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Texto enviado ao JurisWay em 25/10/2017.
Última edição/atualização em 20/04/2018.
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Costumeiramente, e até mesmo tradicionalmente, a expressão “achado não é roubado; quem perdeu, foi relaxado” é reproduzida pelas pessoas ao acharem determinado objeto, como forma de justificar a aquisição do bem achado, passando a agir como se donas dele fossem.
Questiona-se, pois, se a expressão em perspectiva é juridicamente correta.
Efetivamente, achar determinado bem na rua, por exemplo, não constitui a conduta criminosa de furtar ou roubar, estas presentes, respectivamente, nos artigos 155 e 157 do Código Penal Brasileiro, as quais pressupõem a ação voluntária de subtrair coisa alheia móvel, adicionando-se a ameaça, violência ou redução da capacidade de resistência do possuidor/proprietário do bem na hipótese de roubo.
Entretanto, a conduta revelada pelo dito popular em estudo se amolda perfeitamente a outro tipo penal, previsto no art. 169, parágrafo único, inciso II, do Código Penal, senão vejamos:
Art. 169: Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força maior.
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Na mesma pena incorre:
[...]
II – quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro do prazo de quinze dias.
Trata-se do crime denominado de "apropriação de coisa achada", incidindo nele quem achar qualquer objeto perdido e não o restituir para o dono, o legitimo possuidor ou a autoridade competente, no prazo de 15 dias, não devendo o bem achado ser confundido com objeto abandonado ou sem dono, sendo a apropriação destes circunstância penalmente atípica.
Portanto, em que pese achar coisa perdida e não devolvê-la não configurar roubo ou furto, fato é que a situação também é ilegal, porquanto configura outro tipo penal.
Além disso, corroborando os preceitos do Código Penal, o Código Civil Brasileiro, entre seus artigos 1.233 e 1.237, prevê um verdadeiro sequenciamento de tratativas para aquele que ache determinada coisa perdida.
Com efeito, o caput do art. 1.233, estabelece que “quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono ou ao legítimo possuidor”. Por seu turno, o parágrafo único do mesmo artigo dispõe que “não conhecendo (o dono ou o possuidor), o descobridor (quem acha a coisa) fará por encontrá-lo, e, se não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente”.
A partir da leitura integrada de ambos os dispositivos, entende-se que aquele que ache determinado bem deve procurar restituí-lo ao dono ou possuidor. Na impossibilidade de fazê-lo, deve entregar a coisa achada à autoridade competente.
Convém destacar que o efeito legal que incide sobre descobridor não é tão somente o ônus da entrega da coisa, pois o art. 1.234 da Legislação Substantiva Civil prevê o instituto da recompensa equivalente a, no mínimo, 5% (cinco por cento) do valor do objeto achado e entregue, a ser paga ao descobridor, assim como a indenização pelas despesas que eventualmente este tiver feito para a conservação e o transporte da coisa.
Na determinação do montante recompensatório, dever-se sopesar o esforço que o descobridor empreendeu para devolver o bem, como também a possibilidade que o dono ou o possuidor teriam para encontrá-lo, além da situação econômica das partes envolvidas.
A recompensa e a possível indenização serão pagas pelo proprietário ou pelo possuidor. No entanto, nas situações em que eles não sejam encontrados, a autoridade competente a quem o bem foi entregue dará conhecimento da descoberta na imprensa e outros meios de informação. Decorridos 60 (sessenta) dias da publicação do informe, não aparecendo qualquer daqueles, a coisa será vendida em hasta pública.
Do valor obtido com a alienação em hasta pública, serão deduzidas a recompensa e a eventual indenização a que tem direito o descobridor, revertendo o saldo remanescente para o Município em cuja circunscrição o objeto foi perdido. Além disso, sendo baixo o valor da coisa, a municipalidade pode abandonar a coisa em favor de quem a achou.
Face ao exposto, deve-se entender por equivocada a costumeira expressão “achado não é roubado; quem perdeu, foi relaxado”, uma vez que, caso alguém ache algum bem e decida tomar para si a sua propriedade, estará cometendo tanto um ilícito penal, consistente no crime de apropriação de coisa alheia, quanto um ilícito civil, notadamente em razão da vedação ao enriquecimento sem causa, devendo o descobridor restituir a coisa a quem perdeu ou à autoridade competente, pleiteando a sua recompensa e eventual indenização por conservação e transporte da coisa achada.
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