoria:

Kelly Cristina Ribeiro Vaz


Formada em direito há dois anos. Recentemente obtive minha carteirinha da OAB, embora tenha passado no exame quando ainda cursava o 8º semestre da graduação. Sou pós graduada em Direito Penal e pós graduando em Direito Tributário. Tenho curso em mediação e conciliação e pretendo cursar mestrado na área tributária.

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Resumo:

Em meio a investigação criminal através do instituto constitucional "interceptação telefônica", oque fazer quando ocorre a chamada "serendipidade" ou melhor, encontro fortuito de provas?Seria essa uma prova ilícita ou válida para o processo penal?

Texto enviado ao JurisWay em 24/09/2018.



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FACULDADE DAMÁSIO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO PENAL

 

  KELLY CRISTINA RIBEIRO VAZ 

 

SERENDIPIDADE: ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS NAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS

 

 

Cidade Ocidental - GO 2017.

 

 

FACULDADE DAMÁSIO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO PENAL

 

KELLY CRISTINA RIBEIRO VAZ

 

 

SERENDIPIDADE: ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS NAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS

 

   Monografia apresentada à Faculdade Damásio, como exigência parcial para obtençãodotítulodeEspecialistaemDireito Penal, sob orientação da professora Maria Fernanda Soares Macedo.

 

 

 

 

Cidade Ocidental - GO 2017.

 

 

 

                                                       DEDICATÓRIA

           

 

 

A Deus, que iluminou meu caminho durante mais essa jornada, e aos meus familiares, em especial meu pai Gideon Vaz e minha mãe Vandeilda Brito Ribeiro.


 

 

AGRADECIMENTOS

 

 

Em primeiro lugar devo agradecer a Deus por me conceder não apenas tranquilidade e ânimo, mas também permitir, a cada dia, a minha existência para concluir mais uma etapa de vitórias ao longo de minha vida. Muito obrigada, Senhor, pelo incondicional amor por todos nós e por minha vida.

Aos meus familiares e amigos, em especial meus pais e irmãos, todos amados e merecedores do meu respeito e da minha admiração. Obrigada minha família por não obstar minha paz, e não permitir minha inquietação, contribuindo para meu encargo de leitura constante em virtude da confecção do presente trabalho. Sou muito grata a todos vocês pelo enorme apoio não apenas emocional, mas também espiritual, privando-nos muitas vezes de nosso convívio para que eu pudesse concluir o presente estudo.

 

 

RESUMO

 

O presente trabalho aborda a temática da serendipidade: encontro fortuito de provas nas interceptações telefônicas, focando no que as doutrinas e jurisprudências têm estabelecido para dirimir as controvérsias a respeito do tema, e ao mesmo tempo não se olvidando de garantir os direitos fundamentais do investigado que não deve ser considerado como mero objeto. O problema de pesquisa consiste em analisar se a serendipidade nas interceptações telefônicas é considerada válida para o processo penal. O pano de fundo do presente trabalho traz de um lado as garantias constitucionais de proteção à privacidade e a intimidade das pessoas, bem como a vedação de provas ilícitas, e do outro, a necessidade de dar validade às provas oriundas de descobertas fortuitas na interceptação telefônica pelo fato de que o Estado não deve se manter inerte diante da ciência de um crime, bem como deve primar pela redução da sensação de impunidade na população. Portanto, o objetivo principal é analisar o que as jurisprudências e doutrinas têm tratado acerca do tema e os meios que o Ordenamento Jurídico Pátrio dispõe para avaliar a admissibilidade ou não das provas oriundas da descoberta fortuita de provas e em quais hipóteses serão consideradas válidas.

 

Palavras-chave: Sigilo das Comunicações; Prova ilícita; Proporcionalidade: Interceptação Telefônica; Encontro Fortuito de Provas.


ABSTRACT 

This paper deals with the subject of serendipity: a fortuitous gathering of evidence in telephone interceptions, focusing on what doctrines and jurisprudence have established to resolve controversies on the subject, while at the same time not forgetting to guarantee the fundamental rights of the investigated who should not be considered as a mere object. The research problem consists in analyzing whether serendipity in telephone interceptions is considered valid for criminal prosecution. The background of this work brings, on the one hand, the constitutional guarantees of privacy protection and the intimacy of people, as well as the fence of illegal evidence, and on the other, the need to validate evidence from fortuitous discoveries in telephone interception by the fact that the State should not remain inert in the face of the science of a crime, as well as should be based on reducing the sense of impunity in the population. Therefore, the main objective is to analyze what jurisprudence and doctrines have dealt with on the subject and the means that the Patriotic Legal Order disposes to evaluate the admissibility or not of the evidence from the fortuitous discovery of evidence and in which hypotheses will be considered valid.

 

Key words: Confidentiality of Communications; Unlawful evidence; Proportionality: Telephone interception; Fortuitous Meeting of Evidence.

 


SUMÁRIO 

 

INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------------------------------------- 11

1. CAPÍTULO I - INVIOLABILIDADE DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ----------------------------------------------------------------- 15           

1.1       Desenvolvimento do Sigilo ao longo dos textos constitucionais brasileiros ---- 16

1.2       O artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal de 1988 -------------------------- 18

2. CAPÍTULO II – CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROVA NO PROCESSO PENAL ------------------------------------------------------------------------------------------- 23

2.1 Princípio da Investigação ou da Verdade Material ou Real -------------------------- 26   

2.2 Sistema da Livre Convicção Motivada ou Livre Convencimento Motivado ------ 28  

2.3 A inadmissibilidade das provas ilícitas -------------------------------------------------- 31

2.3.1 Prova ilícita por derivação (fruits of the poisonous tree) --------------------------- 34

2.3.2 Teoria da fonte independente ----------------------------------------------------------- 36

2.4 Princípio da Proporcionalidade e processo penal--------------------------------------- 37

3.CAPÍTULO III – A INTERCEPTAÇAO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS           ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 41

3.1 Conceito -------------------------------------------------------------------------------------- 41

3.2 Evolução Histórica -------------------------------------------------------------------------- 43     

3.3 Finalidade e o Fumus Boni Iuris e o Periculun in Mora ------------------------------- 47   

4. CAPÍTULO IV – SERENDIPIDIDADE: ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 50  

4.1 A inusitada descoberta: As Manifestações Doutrinárias ------------------------------- 51

4.2 Encontro fortuito com valor probatório: hipóteses de admissibilidade -------------- 56

4.2.1 Posição “a” -------------------------------------------------------------------------------- 58

4.2.2 Posição “b” -------------------------------------------------------------------------------- 59

4.2.3 Posição “c” -------------------------------------------------------------------------------- 61

4.3 Do tratamento do encontro fortuito na jurisprudência --------------------------------- 63

CONCLUSÃO ----------------------------------------------------------------------------------- 67

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -------------------------------------------------------- 72 


INTRODUÇÃO

 

            O presente trabalho se propõe a analisar dúvidas quanto aos elementos colhidos fortuitamente durante a interceptação telefônica e a possibilidade de se monitorar o conteúdo dessas informações referentes a estes pontos distintos daquele delito que deu origem à autorização judicial, a denominada “Serendipidade”.

            O estudo se justifica na medida em que a interceptação telefônica, por ser considerada como medida de ultima ratio, pois somente quando a prova não puder ser feita por outros meios é que se autorizará uma intervenção telefônica, deve ter sua aplicabilidade delimitada e equilibrada no seio de um sistema jurídico capaz de balancear moderadamente o binômio eficácia – garantias individuais.

            As legislações vêm buscando dotar o Estado de instrumentos hábeis à penetração nesse mundo de informações para dar maior eficácia na apuração de atos criminosos perpetrados por esses meios ou que se utilizem de alguma forma deles no decorrer da empreitada delituosa.

            No entanto, o processo penal não pode ser reduzido a simples função instrumental de possibilitar obtenção de provas contra o suspeito, pois antes de tudo, é um controle imposto ao poder estatal de ingerência na esfera dos direitos individuais e por isso, deve estar em consonância absoluta com as garantias constitucionais e legais.

            Assim, diante dos direitos, liberdades e garantias do investigado que não deve ser visto como mero objeto, eis que surge no seio da interceptação telefônica, a problemática dos encontros fortuitos de provas ou simplesmente “Serendidpidade” como é chamada pelos doutrinadores, e a sua devida validade no processo penal e respectivamente admissibilidade como prova efetiva.

            Para fazer o exame do tema ora proposto, o presente trabalho ficou estruturado em quatro capítulos da seguinte forma: o primeiro destinou-se ao estudo do sigilo das comunicações frente à Constituição Federal/88; o segundo capítulo ficou responsável por tratar acerca da prova no processo penal; o terceiro tratou da análise da interceptação telefônica, enquanto que o quarto foi dedicado aos encontros fortuitos.

            No capítulo inicial, intitulado “Inviolabilidade do Sigilo das Comunicações na Constituição Federal”, está concentrado a análise sobre o desenvolvimento do sigilo das comunicações nos textos constitucionais brasileiros que ao longo do tempo teve alterações significativas até chegar ao consenso de que nenhum direito deve ser considerado absoluto, devendo sofrer relativização para o bem da própria sociedade. Após, deu-se início ao estudo do artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal, no qual constatou que a regra continua sendo pela inviolabilidade do sigilo das comunicações, contudo, o próprio texto constitucional trouxe sua exceção, reservando-a a devida regulamentação por lei ordinária, dando lugar, portanto, ao advento da Lei n. 9296/96.

            O segundo capítulo foi dedicado ao estudo das “Considerações acerca da prova no processo penal”. Inicialmente analisou-se o princípio da verdade material ou real que traz como objetivo primordial no processo penal, a procura pela verdade mais próxima possível do que, de fato, aconteceu. Após, invocou-se uma breve explanação sobre o sistema da livre convicção motivada que recomenda uma reconstituição dos fatos indicados na peça acusatória de forma mais fiel possível a fim de que o magistrado possa extrair a sua convicção sem, contudo, estar comprometido a qualquer regra ou critério de qual prova deve ser valorada primeiro, podendo optar por aquela que lhe for mais convincente. É claro que não se pode olvidar da necessidade de fundamentar suas decisões acerca da apreciação das provas que lhe são apresentadas, evitando dessa forma, levar um inocente ao cárcere.

            O terceiro item, ainda no segundo capítulo, trata da questão quanto à prova ilícita, sendo sua vedação a consagração da busca por um processo integro e ético, ao proibir a sua produção ao arrepio da lei. É claro que ao tratar sobre provas ilícitas não pode deixar de mencionar as chamadas “provas ilícitas por derivação” e a “teoria da fonte independente”, ambas tratadas expressamente pelo Código de Processo Penal e que também produzem fortes impactos no momento de suas apreciações quanto aos seus acolhimentos ou não como provas efetivas.

            O quarto e ultimo item refere-se ao princípio da proporcionalidade de grande valia para o direito e embora não esteja previsto expressamente na Constituição Federal, não impede em nada o seu importante reconhecimento no campo doutrinário e jurisprudencial. A ideia de sua aplicabilidade é conter excessos quando na aplicação de direitos, valores e interesses que entram em colisão, garantindo assim, uma melhor aplicação das normas e regras.

            O terceiro capítulo foi aplicado a análise da Interceptação Telefônica que em face da exigência contida no artigo 5º, XII da C.F., fora devidamente regulamentada pela Lei n. 9296/96. Num primeiro momento destaca-se a necessidade de conceituar o tema “interceptação telefônica” demonstrando que em nada se confundi com a gravação telefônica, pois aquela é de fato, objeto da regulamentação pela Lei ora citada, imposta pelo artigo mencionado e quanto a esta, refere-se à proteção constitucional da intimidade e vida privada prevista em seu artigo 5º, X.

            Em seguida, uma breve introdução à evolução histórica da interceptação telefônica, vez que antes da atual constituição, seu tema não contava com a devida importância que merecia, e menos ainda, não havia a exigência de sua regulamentação por um diploma específico. Por fim, restaram as finalidades pelas quais se tem por autorizada judicialmente a interceptação telefônica, e em que circunstâncias se dão bem como a necessidade de demonstração do fumus boni iures e o periculun in mora com o fim de assegurar a efetividade de uma futura atuação jurisdicional, vez que não se pode negar o fato de que a interceptação telefônica possui natureza de medida cautelar no que tange à prova, pois visa resguardar o conjunto probatório que servirá para demonstrar o ilícito e a sua autoria.

            O quarto e ultimo capítulo trata do encontro fortuito de provas ou “Serendipidade” obtida no curso de uma interceptação telefônica. Verificou-se no primeiro item, que quando se está diante de uma inusitada descoberta, ou seja, quando surge um fato novo, diverso daquele que se pretendia alcançar com a interceptação telefônica, surge à discussão sobre a licitude ou não dessas informações fortuitas e se são válidas como provas efetivas. É um tema que desperta muitas divergências doutrinárias, e claro, foram mencionadas algumas delas, chegando à conclusão de que tais informações devem sim ser consideradas válidas e, portanto, aceitas como prova efetiva desde que haja conexão entre os fatos descobertos fortuitamente e os fatos que deram origem a interceptação telefônica.

            Em seguida, foram consagradas as hipóteses de admissibilidade com o fim de se atribuir valor probatório a esse encontro fortuito, e para isso foram apresentadas três posições a respeito do tema, e mais uma vez chegou-se a conclusão de que se por um lado o Estado não pode permanecer inerte diante da ciência de um crime, por outro lado, não pode estender essa validade a toda e qualquer prova encontrada fortuitamente, senão aquelas que guardam relação de conexão e/ou continência.

            Por último, restaram elencadas algumas formas de abordagem da matéria pelas jurisprudências, como no caso da primeira manifestação quanto ao tema, o que gerou grande volume na jurisprudência brasileira com as demais decisões que adveio após esse nobre evento jurisprudencial, e que acabou por reconhecer a validade e consequentemente, a admissibilidade das provas oriundas de encontro fortuito.

            Esse, então é o trabalho que ora se apresentou de forma sucinta, pois longe ficou da pretensão de se esgotar com o tema. Buscou-se de forma clara e objetiva, analisar o instituto do encontro fortuito de provas como sendo válido e, portanto, admissível, porém, sob uma ótica que privilegie a virtude do equilíbrio e da proporcionalidade na constante defesa dos princípios humanistas, ao considerar o “investigado” como sujeito de direitos e não como mero objeto.

 

 

            CAPÍTULO 1: A INVIOLABILIDADE DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 

            A hegemonia da Constituição Federal sobre todo o sistema normativo é uma realidade inerente ao próprio processo de criação da Lei Fundamental, alicerçado sobre a vontade do povo, detentor do poder constituinte originário. Assim sendo, nenhuma norma infraconstitucional pode conflitar com a Constituição Federal sem ter de ceder o seu espaço para a supremacia da Carta Maior. (NUCCI, 2009, pg. 80).

            O artigo 5º inciso X da Constituição Federal protege expressamente o direito à intimidade, a qual é o âmbito particular de cada um, sendo proibido qualquer tipo de intromissão sem o seu devido consentimento. Tal garantia é defendida pelo Estado que inclusive limita a sua própria atuação no sentido de que somente em casos excepcionais pode quebra-la.

            Paulo José da Costa Jr. menciona sobre a intimidade exterior e interior, sendo aquela a que deve ser assegurada ao homem abstraindo-se, ele, da multidão que o cerca, e quanto a esta, é a que o homem gozará separando-se, material e espacialmente, dos que os cercam[1].

            A doutrina brasileira se utiliza da terminologia “intimidade” com a intenção de respeito a esta e a vida privada do individuo. Assim, o direito ao sigilo de informações, manifestações e ideias pressupõe mecanismos de defesa estatal, de modo que a Constituição Federal de 1988 fez constar em seu artigo 5º, inciso X, a garantia à intimidade enquanto direito fundamental[2].

Tamanha é a importância dos direitos dos cidadãos que o legislador estabeleceu que a essas garantias enquanto direitos fundamentais fossem protegidos de qualquer tipo de reforma que pudesse reduzir seu grau de relevância, atribuindo assim, o título de Cláusulas Pétreas a tais garantias e direitos fundamentais previstos ao longo de todo o texto constitucional.

Segue nesse mesmo sentido, o artigo 5º inciso XII da Carta Maior que traz expressamente a garantia da inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, sendo que tal garantia nada mais é do que uma manifestação do direito fundamental à intimidade. Necessário se faz traduzir que a inviolabilidade das comunicações é permitida, como exceção, por ordem judicial e atendendo-se à regulamentação da Lei n. 9292/96, sob pena de representar afronta ao direito assegurado pelo artigo 5º, inciso X da Lei Magna[3].

            Dentro desse contexto, infere-se que o princípio constitucional da inviolabilidade das comunicações não é absoluto, e a sua quebra em casos excepcionais com a devida obediência aos trâmites legais não configura transgressão ao direito fundamental da intimidade. Como mencionado pelo ilustre professor Norberto Cláudio Pâncaro[4]:

“segundo o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, o interesse público, em situações excepcionais, pode se sobrepor aos direitos individuais para evitar que os direitos e garantias fundamentais sejam utilizados para resguardar condutas criminosas, ainda que essas garantias fundamentais sejam amparadas pelo direito à intimidade”.

 

1.1              DESENVOLVIMENTO DO SIGILO AO LONGO DOS TEXTOS CONSTITUCIONAIS BRASILEIROS

 

Primeiramente, cabe ressaltar que não é objeto do presente estudo trazer de forma prolixa a abordagem quanto a esse tópico, mas tão somente expor algumas breves considerações a respeito do tratamento do sigilo das comunicações ao longo das Constituições Federais Brasileiras.

Segundo o autor Paulo Jose da Costa Jr.[5], a proteção da intimidade e vida privada foi acolhida no âmbito judicial pela primeira vez na França em 1858. O autor ainda afirma que foi no seio da sociedade norte-americana que surgiu a preocupação com a intimidade e o respeito à vida privada.

O direito a intimidade sob o manto do sigilo das comunicações de dados e telefônicos, nem sempre foi objeto de relativização assim como o é atualmente, isso porque a inviolabilidade era tratada como regra absoluta por alguns textos constitucionais, não admitindo sequer qualquer tipo de exceção. Com o passar do tempo, e consequentemente com a evolução dos textos constitucionais, foi-se admitindo timidamente tal violação, e hoje, com a Constituição Federal em vigor, permite-se a exceção de tal inviolabilidade desde que seja por ordem judicial e para fins de apuração de crimes conforme disposto pela Lei n. 9296/96 que regulamentou o artigo 5º, XII da Carta Maior vigorante.

Em retrospecto do ordenamento constitucional brasileiro, a Constituição Federal de 1824 vedava qualquer tipo de violação de correspondência, lembrando que o único meio de comunicação a época era o epistolar, ou seja, por cartas. O texto constitucional fez questão de constar expressamente a inviolabilidade total dos segredos das cartas e a administração do Correio era rigorosamente responsável por qualquer tipo de violação a essa vedação expressa constitucionalmente.

A Constituição Federal de 1891, a primeira constituição republicana, também foi límpida em assegurar em seu texto a inviolabilidade do sigilo das correspondências, omitindo-se somente quanto à responsabilidade da administração pelo Correio. Porém, nessa época, diante da possibilidade de decretação do Estado de Sítio pelo Presidente da República, era admitido, excepcionalmente, que direitos e garantias fossem suprimidos, o que permitia entender que era possível excepcionar o sigilo das comunicações.

No que tange à Constituição de 1934, esta trazia a preservação do sigilo das comunicações como direito e garantia individual e também as devidas ressalvas quanto à preservação desse sigilo na hipótese de decretação do Estado de Sítio. O texto constitucional trouxe de forma expressa a previsão de tal sigilo ser violado dentro da hipótese acima mencionada, claro que, com suas devidas precauções, diferentemente da Constituição anterior que tão somente deduzia-se pela possibilidade de tal instituto.

Quanto à Constituição de 1937, assim como as demais também trazia a inviolabilidade das correspondências, entretanto, condicionava a sua exceção á disposição nítida na lei. Em outras palavras, o texto constitucional mencionava a regra, qual seja a inviolabilidade das correspondências, e do mesmo modo, de maneira diversa das demais constituições ora citadas, citava de forma clara as condições para a sua exceção, ou seja, a possibilidade de suspensão do sigilo das correspondências.

No texto constitucional de 1969 não se fazia qualquer menção sobre a possibilidade de exceção à inviolabilidade do sigilo das correspondências e comunicações telegráficas e telefônicas. O que remetia ao entendimento de que a vedação quanto à quebra do sigilo das comunicações aparentemente era absoluta. No entanto, como inexistem garantias absolutas, notava-se a presença de uma “violação válida”, digamos assim, desde que com autorização judicial e de acordo com o artigo 57 do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4117/62) abaixo mencionado. Embora tal norma tenha suscitado divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto à sua constitucionalidade, ainda assim fora acolhida pelos tribunais pátrios com o fim de se buscar maior eficácia na apuração de atos criminosos perpetrados por tais meios de comunicações. STRECK, 1997, p. 23-25.

Art. 57. Não constitui violação de telecomunicação:

I - A recepção de telecomunicação dirigida por quem diretamente ou como cooperação esteja legalmente autorizado;

II - O conhecimento dado:

a) ao destinatário da telecomunicação ou a seu representante legal;

b) aos intervenientes necessários ao curso da telecomunicação;

c) ao comandante ou chefe, sob cujas ordens imediatas estiver servindo;

d) aos fiscais do Govêrno junto aos concessionários ou permissionários;

e) ao juiz competente, mediante requisição ou intimação dêste.

Parágrafo único. Não estão compreendidas nas proibições contidas nesta lei as radiocomunicações destinadas a ser livremente recebidas, as de amadores, as relativas a navios e aeronaves em perigo, ou as transmitidas nos casos de calamidade pública.

Assim, seguindo-se o curso das constituições brasileiras na busca das garantias e direitos fundamentais individuais, a Constituição Federal hoje vigente trata do sigilo das comunicações em seu artigo 5º, inciso XII, no qual há expressa exigência de reserva legal quanto a sua regulamentação, e que será objeto de análise no próximo item.

 

1.2  O ARTIGO 5ª INCISO XII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

 

            A terminologia utilizada no artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal de 1988 é clara e objetiva ao mencionar como sendo inviolável o Sigilo. Tal inciso nada mais é do que um desdobramento da proteção da intimidade e da vida privada prevista no artigo 5º, inciso X da Lei Maior.

            O dispositivo constitucional vigente prevê em seu artigo 5º, XII o seguinte:

“XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

            Observa-se que a Constituição Federal de 1988 inovou com a inclusão do sigilo dos dados, uma vez que com o avanço da tecnologia aumentou-se os meios de comunicação com o decorrer do tempo, implicando assim, em consignar também a inviolabilidade dos dados.

            A regra, portanto, continua sendo a inviolabilidade do sigilo das comunicações, sendo à sua quebra a exceção, a qual deve obedecer aos limites postos expressamente pelo texto constitucional vigente, ou seja, o próprio enunciado constitucional abarcou as exceções que são reservadas a hipóteses em que, mediante prévia ordem judicial nos termos da lei ordinária, seja necessária a sua interceptação.

            Faz-se mister mencionar que, com base nesse entendimento há que se destacar que a Constituição Federal de 1988, ao prever excepcionalmente a possibilidade de violação das comunicações telefônicas, e para tanto exigiu que tal violação fosse regulamentada por lei, procurou atender não somente ao comando do interesse público como também defender com maiores exigências formais a violação desse direito fundamental.

            A respeito dessa regulamentação, sua razão reside no fato de que há direitos fundamentais que são submetidos expressamente à reserva de lei. No tocante a esse tema, Eduardo Luiz Santos Cabette[6] menciona que quando há hipótese em que direitos fundamentais precisam ser submetidos à reserva de lei, sem ela, o dispositivo constitucional não possui eficácia plena, logo, sem lei, a interceptação telefônica constituiria prova ilícita, inadmissível.

            Evidencia-se assim um movimento crescente e imprescindível na evolução dos textos constitucionais brasileiros tanto na busca das garantias individuais como na supressão, excepcionalmente, dessas garantias vez que nenhuma liberdade individual deve ser considerada de forma absoluta.

            Com base nesse entendimento, a lição do Mestre Fernando Capez[7], para quem “De fato, não se justifica o sigilo absoluto em todos os casos. Ao invés, sua quebra é necessária para evitar a tutela oblíqua de condutas ilícitas ou práticas contra legem. A doutrina constitucional moderna é cediça nesse sentido, porque as garantias fundamentais do homem não podem servir de apanágio à desordem, ao caos, à subversão da ordem pública”.

            A grande questão é: qual a forma correta de se interpretar o artigo constitucional do sigilo da comunicação quando da sua quebra? O que de fato pode ser passível de quebra? Já que na exegese do dispositivo constitucional, qual seja, do artigo 5º, XII, tem-se certamente a figura do sigilo das comunicações referente àquelas de terceiros, ou seja, a captação da comunicação telefônica por um terceiro sem o conhecimento dos interlocutores.

            Neste sentido, Ada Pellegrini Grinover[8] fez severas críticas à manobra da Comissão de Redação da Constituinte, anotou que o texto constitucional constante no artigo 5º, inciso XII foi promulgado em desacordo com o que votado e aprovado pela Assembleia Nacional Constituinte:

O certo é que a Assembleia Nacional Constituinte aprovou texto diverso do que veio afinal a ser promulgado. A redação aprovada em segundo turno, no plenário, foi a seguinte: “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações de dados, telegráficas telefônicas, salvo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual”. Foi à comissão de Redação que, exorbitando seus poderes, acrescentou ao texto as palavras “comunicações”, “no último caso” e “penal”, limitando consideravelmente o alcance da norma constitucional legitimamente aprovada em plenário. Esta, da forma como o fora, permitia a quebra do sigilo – observadas a ordem judicial e a reserva legal – não apenas com relação as comunicações telefônicas, mas também as telegráficas e de dados, bem como quanto ao sigilo da correspondência; e, ademais, não restringia o objeto da prova ao processo penal, possibilitando fosse ela produzida em processos não penais.

            Entretanto, não é objeto do presente trabalho expor minuciosamente a constitucionalidade sob o aspecto formal de tal inciso, mas tão somente citar como a Constituição dispôs acerca da matéria, sendo esta absolutamente taxativa quanto à possibilidade de quebra de sigilo das comunicações telefônicas e se tratar de suposto cometimento de infração penal.

            Pôde perceber que o artigo 5º, XII da Constituição Federal de 1988 é notadamente claro ao refutar que somente pode ocorrer a quebra de sigilo, desde que por ordem judicial, quando for o caso de interceptações telefônicas tendo em vista a expressão prevista no artigo “salvo, no último caso”, e ainda, se for para fins de instrução de inquérito ou processo judicial criminal.

            Diante disso, mais uma vez é trago a lume o posicionamento majoritário da doutrina nacional capitaneado por Ada Pellegrini Grinover:

“[ ... ] basta observar que a reiteração da palavra “comunicações”, antes de “telefônicas”, indica exatamente que a exceção constitucional só a estas se refere. É essa a única explicação para a repetição (e por isso a Comissão de Redação a introduziu), pois se a ressalva se referisse a todo o segundo grupo, teria sido suficiente dizer “comunicações telegráficas, de dados e telefônicas” [9].

            Segue esse mesmo posicionamento Vicente Grecco Filho[10]:

         “Se a Constituição quisesse dar a entender que as situações são apenas duas, e quisesse que a interceptação fosse possível nas comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, a ressalva estaria redigida não como “no último caso”, mas como no “segundo caso”. Ademais, segundo os dicionários, último significa o derradeiro, o que encerra, e não, usualmente o segundo”.

            Resta claro, que a interpretação correta do dispositivo constitucional é a quebra do sigilo, somente em casos excepcionais e na forma que dispuser a lei, apenas quando se tratar das comunicações telefônicas, pois se assim não o fosse, estaríamos diante de uma intepretação extensiva admitindo-se a violação do sigilo em todas as hipóteses, quais sejam, da correspondência e das comunicações telegráficas e de dados, o que não é permitido dentro do campo do Direito Penal Material sob pena de se ter uma interpretação in malam partem, vez que o que está em jogo é uma possível infração penal na qual se tem a figura de um indivíduo cuja liberdade poderá ser suprimida.

            Não menos importante e, portanto, cabe aqui mencionar que embora alguns doutrinadores como Greco Filho[11] e Grinover[12] prelecionam que a comunicação telefônica seria adstrita à transmissão da voz, não nos parece sensato, vez que a realidade cotidiana é extremamente dinâmica e o direito tende a se adaptar a novos conceitos para que não se torne fatalmente obsoleto e anacrônico.

            Sem dúvidas seria um anacronismo insustentável pretender reduzir à transmissão de voz a definição que se possa entender por comunicação telefônica. Por isso, a definição que se deva entender por comunicação telefônica não se deita em raízes cujos conceitos são ultrapassados, que indicam sua redução à mera transmissão da fala.

            Para o ilustre mestre e professor Fernando Capez (2012, p. 375): “comunicação telefônica é a transmissão, emissão, receptação e decodificação de sinais linguísticos, caracteres escritos, imagens, sons, símbolos de qualquer natureza veiculados pelo telefone estático ou móvel, incluindo-se inclusive as transmissões e dados constantes de computadores e telemáticos, desde que feitas por meio de cabos telefônicos (e-mail, por exemplo)”.

            Assim, entende-se que para efeito da interpretação de ‘comunicação telefônica’, o que interessa é a constatação do envolvimento da telefonia com todos os recursos técnicos comunicativos que atualmente esta permite. Portanto, imagens, sons, escritos, dentre outros, podem ser transmitidos sim com o uso das linhas telefônicas, vez que o legislador foi sábio ao utilizar a expressão “comunicações telefônicas de qualquer natureza” mencionada no artigo 1º paragrafo único da Lei n. 9296/96 que regulamenta o artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal de 1988.

            Nota-se que tal expressão indicou a sua atualidade, pois se comunicação telefônica fosse concebida como um conceito único, invariável, taxativamente estabelecido como a “transmissão de voz”, desnecessária seria tal expressão. Porque dizer de “qualquer expressão” se a comunicação telefônica só teria uma única natureza? Seriam então, palavras inúteis na lei, em franca contradição ao princípio básico da hermenêutica.

            Neste sentido, assinala Luiz Flavio Gomes[13] que “a comunicação telefônica está enriquecida tendo em vista a realidade tecnológica atual. Não é simplesmente a conversação dos provectos anos sessentas, é qualquer tipo de comunicação telefônica permitida na atualidade em razão do desenvolvimento tecnológico. Pouco importa se isso se concretiza por meio de fio, radioeletricidade (como é o caso do celular), meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético. Com uso ou não da informática. É a hipótese do ‘fax’, por exemplo, em que se pode ou não utilizar o computador”.

            Desta feita, diante do explanado cabe esclarecer que embora tenha tido divergências acerca da constitucionalidade ou não do artigo 1º paragrafo único da Lei n. 9296/96, entende-se que a Carta Magna não cometeria o descuido de permitir a interceptação somente no caso de conversação verbal, ou seja, transmissão de voz, proibindo-a assim, nas hipóteses mais modernas, Pois se assim não fosse, seria uma norma desatenta e negligente vez que bastaria para burlar a permissão constitucional, “digitar” e não “falar”. CAPEZ, 2012, p. 376.

            Assim, com esta breve analise da evolução constitucional do direito ao sigilo em nosso ordenamento jurídico, pôde-se concluir pelos avanços que alavancaram a preservação do sigilo. Avanços estes que se traduziram não pela vedação absoluta a toda e qualquer violação ao direito constitucional da intimidade, mas sim pelo equilíbrio e existência de bases sólidas para permitir, em casos excepcionais, a intromissão na relação sigilosa dos comunicadores principalmente quando tiver como pano de fundo, fatos de interesse público ou comum que devem se sobressaírem aos interesses privados e/ou individuais.

 

CAPÍTULO 2: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROVA NO PROCESSO PENAL

 

            Primeiramente, cumpre destacar que explanar sobre o tema “provas” sem dúvidas é de extrema importância para uma melhor compreensão acerca do objetivo do presente trabalho. Ocorre que seu conteúdo é muito amplo, motivo pelo qual foi necessário delimitar esse tema, mencionando aqui os tópicos que mais tenham coerência com o título do trabalho, pois o verdadeiro propósito deste é demonstrar a possibilidade da chamada “Serendipidade” que nada mais é do que o encontro fortuito de provas relativas a fato delituoso diverso daquele que é objeto das investigações dentro da seara das interceptações telefônicas. Assim, o grande cerne da obra em exame é sobre a questão da admissibilidade ou não dessas provas obtidas fortuitamente, e se são válidas haja vista as garantias constitucionais de proteção à privacidade e a intimidade dos cidadãos.

Ultrapassada, portanto essa breve consideração. O termo prova origina-se do latim probatório, que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação. De tal termo deriva o verbo provarprobare – significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar. NUCCI, 2013, p. 397.

            A prova no processo penal é entendida, de forma simplificada, como sendo o meio pelo qual o Estado, através de uma série ordenada de atos realizados sob a égide do devido processo legal, procede à reconstrução dialética dos fatos propostos na inicial acusatória, com vistas a determinar a viabilidade ou não, da aplicação do jus puniendi. SOUZA, 2017, p. 15.

            Nesta oportunidade, pode-se dizer que a prova se constitui no elemento mais importante dessa almejada reconstrução e da própria atividade processual, pois é através dela que se recria na mente do julgador como os fatos ocorreram, dando-lhe os indispensáveis subsídios para o julgamento.

            A prova exerce assim, papel fundamental dentro do processo, constituindo-se no mais importante dos institutos da disciplina processual penal, estando ela vinculada aos mais relevantes princípios garantidores do devido processo legal, principalmente porque no processo penal a atividade mais difícil do julgador relaciona-se com o desvendamento dos fatos e não com a interpretação e aplicação do direito. RODRIGUES, 2003, p. 295.

            Quanto aos princípios basilares que orientam a prova no processo penal, merecem destacada observação os que dizem respeito aos critérios constitucionais e aos respectivos ordenamentos jurídicos pertinentes para cada tipo de sistema processual relacionado. Não cabe aqui explanar detalhadamente sobre tais princípios, menos ainda, sobre cada sistema processual, mas tão somente mencionar que não se pode olvidar que cada um dos sistemas processuais são enriquecidos com características próprias, específicas, dentro do seu respectivo âmbito de aplicação, determinado pelo ordenamento jurídico que traz concepções, regras e limites distintos a cada um.

            Ultrapassada, portanto, essa questão acima, ao se tratar de prova no processo penal, vale registrar que, a busca da verdade neste caso é a denominada “material, real ou substancial”, justamente para fazer contraste com a verdade formal ou instrumental do processo civil.

            Falar em verdade real implica provocar no espírito do juiz um sentimento de busca, de inconformidade com o que lhe é apresentado pelas partes, enfim, um impulso contrário à passividade. Afinal, estando em jogo direitos fundamentais do homem, tais como liberdade, vida, integridade física e psicológica, a até mesmo honra, que podem ser afetados seriamente por uma condenação criminal, deve o juiz sair em busca da verdade material, ou seja, aquela que mais se aproxima do que realmente aconteceu. NUCCI, 2013, p. 114.

            Compendiosamente, é de se notar, que a verdade real significa que o magistrado deve buscar provas tanto quanto as partes, não se contentando com o que lhe é apresentado, simplesmente. Contudo, isso não quer dizer a ilimitada possibilidade de produção de provas para atingir essa verdade material, pois há vedações legais que necessitam ser respeitadas, como por exemplo, a proibição da interceptação telefônica sem ordem judicial e a devida observância de seus requisitos.

            Contrariamente é a verdade formal, inspiradora do processo civil, pela qual o juiz não está obrigado a buscar provas, mormente em ações de conteúdo exclusivamente patrimonial, que constitui interesse disponível, contentando-se com a prova trazida pelas partes e extraindo sua conclusão com o que se descortina. NUCCI, 2103, p. 115.

            Desse modo, a verdade formal é a que emerge no processo conforme os argumentos e as provas trazidas pelas partes. Exemplo maior disso é o que ocorre no processo civil conforme disposto em seu artigo 355, quando o réu não contesta a ação da qual foi devidamente cientificado: pode o magistrado julgar antecipadamente a lide, dando ganho de causa ao autor, por reputar como sendo verdadeiros os fatos alegados na inicial sem que houvesse controvérsias. NUCCI, 2103, p. 116.

            Ressalta-se que o termo “verdade” é apenas uma noção ideológica da realidade que consiste na busca inviável, no processo, de encontrar como realmente os fatos puderam ocorrer. O que a distinção almeja atingir é a demonstração das finalidades diversas existentes nos âmbitos civil e penal do processo, ou seja, enquanto na esfera civil o magistrado é mais um espectador da produção de provas, no contexto criminal, deve atuar como autêntico copartícipe na busca dos elementos probatórios.

            Portanto, a prova no aspecto processual penal é o conjunto de elementos aptos a influenciar no resultado da pesquisa acerca dos fatos ocorridos, desenvolvida com o objetivo de reconstituir tais fatos, exigindo é claro que se observe o devido processo legal. O conteúdo da prova é de grande utilidade para a formação do livre convencimento do órgão julgador, o qual deve primar pela busca da verdade material, ou seja, pela busca da verdade dos fatos o mais próximo da realidade de como ocorreram, não se contentando com a verdade tão somente apresentada pelas partes, sob pena de desprezar interesses indisponíveis que sempre estão em “jogo” dentro de uma esfera criminal.

 

2.1 PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO OU DA VERDADE MATERIAL OU REAL      

 

            O princípio da verdade real, também conhecido como princípio da verdade material ou da verdade substancial, significa que, no processo penal, devem ser realizadas as diligências necessárias e adotadas todas as providências cabíveis para tentar descobrir como os fatos realmente se passaram, de forma que o jus puniendi seja exercido com efetividade em relação àquele que praticou ou concorreu para a infração penal. NOBERTO, 2017, p. 45.

            Tal princípio recomenda ao julgador e as partes (acusação e defesa) que se empenhem no processo penal, de modo a reconstituir os fatos aludidos na peça acusatória da forma mais fiel possível, com o fim de se atingir a ideia pretendida da verdade real ou probabilidade suficiente para a formação da convicção do órgão julgador.(rodapé, livro novo, p. 110). Em outras palavras, na esfera criminal, o juiz não deve contentar-se com as provas que lhe são trazidas, mormente de detectar outras fontes possíveis de buscá-la, pois deve haver um cuidado maior para não levar ao cárcere um inocente, visto que estão em jogo direitos indisponíveis.

            Nesta esteira, Benedito Roberto Garcia Pozzer explica que no “processo penal, diferentemente, dada a indisponibilidade dos direitos em confronto, deve-se buscar a verdade dos fatos o mais próximo da realidade acontecida. O julgador não pode contentar-se com a verdade apresentada pelas partes. Ao contrário, busca, incansavelmente, os verdadeiros fatos, encontrando limites, somente, na moral e legalidade das provas”. (Correlação entre acusação e sentença no processo penal brasileiro, p. 40).

            Pode-se completar com a lição de Rogerio Lauria Tucci acerca da verdade material: “trata-se, com efeito, da atividade concernente ao poder instrutório do magistrado, imprescindível à formação de sua convicção, de que, inequivocamente, se faz instrumento; e à qual se agrega, em múltiplas e variadas circunstâncias, aquela resultante do poder acautelatório, por ele desempenhado para garantir o desfecho do processo criminal”. (Do corpo de delito no direito processual penal brasileiro, p. 88).

            Nessa lógica, a ideia de que a verdade real é a meta do processo criminal significa dizer que o juiz deve impulsioná-lo com o objetivo de aproximar-se ao máximo da realidade de que como os fatos ocorreram, apurando-os de onde for possível elucidá-los, para que ao final possa proferir sentença que se sustente em elementos concretos, e não em ficções ou presunções.

            A mensagem subliminar contida no princípio da verdade material impõe ao órgão julgador que não se contente com meras conjecturas, mas busque tirar o máximo do devido processo legal, com vistas a alcançar o melhor das provas que consiga propiciar, principalmente porque quando vier a proferir uma sentença condenatória, esta deve ser lastreada em prova segura que permita verificar pelo menos a presença de uma verdade, senão real, firmada em juízo de grande probabilidade e suficiente para permitir a justificação interna e externa do juízo condenatório. SOUZA, 2017, p. 111.

            No âmbito do Código de Processo Penal, notam-se vários dispositivos que concretizam o princípio da verdade material. É o caso, por exemplo, dos seus artigos 156, 201, 209, 234, 242 e 404, que permite ao juiz a determinação ex oficcio das diligências que reputar necessárias para a elucidação dos fatos imputados ao réu; do artigo 197 que condiciona o valor da confissão do réu a se compatibilizar com os demais meios de prova trazidos ao processo, e, especialmente, o artigo 566 que estabelece que não será declarada a nulidade do ato que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa. Todos esses artigos são ilustrativos dessa colheita de ofício e da expressa referência à busca da verdade real[14].

            Cabe ressaltar, entretanto, que esse ideal no processo penal não justifica que o juiz leve ao extremo a regra da busca pela verdade material, a ponto de se substituir às partes, principalmente ao Ministério Público a quem cabe, ao teor do artigo 129, I da Constituição Federal, a promoção da ação penal e, por conseguinte, atuar no sentido de comprovar a hipótese acusatória apresentada contra o réu, mesmo porque cabe ao juiz contribuir, apenas de forma complementar na produção de prova, sem se fazer pender a balança da justiça para um dos lados e respeitando os postulados do sistema acusatório e da imparcialidade que é um dos princípios basilares do órgão julgador. SOUZA, 2017, 112.

            Como se pode observar, resumidamente, ao juiz somente cabe agir de ofício para complementar as provas produzidas pelas partes, ou seja, quando esgotadas as providências requeridas por estas, ainda permaneça em seu íntimo dúvidas capazes de inviabilizar que se profira uma sentença justa, e também no caso em que exista nos autos alguma evidência de provas ainda não pesquisadas, podendo então solicitá-las, de forma complementar, para auxiliá-lo na tarefa de se alcançar a verdade material a fim de que sirva para a formação de seu livre convencimento que será abordado no próximo tópico.

            Não obstante, é necessário ter em vista que a procura da verdade real não pode implicar em violação de direitos e garantias estabelecidos na legislação. Trata-se de uma busca sujeita a limites, mesmo porque não seria razoável que o Estado, para alcançar a justiça e garantir o jus puniendi, pudesse sobrepor-se á Constituição e às leis, a exemplo da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (artigo 5º, LXI, C.F.); da proibição das provas realizadas por meio da violação da intimidade, vida privada e imagem das pessoas (artigo 5º, X, C.F.), dentre outros.

            Por derradeiro, o princípio da verdade real impõe ao órgão julgador o dever de garantir sim à produção de provas que sejam úteis e necessárias a formação do seu livre convencimento, contudo, cabe a ele zelar pela regularidade do processo e pela observância do princípio do contraditório e ampla defesa, bem como pela garantia de um juízo imparcial, ou seja, por uma atuação justa e desvinculada de interesses sem nexo e políticos.

 

2.2 SITEMA DA LIVRE CONVICÇÃO MOTIVADA OU LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO

 

            Antes de tudo, para se fazer referência ao sistema em questão, necessário se apresenta indicar os principais sistemas de avaliação da prova que vigoraram na civilização, embora não há como se aventurar em instruir casuisticamente sobre cada sistema, pois não é essa a ideia do trabalho em questão, ainda assim, é importante evidenciar tais sistemas que foram formados a partir da predominância de determinadas características políticas, jurídicas e culturais às suas respectivas épocas.

            São basicamente três sistemas (NUCCI, 2013, p. 404): a) livre convicção, que é o método concernente à valoração livre ou à íntima convicção do magistrado, significando não haver necessidade de motivação de suas decisões. É o sistema que prevalece no Tribunal do Júri, visto que os jurados não motivam o voto; b) prova legal, cujo método é ligado à valoração taxada ou tarifada da prova, significando o preestabelecimento de um determinado valor para cada prova produzida no processo, fazendo com que o juiz fique adstrito ao critério fixado pelo legislador, bem como restringido na sua atividade de julgar. Era a época em que se considerava nula a força probatória de um único testemunho (unus testis, nullus testis ou testis unius, testis nullius). Há resquícios desse sistema, como ocorre quando a lei exigir determinada forma para a produção de alguma prova, v.g., artigo 158, CPP, demandando o exame de corpo de delito para a formação da materialidade da infração penal, que deixar vestígios, vedando a sua produção através da confissão; c) persuasão racional, que é o método misto, também chamado de convencimento racional, livre convencimento motivado, apreciação fundamentada ou prova fundamentada. Trata-se do sistema adotado, majoritariamente, pelo processo penal brasileiro, encontrando, inclusive, fundamento na Constituição Federal (artigo 93, IX) e significando a permissão dada ao juiz para decidir a causa de acordo com seu livre convencimento, devendo, no entanto, cuidar de fundamentá-lo, nos autos, buscando, persuadir as partes e a comunidade em abstrato.

            Pelo sistema do livre convencimento motivado, este sim merece uma dedicação maior, o juiz é livre na formação do seu convencimento, não estando comprometido por qualquer critério de valoração prévia de prova, podendo optar livremente por aquela que lhe parecer mais convincente, porém, a liberdade quanto ao seu convencimento não dispensa a sua fundamentação.

            O ilustre professor e mestre Fernando Capez[15] afirma que:

“Esse sistema equilibra-se entre a liberdade que o juiz tem para formar sua convicção, não estando preso a qualquer critério legal de prefixação de valores probatórios; e a necessidade da devida fundamentação dessa convicção vez que essa liberdade não é absoluta. O juiz, portanto, decide livremente de acordo com a sua consciência, devendo, contudo, explicitar motivadamente as razões de sua opção e obedecer a certos balizamentos legais, ainda que flexíveis”.

            Esse é o sistema consagrado expressamente pelo nosso Código de Processo Penal em seu artigo 155 caput que de forma cabal determina: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvados as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”, sendo complementado pelo artigo 381 do mesmo diploma, cujo inciso III determina que ao proferir a sentença, o juiz deverá expor: “a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão”, e, em caráter especialmente importante, pelo artigo 93, da Constituição Federal/88 em seu inciso IX o qual se extrai que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”.

            Como se pode perceber o sistema adotado pelo artigo 155 do Código de Processo Penal atende às exigências da busca da verdade real, rejeitando o formalismo exacerbado e impedindo o absolutismo pleno do julgador que juntamente com os demais artigos ora mencionados exigem que a sua decisão seja devidamente motivada. Ou seja, o magistrado possui sim liberdade para analisar as provas de acordo com a sua íntima convicção, contudo, essa liberdade não é absoluta, pois não se deve buscar como fundamento elementos que não passaram pelo crivo do contraditório judicial o qual é necessário para que ele consolide sua decisão na sentença condenatória.

            Por isso, o magistrado não deve levar em conta, como fundamento para sua decisão, elementos que não tenham sido inseridos regularmente nos autos, como a prova colhida na fase investigatória, pois nessa situação não há que se falar em contraditório nem a ampla defesa, devendo, portanto, introverter a análise e avaliação das provas produzidas em contraditório judicial. A única ressalva concentra-se nas provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, como os laudos periciais produzidos de imediato para que o objeto não se perca. NUCCI, 2013, p. 406.

            Logo, o sistema da livre convicção motivada caracteriza-se pela liberdade que o órgão julgador possui para analisar todo o conjunto de provas existentes nos autos, com exceção é claro, daquelas vedadas pelo ordenamento jurídico, sem que esteja atrelado as regras prévias sobre a valoração que deve fixar em relação a cada meio de prova. Entretanto, ao analisar as provas, sob o manto do contraditório, acha-se ele obrigado a fundamentar suas decisões, o que leva a denominar-se o sistema em questão como do “livre convencimento motivado”. É nesse sentido a jurisprudência aplicável: (SOUZA, 2017, p. 139-140).

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 710.898 - SP (2015/0117439-8) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ AGRAVANTE : THIAGO PEREIRA DE ALMEIDA ADVOGADO : EMILIO MARTINS STADE E OUTRO (S) AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO DECISÃO THIAGO PEREIRA DE ALMEIDA agrava de decisão que inadmitiu seu recurso especial, interposto com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Criminal n. 0016259-10.2012.8.26.0565). [...]. Quanto ao sistema de valoração das provas, certo é que, no processo penal brasileiro, vigora o princípio do livre convencimento motivado, em que é dado ao julgador decidir pela condenação do agente, desde que o faça fundamentadamente. Nesse contexto, o legislador ordinário, buscando dar maior efetividade às garantias constitucionais previstas para os acusados no processo penal estabeleceu, expressamente, a vedação à condenação baseada exclusivamente em provas produzidas no inquérito policial, consoante o disposto no art. 155, caput, do Código de Processo Penal, com a nova redação dada pela Lei n. 11.690/2008, (...). Publique-se e intime-se. Brasília (DF), 05 de junho de 2015. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ. (STJ - AREsp: 710898 SP 2015/0117439-8, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: DJ 10/06/2015).

HABEAS CORPUS Nº 283.864 - SP (2013/0398887-3) RELATOR : MINISTRO FELIX FISCHER IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE : CLAUDINEI DA SILVA PEREIRA (PRESO) DECISÃO Trata-se de habeas corpus substitutivo de agravo em execução impetrado em benefício de CLAUDINEI DA SILVA PEREIRA em face de v. acórdão do eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ementado nos seguintes termos: "HABEAS CORPUS - EXECUÇÃO - DECISÃO QUE PRORROGOU MEDIDA DE SEGURANÇA - Pleito de desinternação condicional – [...] A indicação em laudo pericial de que houve a cessação de periculosidade não é o único indicador capaz de motivar a desinternação do paciente. Vincular a ação do juiz, sem um exame aprofundado das demais circunstâncias inerentes ao caso, é transformá-lo em mero sancionador de laudos. O magistrado, ao formar sua convicção, pode se afastar das conclusões da perícia, desde que, para isso, motive adequadamente sua decisão. (...). A livre valoração das provas permite ao Juiz afastar-se das conclusões do laudo pericial, podendo formar sua convicção com base em outros elementos constantes dos autos. Habeas corpus não conhecido. (STJ - HC: 283864 SP 2013/0398887-3, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Publicação: DJ 12/05/2015). 

            Dessa feita, por tal sistema entende-se que embora livre para formar seu convencimento, o juiz deverá declinar as razões que o levaram a optar por tal ou qual prova, fazendo-as com base em argumentação racional, indicando fundamentos que adotou para a valoração da prova, evitando assim, a sua opinião pessoal ou alguma vivência acerca de algo que vem a integrar o conjunto probatório. O juiz, portanto, não deve expor suas ideias, mas apenas extrair a sua convicção das provas que são produzidas legalmente no processo (tanto pelas partes – defesa e acusação- como também em obediência ao princípio da verdade real) e explicitar sua decisão exclusivamente em tais provas inseridas.

 

2.3 A INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS

 

Nos termos do artigo 5º, LVI da Constituição Federal: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Segue nesse mesmo sentido o artigo 157 caput do Código de Processo Penal, com a redação que lhe deu a Lei n. 11.690/2008 que reproduz a mesma violação. Tais normas, constitucional e legal, cumprem uma função relevante, pois ao proibir o uso das provas ilícitas, atua no controle da regularidade da atividade estatal persecutória, inibindo e desestimulando a adoção de práticas que por ventura venham a violar direitos e garantias individuais, bem como a própria qualidade do material probatório a ser introduzido e valorado no processo. PACELLI, 2017, p. 183.

            Em relação aos direitos individuais, a vedação das provas ilícitas tem por objeto a proteção do direito à intimidade, à privacidade, à imagem (artigo 5º, X, C.F.); a inviolabilidade do domicílio (artigo 5º, XI, C.F.), dentre outros. No que se refere à questão da qualidade da prova, o reconhecimento da ilicitude do meio de obtenção da prova tanto impede métodos cuja idoneidade probatória seja previamente questionada, como por exemplo, na confissão obtida mediante tortura, como também oferece igualdade processual ao impedir todo e qualquer tipo de produção probatória pelos agentes do Estado, equilibrando dessa forma, a relação de forças à atividade instrutória desenvolvida pela defesa. PACELLI, 2017, p. 184.

            Na realidade, o tema da inadmissibilidade das provas ilícitas oferece inúmeros desdobramentos vez que sua proibição se acha presente nas mais diversas legislações, isso porque a obtenção das provas por meios vedados é vinculada, quase que invariavelmente, a algum tipo de afronta à dignidade da pessoa humana que está sob investigação. E a dignidade da pessoa humana é um valor reconhecido internacionalmente, a começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. SOUZA, 2017, p. 34.

            É notável que a prova obtida ilicitamente está vinculada e visa concretizar valores jurídicos relacionados com a personalidade individual e tutelados constitucionalmente, tais quais a dignidade da pessoa humana, a integridade física e psicológica, à intimidade, a observância do devido processo legal que requer uma atuação idônea do Estado vez que seria contraditório que este na busca de repressão ao crime agisse de modo a violar normas legais para atingir seu objetivo. Seria uma adoção repudiada da quebra de direitos e garantias fundamentais tutelados pelo próprio Estado através da eminente e graciosa Constituição Federal que garante à liberdade, a paz, a segurança, dentre outros, da população.

            Magalhães Gomes[16] ensina que “especialmente na área criminal, em que se cuida de restaurar a ordem violada pelo delito, seria inconcebível que o Estado, para impor a pena, se utilizasse de métodos que não levassem em conta a proteção dos mesmos valores tutelados pela norma material. Semelhante contradição comprometeria o próprio fundamento da sanção criminal e, em consequência, a legitimação de todo o sistema punitivo”.

            Assim sendo, as provas obtidas por meios ilícitos são as contrárias aos requisitos de validade exigidos pelo ordenamento jurídico, ou seja, a ilicitude delineia-se através da emissão de um ato antagônico ao direito e pelo qual se consegue um dado probatório, sendo tal evidência inadmissível e menos ainda, valorada no processo.

            A lógica da vedação é simples e procura mandar duas mensagens claras: a primeira aos órgãos encarregados da produção de provas, qual seja: “Não adianta utilizar-se de meios escusos para alcançar a qualquer custo uma pseudo-verdade processual, pois seus ilícitos esforços serão em vão”; a segunda deve ressoar em toda a sociedade a ideia de que “na relação Estado e individuo não pode vigorar a máxima maquiavélica de que os fins justificam os meios, mas sim, deve vigorar a ética do devido processo legal”. SOUZA, 2017, p. 37.

            É indubitável que a prova ilícita não se reveste de idoneidade jurídica, razão pela qual deve ser desprezada vez que conseguidas ou produzidas por outros meios que não os estabelecidos em lei, não têm elas como ser levadas em conta pelo órgão jurisdicional incumbido de definir a relação jurídica penal submetida à sua apreciação.

            No que concerne à classificação dada às provas colhidas ou produzidas com violação ao direito, predominava na doutrina brasileira a distinção das provas ilegais (gênero) em “ilícitas” e “ilegítimas” (espécies), sendo esta de caráter processual e aquela de caráter material. Ocorre que, com a reforma legislativa de 2008, introduzida pela Lei n. 11.690 que visou à modernização do Código de Processo Penal, modificou a redação do seu artigo 157 caput que passou a ter a seguinte escrita: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”(...). Depreende-se, portanto, que tal reforma processual distanciou-se do conceito até então adotado pela doutrina que distinguia as provas ilícitas das ilegítimas, concebendo como prova ilícita tanto aquela que viola disposições materiais como processuais. CAPEZ, 2012, p. 365.

            Importante destacar que não cabe aqui mencionar com mais detalhes sobre o tema da classificação das provas acolhida pela doutrina acima mencionada vez que não é objeto de estudo do presente trabalho esgotar com tal assunto.

            Até agora tratamos das provas ilícitas por si mesmas, mas resta analisar o caso das chamadas “provas ilícitas por derivação” e a “teoria da fonte independente”, ambas adotadas claramente pelo artigo 157, § 1º e § 2º, respectivamente, do Código de Processo Penal, que serão melhores esclarecidas nos tópicos seguintes.

 

2.3.1 PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO (FRUITS OF THE POISONOUS TREE)

 

            A teoria dos frutos da árvore envenenada (the fruits of the poisonous tree) tem suas origens na Suprema Corte Americana e baseia-se na tese bíblica de que, a exemplo do que ocorre com uma arvore doente, que produz frutos também doentes, a prova obtida ilicitamente contamina os seus frutos, ou seja, as demais provas que tenham sido descobertas e produzidas apenas em decorrência das informações obtidas ilicitamente. SOUZA, 2017, p. 41.

            A ideia é banir do processo moderno todo e qualquer reflexo de provas ilicitamente conseguidas, extirpando qualquer espécie de incentivo à sua produção. Se assim não o fosse os responsáveis pela apresentação de tais provas não teriam em mente a questão da responsabilidade administrativa, civil e criminal por seus atos, tampouco da retirada da prova ilícita e de todos os seus produtos ulteriores do processo. CABETTE, 2015, p. 67.

            Até o advento da Lei n. 11.690/2008 que alterou a redação do § 1º do artigo 157 do Código de Processo Penal não havia previsão legal expressa de proibição da prova ilícita por derivação, sendo que o acolhimento da tese decorria da interpretação sistemática da norma constitucional que veda a utilização da prova ilícita no processo (artigo 5º, LVI, C.F.) e do princípio do devido processo legal (artigo 5º, LIV, C.F.). SOUZA, 2017, p. 41.

            Não restam dúvidas que, ao se pretender um processo penal dotado de um mínimo ético, legitimando a ação estatal e conferindo-lhe responsabilidade, há que se banir a possibilidade de provas obtidas por meios ilícitos e mesmo aquelas conseguidas por consequência destes, embora lícitas por si mesmas.

            Pode aparentemente ser absurda a não aceitação da prova lícita somente pelo fato de que veio sua descoberta de ilicitude anterior, pois o Estado estaria abdicando de certa forma da “verdade real” e deixando gratuitamente impune o infrator. Mas não é bem assim, como bem salientou Magalhaes Gomes[17]: “o importante no tema das provas ilícitas por derivação é a finalidade profilática com que deve ser encarada, pois a prova ilícita realmente deve ser prevenida como uma verdadeira doença capaz de deteriorar a já frágil legitimidade do sistema penal”.

            Entende-se, portanto, que a contaminação da prova secundária pela ilicitude inicial se dá principalmente em razão da finalidade com que são estabelecidas as proibições em nosso ordenamento jurídico pátrio, pois se, por via derivada, informações colhidas a partir de uma violação ao ordenamento que traz restrições a admissibilidade de certas provas, pudessem servir ao convencimento do juiz, seria uma verdadeira conduta atentatória aos direitos fundamentais que o próprio Estado editou e protege e a própria administração correta e leal da justiça penal.

            Dessa feita, a prova ilícita não pode gerar outra ou outras que se tornem lícitas, ao contrário, todas as que advierem da ilícita são igualmente inadmissíveis, se assim não fosse, de nada valeria o disposto no artigo 5º, LVI da Constituição Federal, se pudesse ser contornado por artifícios ou circunstâncias injustificáveis cujos efeitos seriam a transgressão da tutela constitucional que preserva os direitos e garantias que assistem a todo e qualquer cidadão, em especial aquele que se encontra sob a investigação estatal, vez que o Estado deve zelar por seus direitos e garantias fundamentais, em especial pela sua liberdade e pela dignidade da pessoa humana que és.

            Por fim, destaca-se que a legislação processual não deixa dúvidas quanto ao destino das provas consideradas inadmissíveis no processo devido a sua ilicitude, pois a lei é expressa em determinar o “desentranhamento mediante decisão judicial devidamente fundamentada” (artigo 157, § 3º, CPP). Essa determinação expressa é o quadro ideal para a ética na produção de provas, consentâneo ao Estado Democrático de Direito que não somente protege, mas também certifica que os direitos e garantias constitucionais e legais sejam de fato observados em toda e qualquer atuação estatal.

 

2.3.2 TEORIA DA FONTE INDEPENDENTE

 

            Define o artigo 157, § 2º do CPP, a fonte independente: “aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova” (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008). Significa dizer que a prova originária de fonte independente não se macula pela ilicitude existente em prova correlata, pois pressupõe que efetivamente haja uma fonte alternativa ou independente para a obtenção da mesma prova conseguida ilegalmente, ou seja, mesmo excluindo-se o meio ilegal, a prova seria encontrada. SOUZA, 2017, p. 44.

            Nota-se que a fonte independente baseia-se precisamente na ausência fática de relação de causalidade ou de dependência lógica ou temporal (produção de prova posteriormente à ilícita). Ou seja, a prova não se relaciona em nada com os fatos que geraram a produção da prova contaminada, vez que se funda em elementos lícitos e conseguidos independentemente das provas obtidas ilicitamente bem como por sua derivação.

            Ressalta-se que a grande diferença dessa teoria da fonte independente com a teoria dos frutos da árvore envenenada e que esta exige relação de exclusividade entre a prova posterior e a anterior que lhe deu origem, em outras palavras, faz-se necessário que a prova tida como contaminada tenha sido decorrência de outra manifestamente viciada, ou de uma situação de ilegalidade. Se, ao contrário, provier de fonte independente, como tal considerada aquela por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova, não ocorrerá à contaminação. NOBERTO, 2017, p. 330.

            É notável que a validação da prova em razão da fonte independente exige que não haja qualquer nexo de causalidade entre a prova que se quer utilizar e a situação de ilicitude ou ilegalidade antes ocorrida. Sobre esse enfoque que diz respeito à coexistência de provas lícitas independentes, adverte Luiz Flavio Gomes[18] para a devida moderação a ser observada:

         “É preciso, no entanto, muito cuidado nesse tema, porque muitas vezes pode-se burlar facilmente a proibição da prova derivada, salientado tratar-se de fonte independente. Para que a teoria da fonte independente tenha correta aplicação, impõe-se a demonstração fática inequívoca de que a prova valorada pelo juiz efetivamente nasceu de fonte autônoma, isto é, não está na mesma linha de desdobramento das informações colhidas com a prova ilícita. Se não se demonstra, com clareza meridiana, a autonomia ou independência da fonte, vale a doutrina da prova derivada inadmissível. Havendo dúvida, tudo se resolve a favor do réu (in dubio pro reo)”.

            É importante esclarecer que apesar das evidentes “dificuldades”, a priori, que se apresentam para uma solução uniforme de tais situações, dada as particularidades de cada caso, a teoria da fonte independente possui um elemento de convicção completamente independente da situação que contaminou a prova em razão da ilicitude inicial, podendo dessa forma, aquela ser trazida aos autos de forma totalmente lícita.

            Assim sendo, a prova derivada será considerada fonte autônoma, independente da prova ilícita, quando a conexão entre umas e outras for tênue, de modo a não se colocarem as primárias e secundárias numa relação de estrita causa e efeito. Essa teoria é adotada pelo posicionamento garantista do Supremo Tribunal Federal que entende pela preservação da prova autônoma, independente da prova ilícita, sendo uma condenação nesses casos, admitida ao basear-se em elementos de provas lícitas e conseguidas independentes, não evidenciando qualquer nexo de causalidade entre uma prova e outra obtida ilicitamente. CAPEZ, 2012, p. 372.

            Por fim, nesse quadro, destaca-se que a atual redação do artigo 157 e seus parágrafos do CPP acata amplamente a tese da inadmissibilidade das provas ilícitas, admitindo-se o critério da prova ilícita por derivação não ser consentida (artigo 157, § 1º), bem como a tese da chamada “fonte independente de prova” (artigo 157, § 2º). E mais uma vez, não deixando dúvidas quanto ao destino das provas consideradas inadmissíveis no processo devido à sua ilicitude, devendo estas ser desentranhadas mediante decisão judicial fundamentada (artigo 157, § 3º).

 

2.4 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E PROCESSO PENAL

 

            A carta política brasileira não contém previsão expressa acerca do princípio da proporcionalidade. A falta dessa previsão constitucional expressa não tem se constituído em óbice ao diuturno reconhecimento de tal princípio, quer no campo doutrinário, quer no campo jurisprudencial, até porque ele consiste em uma imposição presente em qualquer sistema constitucional lastreado em garantias fundamentais, caracterizadores de uma constituição típica de um Estado Democrático de Direito. SOUZA, 2017, 32.

            O postulado da proporcionalidade presente implicitamente em nossa Constituição Federal, por dedução do conjunto geral das garantias individuais, exerce uma dupla função no direito, a saber: PACELLI, 2017, p. 237.

a)                  na primeira, desdobrando-se, sobretudo, na proibição do excesso, mas, também, na máxima efetividade dos direitos fundamentais, serve de efetivo controle da validade e do alcance das normas, autorizando o intérprete a recusar a aplicação daquela (norma) que contiver sanções ou proibições excessivas e desbordantes da necessidade de regulação;

b)                 na segunda, presta-se a permitir um juízo de ponderação na escolha da norma mais adequada em caso de eventual tensão entre elas, ou seja, quando mais de uma norma constitucional, se apresentar como aplicável a um mesmo fato.

Partindo-se dessa premissa, a ideia da proporcionalidade ganhou maior ênfase, passando a ser utilizada nos mais diversos ramos do direito, em especial naqueles vinculados à ideia de punição do cidadão. Esse princípio tornou-se mais claro e preciso, enriquecido com elementos básicos para sua caracterização, quais sejam, a exigibilidade e a adequação, ou seja, qualquer lei restritiva de direitos, garantias e liberdades, deve ser apropriada, necessária e com justa medida. BONAVIDES, 2002, p. 372.

Infere-se que o princípio da proporcionalidade trata-se de um instrumento moderador que norteia todo o sistema jurídico, e tem como principal finalidade a contenção dos excessos, apresentando-se como mecanismo apto a servir para ponderar direitos, valores e interesses, quando estes estiverem em rota de colisão, sendo a sua aplicação essencial para garantir a equânime efetividade das normas e regras vigentes.

Assim, a proporcionalidade é hoje utilizada como um indispensável critério hermenêutico na aplicação do Direito, tem sua origem exatamente como meio de controle da constitucionalidade das leis, que embora formalmente constitucionais, previam, por exemplo, sanções desproporcionais para determinadas espécies de descumprimento da lei. Assim, o postulado do princípio da proporcionalidade tem aplicabilidade na dimensão da proibição de excesso, e também na dimensão da proibição de proteção deficiente. AVILA, 2005, p. 186.

Em outras palavras, o papel do princípio da proporcionalidade, partindo da consideração de que nenhum direito reconhecido na Constituição Federal pode revestir-se de caráter absoluto, é possibilitar que se analise diante da hipótese de colisão de direitos fundamentais, qual é o que deve, efetivamente, ser protegido pelo Estado. Lembrando que não existe propriamente um conflito entre as garantias constitucionais, e sim um aparente conflito, o que acaba por implicar numa atuação de harmonização no caso dessas garantias “contrastantes”, empregando o que for mais coerente e compatível com a finalidade que se pretende atingir em cada caso, verificando sempre se o ônus imposto é proporcional à relevância do bem jurídico que se pretende resguardar.

Neste sentido, se toda a atividade estatal deve zelar pela ideia de proporcionalidade que é imanente ao próprio homem, pois no reverso, a ideia da desproporcionalidade é intolerável, repudiada, quanto ao direito processual penal, principalmente, não é diferente. Atualmente, não se concebe o direito processual sem a consideração de sua vertente constitucional, ou melhor, sem o suporte constitucional que o constitui. Scarance Fernandes[19] referindo-se ao mestre lusitano Jorge Figueiredo Dias anota que:

“o atrelamento do direito processual penal à Constituição se apresenta porque a forma de realização do processo esta diretamente ligada à concepção dominante no Estado, isto é, em uma concepção de autoritarismo, o Estado se vale do processo penal no seu interesse exclusivo de exercitar o jus puniendi. Diferentemente no modelo liberal, o enfoque passa a ser os direitos e garantias individuais. O individuo passa a ser sujeito do processo”.

A proporcionalidade, então, quando diante de colisão de direitos fundamentais, relaciona-se à legalidade na medida em que à segurança e à justiça não se admita transigência com direitos fundamentais sem a contrapartida da previsão legal.

Dentro desse contexto, a ideia principiológica da proporcionalidade na seara do direito penal, refere-se à proporção que deve ser sempre observada entre a pena e o delito, ou seja, a correlação da tipicidade penal de determinada conduta com a pena em abstrato, devendo sempre ser observado à prevalência do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, pois o aspecto desagradável da pena não pode transcender os limites mínimos do respeito à dignidade humana, deve sempre residir à conveniência da proporcionalidade entre a pena e o mal praticado.

Quanto ao processo penal, fala-se em proporcionalidade enquanto adequação entre direitos fundamentais e o exercício do jus puniendi. É no âmbito do processo penal que a proporcionalidade logra maior desenvolvimento e aplicabilidade, especialmente no que tange as medidas cautelares de qualquer natureza, pois o que se tem em jogo são direitos fundamentais que de fato, devem ser ponderados sob a ótica da matriz de toda e qualquer atuação jurisdicional a qual deve zelar pela aplicação do princípio da proporcionalidade como sendo regra usual e indispensável.

Na seara do processo penal tem várias hipóteses em que o princípio da proporcionalidade é chamado a servir como instrumento de ponderação, como por exemplo, nas situações em que há confronto entre as garantias da intimidade dos indivíduos e a necessidade de quebra de sigilo; ou ainda quando são analisados os requisitos para o cerceamento cautelar da liberdade de locomoção (arts. 312 e 313); ou mesmo pela substituição da prisão por outras medidas cautelares ou aplicação direta destas (art. 282); para o reconhecimento de eventual nulidade: quando se defrontam o direito ao contraditório e a publicidade do processo de um lado, e de outro a necessidade de garantir a segurança e a proteção à testemunha (art. 217), dentre diversas outras situações, com proeminência da proporcionalidade na fixação da pena (art. 59 CP c/c art. 381 CPP). SOUZA, 2017, p. 32.

São bastante frequentes as jurisprudências em sede de matéria penal em que a decisão se funda no princípio da proporcionalidade:

Jurisprudência Aplicável: STJ: (...) Embora configurado o ato tendente a interferir nos meios do processo, sob a influência do princípio da proporcionalidade e das novas opções fornecidas pelo legislador, é mais adequada a imposição de medidas cautelares diversas da prisão ao paciente, para a mesma proteção dos bens jurídicos ameaçados, pois, mesmo citado por edital, constituiu procuradora, compareceu à audiência de conciliação sem ser intimado e apresentou diversos endereços nos autos, "até mesmo informando que residia na China". Ademais, já foi realizada audiência de instrução e o processo retomou sua marcha regular. (STJ - HC: 307370 RS 2014/0273829-0, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 21/05/2015, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/06/2015).

Jurisprudência Aplicável: STF: (...) A vedação ao direito de recorrer em liberdade revela-se incompatível com o regime inicialmente semiaberto fixado na sentença penal condenatória, a qual se tornou imutável para a acusação em razão do trânsito em julgado. A situação traduz verdadeiro constrangimento ilegal, na medida em que se impõe ao paciente, cautelarmente, regime mais gravoso a sua liberdade do que aquele estabelecido no próprio título penal condenatório para o cumprimento inicial da reprimenda, em clara afronta, portanto, ao princípio da proporcionalidade. (STF - HC: 123226 PI, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 30/09/2014, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-225 DIVULG 14-11-2014 PUBLIC 17-11-2014).

            Diante de tudo que fora explanado até então, tem-se que o critério da proporcionalidade reclama sua aplicação exatamente onde haja tensão entre princípios constitucionais de mesma grandeza. Não se olvidando que no campo da matéria penal, sobretudo no que diz respeito às funções do cerceamento de liberdade, pretende-se cumprir uma missão que é inerente a todo o Direito, qual seja, a de proteção dos direitos e garantias fundamentais do individuo, os quais são ainda mais robustos quando se está diante dessa seara penal, sobretudo a ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana que pode ser ainda maior, digamos assim.

            Por fim, o exame de cabimento do juízo de proporcionalidade é no sentido de garantir a efetiva proteção desses direitos e garantias fundamentais, bem como adotar critérios objetivos para que a escolha por um dos princípios possa não implicar o sacrifício integral do outro, ao contrário, a sua aplicabilidade para que de fato busque efetividade deve permitir a convivência pacífica entre todos aqueles princípios que integram o ordenamento jurídico. PACELLI, 2017, p. 198.

 

CAPÍTULO 3: A INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS

 

            A lei n. 9296 de 24 de julho de 1996 veio para preencher a lacuna legislativa em face da exigência contido no artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal de 1988, com o intuito de dirimir algumas divergências que existiam acerca do tema que eram provocadas pela falta de uma norma regulamentadora da matéria.

 

3.1 CONCEITO

                                               

            Primeiramente, cumpre destacar que a expressão “interceptação telefônica lato sensu” corresponde a um gênero do qual há três espécies distintas, a saber: interceptação telefônica stricto sensu que é a hipótese na qual um terceiro viola a conversa telefônica de dois ou mais interlocutores sem que nenhum tenha conhecimento dessa violação; escuta telefônica, situação na qual um terceiro viola conversa telefônica entre duas ou mais pessoas com a ciência de um ou alguns dos interlocutores da conversa, e por fim, gravação telefônica na qual um dos interlocutores registra a sua própria conversa com o outro. NOBERTO, 2017, p. 335.

            Percebe-se que não se deve confundir interceptação telefônica stricto sensu com a escuta telefônica de modo que, tais conceitos também não se confundem com a gravação telefônica, uma vez que nos dois primeiros casos tem-se a figura de um terceiro violando a conversa telefônica, e embora ambos os dois primeiros casos estejam sob o amparo da proteção constitucional em seu artigo 5º, inciso XII, cabe aqui ilustrar tão somente a hipótese da interceptação telefônica stricto sensu a qual de fato é objeto do presente trabalho.

            Como já citado anteriormente pelo Capítulo 1 do presente trabalho, em termos de proteção constitucional, sabe-se que todo individuo tem direito à intimidade. Assim, a partir desse direito fundamental, o cidadão tem respeitado a sua privacidade, inclusive no que tange ao seu direito de sigilo das comunicações, não podendo ser incomodado em sua vida íntima sem o seu consentimento, Portanto, quanto à interceptação telefônica stricto sensu, lhe é dada uma devida importância em face da exigência de um diploma específico e, especialmente, descritivo dos procedimentos necessários à sua realização legal, sob pena de infringir o direito fundamental da intimidade do cidadão.

            Em observância ao sentido da palavra “interceptação”, como bem explica o mestre Capez (2012, p-379), interceptação provém de “interceptar”, que significa: “intrometer, interferir, colocar-se entre duas pessoas, alcançando a conduta de terceiro que, estranho à conversa, se intromete e toma conhecimento do assunto tratado entre os interlocutores”.

Menciona ainda o professor Renato Brasileiro de Lima (2016, p-723) que:

            “Interceptar uma comunicação telefônica não quer dizer interrompê-la, impedi-la, detê-la ou cortá-la. A expressão deve ser compreendida como o ato de captar a comunicação telefônica alheia, tendo conhecimento do conteúdo de tal comunicação. É da essência da interceptação a participação de um terceiro, que passa a ter ciência do conteúdo de uma comunicação telefônica alheia”.

            Infere-se, portanto, que um aspecto importante na interceptação telefônica é a presença ínsita de um terceiro que não seja um dos interlocutores e que, ademais, não lhes seja de conhecimento, pois quando um dos participantes da comunicação produz a gravação ou tem ciência dela, descaracteriza-se a figura de interceptação, e tem-se a reputação da chamada gravação telefônica.

            Quanto à gravação telefônica, tal conduta não se enquadra na tutela do sigilo das comunicações, qual seja, artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal/88, pois diz respeito, dentre outros direitos fundamentais individuais a tutela da intimidade e da vida privada, assim a proteção constitucional em tais situações é a prevista no artigo 5º, inciso X da Lei Maior, onde se prevê inclusive “o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. CABETTE, 2015, p. 34 .

Nessa inteligência leciona Avena (2014, p -468):

            “Isso ocorre porque somente no primeiro caso tem-se a figura de terceiro violando a conversa telefônica de dois ou mais interlocutores, não se podendo considerar como violação a atitude de um dos interlocutores quando ele próprio grava o diálogo que mantém com o outro”.

 

            De acordo com essa ótica, nota-se claramente que a gravação telefônica fica fora do conteúdo abarcado pela vedação constitucional, qual seja o sigilo das comunicações, de modo que, a regra é a sua licitude, ainda que realizada sem prévia autorização judicial, devendo apenas ater-se ao comando constitucional da tutela à intimidade sob pena de ignorar esse precioso direito fundamental dado ao cidadão.

Sendo assim, a interceptação telefônica é tida como um ato de se ter conhecimento de uma comunicação alheia, de algo que pertence a terceiros o que implica não somente na violação de um direito fundamental tão importante que é a vida intima da pessoa que é o seu alvo, como também é causa de vedação constitucional no que tange ao sigilo das comunicações, sendo somente permitida a sua realização mediante ordem judicial e na forma e limites estabelecidos em lei, desde que o interesse público assim a proclame.

3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

 

            Inicialmente, alude-se que a realidade da matéria sob comento é de tratamento incipiente em nosso ordenamento jurídico, pois já por algum tempo se postulava pela regulamentação da interceptação telefônica, vez que por muito tempo houve grande invasão da privacidade e violação da intimidade dos cidadãos.

            Como bem posto no Capítulo 1 do presente trabalho, a Constituição de 1946 era silente quanto ao tema, entendendo-se, portanto, que as comunicações telefônicas estariam abrangidas pela garantia da inviolabilidade da correspondência (artigo 141, § 6º)[20]. GOMES e CERVINI, p. 86.

            Na Constituição de 1969, como também mencionado no Capítulo acima citado, em seu artigo 153, § 9º[21] foi assegurada a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, porém, de modo absoluto, pois sob a égide dessa norma constitucional não havia previsão de qualquer exceção a tal regra, nem mesmo mediante regulamentação específica ou ordem judicial. CABETTE, 2015, p. 15

            A partir dessa aparente vedação absoluta, surge então, a posição dominante à época defendida por Ada Pellegrini Grinover[22] que fixou o entendimento de que esse sigilo era relativo, pois não existem garantias absolutas, e tratou o sigilo das comunicações como um direito subjetivo do mesmo modo como qualquer outro, a limites e exceções, admitindo-se, assim, a interceptação telefônica quando atendidos aos requisitos do artigo 57 da Lei n. 4.117/62 – Código Brasileiro de Telecomunicações.

            Conclui-se, portanto que, na vigência da Constituição anterior em seu artigo 153 § 9º não havia previsão nenhuma de exceção quanto ao sigilo das comunicações telefônicas, e como nenhum direito deve ser considerado absoluto, vez que existem os limites imanentes, entendia-se que a interceptação com autorização judicial nos termos do Código Brasileiro de Telecomunicações era reconhecida.

            Com a Constituição Federal de 1988, altera-se o quadro jurídico que até então permanecia tímido no tocante a matéria, ela veio a tratar da inviolabilidade do sigilo das comunicações em seu artigo 5º, inciso XII, permitindo-se expressamente a quebra desse sigilo, porém, condicionada a existência de ordem judicial e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, trazendo também a expressão “nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer”. LIMA, 2016, p. 722.

            Como era de se esperar, imediatamente instalou-se a polêmica acerca da recepção ou não do artigo 57 do Código Brasileiro de Telecomunicações. A posição majoritária do Supremo Tribunal Federal foi no sentido da não receptividade de tal artigo e sim da necessidade de uma lei regulamentadora vez que o artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal de 1988 é caso de reserva legal, na qual não somente se exige a lei em específica, mas também que esta atenda aos requisitos contemplados pelo próprio texto constitucional. ROQUE, TAVORA, ALENCAR, 2016, p. 420.

            Em decorrência dessa expressa exigência de reserva legal, o STF no HC 69.912 – 0/RS direcionou-se no sentido de que enquanto a matéria não fosse regulamentada, deveria ser considerada inconstitucional toda e qualquer prova obtida por meio da interceptação telefônica, logo seriam ilícitas, ainda que autorizada pela justiça. CAPEZ, 2012, p. 375.

CONSTITUCIONAL. PENAL. PROVA ILICITA: "DEGRAVAÇÃO" DE ESCUTAS TELEFONICAS. C.F., ART. 5., XII. LEI N. 4.117, DE 1962, ART. 57, II, E, "HABEAS CORPUS": EXAME DA PROVA. I. - O SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFONICAS PODERA SER QUEBRADO, POR ORDEM JUDICIAL, NAS HIPÓTESES E NA FORMA QUE A LEI ESTABELECER PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL OU INSTRUÇÃO PROCESSUAL PENAL (C.F., ART. 5., XII). INEXISTÊNCIA DA LEI QUE TORNARA VIAVEL A QUEBRA DO SIGILO, DADO QUE O INCISO XII DO ART. 5. NÃO RECEPCIONOU O ART. 57, II, E, DA LEI 4.117, DE 1962, A DIZER QUE NÃO CONSTITUI VIOLAÇÃO DE TELECOMUNICAÇÃO O CONHECIMENTO DADO AO JUIZ COMPETENTE, MEDIANTE REQUISIÇÃO OU INTIMAÇÃO DESTE. E QUE A CONSTITUIÇÃO, NO INCISO XII DO ART. 5., SUBORDINA A RESSALVA A UMA ORDEM JUDICIAL, NAS HIPÓTESES E NA FORMA ESTABELECIDA EM LEI. II. - NO CASO, A SENTENÇA OU O ACÓRDÃO IMPUGNADO NÃO SE BASEIA APENAS NA "DEGRAVAÇÃO" DAS ESCUTAS TELEFONICAS, NÃO SENDO POSSIVEL, EM SEDE DE "HABEAS CORPUS", DESCER AO EXAME DA PROVA. III. - H.C. INDEFERIDO.(STF - HC: 69912 RS, Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 30/06/1993, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 26-11-1993 PP-25532 EMENT VOL-01727-02 PP-00321)

            Assim é que, em 25 de julho de 1996, entrou em vigor a Lei nº 9.296/96 para disciplinar o inciso XII, parte final do artigo 5º da Constituição Federal e com isso, encerrar qualquer discussão a respeito da interceptação telefônica.

            A partir de então, o sigilo das comunicações telefônicas poderá ser quebrado, por ordem judicial ou a requerimento do membro do Ministério Púbico ou autoridade policial, para fins de investigação criminal ou instrução processual nas hipóteses e na forma que a Lei n. 9296/96 estabelecer.

            Vale ressaltar que, os dispositivos da Lei n. 9296/96 têm natureza genuinamente processual, com exceção do seu artigo 10, o qual possui natureza penal e dessa feita, sujeito a aplicação da regra do direito intertemporal do artigo 5º, inciso XL da Constituição Federal/88, e, portanto, tais dispositivos estariam sujeito ao princípio da aplicação imediata (Tempus Regit Actum), nos exatos termos do artigo 2º do Código de Processo Penal[23].

Assim sendo, não importa se os fatos tenham se passado antes do início da vigência da lei supracitada ou se o inquérito ou processo foram inaugurados também antes, a lei processual aplicar-se-á de imediato a todos estes casos, sendo plenamente possível a realização legal da interceptação telefônica dentro dos parâmetros delimitados pela novel normatização. CABETTE, 2015, p. 20.

O que poderia ser mais controvertido refere-se às ordens de interceptação expedidas antes da vigência da lei reguladora, e, portanto, sem fulcro de constitucionalidade, o que ocasionaria em provas, obtidas com base nesse tipo de operação, ilícitas, não podendo ser admitidas no processo. Este é o posicionamento que havia sido adotado, a época pelo STF e STJ, qual seja, o reconhecimento da nulidade das provas obtidas por meio das interceptações realizadas antes da vigência da lei, por constituírem, via de regra, provas ilícitas (artigo 5º, LVI, C.F.), pois a possibilidade das interceptações não havia sido regulamentada ainda[24]. CABETTE, 2015, p. 21.  

            Neste sentido, merece transcrição a passagem sobre o tema da lavra de Luiz Flavio Gomes[25]:

         “De modo algum, no entanto, a lei nova possui força para convalidar (ou legitimar) interceptações telefônicas autorizadas antes da lei. Ainda que a interceptação tenha sido realizada depois dela. Se autorizada antes, não vale. Tudo por causa do princípio tempus regit actum, é dizer, o ato deve ser regido pela lei do seu tempo. Autorização dada de 25-7-96 em diante é válida, se observada a Lei n. 9296/96. Autorização concedida antes da edição deste diploma legal não está regida por lei alguma (seja porque o Código Brasileiro de Telecomunicações não fora recepcionado, seja porque ainda não havia sido regulamentado o inciso XII). Logo, é irreversivelmente nula (a rigor inadmissível), por não atender ao princípio da legalidade. Não pode, portanto, produzir efeitos. Para nós, toda prova colhida por força de interceptação telefônica autorizada antes da lei é ilícita, consoante correto e reiterado entendimento do Colendo Supremo Tribunal Federal, e de nada vale, para o efeito de sua admissibilidade, a lei nova”.

            Conclui-se, portanto, que esta deve ser a postura a ser adotada sob pena de premiar ilegalidades, em outras palavras, o que importa é saber se a decisão judicial foi proferida no curso da vigência da lei, seja o crime praticado antes ou após a entrada em vigor da norma. Não se levando em conta a data do crime, mas sim, a época em que foi deferida a interceptação telefônica.

 

3.3 FINALIDADE E O FUMUS BONI IURIS E O PERICULUN IN MORA

 

            As finalidades pelas quais pode ser autorizada judicialmente a interceptação telefônica estão expressas no texto constitucional em seu artigo 5º, inciso XII fine ao estabelecer que a medida poderá ser decretada para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

            A lei ordinária 9296/96, como deveria ser, se aperfeiçoa de acordo com os preceitos do texto constitucional, de modo que este restringe as finalidades da interceptação telefônica cujo objetivo é a obtenção de prova, especificadamente, voltada para duas situações taxativamente estabelecidas: “para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Conclui-se, portanto, que não há possibilidade de utilização da medida sob comento em atividade apuratória não afeta à área penal. CABETTE, 2015, p. 52.

            Desse feita, afirma-se que a validade da interceptação telefônica depende de sua adequação as finalidades impostas pela lei, ou seja, o objetivo de obter provas por meio deste instituto não tem aplicação em qualquer espécie de processo, senão conforme constitucionalmente delimitado e devidamente ratificado pela Lei n. 9296/96, em casos de “investigação criminal ou instrução processual penal”.

            Necessário se faz definir o que se possa entender por investigação criminal. Segundo Manoel Messias Barbosa[26]: “a doutrina ensina, quase de modo unânime, que o inquérito policial consiste em investigação do fato, na sua materialidade e da autoria, ultimada pela denominada polícia judiciária. Assim, se ostentando como um procedimento administrativo persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a ação penal”.

            Quanto à instrução processual penal, a dicção legal indica que o legislador se refere à chamada “instrução probatória”. Num conceito estrito pode ser considerada somente como a instrução probatória mencionada na lei, definindo-se “como o conjunto de atos processuais que têm por objeto recolher as provas com que deve ser decidido o litígio”[27].

            Deste modo, reafirma-se de fato que a validade da interceptação telefônica dependerá de sua adequação às finalidades impostas pela lei, quais sejam, o objetivo de produção de prova e que tal prova tenha seu destino traçado a um processo penal. A prova, portanto, não pode ter finalidade, em seu nascedouro, de uso em outros processos que não sejam penais.

            É de se notar que a interceptação telefônica possui natureza de medida cautelar no que tange à prova, vez que assegura a efetividade de uma futura atuação jurisdicional, com o devido cumprimento de pena, se for o caso.

            Neste sentido, Antônio Scarance Fernandes[28] menciona como sendo a medida cautelar no processo penal relativa à prova aquela que visa resguardar o conjunto probatório que se prestará à apuração do ilícito e sua autoria. E mais, aponta como sendo medida cautelar à prova a interceptação telefônica judicial prevista na Lei n. 9296/96, que é objeto do presente estudo.

            Assim, a interceptação telefônica como medida cautelar que é, tem a qualidade de estabelecer os requisitos do fumus boni iuris e do periculun in mora, especialmente nos incisos I e II do artigo 2º da Lei n. 9692/96[29], respectivamente. Neste sentido é o magistério de Ada Pellegrini Grinover[30]:

         Com relação ao inciso I, do artigo 2º da Lei n. 9296/96, a exigência de indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal nada mais configura do que o fumus boni iuris, ou seja, a plausibilidade do direito invocado, necessário em face da natureza cautelar do provimento que autoriza a medida, assegurando a prova inaudita altera parte e submetendo-a a contraditório diferido.

            Por sua vez, o periculun in mora está ínsito na necessidade de a conversa telefônica ser colhida enquanto se desenvolve, sob pena de perder-se a prova. A lei ainda firma o critério de estrita necessidade (não poder a prova ser feita por outros meios disponíveis: inciso II do artigo 2º). E no artigo 4º repisa que o pedido de interceptação telefônica conterá a demonstração de sua necessidade para a apuração da infração penal.

            Infere-se, portanto, que a lei ordinária determina, no caso do Inciso I do artigo 2º, como imprescindível à interceptação à existência de indícios razoáveis, ou seja, é necessário um conjunto de fatores a indicar a existência de uma prática criminosa e não mera suposição da ocorrência de um crime e mera atribuição de sua autoria a um indivíduo.

            A aferição da existência ou não do requisito dos indícios razoáveis deverá efetuar-se nos casos concretos por meio de notícias fundadas que sejam capazes de legitimarem o início de uma investigação através das interceptações, portanto, não se admite a chamada “interceptação de prospecção”, ou seja, aquela realizada por meras conjecturas para descobrir se uma pessoa qualquer está evolvida em alguma infração penal sob pena de malograr o requisito do fumu bonis iuris[31].

            Pelo inciso II do artigo 2º da lei em comento, não se admite interceptação telefônica quando a prova puder ser realizada por outros meios disponíveis, ou seja, fica claro que o uso da interceptação somente poderá ser deferido por “exceção absoluta”, é dizer, quando for conditio sine qua non para a apuração da infração.

            Logicamente, que a verificação da existência desses “outros meios disponíveis” deve basear-se na efetividade de sua presença no caso concreto e não somente de maneira hipotética. Ou seja, aquele que pleitear a interceptação (Autoridade Policial ou Ministério Público) deverá explicitar a impossibilidade da obtenção de prova pretendida por outros caminhos, inclusive relatando os esforços até então empreendidos. Por seu turno, o magistrado, em caso de indeferimento por entender a prova viável por outros meios, deverá também indicar com clareza em sua necessária fundamentação, quais seriam estes meios[32].

            Sinteticamente, tratando-se do requisito periculun in mora, destaca-se o critério da agilidade para o alcance dos objetivos almejados, com o devido cuidado de que as interceptações telefônicas devem ser tidas na busca das provas como ultima ratio e jamais como “única” ou prima ratio.

            Em resumo, resta claro que a presença dos indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal e da excepcionalidade da medida dentro do critério ditado pela absoluta necessidade, ou seja, a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis, nada mais são do que uma manifestação límpida, na lei de interceptação telefônica, dos dois requisitos comuns às cautelares, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculun in mora, respectivamente. E que ambos irão permear toda a utilização desse meio de prova, impondo-se uma análise anterior ao seu deferimento a fim de guiar tal prova por caminhos menos gravosos à privacidade.

 

            CAPÍTULO 4: SERENDIPIDADE: ENCONTRO FORTUÍTO DE PROVAS

           

            Serendipidade: é o que a doutrina compreende como o encontro fortuito de um fato novo durante a busca por informações de um fato diverso, ou seja, estar à procura de uma prova e encontrar outra fortuitamente (LIMA, 2016, p. 748). Na jurisprudência, na edição do informativo de nº 539[33], o Superior Tribunal de Justiça consagrou o fenômeno da serendipidade.

            No processo penal, ocorre o fenômeno denominado de “encontro fortuito de provas” ou “conhecimentos fortuitos” quando no decorrer de uma investigação regularmente desenvolvida no curso de determinada investigação termina-se por ter acesso a informações, com relevância penal, relativas a terceiros ou a outros fatos penalmente relevantes que extrapolam o objeto da investigação onde houve a autorização da diligencia. SOUZA, 2017, p. 58.

            A questão aparece com mais contundência quando se pensa na interceptação de comunicações telefônicas feita à luz da Lei n. 9692/96, a qual exige – além da respectiva ordem de juiz competente – a presença de dois importantes requisitos: a descrição com clareza da situação ou objeto da investigação e a indicação e qualificação dos investigados, de tal modo que haja a correta individualização do fato e das pessoas que estão sob investigação. GOMES e MACIEL, 2010, p-591.

            Ocorre que, a linha interceptada pode contar com um número considerável de pessoas, gerando uma variada gama de conversas, podendo surgir, durante a persecução, outros fatos penalmente relevantes distintos da situação e pessoas objetos da investigação.

            Assim, diante da ocorrência desse fenômeno, qual seja, “serendipidade ou encontro fortuito de provas”, surge à discussão sobre a licitude ou não dessas informações que extrapolam os limites da medida cuja autorização foi legalmente deferida, ou seja, se faz a seguinte indagação: os elementos colhidos dessa forma podem servir de sustentação para a instauração de um inquérito policial ou mesmo de uma ação penal? A serendipidade nas interceptações telefônicas é considerada válida para o processo penal?

            Ante tal inquirição, o objetivo do presente trabalho é demonstrar de forma clara e objetiva, pois não se pretende esgotar com tal assunto, que mesmo frente às garantias constitucionais de proteção a privacidade e a intimidade das pessoas, a validade acerca dessas provas oriundas de descobertas fortuitas na interceptação telefônica se faz necessária pelos seguintes fatos: para que o Estado não se mantenha inerte diante da ciência de um crime e; para que o Estado consiga reduzir a sensação de impunidade na população.

 

4.1 A INUSITADA DESCOBERTA: AS MANIFESTAÇÕES DOUTRINÁRIAS

 

            A interceptação das comunicações em geral, e particularmente a telefônica, situa-se no campo daqueles meios probatórios dotados de alta capacidade de produzir danos sociais e por isso mereceu restrição em nível constitucional no artigo 5º, inciso XII. Visando regulamentar a exceção constitucional, no que diz respeito à possibilidade de autorização para a interceptação telefônica, com vistas à persecução penal, foi editada a Lei n. 9296/96. SOUZA, 2017, p. 59.

            A lei ao exigir a especificação da situação e sujeitos da interceptação visou claramente restringir a aplicação da medida a casos isolados, destacando sua excepcionalidade. No dizer de Luiz Vicente Cernicchiaro[34], “a lei, visando ainda a impedir abusos, determina que o requerimento deva ser feito com clareza, descrevendo o objeto da investigação, inclusive com indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada”.

            Porém, efetivamente, pode ocorrer que, no curso da interceptação telefônica, venham a ser descobertas provas do cometimento de crime distinto daquele para o qual autorizada a violação do sigilo ou o envolvimento de pessoa diversa daquela relação a qual havia indícios de autoria da prática de delito. Trata-se da chamada descoberta casual ou conhecimento fortuito, também conhecido como fenômeno da Serendipidade. É possível, portanto, a descoberta inusitada de fatos e pessoas distintas daqueles originalmente buscado.

            A grande questão que se põe e que não foi, infelizmente, enfrentada diretamente pela lei, se refere à validade ou não desse informes colhidos fortuitamente. Seriam eles admissíveis como prova no processo penal? A ideia é apresentar no decorrer do capítulo, manifestações doutrinárias e jurisprudenciais no âmbito do direito brasileiro, para, ao fim, concluir-se pela validação do encontro fortuito enquanto prova efetiva, dando novos espaços para a relativização de direitos fundamentais, afastando assim, a aplicação de um direito eminentemente dogmático, desprovido de valoração axiológica e teleológica.

            O tema encontro fortuito vem despertando algumas divergências doutrinárias, pois se a própria natureza da prova obtida por meio de interceptação telefônica, por si só já demanda apreciação bastante cautelosa, vez que põe em evidência a questão sempre conflituosa entre a vida privada e o interesse na investigação e elucidação dos fatos criminosos, quiçá as provas advindas desse encontro fortuito, que sequer não são regulamentadas pelo ordenamento jurídico como sendo admitida sua validação.

            A divergência doutrinária é muito grande, razão pela qual será feita a exposição resumida de alguns posicionamentos, os mais conceituados, diga-se de passagem, antes de se chegar à conclusão pela validade das provas obtidas fortuitamente.

            Para Luiz Flávio Gomes[35], se o fato objeto do encontro fortuito é conexo ou tem relação de continência com o fato investigado, é válida a interceptação telefônica como meio probatório inclusive quanto ao fato extra descoberto, e desde que se trate de infração para a qual se admita a interceptação. Admite-se apenas a validade da prova se se tratar de conexão ou continência.

            Semelhante é o posicionamento de Lênio Luiz Streck[36] ao asseverar que a informação fortuitamente obtida terá validade sempre que tiver ligação com o fato investigado, destacando a realidade das grandes empreitadas criminosas, nas quais será muito difícil, senão impossível, prever logo de início todas as gamas de atividades ilícitas e todos os implicados numa rede complexa de ligações, situações, circunstâncias, práticas e táticas criminosas.

            Não seriam válidos, portanto, os encontros fortuitos em que a infração descoberta não admita interceptação, ainda que conexa ao crime investigado, ou mesmo sendo dos que admitem esse meio de prova, se independente, ou seja, não ligada via conexão ou continência com o crime que ensejou a investigação. Também em relação a terceiros, somente valeria a prova se estes tivessem alguma ligação com o fato inicialmente apurado e seu autor.

            É preciso atentar, diante da serendipidade, se os elementos casualmente descobertos guardam ou não relação de conexidade em relação ao delito para a qual autorizada a violação do sigilo telefônico. Caso haja esta relação, não haverá qualquer irregularidade na sua utilização como meio de prova. Agora, se não houver tal vinculação, vale dizer, se os novos dados apresentarem absoluta autonomia e independência da apuração em andamento, neste caso poderão eles ser utilizados apenas como notitia criminis, autorizando o desencadeamento da competente investigação para a respectiva elucidação e, até mesmo, facultando o deferimento de outras interceptações em relação às pessoas ou aos crimes fortuitamente descobertos. NOBERTO, 2017, p. 349.

            Como se pode perceber, para os doutrinadores referenciados acima, o critério da “conexão” ou “continência” serve como balizador para o aproveitamento da prova oriunda de encontro fortuito, mas, se a infração advinda deste não aceitar como meio de prova, a interceptação telefônica, não há que se falar em admissibilidade e/ou aproveitamento destes dados ocorridos fortuitamente. Quanto aos fatos não conexos, o material serviria apenas como notitia criminis para investigação e elucidação de novos fatos.

            Por outro lado, alguns doutrinadores adotam posturas e critérios diversos acerca do tema.

            Cabe destacar, de início, o magistério de Camargo Aranha[37] que defende o ponto de vista de que a prova encontrada fortuitamente não poderá ser, de forma alguma, utilizada no processo, já que não estava prevista na investigação e, tampouco, na autorização proferida pela autoridade judicial. Estaria, portanto, utilizando de uma prova ilícita quanto ao modo como colhida, já que foge dos preceitos legais que exigem um pedido com fundamentação certa, contra pessoa determinada e que, como tal, serviu de base á autorização judicial concedida.

            Segue nessa mesma posição radical, Damásio de Jesus[38] que conclui pela invalidade de quaisquer encontros fortuitos, corrobora com a possibilidade de aproveitamento destes tão somente como notitia criminis, hábil a propiciar outras investigações ou mesmo novas interceptações.

            A parcela da doutrina que não admite validar o encontro fortuito em interceptação telefônica argumenta que a prova obtida por meio deste é ilícita e, portanto, teria sua origem eivada de nulidade, vez que o paragrafo único do artigo 2º da Lei n. 9296/96 estabelece que a situação objeto da investigação deve ser descrita com clareza, com indicação e qualificação dos investigados.

            Com todo respeito e apreço que se tem pelos renomados doutrinadores supramencionados, mas não parece ser esse o melhor argumento para justificar a expurgação das provas advindas de encontro fortuitos do processo ou até mesmo para dispensar um inquérito policial quanto a tais provas, vez que o encontro fortuito serve como indício que fundamenta a busca de elementos que possam corroborá-lo, em esclarecimento de novos fatos ou do envolvimento de outras pessoas em fato já investigado, ou seja, em uma infração penal pretérita.

            Ou seja, não há que se falar em violação legítima de um direito fundamental, como a intimidade ou a vida privada, tampouco em prova ilícita, é totalmente diferente, pois o que se tem no caso em questão, qual seja encontro fortuito, é o aproveitamento do conteúdo de uma interceptação legalmente autorizada e regularmente executada para fundamentar uma possível ação penal ou inquérito policial no tocante à infração descoberta casualmente. Em outras palavras o critério de violação de direito fundamental ou prova ilícita já tinha sido criteriosamente verificado pelo juiz quando da expedição da autorização; fala-se, portanto, em aplicação da Lei Penal após a descoberta da prática de uma infração penal.

            É claro que não se pode atribuir validade a quaisquer casos de provas alcançadas de maneira fortuita, especialmente em se tratando de infrações penais para as quais a interceptação é vedada. Pois se assim o fosse, estar-se-ia premiando o acaso, vez que quem solicitasse ou ordenasse uma interceptação por crime no qual seria viável, sabendo de antemão da possível captação de outro, talvez para o qual a interceptação não fosse possível, e na verdade, visando a este e não aquele, estaria diante de uma estratégia insidiosa contra a correta aplicação da lei processual e até mesmo por via reflexa das normas constitucionais. CABETTE, 2015, p. 105.

            Enfim, outra postura adotada é por Grinover[39] que afirma que seria possível verificar os casos em que o crime seria passível de interceptação, tendo por apoio a norma deficiente do artigo 2º, inciso III da Lei n. 9296/96, complementada pela aplicação do Princípio da Proporcionalidade, elegendo assim os casos graves em que a providência poderia ser adotada sem uma dissimetria entre lesões a bens jurídicos tutelados constitucionalmente e objetivos ou resultados pretendidos na investigação.

            Para a autora, se o crime captado fortuitamente for daqueles graves que admitem a interceptação, aliando o disposto no artigo 2º, III, com os ditames do princípio da proporcionalidade, não há óbice á utilização da prova, desde que o crime admita aquele meio de prova, não sendo, portanto, necessário que haja conexão ou continência com o crime originalmente buscado.

            Finalmente, segue nessa mesma postura liberal quanto ao aproveitamento dos “encontros fortuitos”, o autor Paulo Rangel[40], para quem os fatos fortuitamente conseguidos sempre servirão como prova, independentemente de ligação com o crime anterior ou mesmo de ser a infração descoberta por acaso também passível de interceptação. Segundo ele, não admitir tais provas seria “entendermos que do lícito adveio o ilícito”.

            Como pôde perceber, há inúmeras controvérsias doutrinárias a respeito do tema, sendo que apenas foram citadas algumas delas. O que se infere dentro do contexto até aqui explanado, é que no curso das diligências regularmente implantadas para a interceptação de comunicações telefônicas, é indubitável que se descubra fortuitamente a prática de outros delitos. E uma coisa é certa para todos os doutrinadores até então mencionados: O Estado não pode simplesmente ignorar esse fato e ficar inerte quanto à descoberta/informação da ocorrência de um delito: seja servindo apenas como notitia criminis, seja pelo aproveitamento e consequentemente a validade dessas provas descobertas fortuitamente desde que haja conexão e/ou continência, ou simplesmente pela aplicação do princípio da proporcionalidade diante de casos mais graves.

            Mesmo porque, fechar os olhos seria um simulacro. A descoberta inusitada de tais provas deve ser levada em consideração enquanto prova efetiva, buscando com isso, afastar um Estado injusto e corrupto, vez que este não pode se quedar inerte diante da ciência de um crime, pois ainda que, por um lado o Estado, por seus órgãos investigatórios, violou a intimidade de alguém, o fez com respaldo constitucional e legal, motivo pelo qual a prova se consolidou lícita.

            Todavia, para haver “encontro fortuito” é necessário que o delito casualmente descoberto guarde relação de conexão com o fato objeto inicial da interceptação. Pois se tratando de fatos não conexos com o fato inicialmente buscado, os elementos probatórios servirão apenas como notitia criminis para novas investigações, sob pena de esvaziar o limite estabelecido no artigo 2º, III da Lei n. 9296/96, e com isso, abrir um leque de opções para permitir o acesso a provas descobertas fortuitamente que não guardam relação de conexão com a infração objeto da investigação.

            Por derradeiro, conclui-se pela validade do encontro fortuito enquanto prova perfeitamente efetiva, desde que guarde para tanto uma relação de conexão com o que fora descoberto com o crime originalmente buscado pela interceptação telefônica, e mais, que o crime descoberto fruto desse encontro fortuito seja também passível de admissibilidade por este meio de prova, qual seja, a interceptação telefônica. A respeito, de modo consolidado, tem-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (e no mesmo sentido, do Supremo Tribunal Federal), que será melhor abordado adiante, entendido que as provas assim obtidas são válidas se a interceptação tiver sido realizada nos estritos limites da lei, e o que dela advier deve ser considerado como consequência do respeito à ordem pública, não deixando de observar a conexão entre os fatos.

 

4.2 ENCONTRO FORTUITO COM VALOR PROBATÓRIO: HIPOTESES DE ADMISSIBILIDADE

 

            Neste tópico será analiso em quais circunstâncias admite-se falar em licitude da prova obtida mediante o encontro fortuito nas interceptações telefônicas, e ao final, concluindo, em que momento será possível consentir o encontro fortuito como prova lícita.

            Conforme demonstrado explicitamente ao longo do trabalho, tem-se como pressupostos às interceptações telefônicas, e que são próprios das medidas cautelares, o fumus boni iuris e o periculun in mora, e os específicos à sua autorização, quais sejam: a ordem judicial de autoridade competente, indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com pena de reclusão, e ainda, a impossibilidade de a prova do crime ser feita por outro meio que não a interceptação telefônica.

            Destaca-se que um fundamento muito importante quanto ao acolhimento ou não da interceptação telefônica é referente ao princípio da proporcionalidade entre o que se pretende apurar e o direito à intimidade, à vida privada, como já mencionado anteriormente. Evidenciada a compatibilidade, posto que proporcional, não se tem por plausível reconhecer na descoberta inusitada a natureza de indícios que não guardam correlação com os fatos inicialmente desvendados, bem como que não se enquadre no rol dos crimes que admitem, em tese, a interceptação telefônica.

A interceptação telefônica que obtém prova de fato fortuito deve ser válida, se observado também o critério da proporcionalidade quanto ao fato supostamente criminoso descoberto fortuitamente, pois diante da impossibilidade de se antever os exatos limites da investigação, e por óbvio, tem-se a ocorrência de situações inusitadas, a desconsideração destas descobertas seria o mesmo, digamos assim, que elevar o direito á vida privada a máxima absoluta, tese essa já superada na atualidade.

Quanto à natureza jurídica dos elementos encontrados casualmente, convém destacar que a doutrina classifica a Serendipidade como sendo de 1º ou 2º grau. A de 1º grau seria o encontro casual de provas de uma infração conexa com a inicialmente buscada (defendida pela maioria da doutrina). Quanto à de 2º grau seria a descoberta de prova de infração penal totalmente desvinculada da inicialmente buscada. PONTES, 2015, p. 154.

É evidente que a interceptação telefônica não pode servir como instrumento de prevenção de riscos ou perigos, muito menos como instrumento de uma política criminal securitária. Nessa esteira, aceitar que os elementos encontrados casualmente não necessariamente precisam estar conexos com o buscado originalmente, é admitir no direito um desvio de finalidade, qual seja, atribuir qualidade a esta prova encontrada acidentalmente, fazendo-a como efetivamente por si só venha a fundamentar um decreto condenatório, violando desmedidamente direitos e garantias fundamentais que tanto são respeitados pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Assim, a infração desconexa descoberta casualmente não pode, por si só, servir como fundamento nuclear de uma condenação. Isso seria uma violação absurda e gritante não somente ao direito da intimidade, como também ao princípio do devido processo legal, no qual todo e qualquer ato praticado por autoridade, para ser considerado válido, eficaz e completo, deve seguir todas as etapas previstas em lei. Portanto, não seria o caso de encontro fortuito, mas tão somente de atribuir a tal infração desconexa a função de notitia criminis para dar início a uma investigação com vistas a apurar outras fontes de prova.

Enfim, voltando para o grande âmago da questão sobre a admissibilidade ou não das provas produzidas fortuitamente, essas são válidas ou não? É possível estender a autorização inicial para os fatos e pessoas encontradas no decurso da conversação, ainda que fortuitamente, diversos daqueles que motivaram a autorização?

A respeito do tema, leciona Madeira (2016, p. 271) que existem, basicamente, três posições:

a)         Não deve ser admitida a utilização desta prova nova descoberta por acaso ou fortuitamente, pois a restrição da intimidade é medida que deve ser efetivada e tomada de maneira limitada vez que restringe direito fundamental e não possui respaldo legal;

b)         Somente pode ser utilizada como prova se houver conexão com o fato investigado – sendo esta a posição adotada pelo STF e pelo STJ.

c)         Sempre poderá ser utilizada como prova a descoberta apresentada na medida em que foi restringida de maneira lícita a intimidade da pessoa, ou seja, se foi restringida de maneira lícita, não se pode ignorar a descoberta realizada, de maneira que pode ser utilizada como prova.

 

4.2.1 POSIÇÃO “A” – Impossibilidade da utilização de prova oriunda de encontro fortuito.

 

            O doutrinador Aury Lopes Junior (2014, p-423), defensor da primeira posição, fundamenta seu entendimento no princípio da especialidade da prova, mencionando que “o ato judicial que autoriza a obtenção de informações telefônicas – com o sacrifício do direito fundamental respectivo – é plenamente vinculado e limitado”, devendo existir todo um contexto jurídico e fático para legitimar a autorização, instituindo uma especialidade da medida.

            O mestre Aury Lopes Junior (2014, p. 424), sustenta ainda que o produto dessa interceptação telefônica não deve ser utilizado, pois viola a especialidade e vinculação da prova, violando direitos fundamentais destes que não estariam inclusos na autorização judicial inicialmente concedida.

            Avolio (2010, p. 230-231) apresenta forte restrição à utilização do material obtido em encontro fortuito quando na interceptação telefônica. Para o autor, a autorização indiscriminada do resultado da interceptação em relação a outros fatos configura a chamada “Interceptação Prospectiva”, de todo repudiável.

            Enfim, nem de longe, essa posição parece ser a melhor defendida, uma vez que resta superada há muito a impossibilidade absoluta do reconhecimento do encontro fortuito enquanto prova, pois é inteiramente descabido na atualidade de um Estado Democrático de Direito que atua em prol de um interesse maior, qual seja, da Coletividade. Desconsiderar certas descobertas inusitadas que tratem por vezes de crimes de gravidade extremada é reconhecer um Estado sem compromisso com a incolumidade pública, e ao mesmo tempo, reconhecer uma máxima proteção absoluta de direitos e garantias fundamentais, sem qualquer restrições, o que é inadmissível frente a quantidade de omissões e condutas imperativas que podem advir de sistemas que não permitem na sua essência, a relativização de valores.

 

4.2.2 POSIÇÃO “B” – Observância do critério da conexão para a admissibilidade de provas encontradas fortuitamente

 

            Esta é a posição atualmente adotada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, bem como pela maioria da doutrina brasileira. Para ambos, a incidência da admissibilidade do encontro fortuito se dá mediante a ocorrência de conexão ou continência com o delito que ensejou, inicialmente, a interceptação legalmente determinada.

            Essa corrente admite as provas decorrentes da descoberta inusitada, somente nos casos em que, observados todos os requisitos legais e constitucionais para a decretação da interceptação, haja conexão ou continência entre o fato encontrado e o investigado, ou seja, permite-se apenas a serendipidade de primeiro grau. ROQUE, TAVORA, ALENCAR, 2016, p. 431.

            Por outro lado, se o crime descoberto não possuir qualquer tipo de conexão com o crime investigado, a interceptação que deu ensejo a essa descoberta fortuita não valerá como meio de prova, servindo apenas como notitia criminis. GOMES, MACIEL, 2010, p. 592.

            Em resumo: para que a prova inesperadamente obtida seja válida deve está condicionada á forma como fora realizada a diligência, ou seja, se houve desvio de finalidade, a prova não deve ser considerada válida; se não houve desvio de finalidade, isto é, se a prova obtida a partir da interceptação telefônica autorizada tiver relação com o fato objeto da investigação, a prova será válida. LIMA, 2016, p. 749.

            Quanto ao fenômeno da Serendipidade, o informativo 539 do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. DESCOBERTA FORTUITA DE DELITOS QUE NÃO SÃO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO. O fato de elementos indiciários acerca da prática de crime surgirem no decorrer da execução de medida de quebra de sigilo bancário e fiscal determinada para apuração de outros crimes não impede, por si só, que os dados colhidos sejam utilizados para a averiguação da suposta prática daquele delito. Com efeito, pode ocorrer o que se chama de fenômeno da serendipidade, que consiste na descoberta fortuita de delitos que não são objeto da investigação. Precedentes citados: HC 187.189-SP, Sexta Turma, DJe 23/8/2013; e RHC 28.794-RJ, Quinta Turma, DJe 13/12/2012. HC 282.096-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 24/4/2014.

            Segue nessa mesma linha são os ensinamentos de Gomes e Maciel (2011, p. 107) os quais afirmam que para aproveitamento da prova obtida através de interceptação telefônica, é necessário que haja “identidade”, “congruência” entre o fato e o sujeito passivo indicados na decisão e o fato e o sujeito passivo concretamente investigados, sendo que qualquer desvio do princípio da congruência ou da identidade deve ser levado ao conhecimento do juiz para que realize o efetivo controle judicial desta nova situação. Assim concluem os autores:

(...) se o fato objeto do “encontro fortuito” é conexo ou tem relação de continência com o fato investigado, é válida a interceptação telefônica como meio probatório. Essa prova deve ser valorada pelo juiz (...) Também, se é descoberto o envolvimento de outra pessoa, no mesmo crime investigado ( a continência do artigo 77 do CPP), também é válido tal meio probatório.

            Cabe ainda mencionar que quanto à possibilidade de se admitir a Serendipidade nos casos em que o crime descoberto é apenado com reclusão, posicionou-se o STF da seguinte maneira:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA LICITAMENTE CONDUZIDA. ENCONTRO FORTUITO DE PROVA DA PRÁTICA DE CRIME PUNIDO COM DETENÇÃO. LEGITIMIDADE DO USO COMO JUSTA CAUSA PARA OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição da República, considerou compatível com o art. 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com detenção. (grifo nosso) 2. Agravo Regimental desprovido. (AI 626214 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 21/09/2010, DJe-190 DIVULG 07-10-2010 PUBLIC 08-10-2010 EMENT VOL-02418-09 PP-01825 RTJ VOL-00217-01 PP-00579 RT v. 100, n. 903, 2011, p. 492-494).

            É notória que na visão do STF é lícita a prova de crime diverso daquele objeto da interceptação telefônica regularmente autorizada pela autoridade judiciária competente, ainda que punidos com pena de detenção, valem como legítimo meio probatório, desde que claramente haja conexão entre as infrações penais.

            Diante do exposto até aqui, esta é a posição certeira e, portanto, a mais razoável e aceitável frente à descoberta inusitada, vez que se por um lado o Estado não pode permanecer inerte diante da ciência de que um crime fora praticado ou que foram violados direitos fundamentais de alguém, mesmo porque o ato da interceptação telefônica fora realizado com respaldo legal e constitucional, por outro lado, para que a prova obtida fortuitamente seja de fato um material probatório válido, é necessário à presença do critério da conexão ou continência como balizador desse conteúdo probatório, pois dessa forma, não haverá que se falar em atingir terceiros ou violação de seus direitos, vez que nos casos de conexão ou continência o co-réu não se trata de terceiro, e sim parte do processo.

 

4.2.3 POSIÇÃO “C” – Total admissibilidade da prova obtida fortuitamente

 

            Para essa posição, pouco importa se há ou não conexão com o fato investigado, se houve restrição lícita à privacidade, deve ser permitida a utilização deste elemento como prova. MADEIRA, 2016, p. 271.

            Grandes nomes da doutrina são adeptos a esta corrente, como Fernando Capez, Guilherme Madeira, Eugênio Pacelli, Norberto Avena, dentre outros.

            Nesse diapasão, aduz Norberto Avena (2014, p-473) que em sendo a interceptação realizada dentro dos limites da lei, o que dela advier deve ser considerado como consequência do respeito á ordem jurídica.

            Para o ilustre doutrinador Fernando Capez (2012, p. 387):

[...] Embora questão suscite divergências na doutrina, entendemos que a ordem de quebra do sigilo vale não apenas para o crime objeto do pedido, mas também para quaisquer outros que vierem a ser desvendados no curso da comunicação, pois a autoridade não poderia adivinhar tudo o que está por vir. Se a interceptação foi autorizada judicialmente, ela é lícita e, como tal, captará licitamente toda a conversa. Não há nenhum problema.

            Nesta mesma linha de raciocínio, exemplifica Pacelli (2011, p. 368) quando no curso de determinada investigação criminal, é autorizada judicialmente a interceptação telefônica em certo local, com a consequente violação da intimidade das pessoas que ali se encontram, não existem motivos para que se recuse a prova ou a informação relativa a outro crime ali obtida. Pois se em tal situação, até as conversações mais íntimas e pessoais dos investigados e das pessoas que ali se encontrassem estariam ao alcance do conhecimento policial, por que não o estaria a notícia referente à prática de outras infrações penais?

            Por fim, para os adeptos desta corrente, o fato de todo relevante é que, uma vez permitida à violação dos direitos à privacidade e a intimidade, não haveria razão alguma para a recusa de provas de quaisquer outros delitos, punidos ou não com reclusão. Uma coisa é a justificação para a autorização da quebra do sigilo, tratando-se de violação à intimidade, outra coisa é o aproveitamento do conteúdo da intervenção já devidamente autorizada, tratando-se de material relativo à prova de qualquer crime, vez que a interceptação telefônica foi regularmente observada no momento oportuno, atendendo aos requisitos da lei. PACELLI, 2011, p. 369.

            Com todo respeito aos grandes e renomados doutrinadores, mas essa não nos parece ser a melhor posição adotada, pois não se pode de modo algum atribuir validade a quaisquer casos de provas alcançadas fortuitamente, isso seria ignorar totalmente a adoção de medidas acautelatórias em favor da proteção do direito á intimidade e privacidade, de modo a incentivar à pratica de abuso de autoridade que diante da “fragilidade” dos limites impostos pela lei, digamos assim, seria fácil impor uma manobra ilegal de forma a maquiar o pedido ou a ordem objeto da interceptação telefônica, visando na verdade um autêntico encontro fortuito.

            Por derradeiro, resumidamente, a discussão acerca da admissibilidade no processo penal das provas oriundas de encontro fortuito nas interceptações telefônicas tende a “encerrar”, diga-se de passagem, quanto à sua validade como prova efetiva, desde que haja conexão ou continência entre os fatos objeto da investigação e o descoberto inusitadamente, visto que não se não se trata da figura de um terceiro e sim da figura de um co-réu como parte do processo.

            Aceitar que serão consideradas nulas todas as provas fortuitamente obtidas é o mesmo que aceitar um Estado inerte, “morto” para com o ideal que deve ser considerado como principal de um Estado Democrático de Direito, qual seja, a proteção do bem maior: a coletividade. Por outro lado, utilizar toda e qualquer prova advinda de uma interceptação telefônica regularmente autorizada judicialmente, é permitir uma intromissão desenfreada aos direitos e garantias fundamentais, muitas vezes, de um terceiro envolvido que em nada se relaciona com o fato objeto da investigação. É dar lugar a uma manobra artificiosa na qual se faz proceder, de certa forma, na inutilidade de um sistema a priori defendido pelo Estado, tornando-o frágil diante de artifícios que venham a contornar a lei.

 

4.3 DO TRATAMENTO DO ENCONTRO FORTUITO NA JURISPRUDENCIA

 

            A descoberta fortuita é tratada da seguinte forma por Jose Paulo Baltazar Jr[41]:

            “De início, é possível afirmar que, no momento da investigação, não há uma delimitação completa e exata do objeto, não havendo como se exigir os rigores do princípio da correlação entre denúncia e sentença. Investiga-se com base em uma hipótese, mas sem uma definição totalmente precisa dos contornos do fato, o que e próprio da denúncia. Assim, estando os fatos descobertos dentro dos contornos mais ou menos fluidos do tema da investigação, a prova deve ser admitida”.

            Esse entendimento tomou grande volume na jurisprudência brasileira a partir da primeira manifestação sobre o tema que adveio do julgamento do pedido de HC n. 84388 de 26 de outubro de 2004, no caso que ficou conhecido nacionalmente como “Operação Anaconda”. Segue o seguinte teor:

HABEAS CORPUS. "OPERAÇÃO ANACONDA". INÉPCIA DA DENÚNCIA. ALEGAÇÕES DE NULIDADE QUANTO ÀS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IMPORTANTE INSTRUMENTO DE INVESTIGAÇÃO E APURAÇÃO DE ILÍCITOS. ART. 5º DA LEI 9.296/1996: PRAZO DE 15 DIAS PRORROGÁVEL UMA ÚNICA VEZ POR IGUAL PERÍODO. SUBSISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS QUE CONDUZIRAM À DECRETAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DECISÕES FUNDAMENTADAS E RAZOÁVEIS. A aparente limitação imposta pelo art. 5º da Lei 9.296/1996 não constitui óbice à viabilidade das múltiplas renovações das autorizações. DESVIO DE FINALIDADE NAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS, O QUE TERIA IMPLICADO CONHECIMENTO NÃO-AUTORIZADO DE OUTRO CRIME. O objetivo das investigações era apurar o envolvimento de policiais federais e magistrados em crime contra a Administração. Não se pode falar, portanto, em conhecimento fortuito de fato em tese criminoso, estranho ao objeto das investigações. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL DE ALAGOAS PARA AUTORIZAR A REALIZAÇÃO DAS ESCUTAS TELEFÔNICAS QUE ENVOLVEM MAGISTRADOS PAULISTAS. As investigações foram iniciadas na Justiça Federal de Alagoas em razão das suspeitas de envolvimento de policiais federais em atividades criminosas. Diante da descoberta de possível envolvimento de magistrados paulistas, o procedimento investigatório foi imediatamente encaminhado ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, onde as investigações tiveram prosseguimento, com o aproveitamento das provas até então produzidas. ATIPICIDADE DE CONDUTAS, DADA A FALTA DE DESCRIÇÃO OBJETIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS ELEMENTARES DOS TIPOS PENAIS. ART. 10 DA LEI 9.296/1996: REALIZAR INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS, DE INFORMÁTICA OU TELEMÁTICA, OU QUEBRAR SEGREDO DE JUSTIÇA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL OU COM OBJETIVOS NÃO-AUTORIZADOS EM LEI. Inexistem, nos autos, elementos sólidos aptos a demonstrar a não-realização da interceptação de que o paciente teria participado. Habeas corpus indeferido nessa parte. DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. DISCREPÂNCIA ACERCA DO LOCAL ONDE SE ENCONTRA DEPOSITADA DETERMINADA QUANTIA MONETÁRIA. A denúncia é inepta, pois não especificou o fato juridicamente relevante que teria resultado da suposta falsidade - art. 299 do Código Penal. Habeas corpus deferido nessa parte.

Quanto à manifestação do Superior Tribunal de Justiça segue o julgamento do HC n. 33553/CE ocorrido em 17 de março de 2005, cujo teor se transcreve:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DOSREQUISITOS AUTORIZADORES. REVOGAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR. PERDA DOOBJETO. PROVA. ESCUTA TELEFÔNICA. ILICITUDE. INEXISTÊNCIA.MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. 1. Constatada a revogação da prisão preventiva do ora Paciente, resta esvaído parte do objeto do presente writ, que visava ao reconhecimento de constrangimento ilegal pela manutenção da prisão cautelar. 2. É lícita a prova de crime diverso, obtida por meio de interceptação de ligações telefônicas de terceiro não mencionado na autorização judicial de escuta, desde que relacionada com o fato criminoso objeto da investigação. 3. A legitimidade do Ministério Público para conduzir diligências investigatórias decorre de expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar n.º 75/93. É consectário lógico da própria função do órgão ministerial – titular exclusivo da ação penal pública -, proceder a coleta de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria. 4. Writ prejudicado em parte e, na parte conhecida, denegado.

Diante dos julgados ora supracitados, conclui-se que o reconhecimento da ilicitude do encontro fortuito em interceptação telefônica vinha sendo de maneira tímida e mitigada, tendo em vista que a priori era absolutamente impossível de se tomar tal descoberta como lícita. Atualmente, com o intuito de acompanhar a realidade do cotidiano, tem-se por pacífico no âmbito dos tribunais a possibilidade de se valorar os encontros fortuitos desde que haja conexão entre o crime objeto da investigação criminal que originariamente autorizou a interceptação telefônica e o crime ora descoberto inusitadamente, conforme demonstrado nos julgados a seguir:

Jurisprudência Aplicável: STF: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA LICITAMENTE CONDUZIDA. ENCONTRO FORTUITO DE PROVA DA PRÁTICA DE CRIME PUNIDO COM DETENÇÃO. LEGITIMIDADE DO USO COMO JUSTA CAUSA PARA OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição da República, considerou compatível com o art. 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com detenção. 2. Agravo Regimental desprovido. (AI 626214 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 21/09/2010, DJe-190 DIVULG 07-10-2010 PUBLIC 08-10-2010 EMENT VOL-02418-09 PP-01825 RTJ VOL-00217-01 PP-00579 RT v. 100, n. 903, 2011, p. 492-494).

STF: Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. COMPETÊNCIA. CONEXÃO. INEXISTÊNCIA. ADITAMENTO DA DENÚNCIA. SISTEMA ACUSATÓRIO. (...) A conexão permite o Juízo disputar a competência para julgamento do feito, mas não o autoriza, a pretexto do liame probatório, a superar o dominus litis, o Ministério Público, e determinar o oferecimento de denúncia contra o impetrante, formulando prévio juízo de culpa, gerador de nulidade processual. A conexão intersubjetiva ou instrumental decorrente de encontro fortuito de prova que nada tem a ver com o objeto da investigação principal, não tem o condão de impor o unum et idem judex, máxime com vulneração do princípio acusatório. A conexão no processo dá-se em favor da jurisdição de modo a facilitar a colheita da prova, evitar decisões contraditórias e permitir cognição mais profunda e exauriente da matéria posta a julgamento. O simples encontro fortuito de prova de infração que não possui relação com o objeto da investigação em andamento não enseja o simultaneus processos (...). (STF - RHC: 120379 RO, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 26/08/2014, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-210 DIVULG 23-10-2014 PUBLIC 24-10-2014).

STF - AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO : AgR ARE 939757 PR – PARANÁ. Ementa: (...) Como já assentado em outras oportunidades no bojo da Operação Lava-Jato, inexiste liame objetivo entre os fatos outrora imputados ao ex-Deputado Federal José Janene e aqueles pelos quais o excipiente foi denunciado. Hipótese em que 'o simples encontro fortuito de prova de infração que não possui relação com o objeto da investigação em andamento não enseja o simultaneus processus' (...). (STF - AgR ARE: 939757 PR - PARANÁ, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Data de Julgamento: 21/03/2016, Data de Publicação: DJe-056 29/03/2016).

Finalmente, como se pode notar, a jurisprudência vem caminhando firme e pacificamente no reconhecimento da licitude das provas descobertas fortuitamente e, por conseguinte, na valoração dessas provas como efetiva. Na verdade, as hipóteses de valoração da prova descoberta de forma inusitada vêm se tornando cada vez mais frequente nas decisões dos tribunais, tendo em vista a problemática da complexidade da criminalidade nos tempos atuais.

Mesmo porque, se porventura, no curso da investigação policial, em hipóteses na qual a atual legislação permite a interceptação telefônica, caso descubra casualmente outra criminalidade, porque não admitir licitude as provas descobertas fortuitamente? Até que ponto seria razoável, diante de uma descoberta inusitada nas interceptações telefônicas que tenha sido legalmente autorizada, não se dar validade a tais provas, mesmo considerando a gravidade da descoberta e consequentemente, a sua danosidade social?

É absolutamente inaceitável, é mesmo uma extravagância desconsiderar a validade de tais provas obtidas inusitadamente nas interceptações telefônicas em nome da preservação da vida privada. Pois o que se está em jogo e aqui merece ser invocada e notadamente considerada é a Supremacia do Interesse Público que por meio da Segurança Pública deve garantir, sim, o usufruto de direitos, mas também o cumprimento de deveres e obrigações a fim de manter a paz e o controle social, e não ao revés, produzindo eventos que além de trazer sensação de insegurança e incredulidade, traz também à criminalidade. 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Ao final desse trabalho, percebe-se que durante a interceptação telefônica, pode ocorrer o surgimento dos encontros fortuitos de provas ou simplesmente “Serendidpidade” como é chamada pelos doutrinadores. A grande questão é sobre a sua devida validade no processo penal e, consequentemente a sua admissibilidade como prova efetiva, eis que se o Estado, por um lado, não pode permanecer silente quanto ao assunto, pois deve primar pela paz social, por outro lado, não deve tratar o investigado como mero objeto, infringindo seus direitos e garantias de forma desenfreada.

Assim, não com o intuito de dar uma resposta completa ao tema analisado, uma vez que não é esse o objetivo do presente trabalho, qual seja, encerrar com tal assunto, mas tão somente dar uma direção à discussão da matéria que ainda é tão questionada tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência. Desse modo, podemos sistematizar as conclusões obtidas nessa pesquisa da seguinte forma:

1.                  A norma contida no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal protege expressamente o direito à intimidade e a vida privada, é um princípio do qual se extrai o direito à inviolabilidade do sigilo das comunicações, e embora este conte com a previsão constitucional autônoma, qual seja, artigo 5º, inciso XII, ainda assim, estão interligados. O artigo 5º, XII se apresenta como uma regra que permite ao indivíduo excluir do conhecimento de terceiros indesejados, até do próprio Estado, o conteúdo de suas comunicações.

2.                  Na leitura dessas garantias sob análise, o legislador estabeleceu a elas status de direitos fundamentais, o que confere uma proteção de qualquer tipo de reforma que possa reduzir seu grau de relevância. O direito à inviolabilidade da intimidade e vida privada (artigo 5º, X, CF) é concebido de certa forma, sem qualquer restrição - embora não haja direitos absolutos - pois é voltado para a esfera íntima do sujeito, é a faculdade que tem o indivíduo de obstar a intromissão de estranhos a sua vida pessoal e familiar. Por sua vez, o direito à inviolabilidade do sigilo das comunicações (artigo 5º, XII, CF), ainda que guarde relação com o direito à intimidade, deve ser visto como um direito com restrições, visto que o legislador inseriu uma cláusula de exceção estabelecendo as hipóteses e formas pelas quais se poderiam relativizar essa restrições, é o caso da Lei de Interceptação Telefônica.

3.                  O legislador fora muito cauteloso ao permitir a “invasão” digamos assim, na esfera íntima do indivíduo, ao prever a possibilidade de violação das comunicações telefônicas. Isso porque, antes da atual Constituição Federal, o sigilo das comunicações era tido como direito absoluto por alguns textos constitucionais, e como não existem garantias absolutas, ou seja, o sigilo da comunicação como qualquer outro direito deve sofrer limites e exceções, a Constituição Federal de 1988 procurou defender com maiores exigências formais a violação desse direito, exigindo para tanto, a sua devida regulamentação por lei ordinária, sem a qual, a prova obtida seria considerada ilícita.

4.                  O Constituinte de 1988 concebeu o direito ao sigilo das comunicações como regra, mas, inseriu uma cláusula de exceção que menciona como se dará a quebra desse sigilo, inclusive indicando que seja para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Infere-se, portanto, que embora o processo penal seja o instrumento de garantia do acusado que antes de tudo deve ser tratado como sujeito de direitos e não como mero objeto de investigação, também impõe o dever de produzir provas, tanto pela defesa como também pela acusação, e dentro desse âmbito das provas, tem-se o que chamamos de “teoria de provas”. Esta procura dar dinamicidade ao processo, pois exerce papel fundamental dentro deste. E no mais, a prova além de estar vinculada aos mais relevantes princípios que garantem dentre outros, o devido processo legal, é um instrumento decisivo no alcance da paz social.

5.                  Dentre os princípios basilares que orientam a prova dentro do processo penal merece destaque o princípio da investigação ou da verdade material ou real que exige de certa forma, uma verdade (como uma noção ideológica da realidade) de como realmente os fatos ocorreram. Dentro dessa perspectiva, o julgador não pode se contentar com as provas que lhe são apresentadas, senão primar pela busca de outras fontes de provas possíveis, sem, contudo, desrespeitar as vedações legais e ao mesmo tempo zelando para que um inocente não seja colocado ao cárcere.

6.                  Outro princípio essencial para que um processo penal seja íntegro corresponde à necessidade de motivação das decisões judiciais, pois o sistema do livre convencimento motivado (consagrado expressamente pelo artigo 155 caput do Código de Processo Penal) serve sim para que o magistrado possa tomar sua decisão sem se preocupar com regras e critérios a serem seguidos para valorizar as provas, contudo, deve demonstrar sua decisão com fundamentos acerca dessa convicção, vez que essa liberdade não é absoluta, pois encontra limites impostos pelo artigo 93, inciso IX da Constituição Federal.

7.                  Em decorrência da análise da teoria da prova, conclui-se que encontrar a verdade (real) dentro do processo penal é de fato uma pretensão dificultosa, tendo em vista que o Estado, de forma certeira, encontra limites impostos pela Constituição Federal, sendo um deles o da vedação da prova ilícita. O que significa que as provas produzidas, no processo em geral, devem basear-se na moral, nos bons costumes e nos princípios gerais do ordenamento jurídico. Logo, provas ilícitas são inadmissíveis como meios de provas, devendo ser desentranhadas do processo. Não se pode ignorar o fato de que aquela prova que advém destas provas ilícitas são como tais, inaceitáveis (teoria da prova ilícita por derivação), não se olvidando de considerar aquelas tidas como fonte autônoma de prova, pois esta se refere a novos elementos de informações que em nada guarda relação de dependência com a prova originariamente ilícita (teoria da fonte independente).

8.                  Não menos importante, quiçá se não for o mais importante, é o princípio da proporcionalidade que embora não seja mencionado expressamente pela Carta Magna, é de grande inspiração tanto para a doutrina quanto para a jurisprudência, pois consiste em uma imposição presente na defesa de direitos e garantias fundamentais, vez que sua finalidade é conter excessos não somente de tais garantias quando se encontram em colisão, como também excessos do próprio Estado, ao evitar que este garanta direitos e deveres de forma absoluta sem o devido peso e contrapeso.

9.                  A legislação processual estabelece os meios de prova disponíveis para a investigação de fatos delituosos. Um desses meios é a interceptação telefônica com a regulamentação feita pela Lei n. 9296/96 como requisito de legalidade a ser preenchido pelo estabelecido pela Constituição Federal em seu artigo 5º, XII. A ideia fora limitar o direito fundamental da privacidade das comunicações telefônicas, condicionando a possibilidade de sua violação ao atendimento de requisitos legais e autorizativos. Para que essa violação seja considerada válida e lícita, deve ser fundamentada, ou seja, o magistrado deve expor os motivos pelos quais restringiu o direito fundamental do investigado, autorizando a interceptação telefônica.

10.              Conclui-se que a interceptação telefônica, além de atender aos requisitos legais, como medida cautelar que de fato é, pois visa prevenir, conservar, defender e assegurar a eficácia de um direito, deve se ater também aos requisitos do periculun in mora e fumu boni iuris a fim de guiar a prova por caminhos mais aprazíveis e menos gravoso à privacidade.

11.              A atual legislação que trata das interceptações telefônicas (Lei n. 9296/96) não dispôs sobre o encontro fortuito, o que não impede a sua ocorrência, porém restam controvérsias sobre sua validade e, por conseguinte, sua admissibilidade no processo penal como prova efetiva. Assim, diante da hipótese do encontro fortuito, ou seja, de um fato diverso daquele que se visava buscar originariamente na interceptação telefônica, é possível estabelecer validade a essa prova descoberta inusitadamente? É admissível no processo penal como prova efetiva? O que se pôde perceber no decorrer do presente estudo é que a divergência doutrinária a respeito é muito ampla, e não nos cabe aqui esgotar com tal tema, tampouco é esse o objetivo. Assim, diante das diversas manifestações doutrinárias, o melhor entendimento que se teve é no sentido de que para atribuir validade ao conteúdo fortuitamente encontrado, é necessário que este tenha passado pelo crivo da conexão e/ou continência, pois caso contrário, se o delito casualmente descoberto não guardar essa relação de conexão com o fato objeto inicial da interceptação telefônica, deve valer tão somente como notitia criminis.

12.              Diante das posições adotadas a respeito do assunto, e com o devido respeito a todas elas, conclui-se que a posição certeira é aquela que de fato defende que para atribuir validade a prova encontrada fortuitamente e esta ser admissível como prova efetiva, deve haver conexão e/ou continência entre as infrações penais, vez que nesses casos o co-réu não se trata de terceiro, e sim parte do processo. O contrário, ou seja, ignorar a presença desse critério e aceitar a prova descoberta inusitadamente como material probatório sob o argumento de que basta que o fato encontrado fortuitamente admita a interceptação e tenha como matriz o princípio da proporcionalidade para ser válida, é sem dúvidas permitir uma intromissão ou até mesmo uma absurda violação do Estado ao direito fundamental da intimidade desse terceiro que em nada se relaciona com o crime objeto principal da investigação pela interceptação telefônica, apenas fora citado durante essa interceptação, o que de fato permite ser tal citação considerada como notitia criminis para evitar a inércia e descaso por parte do Estado.

13.              Dessa forma, para que os fatos fortuitamente descobertos no curso da interceptação telefônica sejam considerados válidos e, portanto, admitidos no processo penal, pois ao revés, desconsiderar tais provas e tê-las como ilícitas, é simplesmente ignorar o princípio basilar de todo Estado Democrático de Direito, qual seja, o da Supremacia do Interesse Público, é necessário averiguar a conexão entre os fatos levando em consideração a figura do co-réu como parte do processo. Não se pode questionar o fato de ser inaceitável considerar toda prova encontrada fortuitamente como sendo nula, isso seria premiar um Estado inerte, que pouco se importa com o bem estar social, ou seja, com a coletividade. Não se olvidando também de que atribuir validade a toda e qualquer prova obtida fortuitamente pelo simples fato de que esta atenda aos requisitos da interceptação telefônica e tem como patamar o princípio da proporcionalidade, é dar margem para que o Estado possa interferir desenfreadamente nos direitos e garantias fundamentais do cidadão, resultando por vezes numa manobra artificiosa para contornar a lei, e incentivando inclusive a prática de abuso de autoridade. 

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

1.                  ARANHA. Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

2.                  AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal / Norberto Avena. – 9.ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.

3.                  AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.

4.                  ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

5.                  AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas. Interceptação telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 4ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

6.                  BALTAZAR, Jr. José Paulo. Dez anos da lei da interceptação telefônica (lei nº 9296, de 24 de julho de 1996). Interpretação jurisprudencial e anteprojeto de mudança. Revista Jurídica. São Paulo. Ano 54, dezembro de 1006, nº 350.

7.                  BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito Policial. São Paulo, LEUD, 1990.

8.                  BONAVIDES, Paulo, op. cit., pg. 178.

9.                  BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

10.              BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

11.              CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Interceptação telefônica/Eduardo Luiz Santos Cabette, 3. ed. – São Paulo: Saraiva, 2015.

12.              CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal / Fernando Capez. – 19. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012.

13.              CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Lei n. 9296/96 – Interceptação Telefônica. Boletim IBCCrim. São Paulo, IBCCrim, 47/3, out. 1996.

14.              COSTA JR. Paulo José da, op. cit. , p. 14-15.

15.              COSTA JR., Paulo José da. O direito de estar só – Tutela Penal da Intimidade. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

16.              FERNANDES, Antonio Scarance, op. cit., p. 312-313.

17.              FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

18.              GOMES FILHO, Antônio Magalhaes. Direito à prova no processo penal. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997.

19.              GOMES, Luiz Flavio. Interceptação Telefônica e “encontro fortuito” de outros fatos. Boletim IBCCrim. São Paulo, IBCCrim, 51/6, fev. 1997.

20.              GOMES, Luiz Flavio; CERVINI, Raúl. Interceptação Telefônica. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997.

21.              GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio Luiz. Interceptação Telefônica. Comentários à Lei 9692, de 24.07.1996. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

22.              GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio Luiz. Legislação Criminal Especial. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

23.              GRECCO FILHO, Vicente. Interceptação Telefônica – considerações sobre a Lei n. 9296, de 24 de julho de 1996. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

24.              GRECO FILHO, Vicente. Interceptação Telefônica. São Paulo, Saraiva, 1996.

25.              GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit., p. 104.

26.              GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit., p. 107.

27.              GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

28.              GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal – as interceptações telefônicas. São Paulo, Saraiva, 1976.

29.              GRINOVER, Ada Pellegrini. O regime brasileiro das interceptações telefônicas, Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, IBCCrim, 17/118-119, jan./mar. 1997.

30.              http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm em 17/08 às 15h28min.

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34.              https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25298694/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-120379-ro-stf em 29/09/2017 às 17h00min.

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40.              https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/187956810/habeas-corpus-hc-283864-sp-2013-0398887-3 29/08 às 9h45min.

41.              https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19320565/habeas-corpus-hc-33553-ce-2004-0015200-6/inteiro-teor-19320566 em 28/09/2017 às 16h50min.

42.              https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/194523844/habeas-corpus-hc-307370-rs-014-0273829-0 em 11/09 às 9h20min.

43.              https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/196987402/agravo-em-recurso-especial-aresp-710898-sp-2015-0117439-8/decisao-monocratica-196987421 em 29/08 às 9h45min.

44.              https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/196987402/agravo-em-recurso-especial-aresp-710898-sp-2015-0117439-8/decisao-monocratica-196987421 em 29/08 as 9h45min.

45.              JESUS, Damásio E. de. Interceptação de Comunicações Telefônica – notas à Lei n. 9296/96, de 24-07-1996. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, 735/467, jan. 1997.

46.              JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

47.              LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal – volume único. 4. Ed. Salvador: JusPodvm, 2016.

48.              MADEIRA, Guilherme. Curso de Processo Penal. 2. Ed. Em e-book baseada na 2. Ed. impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

49.              MARQUES, Jose Frederico. Elementos de direito processual penal, v. II e IV, Campinas, Bookseller, 1996.

50.              NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. São Paulo: RT, 2009.

51.              NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal/Guilherme de Souza Nucci. – 10.ed.rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 2013.

52.              PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal / Eugênio Pacelli. – 21. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.

53.              PACELLI, Eugênio. Processo Penal. 15. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

54.              PARIZATTO, Joao Roberto. Comentários à Lei n. 9296, de 24-07-96 – interceptação de comunicações telefônicas. Leme, LED, 1996.

55.              PONTES, Fernando. Delegado de Polícia. Coleção item a item. Recife: Armador, 2015.

56.              POZZER, Benedito Roberto Garcia. Correlação entre acusação e sentença no processo penal brasileiro. São Paulo: IBCCRIM, 2001.

57.              RANGEL, Paulo. Breves Considerações sobre a Lei n. 9296/96 – interceptação telefônica. Forense. Rio de Janeiro, Internet, 1998.

58.              RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2003.

59.              ROQUE, Fábio; TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Legislação Criminal para Concursos. Salvador: JusPodvm, 2016.

60.              SOUZA, Sergio Ricardo de. Manual da prova penal constitucional./Sérgio Ricardo de Souza./3ª edição./ Curitiba: Juruá, 2017.

61.              STRECK, Lênio Luiz. As interceptações telefônicas e os direitos fundamentais. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1997.

62.              TUCCI, Rogerio Lauria. Do corpo de delito no direito processual penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1978.



[1] COSTA JR., Paulo José da. O direito de estar só – Tutela Penal da Intimidade.2.Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pg. 12-13.

[2] BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 184.                            

[3] BONAVIDES, Paulo, op. cit., pg. 178.

[4]Avena, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal / Norberto Avena. – 9.ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, pg. 358.

[5] COSTA JR. Paulo José da, op. cit. , p. 14-15.

[6] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Interceptação telefônica/Eduardo Luiz Santos Cabette, 3. ed. – São Paulo: Saraiva, 2015, p. 16.

[7]CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal / Fernando Capez. – 19. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012, p. 373.

[8] GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 101.

[9] GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit., p. 104.

[10] GRECCO FILHO, Vicente. Interceptação Telefônica – considerações sobre a Lei n. 9296, de 24 de julho de 1996. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 16.

[11] GRECO FILHO, Vicente. Interceptação Telefônica, p. 12.

[12] GRINOVER, Ada Pellegrini. O regime brasileiro das interceptações telefônicas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 17/115.

[13] Interceptação Telefônica, p. 98-100.

[14] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução penal/Guilherme de Souza Nucci. – 10. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

[15] Capez, Fernando. Curso de processo penal / Fernando Capez. – 19. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012, p. 399.

[16] GOMES FILHO, Antônio Magalhaes.  direito à prova no processo penal, p. 99. 

[17] GOMES FILHO, Antônio Magalhaes. Direito à prova no processo penal, p. 108-109.

[18] Interceptação telefônica, p. 146-147.                      

[19] FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 15-16.

[20] Artigo 141(...) § 6º - É inviolável o sigilo da correspondência.

[21]Artigo 153 (...) § 9º É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas.

[22] GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal – as interceptações telefônicas, p. 240.

[23] Art. 2o A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

[24]STF, HC Revista Brasileira de Ciências Criminais, 20/377, 6-5/97; STF, HC 73250-0, 22-10-96, rel. Min. Marco Aurélio; STF, HC 73510-0, 3-9-96, rel. Min. Marco Aurélio.; STJ, MS 5352, rel. Min. Adhemar Maciel, DJU de 25-11-96.

[25] Interceptação telefônica, p. 77-78.

[26] BARBOSA, Manoel Messias, Inquérito Policial, p. 7.

[27] MARQUES Jose Frederico. Elementos de direito processual penal, v. II, p. 249-250.

[28] FERNANDES, Antonio Scarance, op. cit., p. 312-313.

[29] Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

[30] GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit., p. 107.

[31] Luiz Flavio GOMES e Raul CERVIVNI, Interceptação Telefônica, p. 180.

[32] PARIZATTO, Joao Roberto. Comentários à Lei n. 9296, de 24-07-96 – interceptação de comunicações telefônicas, p. 22.

[33] http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo539.htm.

[34] Lei n. 9296/96 – Interceptação Telefônica, Boletim IBCCrim, 47-3.

[35] GOMES, Luiz Flavio, op. cit., p. 194.

[36] STRECK, Lênio Luiz. As interceptações telefônicas e os direitos fundamentais, p. 94-95.

[37] ARANHA. Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 295.

[38] Damásio de JESUS, Interceptação de Comunicações Telefônica – notas à Lei n. 9296/96, Revista dos Tribunais, 735/467.

[39] GRINOVER, Ada Pellegrini. O regime brasileiro das interceptações telefônicas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 17/118-119.

[40] RANGEL, Paulo. Breves Considerações sobre a Lei n. 9296/96 – interceptação telefônica. Forense, Internet, p. 5.

[41] BALTAZAR JR. Jose Paulo, op. cit., p. 259.

 

 

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