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Da competência territorial: o melhor interesse do adolescente e o princípio da prioridade absoluta - quando o local em que se vive não cumpre com as garantias constitucionais de saúde.


Autoria:

Luciana Nascimento Pereira


Advogada inscrita da OAB da Bahia desde 2014. Graduada em Letras pela Universidade Estadual da Bahia - UESB em 2006, graduada em Direito pela Faculdade de Tecnologia e Ciência - FTC em 2014 e pós-graduada em Direito Processual Civil pelo Complexo de Ensino Dámasio de Jesus em 2016. Atualmente assessora jurídica na Defensoria Pública da União, regional de Vitória da Conquista.

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Texto enviado ao JurisWay em 04/07/2017.



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O caso em análise trata de adolescente de 16 (dezesseis) anos de idade, com diagnóstico de Epilepsia de difícil controle, doença neurológica crônica, necessitando de tratamento regular e ininterrupto, com uso da medicação VIGABATRINA, dispensado pelo Poder Público por meio do Sistema único de Saúde, devidamente inscrito na RENAME[2].  

O contexto de dificuldades que atingem o adolescente não se resume às questões afetas a sua saúde frágil. Seu núcleo familiar tem a situação de vulnerabilidade potencializada por questões de ordem geográfica, econômica e pela própria gestão pública na dispensação de medicamentos à população.

Por residirem na zona rural de Planalto-Ba, Município que não conta com divisão do núcleo regional de saúde do Estado, os familiares tem que se deslocar mensalmente à Vitória da Conquista-Ba, arcando particularmente com os custos, para receber a medicação. 

Há de se frisar que, dentro da organização administrativa de distribuição do fármaco, a ida dos Representantes legais do autor à cidade distinta é imposição pragmática do próprio Poder Público.

Vale ressaltar que, apesar da comarca de Planalto contar com Vara Cível, não tem Promotor de Justiça ou Defensor Público titular em atuação constante, situação que acentua a condição de vulnerabilidade dos envolvidos, que não tem condições financeiras de pagar advogado particular.

A definição de competência sob a ótica do Estatuto da Criança e do Adolescente trabalha alguns critérios de definições que lhe são próprias, elencando a competência no que concerne a matéria e posteriormente a em razão do território. Configurada a competência específica da Vara da Infância e Juventude, deverá ser analisado o foro competente para o processamento e julgamento.

 

Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209.

 

Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos tribunais superiores.

 

 

É absoluta a competência em razão da matéria, exclusivas da vara da infância as situações em que a criança e o adolescente estejam desprotegidos, com seus direitos lesionados ou ameaçados de lesão, em total desconformidade com a doutrina da proteção integral.

Já a competência territorial é relativa, sendo que o que se extrai do art. 147 do ECA é que a competência do foro do local em que se encontra o adolescente será subsidiária, tendo a lei concedido ao magistrado discricionariedade em sua ação.

Segundo Alexandre Câmara, o critério territorial trata dos limites espaciais de atuação do órgão judicial, pretendendo aproximar o Estado-Juiz dos fatos ligados à pretensão manifestada pelo autor[3].

Não por menos o CPC/15, no art. 52, indica que quando o Estado for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro do domicílio do autor, no da ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no da situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado.

No entendimento de Galdino Bardallo, ao tratar da competência territorial, o ECA fixou a competência pelo local onde tenha ocorrido ou deva ocorrer à ação ou omissão, a fim de se colocar o curso da ação nas proximidades de todos os envolvidos, facilitando o exercício do direito de ação e colheita de provas e, consequentemente, o julgamento do pedido[4].

Nesse sentido, as hipóteses descritas nos incisos do art. 147 objetivam direcionar o magistrado quando estiver em face do caso concreto, para saber qual juízo será territorialmente competente para conhecer e julgar a causa, todavia, não o vincula somente a estas.

Tal direcionamento deverá ser consonante ao que bem preceitua o art. 6º do ECA: Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

Decisões recentes confirmam este entendimento: TJ-PR - Apelação / Reexame Necessário: REEX 14637415 PR 1463741-5 [5] (19/09/2016); TJ-PA - Agravo de Instrumento: AI 00030071420158140000 BELÉM[6] (02/06/2015).

 

TJ-PR - Apelação / Reexame Necessário: REEX 14690154 PR 1469015-4 (Acórdão) DECISÃO: [...] Ocorre que o ECA prevê, verbis:"Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: (...) IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209" . "Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos tribunais superiores". (REEX 14690154 PR 1469015-4 (Acórdão); 6ª Câmara Cível; Relator Joscelito Giovani Ce.; 7 de Março de 2017; Publicação em DJ: 1989 15/03/2017).

 

A relatividade territorial é tamanha que CPC/15, no art. 63, oportunizou as partes poderem modificar esta competência elegendo o foro onde será proposta a ação. Em consonância, poderia o juízo da infância proceder da mesma maneira como forma de melhor resguardar direitos constitucionais de saúde do adolescente.

Há que se priorizar melhor interesse do adolescente e o princípio constitucional da prioridade absoluta, facilitando a concretização dos direitos fundamentais enumerados no art. 227 da CF[7], renumerados no art. 4º[8] e no art. 100[9], parágrafo único, II da Lei 8.069/90.

Segundo Andrea Amin, tal princípio estabelece primazia em favor das crianças e dos adolescentes em todas as esferas de interesse. Seja no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar, o interesse infanto-juvenil deve preponderar. Não comporta indagações ou ponderações sobre o interesse a tutelar em primeiro lugar, já que a escolha foi realizada pela nação por meio do legislador constituinte[10].

Não é demais lembrar que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, que adotou a doutrina de proteção integral, reconhecendo direitos fundamentais para infância e adolescência, incorporada pela CF e pelo ECA, mudando o perfil do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

Para Andrea Amin, é princípio orientador para os aplicadores do direito, priorizando as necessidades da criança e do adolescente como critério de interpretação da lei na resolução do conflito.  Assim, na análise do caso concreto, acima de todas as circunstâncias fáticas e jurídicas, deve pairar o princípio do melhor interesse, como garantidor do respeito aos direitos fundamentais titularizados por crianças e jovens. Não se trata do que o julgador entender melhor para criança, mas sim o que objetivamente atende a sua dignidade e seus direitos fundamentais em maior grau possível[11].

Portanto, o Juiz deve priorizar o direito à saúde, sendo que tal garantia muitas vezes não envolve apenas cuidados médicos, e alcança-la, como neste caso, é aplicação ao princípio da igualdade, já que na prática a desigualdade social, econômica e territorial do adolescente se demonstra principalmente no fato da família precisar se deslocar de uma cidade para outra para realizar o tratamento médico e receber a medicação.

 

Nessa situação específica a relevância do cargo vai além do seu conhecimento jurídico, demandando atenção ao ser humano, sensibilidade ao caso, no intuito de se resolver um conflito social na medida de suas possibilidades[12].

 

 

Não se pode simplesmente deixar de lado o fato de que toda a estrutura de atendimento médico e dispensação de medicação do adolescente se realizam em Vitória da Conquista e não no local de seu domicílio desde 2013.

Portanto, a família já tem custo e transtorno mensais com deslocamentos. A efetividade da competência territorial ser em Vitória da Conquista não ocorre por vontade expressa e manifesta do autor, mas sim porque a própria rede de saúde pública o desloca para cá. 

Sendo completamente incoerente exigir que o acesso aos meios judiciais de efetividade de seus direitos fundamentais seja no local de seu domicílio, somente no momento em que a estrutura de saúde que sempre lhe atendeu em Vitória da Conquista falha.

Neste caso, a prioridade ao adolescente seria somente de cunho processual, mas não real e efetiva a sua necessidade. Não pode sobre ele recair todos os danos de uma gestão pública deficitária na dispensação de medicamentos previstos na RENAME.

Theodoro Junior defende que o direito processual atual não se contenta apenas em se desenvolver por regras procedimentais definidas na lei, mas tem se moldado para assegurar sua eficiência, medida pela capacidade de produzir resultados justos dentro das perspectivas dos direitos fundamentais assegurados pela constituição[13].

Não por menos já se disse que as diretrizes processuais civis devem estar em consonância com a interpretação da CF, o que implica uma notável necessidade à atenção ao acesso à justiça sob a perspectiva dos direitos humanos[14].

Propor a ação na comarca de Vitória da Conquista visa salvaguardar a saúde deste adolescente, cujos direitos tenham sido violados, a fim de garantir, no caso concreto, a efetividade de seus direitos fundamentais.

 

 



[1]Advogada inscrita da OAB da Bahia desde 2014. Graduada em Letras pela Universidade Estadual da Bahia - UESB em 2006, graduada em Direito pela Faculdade de Tecnologia e Ciência - FTC em 2014 e pós-graduada em Direito Processual Civil pelo Complexo de Ensino Dámasio de Jesus em 2016. Srevidora pública na Defensoria Pública do Estado da Bahia, regional de Vitória da Conquista, desde 2014.

[3] CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Ed. 25. Editora Atlas. SP. 2014. P. 101.

[4] BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. As regras gerais de processo. IN: Curso de Direito da Criança e dos Adolescentes _ Aspectos teóricos e práticos. 6ª ed. Ed. Saraiva. SP.2013. pg. 711.

[7]Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[8]Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

[9]Art. 100, II - proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares;

[10]Andrea Rodrigues Amin. Princípios orientadores do direito da criança e do adolescente. IN: Curso de Direito da Criança e dos Adolescentes _ Aspectos teóricos e práticos. 6ª ed. Ed. Saraiva. SP.2013. pg. 60.

[11]Andrea Rodrigues Amin. Princípios orientadores do direito da criança e do adolescente. IN: Curso de Direito da Criança e dos Adolescentes _ Aspectos teóricos e práticos. 6ª ed. Ed. Saraiva. SP.2013. pg.69.

[12]Nucci.  Estatuto da criança e do adolescente Comentado _ Em busca da constituição federal das crianças e adolescentes. Editora GEN/Forense. RJ. 2014 pg. 497.

[13]THEODORO JUNIOR, Humberto. O processo civil brasileiro contemporâneo iluminado pelos princípios constitucionais – rumos adotados pelo Projeto de Novo Código em tramitação no Congresso Nacional, em busca do estabelecimento do “processo justo”. IN: MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O processo em perspectiva: Jornadas Brasileiras de Direito Processual – homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. SP. RT. 2013. P.178-179.

[14]RAMOS, André de Carvalho; RIBEIRO, Marcus Vinicius. Direitos Humanos, inclusão jurídica e o papel da assistência jurídica no Brasil no século XXI. Revista Forense, n.409, 2010, p. 37.

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