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O Reconhecimento da Paternidade Socioafetiva e a (IM)Possibilidade de Posterior Desconstituição


Autoria:

Nicole Dos Santos Saraiva


Nicole dos Santos Saraiva, 22 Advogada. Graduada em Direito na Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva/SP (FAIT). Curso de Atualização e Prática na Damásio - Itapeva/SP. Estagiária no Tribunal de Justiça de São Paulo, em Buri/SP, pelo período de 2 (dois) anos, auxiliando os magistrados.

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Resumo:

Os valores nas relações familiares foram alterados, surgindo daí uma nova forma de paternidade, com base no afeto, rompendo barreiras outrora estabelecidas.

Texto enviado ao JurisWay em 20/04/2018.



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1.    INTRODUÇÃO

 

 

Pode-se dizer que o Direito de Família se adequa de acordo com as necessidades sociais. Com o fato de que os direitos decorrentes da filiação e o bem-estar dos filhos devem ter ampla proteção, consequentemente temos que o Direito de Família é caracterizado por alguns princípios, como o princípio da prioridade e prevalência do interesse dos filhos, da paternidade e maternidade responsável, o princípio da igualdade entre os filhos e, por óbvio, o princípio da dignidade humana.

De modo histórico, o instituto da família era formado por pais biológicos e filhos. Agora, o vínculo consanguíneo foi passado a uma categoria em que não se faz mais necessário para a criação ou formação de uma entidade familiar.

O afeto é um dos elementos essenciais de todo e qualquer núcleo familiar e, muito mais importante do que o vínculo biológico, a afetividade é o fim de qualquer relação. Hoje, a família é marcada por laços afetivos de carinho, amor, felicidade e construção de um verdadeiro lar, onde há comunhão de afeto.

Pode-se dizer ainda, que a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi uma das maiores responsáveis pelas evoluções experimentadas nesta área do Direito, ao passo que se passou a considerar não somente os pais como genitores, mas também protetores, amigos e companheiros.

A paternidade biológica não é sinônimo de afeto ou qualquer garantia de que a criação vai contribuir para o crescimento dos filhos. Faz-se insuficiente a verdade biológica, já que a filiação é muito mais do que uma semelhança de DNAs. O poder de família constitui-se em obrigações e responsabilidades que, em tese, os genitores devem assegurar aos filhos, de forma que o interesse do menor seja sempre prioridade. Ter pai ou mãe, no sentido estrito da palavra, não significa ter uma criação digna ou uma garantia de estrutura familiar. Por outro lado, o exercício das funções paternas é o que pode garantir a qualquer um, um crescimento saudável em todos os sentidos.

Assim, é clara a noção de que pouco importa se o marido ou companheiro é ou não responsável pela gestação, desprezando-se a verdade real e imposta a presunção, a fim de atender as necessidades de estabilização social e de proteção ao direito de filiação.

A presente pesquisa tem como foco o estudo da paternidade socioafetiva e a sua possível desconstituição mesmo após reconhecimento.

Os modelos de família mudaram e é de extrema relevância abordar os pontos que caminham a favor ou contra a desconstituição da paternidade socioafetiva, bem como sua aceitação no meio social.

O estudo deve partir do conceito de família e sua evolução histórica, conceituando os pontos que levam ao reconhecimento da paternidade socioafetiva e demonstrar, em fácil visualização, se é possível ou não sua desconstituição.

A paternidade socioafetiva, nada mais é, que a possibilidade de o pai afetivo ter a criança como sua filha. É a forma de reconhecer no ordenamento jurídico, diante do que ocorre no mundo dos fatos, a existência de uma relação socioafetiva.

Cumpre ressaltar, que para que surta seus efeitos legais e jurídicos, a paternidade socioafetiva deve ser comprovada e declarada judicialmente, a fim de que possa ter eficácia da mesma forma de qualquer outra relação de parentesco.

Portanto, para que seja possível a desconstituição da paternidade socioafetiva, é necessária a análise de inúmeros fatores, tais como a situação em que se originou e, principalmente, a inexistência de vínculo afetivo a fim de que não haja prejuízo à criança e é o que será abordado na presente pesquisa bibliográfica.

 

 

 

 


2. O RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E A (IM)POSSIBILIDADE DE POSTERIOR DESCONSTITUIÇÃO

 

   

2.1 Da Família

 

 

           2.1.1 Conceito

 

 

O Direito Civil moderno apresenta uma definição mais limitada, tendo como família as pessoas unidas por uma relação conjugal ou de parentesco.

Em suma, o Direito de Família estuda as uniões pelo matrimônio, assim como os que se unem sem o casamento; estuda os filhos, suas relações com os pais e a proteção por meio de tutela dos incapazes por meio da curatela (VENOSA, 2006, p. 18).

Assim, considera-se a família como parentesco, isto é, o conjunto de pessoas unidas por um vínculo jurídico de natureza familiar.

De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira, o conceito de família atravessa o tempo e o espaço, sempre tentando clarear e demarcar seu limite (PEREIRA, 2007; p. 29).

À luz da Constituição Federal, a ideia de família é de uma instituição com um meio ligado pela consanguinidade, formado pelo casamento ou pela união estável. Para o Direito Brasileiro, a família nada mais é o núcleo em que os parentes podem encontrar apoio e sentirem-se acolhidos. Segundo Pietro Perligieri família é:

 

 

“Formação social, lugar- comunidade tendente à formação e ao desenvolvimento da personalidade de seus participantes; de maneira que exprime uma função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes” (PERLIGIERI, 2002).

 

 

 

Deste modo, conclui-se que a família é formada tanto de afeto quanto de laços consanguíneos, tendo em vista que a mesma teve algumas mudanças impostas pelos costumes, pelos momentos na sociedade e pelo próprio direito.

 

 

2.1.2 Origem e Evolução

 

 

A compreensão de família é um tanto quanto obscura, na medida em que sua ideia se faz variável no tempo e espaço. O modelo de família sempre teve influência tanto da política, da religião, quanto da economia e da própria sociedade.

Pode-se dizer que cada povo tem sua ideia de família de acordo com o contexto em que é inserido. Primitivamente, não havia afeto na relação entre o homem e a mulher, não existia interesse pelos sentimentos profundos e, basicamente, o objetivo das relações era a reprodução.

No Direito Romano, no qual foi baseado o Direito Brasileiro, a família era formada na autoridade de um chefe que representava todo poder, decidindo sobre a vida de seus filhos, podendo realizar neles qualquer ato, inclusive tirar-lhes a vida, de forma que estes eram incapazes para sempre. Conforme afirma Caio Mário da Silva Pereira, o pai exercia sobre seus filhos o direito de vida e morte, ao passo que a mulher vivia completamente subordinada à autoridade do marido, desempenhando apenas um papel de mãe e esposa (PEREIRA, 2010, p. 52).

Ainda, à época, a família possuía uma extensa formação com intuito da criação de uma comunidade rural, onde todos os parentes eram a própria força de trabalho. Deste modo, como o crescimento dos entes familiares era sinônimo de melhores condições, havia grande incentivo à procriação.

Partindo para a Idade Média, nota-se que as relações familiares eram diretamente ligadas ao Cristianismo, sendo influenciadas especificamente pela Igreja Católica. Nesta época, a família era constituída com base no casamento religioso, que era entendido como um sacramento e dava à esposa direitos sobre parte do patrimônio do marido. Contudo, a figura patriarca ainda possuía mais poderes e regia a entidade familiar.  

Já com a Revolução Industrial, o sistema patriarcal das famílias foi perdendo as forças, principalmente com a vitória do livre pensar nos países democráticos e o fato de que com a necessidade do aumento da mão de obra, o homem deixou de ser a única fonte de renda familiar. Neste compasso, o caráter produtivo da família também foi sendo desconstituído. A produção, então, passou a ser característica também das cidades, o que levou à aproximação dos membros das famílias, já que passaram a conviver em espaços menores. Cumpre ressaltar, entretanto, que essa relação de afeto ainda tinha como base o casamento e a religiosidade.

Com o passar dos tempos, o afeto tornou-se um valor das relações conjugais independente de formalização por meio do matrimônio e essas relações passaram a ser aceitas pela sociedade. Com essas transformações sociais, passou a ser aceita também a família monoparental, a qual é formada por um único membro (pai ou mãe).

Diante das evoluções experimentadas pela sociedade, os códigos legais tornaram-se insuficientes, na medida em que não acompanham completamente a pluralidade das famílias existentes e se fazem ausentes alguns meios de regular tais entidades.

No lugar do modelo patriarcal, inseriram-se variados tipos de relações, onde predomina-se o afeto. Os valores nas famílias mudaram e evoluíram, primando o bem-estar de seus participantes. Desde a apreciação mútua cultivada pelos seus membros até a capacidade de resolverem juntos os conflitos através de uma comunicação, sem tabus e sem rancores, que impera em prol da família saudável, onde emana carinho, respeito e afetividade (GAMA, 2007, p. 48).

A família moderna tem o afeto como elemento base das relações, tendo em vista que é por meio dele que a vontade de estar junto é demonstrada e é construído o alicerce de uma entidade familiar.

Cumpre salientar que a Constituição Federal regulamentou o casamento e deu competência aos juízes para que sejam reconhecidos impedimentos e nulidades acerca do matrimônio. Ainda, não se pode deixar de lado o fato de que em nosso ordenamento jurídico, não temos apenas o casamento e a união estável como modelo de família, mas também outras formas de a constituir.

 

 

2.1.3 Evolução perante o Código Civil de 1916 ao Novo Código de 2002

 

 

A transformação do Direito de Família Pátrio se deu no período entre 1916 a 1988. Enquanto o Código Civil de 1916 ainda tinha a família hierarquizada e com estereótipo completamente patriarcal, a Constituição Federal de 1988 estendeu novos modelos à família.

Ocorre que, no Código Civil de 1916, a oficialização do matrimônio era diretamente ligada com a constituição da entidade familiar, ou seja, somente considerava-se como família legítima quando a união era reconhecida e regulamentada pelo Estado.

Como se não bastasse o requisito de regulamentação formal, o Código Civil de 1916 distinguia os membros da família e discriminava as pessoas unidas sem a oficialização do casamento, bem como os filhos advindos dessa união. Além do mais, se houvesse o defloramento desconhecido da mulher, era possível a anulação do matrimônio pelo erro essencial sobre a pessoa (art. 219 e art. 220 CC/1916), ou seja, a virgindade da mulher era um dos pressupostos do casamento.

Diante de tais fatos, vemos que havia muito preconceito acerca de diversos fatores, onde atribuía-se noções implícitas do que era certo ou errado, de modo que as pessoas que não se enquadravam nos perfis da família, eram marginalizadas e recebiam tratamento diferenciado.

Entretanto, na atualidade, o Direito de Família não tem mais por objeto a família legítima, na medida em que com a Constituição Federal de 1988, em tese, instaurou-se a igualdade entre o homem e a mulher.

Neste compasso, a proteção dos direitos tem como sujeito todo e qualquer membro da família, sem distinção. Ainda, a Constituição de 1988, instituiu a igualdade entre os filhos, independentemente se foram advindos do casamento.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, a família é decorrente de três institutos, quais sejam o casamento civil, a união estável e a família monoparental (art. 226 CRF/1988), todavia, o entendimento doutrinário e jurisprudencial é de que este rol constitucional familiar é meramente exemplificativo, sendo permitidas outras manifestações familiares. Como consequência, estabeleceu-se o princípio da isonomia aos cônjuges e da igualdade entre os filhos.

 Neste sentido, o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que:

 

 

"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

 

 

Já o Código Civil de 2002 buscou readequar alguns aspectos do Direito de Família, trazendo uma nova visão, de acordo com as transformações experimentadas pela sociedade.

O que antes era tratado como “Da Filiação Legítima”, foi inserido apenas como “Da Filiação”, acompanhando, constitucionalmente, o princípio da igualdade dos filhos (art. 227, § 6º, da CF/1988 e art. 1.596 do CC/2002), sendo assim, superada a antiga discriminação de filhos.

Juridicamente, todos os filhos são iguais perante a lei, havidos ou não durante o casamento. Essa igualdade abrange os filhos adotivos e os havidos por inseminação artificial heteróloga (TARTUCE, 2015, p. 1.189).

A presunção da concepção também foi tema explorado pelo Código Civil de 2002. Dispõe o artigo 1.597 do referido Diploma Legal que:

 

 

“Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - Nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

I - Nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - Nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

II - Nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - Havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - Havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.”

 

 

Ainda, o Código Civil de 2002 tratou expressamente em relação aos problemas de conflitos de presunções. Tal conflito se dá quando há, pela lei, a possibilidade de um filho ter mais de um pai, o que ocorre, geralmente, quando a mulher se casa novamente. O artigo 1.598 do CC/2002 dispõe que “salvo em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do artigo 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro de trezentos dias a contar da data do falecimento deste; do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do artigo 1.597”. Entende-se, então, que a resposta para um conflito é sempre presumir a paternidade do primeiro marido, podendo-se provar o contrário. A lei também, instituiu a presunção movida pela impotência generandi (art. 1.599 CC/2002), além da impotência coeundi já instituída pelo antigo Código.

A mais importante mudança no Código Civil de 2002, é a imprescritibilidade da ação negatória de paternidade. No antigo código, em seu artigo 178, §§ 2º e 3º, inc. I, o prazo decadencial era estipulado em dois ou três meses, agora tal ação passou a ser imprescritível, conforme compreende-se o artigo 1.601 do CC/2002.

 

 

2.2 Da Filiação

 

 

2.2.1 Conceito

 

 

O conceito de filiação progrediu ao decorrer da história. A princípio, apenas a relação entre a criança e as pessoas que a procriaram era considerada como relação entre pais e filhos. Com o tempo a situação foi se alterando, ao passo que foram surgindo outros institutos, como a adoção, por exemplo, que foi um grande marco para o Direito de Família.

Segundo Silvio Rodrigues filiação é a relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa aquela que a geraram, ou a receberam como se as tivessem gerado.

João Baptista Villela criador da expressão “desbiologização da filiação”, diz que o fator biológico não é o mais importante, sendo mais pertinente o laço afetivo criado entre pais e filhos, onde há a construção de uma filiação psicológica.

Para Maria Berenice Dias, que também segue a linha da desbiologização da filiação, tal instituto passou a ser reconhecido pela presença de um vínculo afetivo paterno-filial, que prevalece sobre a verdade biológica.

Partindo deste conceito, vê-se que toda filiação deveria possuir, impreterivelmente, vínculo socioafetivo, considerando que nem todos os pais biológicos empregam os devidos cuidados aos filhos.

Por sua vez, mais detalhadamente, o artigo 1.596 do Código Civil dispõe que a filiação consiste na relação de parentesco em linha reta de primeiro grau que se estabelece entre pais e filhos, seja essa relação decorrente de vínculo sanguíneo ou de outra origem legal, como no caso da adoção ou reprodução assistida como utilização de material genético de outra pessoa estranha ao casal (DIAS, 2017, p. 409).

O vínculo entre pai e filho suporta formação mesmo com a ausência de correspondência do material genético. Além do mais, este instituto revelou evoluções também no aspecto científico, havendo possibilidade de algumas técnicas que permeiam a sociedade, como por exemplo, a fecundação assistida homóloga e heteróloga, a comercialização de óvulos ou espermatozoides, a locação do útero, entre outras formas de se ter um filho.

Assim, torna-se filho desde o nascimento em uma família constituída matrimonialmente ou por união estável, por meio da adoção, pelo reconhecimento de paternidade, sem possuir, necessariamente, vínculo consanguíneo, de sorte que a posse do estado de filho não decorre de seu nascimento, mas na vontade do reconhecimento da condição de filho com base em laços de afeto.

A questão fundamental é que a filiação não depende mais exclusivamente da ligação biológica com o pai, na medida em que toda paternidade é, necessariamente, afetiva podendo ter origem genética ou não. Melhor dizendo, a paternidade socioafetiva é gênero, sendo suas espécies a paternidade com consanguinidade e a paternidade não consanguínea. 

Portanto, verifica-se que a filiação não deve ser buscada apenas na perspectiva genética. A socioafetividade está revestida no melhor interesse da criança, de modo que o exercício paterno poderá se efetivar ainda que não exista ligação consanguínea, consagrando também, os princípios da dignidade humana e da igualdade dos filhos. 

 

 

 

 

2.2.2 Evolução Histórica

 

 

Historicamente, o poder patriarcal prevalecia e estava enraizado na sociedade. Somente o pai possuía direitos sobre os filhos, inclusive podendo decidir sobre suas vidas e aceitar ou não a paternidade. Ao final do século XVIII, o Estado passou a intervir nas relações, de modo que possuíam mais poder sobre seu povo do que os pais para com seus filhos.

Muito se experimentou o Direito Civil acerca do instituto da filiação. Diversas leis foram promulgadas com o intuito de aperfeiçoar essa relação familiar.

No início, por meio do Decreto nº 181 de 1890, a filiação só poderia ser reconhecida por confissão espontânea ou escritura pública. Pelo Código Civil de 1916, filho legítimo era a denominação dada aos filhos concebidos dentro do casamento, enquanto os filhos frutos de relacionamentos não oficializados eram tidos como ilegítimos. À época também haviam outras denominações e divisões por “espécies” de filhos, as quais seguiam as seguintes discriminações: 1- Filhos biológicos a) legítimo b) ilegítimo c) legitimado c.1) natural c.2) espúrio c.3) adulterino c.4) incestuoso e 2- Civil-adotiva.

De acordo com o ensinamento de Silvio Rodrigues, os filhos naturais seriam os nascidos de pais entre os quais não havia, à época da concepção, impedimento matrimonial decorrente de parentesco ou casamento anterior. Por sua vez, os filhos espúrios eram os oriundos da união entre um homem e uma mulher impedidos de se casarem na época da concepção, por laço de parentesco ou por já serem casados. Já os filhos adulterinos seriam os frutos de relação entre pessoas impedidas em virtude de casamento com terceiros. Enfim, as crianças nascidas de pessoas impedidas de se unirem por matrimônio válido, por motivo de parentesco natural ou civil, na linha reta de qualquer grau e na linha colateral até o 3º grau, eram consideradas incestuosas.

Partindo dessa premissa, o artigo 358 do Código Civil de 1916 não autorizava o reconhecimento dos filhos ilegítimos, fossem eles adulterinos ou incestuosos. Portanto, era clara a discriminação entre os filhos, de maneira que o afeto não era levado em consideração, o que influenciava também no âmbito patrimonial, já que os filhos “ilegítimos” não possuíam os mesmos direitos que os filhos tidos no casamento. Pela Lei 3.071/16, o Código Civil equiparou os filhos naturais aos legítimos.

Por meio do Decreto nº 3.200/41 foi proibida qualquer qualificação do filho no assento de nascimento, exceto por requerimento ou decisão judicial. Por sua vez, o Decreto nº 5.213/43 alterou o anterior, autorizando a guarda do filho natural caso houvesse reconhecimento.

Observa-se que o instituto da família passou a ser demasiadamente regulamentado. Logo em seguida, em 1942, por meio do D.L. 4.737/42, tornou-se possível a declaração da filiação do primeiro filho extrapatrimonial, após desquite.

Em 1946, regulamentou-se, através do Decreto Lei de nº 9.701/46, o direito de guarda e visitas aos filhos no desquite judicial. Já em 1949, a Lei de nº 883/49 estabeleceu que os filhos naturais podiam ser reconhecidos e investigar a paternidade, porém, os filhos adulteridos somente poderiam ser reconhecidos na hipótese de dissolução com separação por cinco anos ininterruptos.

Nota-se que remanesce a estampa de uma sociedade patriarcal onde, ainda que por força de vontade do próprio marido em relacionar-se fora do casamento e gerar um filho, a punição direcionava-se, indiretamente, à criança, que não possuía direito de ter um pai devidamente reconhecido.

Outro marco importante foi a legitimação da adoção, mediante a Lei 4.655/65, dando ao adotado todos os direitos sucessórios. Contudo, em 1979, esta lei foi revogada pela lei de nº 6.697, a qual regulamentou a adoção plena, com todos os direitos possessórios e a adoção simples, com metade dos bens.

Por intermédio da Lei 6.515 de 1977, admitiu-se o reconhecimento do filho na constância do casamento, irrevogavelmente. E finalmente, em 1984, pela Lei 7.250, tornou-se possível o reconhecimento do filho adulterino na constância da sociedade conjugal, desde que o cônjuge estivesse separado do genitor por cinco anos ininterruptos.

Com a Constituição, em 1988, a filiação foi levada a outro patamar, onde pode-se dizer que a afetividade passou a ter seu lugar, ou seja, passou-se a considerar também outras formas de filiação, baseadas no afeto. A Constituição Federal trouxe o princípio da igualdade entre os filhos, em seu artigo 227, § 6º, o qual dispõe que “os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Ainda, historicamente, a Lei 7.841 de 1989, revogou o artigo 358 do Código Civil/16, sendo instituído o ECA, logo em seguida, em 1990, com a Lei nº 8.069. Já em 1992, a Lei nº 8.560, permitiu o reconhecimento dos filhos a qualquer momento, quebrando o aspecto antiquado do antigo Código.

Por fim, em 2002, promulgou-se o Novo Código Civil, que trouxe, enfim, igualdade de filiação e irrevogabilidade de seu reconhecimento.

Percebe-se, então, que antigamente havia um sentimento dominante na sociedade no sentido de preservar a família fundada no matrimônio. Contudo, em virtude dos avanços tecnológicos e aos fenômenos sociais, a verdade biológica deixou de prevalecer sobre a verdade socioafetiva. Hoje, de forma positiva, temos a noção de que a paternidade é realmente exercida pelo pai que cuida, oferece educação e preocupa-se com a saúde de seu filho e não somente pelo que possui ligação de sangue.

 

 

2.2.3 Do Reconhecimento dos Filhos

 

 

A Constituição Federal de 1988, embora trate especialmente do Estado à Família, não possui disposição específica acerca do reconhecimento dos filhos. Desta forma, a legislação infraconstitucional fica encarregada de regular tal instituto, neste compasso, nosso Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecem em seus artigos normas que trazem melhor esclarecimento e proteção aos filhos.

O Reconhecimento dos Filhos é um ato com função de declarar a filiação exramatrimonial, criando uma relação paterno-filial, acarretando todos os efeitos jurídicos da filiação. Assim, compreendemos que este procedimento é de natureza declaratória, é um ato unilateral, personalíssimo, puro e simples e irrevogável.

Segundo Maria Helena Diniz, o reconhecimento da paternidade é um ato declaratório, ao passo que não gera a paternidade em si, apenas a torna de conhecimento público, ou seja, apenas constata uma situação já existente.

Neste sentido, Maria Helena Diniz:

 

 

“É, por isso, declaratório e não constitutivo. Esse ato declaratório, ao estabelecer a relação de parentesco entre os genitores e a prole, origina efeitos jurídicos. Desde o instante do reconhecimento válido, proclama-se a filiação, dela decorrendo consequências jurídicas, já que antes do reconhecimento, na órbita do Direito, não há qualquer parentesco” (DINIZ, 2012, p. 516)

 

 

Ainda, segundo Maria Berenice Dias (2010, p. 369), o reconhecimento tem efeito “ex tunc”, retroagindo à data da concepção.

Somente o próprio pai possui legitimidade para efetivar o reconhecimento, sendo, portanto, ato personalíssimo. Também é unilateral, bastando apenas a declaração de vontade de uma das partes, o genitor.

Quanto à característica da unilateralidade, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe, no caput de seu artigo 26 que:

“Os filhos havidos fora do casamento poderão ser conhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação”.

Na mesma direção o Código Civil estabelece esta faculdade a cada genitor, de forma individual, em seu artigo 1.607.

Pode-se dizer que o Reconhecimento dos Filhos também é um ato puro e simples, “sic et simpliciter”, não admitindo condição ou termo e, havendo, serão considerados ineficazes perante a lei, em consonância ao artigo 1.613 do Código Civil.

Por fim, não menos importante, temos a irrevogabilidade do reconhecimento, já que, uma vez reconhecido o filho, não se pode desfazer “ad nutum”, ou seja, apenas baseado na vontade de quem o praticou (artigo 1.610 do Código Civil).

Cumpre salientar que o filho é receptor passivo dessa relação e, conforme o disposto no artigo 1.614 do Código Civil, não pode recusar-se da declaração até atingir a maioridade.

Cumpre ressaltar as consequências do reconhecimento do filho. Maria Helena Diniz (2014, p. 563-565) elenca alguns efeitos que valem tanto para o reconhecimento judicial quanto ao voluntário, sendo todos os efeitos ex tunc, ou seja, retroagem até a concepção do filho, quais sejam:

a) Estabelecimento de parentesco entre pai e filho, atribuindo-lhe status familiar, incluindo no registro de nascimento o nome do pai e avós, sem menção de filiação legítima;

b) impedimento de que o filho havido fora do casamento resida no lar conjugal sem o consentimento de um dos cônjuges (CC, art. 1.611);

c) direito à assistência e alimentos recíprocos;

d) equiparação de todos os filhos, independente da natureza (CF, art. 227, §6º);

e) direito à herança ou nulidade de partilha.

A lei, portanto, outorga ao homem a condição de pai, por meio do reconhecimento, abrangendo todos direitos e deveres a ele inerentes, enquanto proporciona à criança o estado de filho.

 

 

2.2.3.1 Presunção de Paternidade

 

 

Presunção é a conclusão ou dedução extraída de um fato conhecido utilizada como verdade em um outro fato duvidoso ou desconhecido.

Há a presunção absoluta, onde não são admitidas provas em sentido contrário e a relativa, que é a presunção passível de contraditório, não carregando uma verdade sólida.

Pode-se afirmar que nem todos os casos a filiação é resultado da relação sexual, já que tantos métodos de concepção foram inseridos pela ciência na sociedade.

Cumpre salientar que além da filiação biológica, ligada à consanguinidade, há também uma filiação baseada em outros laços, chamada de filiação sociológica, como a adoção, por exemplo, que tem como seus pilares principais o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil Brasileiro.

Como já explanado no presente trabalho, pelo Código Civil de 1916 haviam três denominações para a filiação biológica, sendo elas a filiação legítima, ilegítima e legitimada. Todavia, por bem, a Constituição Federal de 1988 impôs o princípio da isonomia entre os filhos, igualando, inclusive, os filhos adotivos aos biológicos, conforme redação dos artigos 1.596 do Código Civil de 2002 e artigo 226, §6º da Constituição Federal, que dispõe que os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Para que não haja discriminações, a lei gera um sistema de reconhecimento da filiação por meio de presunções: deduções que se tiram de um fato certo para a prova de um fato desconhecido (DIAS, 2007, p. 323).

De acordo com a lei, a maternidade é sempre certa e o marido sempre será o pai dos filhos. Desta forma, exclui-se a incerteza do marido em relação aos filhos, o que é chamado de “pater i est quem nuptiae demonstrant” (DIAS, 2017, p. 413).

Segundo João Baptista Villela:

 

 

“A regra pater is est quem nuptiae demonstrant nunca esteve, no Código Civil, primariamente comprometida com a verdade biológica. Tanto isto é verdade, que os artigos 343 e 346, em pleno vigor, não afastam a presunção de paternidade do marido, nem mesmo diante do adultério da mulher ou da confissão materna” (O modelo constitucional da filiação. Revista Brasileira de Direito de Família. Rio de Janeito. Ed. Renovar,2003, p. 121.).[1]

 

 

Afirma ainda que “foi com base no dever de fidelidade da mulher, e não na sua fidelidade efetiva, que se formou a regra pater is est quem nuptiae demonstrant”.

De fato, a presunção pater is est não é fundada no vínculo biológico e foi fundada a fim de se proteger a entidade familiar, e de certa forma, zelar pela honra da mulher e do marido.

No que tange à presunção de paternidade no âmbito extramatrimonial, a lei não regulamenta de forma específica. Embora a Constituição Federal tenha equiparado os filhos matrimoniais aos tidos fora do casamento, a presunção do marido sobre os filhos de sua esposa não foi vencida. Entretanto, o STJ concluiu que os incisos do artigo 1.597 do Código Civil, também se aplicam à União Estável.

Desta forma, e em consonância ao Código Civil vigente, presumem-se concebidos na constância do casamento: 1- Os filhos nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; 2- Os filhos nascidos nos 300 dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; 3- Os filhos havidos, por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; 4- Os filhos havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga e; 5- Os filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido (TARTUCE, 2015 p. 1.371 e 1.372)

Como se vê, o Código Civil evidencia também a possibilidade de nascimento do filho ainda que já falecido um dos genitores, no caso de fecundação homóloga e embriões excedentários.

O caso do inciso III do artigo 1.597, inseminação homóloga, presume-se que a mulher seja casada ou, no mínimo, mantenha união estável com o provedor do semêm. Já o inciso IV, que trata da inseminação heteróloga, cujo o semêm é de um doador alheio ao relacionamento conjugal, depende do consentimento do marido ou companheiro e, não havendo tal consentimento, a lei permite a impugnação à paternidade.

Observa-se que tais hipóteses guardam conexões, tanto com os avanços da ciência, quanto ao princípio da paternidade responsável. Neste compasso, é possível perceber que a presunção pater is est existe em função do melhor cumprimento do objetivo da entidade familiar e, mesmo que existam meios tecnologicamente avançados, a lei persiste em reconhecer os filhos através das presunções.

 

 

2.2.3.2 Reconhecimento Voluntário

 

 

O Reconhecimento Voluntário, em síntese, é o meio do pai, da mãe ou de ambos, externar, por livre e espontânea vontade, o vínculo que os conecta, outorgando-lhe, assim, o status de filho (CC, art. 1.07).

É um ato unilateral e constitui um ato jurídico em sentido estrito, na medida em que o pai é livre para manifestar sua vontade, mas seus efeitos decorrem apenas da lei (CC, art. 185).

Cumpre salientar que o reconhecimento voluntário é um ato pessoal dos genitores, não podendo ser feito por avô ou tutor, sucessores do pai ou herdeiros do filho, contudo, será válido se efetuado por procurador, munido de poderes especiais e expressos, porque nesse caso a declaração de vontade já está contida na própria outorga de poderes, de maneira que o mandatário apenas se limita a formalizar o reconhecimento (PEREIRA, 2006, p. 233).

Tartuce explica que o ato de reconhecimento dos filhos é incondicional, já que, em tese, não pode ser submetido à condição (evento futuro e incerto) ou a termo (evento futuro e certo). Todavia, há quem aponte o caráter sinalagmático do ato do reconhecimento, levando em consideração o artigo 1.614 que condiciona sua eficácia ao consentimento do filho maior e dá ao filho menor a prerrogativa de impugná-lo (DINIZ, 2014, p. 533).

Em relação ao consentimento dos filhos maiores de 18 anos, é clara a intenção do legislador ao dispor esta prerrogativa (CC, 1.614), já que o reconhecimento de filho maior é ato complexo e apenas surte efeito quando presente a anuência. Por outro lado, no caso do reconhecimento do filho menor, que independe de aceitação, há a possibilidade de posterior impugnação. Ocorre que, tal impugnação possui prazo decadencial de quatro anos contados da maioridade.

Maria Berenice Dias diz que o reconhecimento voluntário da paternidade não depende da prova da origem genética. É um ato espontâneo, solene, público e incondicional. Como gera o estado de filiação, é irretratável e indisponível (DIAS, 2017, p. 437).

A lei estabelece os efeitos deste reconhecimento e o pai é livre para manifestar sua vontade, assim, incabível a impugnação da paternidade após o reconhecimento, salvo em caso de erro ou falsidade de registro.

Interessante ressaltar, que há a possibilidade de reconhecer o filho após seu falecimento, caso haja descendente, pois falecendo alguém sem pai registral, qualquer um que o reconhecesse como filho poderia adquirir a qualidade de seu herdeiro ou beneficiário. De qualquer forma, se, ainda assim, for procedido ao registro póstumo, não haverá efeitos sucessórios (DIAS, 2017, p. 437). Ainda, seguindo a teoria concepcionista, o nascituro também pode ter seu reconhecimento declarado, ou seja, há a possiblidade de se reconhecer o filho antes de seu nascimento.

O reconhecimento voluntário, conforme preceitua o artigo 1.609 do Código Civil, pode ser feito das seguintes formas:

 

 

I-          No registro de nascimento;

II-        Por escritura pública ou particular, sendo arquivada no cartório de registro de pessoas naturais;

III-       Por testamento, legado ou codicilo, ainda que a manifestação seja incidental;

IV-      Por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento do filho não seja o objeto único e principal do ato que o contém.

 

 

O reconhecimento por meio do registro de nascimento é, como já abordado, permitido em conjunto ou separadamente, independentemente do estado civil dos pais (Lei nº 8.560/92, art. 5º). Deste modo, pode o pai reconhecer o filho já registrado pela mãe, dependendo apenas da concordância desta.

No que tange ao reconhecimento mediante escritura pública ou escrito particular, regulado pelo artigo 1.609, inciso II do Código Civil, é de entendimento pacífico que qualquer documento de autoria indiscutível é válido, podendo até mesmo haver declaração inserida no pacto antenupcial, por exemplo, ou mensagem via internet cuja autenticidade possa ser comprovada.

O método mais utilizado para a realização do reconhecimento voluntário dos filhos extramatrimoniais, por incrível que pareça, é o testamento. Tal modo pode ser levado a efeito em qualquer de suas espécies, em consonância aos artigos 1.862 e 1.886 do Código Civil. A validade do reconhecimento não depende da eficácia ou até mesmo da sobrevivência do instrumento, já que é um escrito particular e vale como tal (DIAS, 2017, p. 440).

Por fim, temos a forma de reconhecimento por meio de manifestação em juízo. Maria Berenice Dias nos esclarece que assim que afirmada a paternidade na presença de qualquer juiz, este deve tomar a declaração a termo e encaminha-la ao juiz competente, que determinará a averbação no assento de nascimento (DIAS, 2017, p. 471).

 

 

2.2.3.3 Reconhecimento Judicial

 

 

O reconhecimento judicial de filho resulta de sentença proferida em ação intentada para esse fim, pelo filho, tendo, portanto, caráter pessoal, embora os herdeiros do filho possam continua-la (DINIZ, 2014, p. 540).

A espécie de reconhecimento abordada neste tópico, por óbvio, é uma espécie de reconhecimento forçado ou coativo, já que oposta ao meio voluntário. O reconhecimento judicial se dá por meio da ação investigatória de paternidade ou maternidade, sendo a primeira mais comum.

A Ação Investigatória de Paternidade, por ser de natureza declaratória e por envolver estado de pessoas e dignidade humana, é imprescritível, podendo ser proposta a qualquer tempo. É uma ação personalíssima, devendo ser o filho o autor da demanda e, em caso de menoridade, representado ou assistido, geralmente pela mãe, em regra, em face do suposto pai ou suposta mãe.

A sentença da ação investigatória de paternidade tem absoluta eficácia, valendo contra todos, ao declarar o vínculo de filiação equiparável ao da descendência matrimonial, nos seus efeitos pessoais e patrimoniais (GOMES, 1978, p. 362 e 366).

O artigo 1.614 do Código Civil de 2002 dispõe:

 

 Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.

 

Deste modo, verifica-se que é possível o reconhecimento do filho mesmo depois de atingida a maioridade, entretanto, indispensável seu consentimento. Vale salientar que, sem o consentimento do filho maior, nem mesmo a existência de exame de DNA pode autorizar o registro.

Todavia, em nossa legislação não há especificidade acerca da negativa do filho, podendo esta ser imotivada.

Maria Berenice Dias diz que “não é possível haver suprimento judicial do consentimento para esse fim. Ainda que ela não possa se opor, recomendável dar ciência à genitora” (DIAS, 2017, p. 441).

O consentimento é retratável até a data da publicação da sentença constitutiva da adoção. Tal ato é permitido pelo fato de que a adoção produz efeitos de ordem pessoal e patrimonial, gerando direitos e obrigações recíprocas, assim, ninguém pode se tornar filho de outrem sem deseja-lo ser (DINIZ, 2014, p. 580 e 581).

No que tange à submissão ao judiciário, dá-se pelo fato de haver interesse público, na medida em que, como dito, resultam mudanças no sentido de direitos e deveres de adotantes e adotados. Dessa forma, necessária a propositura de uma ação por intermédio de um advogado.

Efetivada a adoção, haverá o cancelamento do registro original e será expedido um novo registro, no qual constará o novo nome do adotado. O reconhecimento do filho maior é um aro complexo e apenas consuma seus efeitos quando do seu consentimento. São atos distintos e complementares (DIAS, 2017, p. 442).

 

 

2.2.3.4 Posse do Estado de Filho

 

 

A chamada posse do estado de filho ocorre quando as pessoas usufruem de uma situação jurídica não correspondente aos fatos. Fabíola Santos Albuquerque traz a noção de posse de estado de pai, que exprime reciprocidade com a posse de estado de filho: uma não existe sem a outra.

Maria Berenice Dias, afirma que a noção de posse de estado de filho não se estabelece com o nascimento, mas num ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade, colocando em xeque tanto a verdade jurídica, quanto à certeza científica no estabelecimento da filiação (DIAS, 2017, p. 428).

A doutrina contempla três elementos caracterizadores da posse do estado de filho, sendo eles: a) tractatus – quando o filho é tratado como tal, criado, educado e apresentado como filho ante a sociedade; b) nominatio – quando o nome da família é passado à criança; e c) reputatio – quando há notoriedade acerca da filiação, ou seja, a fama de filho.

Por infelicidade, não temos em nosso ordenamento jurídico a real abrangência da noção de posse de estado de filho, instituto que possui forte significado e que dá origem à filiação socioafetiva. Neste sentido, Maria Berenice Dias:

 

 

“A filiação socioafetiva assenta-se no reconhecimento da posse de estado de filho: a crença de condição de filho fundada em laços de afeto. A posse de estado é a expressão mais exuberante do parentesco psicológico, da filiação afetiva. A maternidade e a paternidade biológica nada valem frente o vínculo afetivo que se forma entre a criança e aquele que trata e cuida dela, lhe dá amor e participa de sua vida” (DIAS, 2017, p. 428).

 

 

Assim, observa-se que a posse de estado de filho nada mais é que do que a relação paterno-filial em que, embora não expressa na legislação, há publicidade, notoriedade e principalmente a verdadeira criação baseada no afeto, nascendo, então, a paternidade socioafetiva, que vem tomando seu lugar diante da doutrina e gradativamente na jurisprudência nacional.

 

 

2.3 Da Paternidade Socioafetiva

 

 

2.3.1 Conceito

 

 

A filiação que resulta da posse do estado de filho constitui uma das modalidades de parentesco civil de “outra origem”, previstas na lei (CC 1.593): origem afetiva (DIAS, 2014, p. 429). A relação paterno-filial que existe independente do fator biológico ou em virtude de presunção legal, decorrente de uma comunhão afetiva é a chamada paternidade socioafetiva.

A paternidade socioafetiva é fundada na posse do estado de filho e, segundo Maria Berenice Dias, é uma espécie de adoção de fato. Tal relação é construída pela convivência e tem a afetividade como direito fundamental. José Bernardo Ramos Boeira diz que:

 

“A constância da relação entre pais e filhos caracteriza uma paternidade que existe não pelo simples fato biológico ou por força da presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva” (BOEIRA, 2004, p. 54).

 

 

De fato, a afetividade é o principal elemento dessa modalidade de paternidade. Ela quebra estigmas e mostra que o vínculo consanguíneo foi passado a outro patamar, de menor relevância.

Não há nada que tire de um filho a imagem de um pai que se apresenta em todos os momentos, que lhe protege, lhe dá amor e proporciona educação, inclusive participando de sua vida escolar.

De nada serve o fator biológico se não há criação de laços de afetividade. O pai socioafetivo “é o pai das emoções, dos sentimentos e é o filho do olhar embevecido que reflete aqueles sentimentos que sobre ele se projetam” (CHAVES e ROSENVALD,2015, p.120).

A Revista Brasileira de Direito de Família, em escrito publicado no número 1, publicou:

 

 

“Pai é o que cria. Genitor é o que gera. Esses conceitos estiveram reunidos, enquanto houve primazia da função biológica da família. Afinal, qual a diferença razoável que deva haver, para fins de atribuição de paternidade, entre o homem doador do esperma, para inseminação heteróloga, e o homem que mantém uma relação sexual ocasional e voluntária com uma mulher, da qual resulta concepção? Tanto em uma como em outra situação, não houve intenção de constituir família” (Revista Brasileira de Direito de Família, “O exame de DNA e o princípio da dignidad da pessoa humana”, p. 72. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v.8, n.39, Dez./Jan., 2007”).

 

 

Assim, nota-se que a verdade real consiste no fato do filho gozar da posse de estado.

O Código Penal, em seu artigo 242, configura como delito o registro do filho de outrem, a chamada “adoção à brasileira”. Embora haja a imputação deste crime, a filiação não deixa de produzir seus efeitos, já que o envolvimento afetivo foi o que deu origem à posse do estado de filho.

Em contrapartida, o Enunciado 06 do IBDFAM[2], normatizou o reconhecimento da paternidade socioafetiva, dando-lhe a produção de todos os efeitos pessoais e patrimoniais que lhe são inerentes. Outrossim, os Enunciados 28 e 16/2013 regulamentaram o registro tardio do filho que tem mais de 12 anos de idade sem paternidade registral.

Podemos observar, então, que a relação paterno-filial socioafetiva é aquela que se revela no transcurso da convivência; é uma conquista que ganha grandeza e se consubstancia nos detalhes. É fruto do querer, onde o desejo de ser pai se constrói na via do querer ser filho. Assim, a verdade socioafetiva nem sempre é verdade desde logo, nem sempre se apresenta desde a concepção ou do nascimento, ela se constrói e refina-se no seio da vivência familiar.

 

 

2.3.2 A Prevalência da Paternidade Socioafetiva à Biológica

 

 

A Paternidade Socioafetiva tem como principal objetivo o melhor interesse da criança. É imensuravelmente mais benéfico um filho estar sob os cuidados de um pai que, em que pese a ausência do vínculo consanguíneo, é sempre presente, participa de suas atividades, lhe dá amor, carinho e lhe transmite o verdadeiro significado de ser filho, do que sob os cuidados de um homem que, embora seja o genitor, não lhe dispende o mínimo de atenção.

A filiação socioafetiva encontra sólido apoio nas normas constitucionais sobre direito de família, passa a ter a assento infraconstitucional, no artigo 1.593 do Código Civil, que menciona a possibilidade de embasar-se o parentesco na consanguinidade ou em “outra origem”, locução que engloba a origem afetiva (FACHIN, 2003, p. 17).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), em seus artigos 28 a 52, tutela o elemento socioafetivo na relação familiar, na medida em que trata das famílias substitutas e que pode derivar do artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que preconiza a busca na finalidade social.

É importante tratar da diferença entre pai e genitor, devido a espaçosa diferença entre ambos conceitos. Pai é o que desempenha o papel protetor, educador e de apoio emocional, por sua vez, o genitor nada mais é do que o dono do material genético utilizado para a fecundação, independentemente de seu método.

A própria Constituição Federal nos traz fundamentos do estado geral de filiação, não se restringindo apenas à filiação biológica. Os artigos 226 e 227 da CF nos trazem exemplos: a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art, 227, § 6º); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade da família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); d) o direito à convivência familiar, e não a origem genética, constitui prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227, caput).

Portanto, nota-se que “passou-se a desprezar a verdade real quando se sobrepõe um vínculo de afetividade” (DIAS, 2017, p. 465).

É justo que toda pessoa tenha uma família, um lar, relações de afeto e que tenha uma vida banhada de dignidade. Justamente por não ser sempre deste modo no plano real, é que devemos valorizar a convivência afetiva tanto no âmbito familiar, quanto diante das leis.

Se por um lado o Código Civil de 1916 estabelecia diferenciação de filiação legítima filiação biológica, discriminava os filhos tidos de outra forma senão em sede matrimonial, o Código Civil de 2002, consagrou, em sede infraconstitucional, traços fundamentais em favor da paternidade de qualquer origem, sendo ela biológica ou não.

Assim, expandido o conceito de estado de filiação a fim de acolher todos os filhos, sem distinção, destacam-se as seguintes referências abordadas pelo Código Civil de 2002 e sua notória primazia pela paternidade socioafetiva:

a)           Artigo 1.593, segundo o qual o parentesco é natural ou civil, “conforme resulte consanguinidade ou outra origem”;

b)           Artigo 1.596, que referencia a igualdade dos filhos, havidos ou não da relação de casamento;

c)           Artigo 1.597, inciso V, que incluiu a filiação por meio de inseminação artificial heteróloga;

d)           Artigo 1.605, que consagra a posse do estado de filho, “quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos”. Cumpre ressaltar que o código não indica as espécies de presunção, ou a duração, o que nos parece à melhor orientação;

e)           Artigo 1.614, contempla duas normas, onde uma depende do consentimento do filho maior e a segunda faculta ao filho menor a impugnação do reconhecimento da paternidade. Assim, se o filho não deseja o pai biológico, que não o registrou após o nascimento, pode rejeita-lo, permanecendo no registro apenas o nome da mãe.

Ante os marcos do nosso sistema legislativo e as alterações por ele sofridas ao decorrer da história, não se pode afirmar que o vínculo biológico é preferencial ao afetivo, muito pelo contrário. A paternidade é, a bem da verdade, um complexo de direitos e deveres aos quais são atribuídos a alguém que esteja disposto a exerce-los, independentemente de vínculo consanguíneo.

 

  2.3.3     Ação Declaratória da Paternidade Socioafetiva

 

 

Observou-se, ao decorrer do estudo do presente tema, que se passou a desprezar a verdade real quando se sobrepõe um vínculo de afetividade.

Maria Berenice Dias ensina que o desenvolvimento da sociedade e as novas concepções da família emprestaram visibilidade ao afeto, quer na identificação dos vínculos familiares, quer para definir os elos de parentalidade (DIAS, 2017, p. 465).

Ao invés de buscarmos a identificação de quem é o genitor ou a genitora, passamos a ponderar o melhor interesse da criança no momento de se descobrir quem é o verdadeiro pai.

Questiona Zeno Veloso:

 

 

“Se o genitor, além de um comportamento notório e contínuo, confessa, reiteradamente, que é o pai daquela criança, propaga esse fato no meio em que vive, qual a razão moral e jurídica para impedir que esse filho, não tendo sido registrado como tal, reivindique, judicialmente, a determinação de seu estado? ” (VELOSO, 1997, p. 28)[3]

 

 

Desta forma, a vedação legal de qualquer discriminação referente à origem da filiação mostra que é possível que, para que seja feito o reconhecimento, não se procure apenas a verdade biológica, mas principalmente a filiação afetiva.

Embora que, de acordo com a Lei de Adoção de 2009, todo adotante deva estar cadastrado, obrigatoriamente, no CNA (Cadastro Nacional de Adoção), na prática ocorre a famosa “adoção à brasileira”, onde alguém registra outrem como seu filho, independente do fator biológico.

O dispositivo legal que ampara o reconhecimento do filho é o artigo 1.607 e seguintes do Código Civil, onde não há previsão alguma sobre a exclusividade aos filhos biológicos, ou seja, é possível o reconhecimento dos filhos socioafetivos.

O fato de haver um pai registral biológico não impede o reconhecimento da paternidade socioafetiva, surgindo daí a Ação Declaratória de Paternidade Socioafetiva, onde, em tese, altera-se o registro civil da criança, retirando o nome do pai biológico e incluindo o do pai socioafetivo. Destarte, é cabível o reconhecimento da paternidade socioafetiva a fim de que haja a preservação de uma filiação já constituída fundada no afeto.

A possibilidade de um reconhecimento de filiação socioafetiva, extrajudicialmente, em cartório, ocorre em diversas situações e é uma prática bem mais célere. Contudo, quando uma pessoa chega ao cartório e declara seu desejo em registrar seu filho – sendo a filiação socioafetiva – é uma espécie de falsa declaração, portanto, o tabelião orientará as partes para que realizem um processo de adoção judicial, com o intuito de evitar futuros problemas. Assim, há a possibilidade de declarar a parentalidade socioafetiva por meio do Poder Judiciário.

O artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que “o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”.

Em consonância ao entendimento da doutrinadora Maria Berenice Dias, não há impedimento algum a quem não foi registrado de procurar saber quem é seu pai. Contudo, se alguém registrou filho alheio como se fosse seu, mesmo sabendo não ser o pai – a famosa adoção à brasileira – descabe limitar a busca da identidade biológica (DIAS, 2017, p. 469). Assim, não há que se falar em perda do direito de estado por inércia de seu titular, já que o reconhecimento da parentalidade é uma ação imprescritível.

No que diz respeito à competência territorial da mencionada ação, temos, de acordo com o artigo 46 do Código de Processo Civil, que ação pode ser ajuizada no domicílio do réu ou, sendo menor uma das partes, a competência fixa-se no domicílio do guardião responsável (Súmula 383 do STJ). Ademais, se houver cumulação de pleito alimentar, a ação será ajuizada no domicílio do alimentante (Súmula 1 do STJ).

Quando o autor for incapaz, conforme artigo 178, inciso II, do Código de Processo Civil, o Ministério Público possui legitimidade para propor a ação. Entretanto, não somente o filho poderá promove-la, mas também seus descendentes em face dos avós ou quaisquer ascendentes.

Em seu artigo 1.593, o Código Civil, estabelece que “parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Assim, é nítido o entendimento de que não há necessidade de vínculo biológico para que exista a relação de parentesco.

Em suma, apesar da intervenção judicial dificultar um pouco a realização do reconhecimento, é necessária a concordância do pai e do filho – se maior de 18 anos – onde uma simples petição tramitará nas varas da família. Assim que reconhecida a parentalidade e prolatada sentença de forma procedente, é expedido um mandado judicial de averbação para o cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais a fim de que conste o nome do pai no registro do filho.

Em outro caso, há a possibilidade da adoção póstuma, prevista no artigo 42, § 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente, sem que tenha iniciado o respectivo processo, nesta hipótese, é exigida inequívoca manifestação de vontade em adotar. No entanto, esclarece Maria Berenice Dias, que não se confunde com a declaração de filiação socioafetiva post mortem, em que é suficiente a prova de o filho gozar da posse de estado, após o falecimento de quem desempenhou as funções de pai (DIAS, 2017, p. 466)


3. MATERIAIS E MÉTODOS

 

 

A importância do tema surge ante as mudanças experimentadas pela família brasileira e seu conceito na sociedade. É preciso relatar a existência do instituto da paternidade socioafetiva e suas consequências.

Hoje, os modelos de família mudaram e é de extrema relevância abordar os pontos que caminham a favor ou contra a desconstituição da paternidade socioafetiva, bem como sua aceitação no meio social.

Para elaboração do trabalho, foi realizada a revisão de bibliografias, a fim de que fossem reunidos estudos relevantes acerca da Paternidade Socioafetiva, baseando-se, além da lei, nos conhecimentos dos autores conhecedores do assunto, bem como na jurisprudência nacional.

As pesquisas bibliográficas foram fundamentadas em grandes autores, artigos científicos e na legislação pátria, com o intuito de identificar e analisar a possibilidade ou não da desconstituição da paternidade socioafetiva.

O trabalho trouxe uma breve abordagem acerca da evolução história da família contemporânea e analisou de forma sucinta o instituto da filiação e a possibilidade do reconhecimento da paternidade socioafetiva.

A respeito do tema, José Bernardo Ramos Boeira, diz que “a constância da relação entre pais e filhos caracteriza uma paternidade que existe não pelo fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva (BOEIRA, 2004, p. 133-156).

A presente pesquisa enfocou o estudo no reconhecimento da paternidade socioafetiva e o fato de que, mesmo após reconhecer o filho, os pais buscam o judiciário a fim de se esquivar da responsabilidade paterna.

Para que houvesse uma conclusão em relação à questão inicial, com base na legalidade, foram necessárias consultas à internet, doutrinas e artigos, assim como a consulta nas leis, jurisprudências e eventuais estatutos.

Portanto, ante as mudanças experimentadas pelo Direito de Família e principalmente pelo instituto da filiação, a intenção do trabalho é conhecer o entendimento dos tribunais e com base em que eles se dão, melhor dizendo, como os julgadores analisam a situação fática da socioafetividade e até que ponto ela se sobressai à paternidade biológica, permitindo sua desconstituição.


4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

 

 

Algumas espécies de filiação já possuem na doutrina o entendimento de não são reversíveis. É o caso da adoção e da inseminação artificial que, consumado o processo de adoção ou consentindo a inseminação, consagra-se um laço da filiação que não pode ser desfeito (LOBO, 2003, p. 137).

Entretanto, ainda não encontrou a filiação socioafetiva uma pacificação de entendimentos como nos outros casos. Por muito tempo a afetividade foi tida como mero aspecto meta-jurídico, onde pode-se dizer que negava-se a este instituto a produção de seus efeitos, não o levando em consideração dentro da instituição familiar.

Na expressão de Fachin, passou a ser reconhecido pela jurisprudência o “valor jurídico do afeto”, como elemento primordial para o estabelecimento da filiação (FACHIN, 2003, p. 28).

Ademais, a própria Carta Magna trouxe-nos uma repaginação das relações familiares, de modo que a afetividade passou a ser um princípio fundamental. O afeto, então, torna-se elemento essencial à composição da filiação, ou seja, havendo afeto, convivência, tratamento recíproco paterno-filial em razoável espaço de tempo, há a filiação socioafetiva.

Deste modo, o artigo 227, § 6º, da Constituição Federal, prevê o reconhecimento judicial desta relação, dando a ela todos os efeitos de qualquer outro vínculo de filiação.

Além do mais, o Código Civil Brasileiro de 2002, em seu artigo 1.593, possibilitou, ainda que de maneira implícita, a verificação da paternidade socioafetiva, no momento em que dispõe sobre o termo “outra origem”. Neste sentido, sustenta Maria Berenice:

 

 

“Um vínculo de filiação socioafetiva, gozando da posse do estado de filho, ainda assim pode buscar a identificação da verdade biológica. A ação será acolhida, mas a sentença terá meramente conteúdo declaratório. Sem efeitos jurídicos outros, dando ao autor somente a segurança jurídica sobre a relação de paternidade. Ou seja, se for adotado, se estiver registrado por alguém ou mantiver com esses ou com outra pessoa que desempenhe o papel de pai um vínculo de filiação, goza do estado de filho afetivo” (DIAS, 2005, p. 363).

 

Deste modo, vemos mais uma vez que o laço consanguíneo não é o mais importante, sendo de maior relevância a afetividade criada entre a relação paterno-filial, relação esta que não se desfaz apenas com uma intervenção jurídica.

Outrossim, a partir do artigo 1.605 do Código Civil de 2002, temos que, não havendo documento que comprove a filiação, essa se dará pela posse do estado de filho, bastando a comprovação de afetividade e convivência entre a criança e seu pai, independentemente da verdade biológica.

Portanto, diante do estudo do reconhecimento da paternidade, vê-se que, estando consolidada a filiação socioafetiva, o estado de filho adquirido jamais será perdido, ainda que haja interrupção de seus elementos fáticos por algum motivo – a separação dos pais, por exemplo. Assim, após constatação da existência da paternidade socioafetiva, não há possibilidade de se desconstituir este vínculo.

No que tange ao vício de erro no reconhecimento da paternidade, sabe-se que hoje é muito comum o homem, mesmo sabendo que não é o pai biológico da criança, registra-la por livre e espontânea vontade. É possível verificar algumas situações em que os pais biológicos desprezam seus filhos e estes são registrados e acolhidos por um terceiro, como um namorado ou marido da mãe, assumindo as responsabilidades de um verdadeiro pai. Esse fato é mais conhecido como “adoção à brasileira”, onde a paternidade é gerada a partir de uma simples vontade diante do registro público.

Nesta hipótese, não há vício do consentimento do erro, na medida em que a inexistência de vínculo biológica está previamente esclarecida, não sendo possível a alegação de qualquer defeito na manifestação de vontade.

Entretanto, há casos em que o pai registral, motivado pelo rompimento do relacionamento com sua companheira, busca a invalidação do registro realizado, com o objetivo de desfazer o vínculo com a criança, sobretudo o vínculo jurídico e obrigacional – o dever de pagar alimentos e outras obrigações oriundas da paternidade.

Não obstante, o entendimento que vem se pacificando é de que nesses casos é impossível a desconstituição da paternidade, além do mais, o conhecimento da realidade impossibilitaria o afastamento da eficácia do ato já efetivado.

Neste sentido, foi a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

 

 

EMENTA: APELAÇÃO. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Descabido anular o registro e paternidade, ainda que o apelante não seja o pai biológico da apelada. Quando o registro foi feito o apelante sabia não ser o pai biológico. E ademais sempre criou a apelada como filha, o que consubstancia a paternidade socioafetiva. NEGARAM PROVIMENTO. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 700016096596. Rel. Rui Portanova. Porto Alegre, 26 de outubro de 2006)

 

 

Observa-se que a decisão fundou-se na afetividade, na medida em que a improcedência da ação se deu, justamente, pela comprovação do vínculo entre pai e filha, mesmo não havendo ligação consanguínea, igualando, de certo modo, a paternidade socioafetiva à paternidade biológica.

Em suma, a desconstituição da paternidade é possível desde que o reconhecimento da paternidade seja oriundo de erro, ou seja, quando ao registrar a criança, acredita-se que há realmente vínculo biológico.

Ainda, conforme extraído do estudo do presente trabalho, observa-se que, além da presunção da paternidade, há uma possibilidade de que a filiação se origine do reconhecimento voluntário.

Em muitos casos, senão a maioria, esse reconhecimento é efetivado com boa-fé, ou seja, realiza-se o reconhecimento por livre e espontânea vontade, acreditando-se que há um vínculo biológico entre o declarante e o declarado.

Nesse compasso, havendo uma posterior descoberta de que na verdade não existe consanguinidade na relação, isto é, se o pai registral descobre que a paternidade fora reconhecida baseada numa inverdade, é possível, juridicamente, o ingresso de uma ação de desconstituição, em tese, independente de lapso temporal de convivência.

Nota-se, nessa hipótese, que o direito do pai à desconstituição se origina do erro no momento do reconhecimento. Em muitos casos, assim que verificado o erro, o pai busca o judiciário a fim de afastar o vínculo existente com o filho, contudo, esquece-se da atenção devida à criança, que nada tem a ver com o erro do pai. Desta forma, por óbvio, quem acaba sofrendo é o próprio filho.

À época da vigência do Código Civil de 1916, a situação era vista apenas como prejudicial ao pai, analisando a matéria unilateralmente, deixando de lado os interesses do filho.

Ocorre que, graças à evolução do Direito Civil, principalmente ao tocante à filiação, de forma que se passou a considerar, acima de tudo, o benefício do filho. Essa nova visão do Direito de Família é consubstanciada no princípio da dignidade da pessoa humana, na proteção integral de crianças e adolescentes e também na igualdade de direitos entre os filhos.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu, em decisão, unânime, da Terceira Turma, que sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi deu provimento ao recurso especial do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) que, aquele que reconhece voluntariamentea paternidade de uma criança com a qual sabia não ter vínculo biológico não possui o direito subjetivo de propor posteriormente uma ação negatória de paternidade, sem que esteja caracterizado algum vício de consentimento, como por exemplo o erro ou a coação.

Assim, vemos que o que vem sendo analisado pelos julgadores é a postura de quem registra, de modo que, se quem realizou o registro tinha conhecimento de que não havia vínculo biológico ou ao menos possuía dúvidas a esse respeito, não obterá êxito em seu pleito de desconstituição. Todavia, se o reconhecimento foi oriundo de erro, não deixando de levar em consideração o liame afetivo e a posse de estado de filho, desconsidera-se toda a situação estabelecida, privilegiando-se os interesses daquele que registrou em detrimento do filho que fora reconhecido.

Deve-se tomar o lugar do filho por um momento, para que seja possível visualizar uma situação como esta. Na maioria dos casos, a paternidade lhe é retirada do mesmo modo em que foi concedida: sem seu consentimento, como se nada em sua vida fosse mudar.

Tanto nos casos constituídos ou no registro oriundo de presunção, os filhos estão na mesma situação. Ele cresce na presença de um pai, até que este descubra que não possui vínculo genético e requisita a desconstituição da paternidade.

Como se nota, os casos de engano ou erro no registro também levantam o questionamento sobre a prevalência da parentalidade socioafetiva. Proposta a ação negatória de paternidade, nos casos em que há vínculo afetivo com o filho, no máximo, a demanda poderá ser julgada parcialmente procedente, apenas para declarar que o autor não é o pai biológico da criança. Porém, o vínculo de filiação deve ser mantido (TARTUCE, 2015, p. 1.380 e 1.383).

Maria Berenice Dias nos diz que:

 

 

“Comprovada a existência do vínculo afetivo, e desfrutando o filho da posse de estado com relação ao pai registral, a demanda não pode prosperar. Entre o direito do pai de negar a paternidade biológica e o direito do filho de ver preservada a condição com a qual sempre se identificou, não há como deixar de dar prevalência à filiação afetiva (DIAS, 2017, p. 457).

 

 

Assim, independente de erro, o autor precisa demonstrar que não entretém com o filho que lhe foi impingido qualquer vínculo de convivência. Melhor dizendo, é necessária a comprovação de que, além da ausência de vínculo biológico, também não existe relação socioafetiva, não desfrutando o filho da posse de estado.

Nota-se que com o passar do tempo e com as evoluções experimentadas pelo Direito de Família, a posse do estado de filho passou a ser aceita e inserida em nossas jurisprudências. Hoje, esse fenômeno criou forças e ganhou seu lugar no mundo jurídico, de modo que possui respaldo dos nossos julgadores e é de grande relevância nos casos que envolvem relações paterno-filiais.

A fim de que possamos entender melhor e visualizar de forma clara a paternidade socioafetiva e sua influência nos tribunais, passamos a alisar algumas decisões peculiares:

 

 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA SOBRE O VÍNCULO BIOLÓGICO. DEMONSTRADA A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA, PELO PRÓPRIO DEPOIMENTO DA INVESTIGANTE, POSSÍVEL O JULGAMENTO DO FEITO NO ESTADO EM QUE SE ENCONTRA, SENDO DESNECESSÁRIA A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA OU INQUIRIÇÃO DE OUTRAS TESTEMUNHAS, QUE NÃO PODERÃO CONDUZIR À OUTRA CONCLUSÃO SENÃO DA IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. PRELIMINARES REJEITADAS E RECURSO DESPROVIDO, POR MAIORIA. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível Nº 70015562689, Sétima Câmara Cível, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 28/02/2007)

 

 

Quando nos deparamos com uma ação em que há interesse de uma criança, é de extrema importância de que seja considerado o vínculo afetivo existente entre pai e filho, como já dito no desenvolver do trabalho, nesses casos, a afetividade se sobrepõe à consanguinidade. Outrossim, é necessária a prova desse vínculo, ou seja, é necessária que seja comprovada a relação de afeto entre pai e filho, bem como todos os elementos constitutivos da posse do estado de filho.

No acórdão supracitado, é possível verificar que apenas o depoimento da parte apelante foi suficiente para respaldar a improcedência da ação, sendo dispensado qualquer exame de DNA ou inquirição de testemunhas. Graças à comprovação da afetividade, o vínculo da afetividade se sobrepôs ao vínculo biológico.

Analisando outra decisão, podemos ver que a afetividade foi elevada a um patamar onde o que importa é o benefício do filho:

 

 

EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE RECONHECIMENTO. PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA NÃO CONFIGURADA. A paternidade não é apenas um mero fato, um dado biológico, e sim, uma relação construída na vida pelos vínculos que se formam entre o filho e seu genitor. Caso em que as evidências levam à conclusão de que o reconhecimento da paternidade foi decorrente de erro, e não de decisão consciente do autor, o que o levou a afastar-se da criança, tão-logo soube que não era seu filho, entre ambos não se formando a relação socioafetiva que deve ser preservada. Negaram provimento, por maioria, vencido o Relator.RIO GRANDE DO SUL. (Tribunal de Justiça, Apelação Cível Nº 70000849349, Sétima Câmara Cível, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 20/08/2003).

 

 

Ainda, observamos que para que seja caracterizada a paternidade socioafetiva é necessária a efetivação dos elementos da posse de estado de filho, bem como a real convivência entre as partes desta relação. No caso da decisão acima, vemos que, embora houvesse o registro da paternidade, este foi oriundo de erro e, sobretudo, houve o afastamento da criança, ou seja, não sucedeu nenhuma vinculação de afeto entre o filho e o suposto pai, motivo pelo qual negaram provimento.

Cumpre ressaltar que, além dos fundamentos caracterizadores da paternidade socioafetiva, é necessário um lapso temporal, isto é, énecessário um tempo para que essas características se legitimem. Nessa hipótese o afeto se sobressai ao vínculo genético:

 

 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. Não obstante ter o exame de DNA afastado a paternidade, deve prevalecer a realidade socioafetiva sobre a biológica, diante da relação formada entre pai e filha ao longo de anos. RECURSO DESPROVIDO.58 RIO (GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, Apelação Cível Nº 70007706799, Oitava Câmara Cível, Relator: Alfredo Guilherme Englert, Julgado em 18/03/2004)

 

 

EMENTA: APELAÇÃO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇÃO DE REGISTRO. PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Embora filho biológico do investigado, o investigante foi criado pelo pai registral por mais de 30 anos, criando verdadeira paternidade socioafetiva, que prevalece sobre o vínculo genético. NEGARAM PROVIMENTO.(RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, Apelação Cível Nº 70017016908, Oitava Câmara Cível, Relator: Rui Portanova, Julgado em 30/11/2006).

 

 

É possível verificar, na decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que, o entendimento do nobre julgador é de que aausência do vínculo biológico somada à ausência de afetividade é a hipótese em que caberia a negação de paternidade; caso contrário, não há como impor certos deveres ao pai de registro:

 

 

DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. VÍNCULO GENÉTICO INEXISTENTE. PATERNIDADE SOCIO-AFETIVA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO ENTRE AS PARTES. Para a procedência da ação negatória de paternidade é necessária a inexistência dos vínculos biológico e sócio-afetivo. Inexistentes ambos os vínculos, deve ser negada a paternidade. Não pode o Judiciário impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai sócio-afetivo.

(TJ-DF - APC: 20120510066166 DF 0006439-26.2012.8.07.0005, Relator: ESDRAS NEVES, Data de Julgamento: 17/09/2014, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 30/09/2014 . Pág176)

 

 

Nery Junior, explica que o posicionamento da doutrina brasileira quanto à desconstituição da paternidade socioafetiva por quem registrou filho de outro como seu, por espontânea vontade através de uma ação negatória de paternidade, é de impossibilidade (JUNIOR, 2008, p. 1071).

Outrossim, a jurisprudência nacional tem se mostrado pacífica no sentido de que somente é possível a desconstituição da paternidade não biológica, quando, além da inexistência de ligação consanguínea, não há vínculo afetivo.

Arrematando o presente capítulo, que tem por objetivo a análise da paternidade socioafetiva em nossa jurisprudência, é possível notar que em momento algum a filiação jurídica ou biológica é totalmente afastada, contudo, há casos e situações especiais em que a paternidade socioafetiva é tida como mais relevante, acima de tudo por ser indispensável no desenvolvimento de um ser humano.

Portanto, vemos com clareza a importância dos operadores do direito no sentido de que, com seus entendimentos e com a forma de julgar, conquistamos a cada dia e a cada caso a consagração da paternidade socioafetiva.

 

 

 


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

A afetividade na relação familiar, sem dúvidas contribui de uma maneira positiva ao crescimento dos filhos, de modo que, se não inseridos nesse âmbito, dificilmente terão condições psicológicas para um desenvolvimento pleno. A entidade familiar é concebida de diversas formas, tanto pelo casamento, pela união estável ou por um meio constituído por qualquer um dos pais e seus descendentes, sobretudo, revestido e baseado no afeto.

O conceito de família modificou ao passar dos tempos. A visão hierárquica e patriarcal que tínhamos, deu lugar a diversos modelos dessa instituição, onde a finalidade é o bem-estar de seus componentes.

Ao passo que houve uma redução no número dos integrantes da entidade familiar, verificamos algumas outras modificações na família contemporânea. Hoje, vivemos a emancipação da mulher, a qual tem buscado a vida fora do lar, muitas vezes sendo a provedora, enquanto o homem passou também a desempenhar atividades dentro da casa.

Isto posto, vemos que o principal papel da família é o suporte emocional, onde deve haver intensidade nos laços afetivos, com a demonstração da vontade de estar e permanecer, de forma a convivência efetivamente contribuirá para a evolução de todos que ali habitam.

O tema estudado é de extrema relevância, principalmente ante as mutações da sociedade, na qual valoriza-se a dignidade humana, a proteção das crianças e adolescente, bem como o princípio da igualdade. Ficou claro durante a pesquisa, que a paternidade vai muito além da genética, do vínculo biológico ou da concepção propriamente dita. A paternidade passou a ser vista como o exercício de uma função na qual há dispêndio de amor, carinho e, sobretudo, uma verdade construída com base na convivência e no afeto.

Desarte, é preciso entender que a criança não é um meio para a conquista de objetivos pessoais e qualquer ação levada a juízo deve ser fundamentada nisso, na medida em que, um entendimento contrário, estaria ferindo princípios previstos em nossa Constituição Federal.

Assim que reconhecida a paternidade, de forma espontânea, ciente da ausência de ligação biológica, o pai jamais poderia cogitar uma ação com a finalidade de extingui-la. Constituída a posse do estado de filho, gerados laços de afeto, a permissão da ruptura desse vínculo produz um grave atentado à dignidade humana (CF, art. 1º, inc. III).

É plausível afirmar, com base na presente pesquisa, que a paternidade socioafetiva possui fundamento legal. A Constituição Federal, em seus artigos 226 e 227, que dizem respeito à igualdade dos filhos, à equiparação dos filhos adotados, à garantia de convivência familiar, à solidariedade entre os entes familiares, nos permite concluir que não se pode distinguir essa espécie de paternidade das demais, já que são todas iguais. Por sua vez, e no mesmo sentido, o Código Civil de 2002, temos os artigos 1.593 e 1.596, que dispõe acerca da equiparação e da irrevogabilidade da paternidade socioafetiva.

Portanto, ao falar sobre ação negatória de paternidade, pressupõe-se um vício de consentimento, que macula o ato da perfilhação. Isso, porque há casos em que o homem é induzido, erroneamente, pela mulher ao registrar o filho. Não obstante, não é uma briga de casal ou a própria separação que deve levar o pai a desconstituir a paternidade de uma criança, mormente quando há vínculo afetivo e convivência. De qualquer forma, não podem ser desfeitos os efeitos da paternidade, como o dever de prestar alimentos, por exemplo.

Logo, mesmo que haja algum vício no ato do registro, independente de consanguinidade, os vínculos criados com o filho são indissolúveis e irretratáveis. Neste caso, o registro de nascimento é apenas uma exteriorização da comunhão de afeto e a ação de desconstituição não enseja êxito.

O material apresentado não exaure a discussão a respeito da Impossibilidade da Desconstituição da Paternidade Socioafetiva, entretanto, servirá como contribuição para alastrar a discussão acerca do tema, trazendo um apanhado desse conteúdo extremamente atual em nossa sociedade.

 


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