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Texto enviado ao JurisWay em 12/03/2017.
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O Mandado de Segurança é ação judicial que visa resguardar direito líquido e certo, não sendo amparado por um Habeas Corpus ou por um Habeas Data, que seja negado, ou mesmo ameaçado, por autoridade pública ou no exercício de atribuições do poder público, conforme previsto no artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal.
A esse respeito anote-se:
Art. 5º, da CF: LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público[1].
Por sua vez, a Lei Federal brasileira nº 12.016/2009 disciplina o processamento desta ação mandamental, que pleiteia a expedição de uma ordem, um mandado, à autoridade impetrada para que faça ou não faça alguma coisa, senão vejamos:
Art.1º. Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça[2].
Na melhor doutrina de Hely Lopes Meireles, mandado de segurança será:
O meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universidade reconhecida por lei, para proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça[3].
Cabe ainda comentar entendimento do doutrinador Pedro Lenza, que define mandado de segurança como criação brasileira e leciona que:
[...] qualquer que seja a natureza do ato impugnado trata-se de uma ação constitucional de natureza civil que busca a invalidação de atos de autoridade ou a supressão dos efeitos da omissão administrativa, geradores de lesão a direito líquido e certo, por ilegalidade ou abuso de poder[4].
Nesse diapasão, o mandamus tem caráter subsidiário, porque somente terá cabimento quando o ato não puder ser atacado pela via do habeas corpus ou do habeas data, os quais, respectivamente, visam à proteção de direitos inerentes à liberdade de locomoção e o acesso, ou retificação, de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público.
Todavia, da mesma lei se subtrai entendimento quanto impossibilidade de ação mandamental contra decisões judiciais, conforme inciso II do art. 5º: Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo[5].
Preconiza, então, a lei que a impetração de mandado de segurança contra ato judicial passível de ser atacado por recurso com efeito suspensivo ou que já transitou em julgado é medida coibida pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Tal entendimento parte da premissa de que o próprio sistema processual dispõe de ferramentas, caso recursos, para impugnar pontualmente cada tipo de ato judicial, inclusive de alguma forma suspendendo a sua eficácia, tenha ou não ocorrido o trânsito em julgado, não há de se cogitar o emprego do writ como sucedâneo de recurso especificamente vinculado a determinado tipo de decisão. Ora, estaríamos diante de ausência de interesse de agir.
Nessa linha de raciocínio, Luiz Yarshell nos ensina que:
Subsiste o postulado segundo o qual a invocação da tutela jurisdicional pressupõe interesse (=utilidade), conforme regra geral do art. 3º do CPC, e, portanto, se o ato judicial comporta recurso e se a esse é possível obter efeito suspensivo (ainda que ordinariamente o recurso não o tenha), então a conclusão pelo descabimento do mandado de segurança é a única que se afina com uma interpretação sistemática[6].
Para fins de atualização legal, se faz necessário transcrever o que antes previsto no art. 3º, do CPC de 1973, sobre interesse e legitimidade, mantido no atual Código de Processo Civil, porém em seu art. 7º: Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade[7].
Entretanto, ao longo dos anos, houve sincera mitigação à regra proibitiva contida no art. 5º, I e II, da Lei 12.016 de 2009[8], pelos Tribunais Superiores que admitiram o mandado de segurança em face de atos judiciais, em casos excepcionais, conforme jurisprudências em ordem cronológica descritas abaixo:
MANDADO DE SEGURANÇA - OBJETO - DECISÃO TRÂNSITA EM JULGADO. Conforme assentado por esta Corte, "não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado", óptica somente afastável em se tratando de quadro revelador de verdadeira teratologia. Isto não ocorre relativamente à situação concreta na qual, em eleições pretéritas, o candidato teve o pedido de registro indeferido, considerada rejeição de contas, e, na eleição subseqüente, em que concedido o registro, já lançara mão da faculdade prevista na parte final da alínea "g" do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/90. MANDADO DE SEGURANÇA - DECADÊNCIA - DECLARAÇÃO NO JULGAMENTO DE RECURSO ORDINÁRIO - VIABILIDADE. Possível é negar-se provimento a recurso interposto contra decisão proferida em mandado de segurança a partir de conclusão sobre a incidência do prazo decadencial de cento e vinte dias. (STF. RMS 22910, Rel. Min. MARCO AURÉLIO. Data: 08/10/2010). (Sem grifos no original) [9].
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. JUÍZO DE PRIMEIRO GRAUQUE IMPÔS MULTA AO RECORRENTE, ANTE SUA RECUSA EM EXERCER A FUNÇÃODE DEFENSOR DATIVO EM PROCESSO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE PROVAPRÉ-CONSTITUÍDA. RECORRENTE QUE NÃO COLACIONOU AOS AUTOS CÓPIA DADECISÃO QUE IMPÔS A MULTA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO. RECURSO DESPROVIDO. 1. A impetração de mandado de segurança contra ato judicial somente é admitida em hipóteses excepcionais, como decisões de natureza teratológica, de manifesta ilegalidade ou abuso de poder, capazes de produzir danos irreparáveis ou de difícil reparação ao Impetrante.[...] (STJ - RMS: 27325 BA 2008/0157923-0, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 20/03/2012, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/03/2012). (sem grifos no original) [10].
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. RAZÕES RECURSAIS QUE NÃO IMPUGNAM OS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. AUSÊNCIA DE REGULARIDADE FORMAL. INEXISTÊNCIA DE ATO JUDICIAL TERATOLÓGICO DE PREJUÍZO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. PRESCRIÇÃO PLENA RECONHECIDA. DECURSO DE MAIS DE 5 ANOS ENTRE O AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO E A CITAÇÃO DO DEVEDOR. AGRAVO REGIMENTAL DO MUNICÍPIO DE LEME/SP DESPROVIDO. [...] 3. Ademais, o Tribunal a quo entendeu inexistente ilegalidade flagrante capaz de abrir espaço para a impetração de MS contra ato judicial, uma vez que a prescrição fora corretamente decretada, com fundamento em farta jurisprudência desta Corte Superior. 4. Em casos como este haveria de estar presente flagrante ilegalidade e teratologia do ato judicial; é de se ter em conta que o conceito de ilegalidade é de mais simples apreensão, dado ao seu uso correntio na Ciência Jurídica, significando, em primeiro lugar, a infração direta a uma norma legal expressa - violação frontal da lei - como também, extensivamente, a violação do sentido que lhe tenha atribuído a jurisprudência dos Tribunais. 5. A absurdeza da ilegalidade de um ato jurisdicional é ministrada principalmente pela gravidade da infringência que esse ato veicula contra a dicção induvidosa da norma ou contra o sentido que lhe tem dado a jurisprudência das Cortes; a qualificação da ilegalidade de um ato jurisdicional é vista maximamente nos efeitos gravemente danosos e de causação imediata que esse ato desencadeia. 6 A teratologia do ato jurisdicional pode residir na forma do ato, do mesmo modo que pode residir na sua fundamentação, alcançando, nesse segundo caso, a sua motivação ou a sua razoabilidade 7. Assim, in casu, ausente qualquer conteúdo teratológico a ponto de possibilitar a impetração do Mandado de Segurança pelo recorrente, tendo em vista que o Juízo a quo, ao decretar a prescrição da dívida tributária, conforme consignado nos autos, o fez de forma escorreita, utilizando-se de entendimento desta egrégia Corte Superior de que a LC 118/05, que alterou o art. 174 do CTN para atribuir ao despacho que ordenar a citação o efeito de interromper a prescrição, por ser norma processual, deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso, desde que a data do despacho seja posterior à sua entrada em vigor, o que não é o caso dos autos (REsp. 999.901/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 10.06.2009). 8. Agravo Regimental do Município de Leme/SP desprovido. (STJ - AgRg no RMS: 43191 SP 2013/0204418-4, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 17/09/2013, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/09/2013) [11].
MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO JUDICIAL - INDEFERIMENTO DA INICIAL – AGRAVO INTERNO – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA PROCESSAMENTO DO MANDAMUS. 1. Adecisão atacada está devidamente fundamentada, não havendo teratologia, absoluta ilegalidade ou abuso de poder, capazes de fundamentar o processamento de mandado de segurança contra decisão judicial. 2. Negou-se provimento ao agravo interno. (TJ-DF - AGR1: 20140020162730 DF 0016393-43.2014.8.07.0000, Relator: SÉRGIO ROCHA, Data de Julgamento: 18/08/2014, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 21/08/2014 . Pág.: 66). (sem grifos no original) [12].
AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO JUDICIAL. NÃO SEGUIMENTO. CABIMENTO DE RECURSO COM EFEITO SUSPENSIVO. AUSÊNCIA DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. 1. Nos termos do art. 5º, inc. II da Lei 12.016/2009, não se concederá mandado de segurança quando se tratar de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo. A toda evidência, mesmo ultrapassado o prazo, não se pode admitir a utilização do mandado de segurança como substitutivo do recurso apropriado. 2. Somente se admite a impetração de mandado de segurança contra ato judicial teratológico ou flagrantemente ilegal e, neste caso, quando o recurso cabível não tiver efeito suspensivo e houver possibilidade de dano irreparável. 3. Conforme orientação do STF, mesmo em caso de prestação continuada, o prazo decadencial para impetração do mandado de segurança não se renova mensalmente quando está dirigida contra ato comissivo específico. 4. Agravo não provido. (TJ-RO - AGV: 00131013320148220000 RO 0013101-33.2014.822.0000, Relator: Desembargador Gilberto Barbosa, Data de Julgamento: 10/04/2015, Câmaras Especiais Reunidas, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 24/04/2015.). (sem grifos no original) [13].
AGRAVO REGIMENTAL. NEGATIVA DE EFEITO SUSPENSIVO. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO JUDICIAL DENEGANDO EFEITO SUSPENSIVO À AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABÍVEL EM TESE. TERATOLOGIA AFASTADA. REQUISITOS PARA CUMPRIMENTO DA LEI COMPLEMENTAR 151/2015. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE PARA CONCEDER EFEITO SUSPENSIVO À AÇÃO MANDAMENTAL. 1. A decisão liminar denegada em agravo de instrumento encarta a possibilidade, em tese, de impetração de mandado de segurança quando demonstrada teratologia ou abusividade no comando exposto. 2. Ausente fundamentação relevante que exponha manifesta ilegalidade ou abusividade de decisão judicial tomada por membro desta Corte não deve ser acolhido pedido liminar que suspenda o comando judicial. 3. Agravo regimental improvido. (TJ-MA - AGR: 0633582015 MA 0010230-29.2015.8.10.0000, Relator: LOURIVAL DE JESUS SEREJO SOUSA, Data de Julgamento: 24/02/2016, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: 29/02/2016). (sem grifos no original) [14].
Extrai-se dos julgados acima a viabilidade de impetração da ação mandamental contra decisão judicial de forma excepcional, quando a respectiva decisão padece de teratologia que representa um risco de dano irreparável.
Urge ressaltar, porém, que tal possibilidade não era meio muito utilizada, em razão da ampla abrangência do recurso de agravo de instrumento, como observam Medina e Araújo[15], “sendo cabível o agravo de instrumento, e tendo em vista que esse recurso pode ter efeito suspensivo (cf. art. 588, do CPC), pensamos que, em princípio, não se deverá admitir mandado de segurança”.
Mas haverá modificação extrema com a nova sistemática recursal processualista, em razão do o artigo 1.015 do novo CPC prever um rol de incisos e um parágrafo único com possibilidades de interposição do recurso de agravo de instrumento, limitando por completo as possibilidades de impugnação imediata das decisões interlocutórias.
Por certo, em vista da taxatividade deste rol de decisões, voltarão à tona os conhecidos pedidos de reconsideração em face daquelas interlocutórias que não estão catalogadas no elenco do referido dispositivo legal.
Com o rol taxativo para as opções de decisões interlocutórias defendidas por agravo de instrumento, uma opção que pode passar a ser utilizada seria o mandado de segurança.
Nessa linha intelectiva, Teresa Wambier nos esclarece:
Esta opção do legislador de 2015 vai, certamente, abrir novamente espaço para o uso do mandado de segurança contra atos do juiz. A utilização desta ação para impugnar atos do juiz, no ordenamento jurídico ainda em vigor, tornou-se muito rara. Mas, à luz do novo sistema recursal, haverá hipóteses não sujeitas a agravo de instrumento, que não podem aguardar até a solução da apelação. Um bom exemplo é o da decisão que suspende o andamento do feito em 1º grau por prejudicialidade externa. Evidentemente, a parte prejudicada não poderia esperar[16].
Quanto a esta possibilidade de generalização do mandado de segurança para atacar decisão não passível de agravo de instrumento, Cassio Bueno se declina a seguinte questão:
Vale a pena verificar, por ora, se o rol que acabou por prevalecer no novo CPC (do Projeto da Câmara era mais amplo) corresponde, e em que medida, às necessidades do dia a dia do foro e se a doutrina e a jurisprudência tenderão a uma interpretação restritiva ou ampliativa (extensiva) das hipóteses indicadas[17].
Por evidente, haverá decisões interlocutórias de suma importância no procedimento que não serão recorríveis por agravo de instrumento e que postergar para o julgamento da apelação o julgamento da impugnação destas decisões será de grande prejuízo para a parte.
Quanto à questão, Tadeu Junior explica:
Se a interlocutória tiver potencialidade de causar imediato gravame de difícil ou impossível reparação, de tal sorte não se possa esperar seja exercida a pretensão recursal como preliminar da apelação, pode ser, desde logo, submetida ao exame do tribunal competente para conhecer da apelação, pela impetração do mandado de segurança e da correição parcial[18].
Daniel Assumpção é bem claro em seu entendimento:
Não é difícil imaginar o estrago que o acolhimento da impugnação da decisão interlocutória nesse momento procedimental ocasiona ao procedimento, ao anular todos os atos praticados posteriormente à decisão interlocutória impugnada. Basta imaginar um processo no qual a prova pericial foi indeferida, a parte não pode agravar e alegou cerceamento de defesa na apelação. Depois de longo lapso temporal, quando tribunal de segundo grau finalmente enfrenta e julga a apelação, reconhece que houve um cerceamento de defesa. Voltam-se os autos ao primeiro grau para a produção da prova pericial, sendo no mínimo a sentença anulada. É realmente concernente com os princípios da economia processual e da duração razoável do processo tal ocorrência?[19]
Diante de tal problemática não se vislumbra solução outra senão a impetração de mandado de segurança em razão de decisão interlocutória proferida pelo juízo de primeiro grau, que passará a ser adotado onde se utiliza o recurso de agravo quando este se torna incabível.
O prazo para impetração será de 120 dias da ação ou omissão causadora do dano, contados da ciência do ato impugnado pelo interessado, conforme disposto no art. 23 da Lei 12.016 de 2009.
Destaca-se que tal prazo não deverá ser entendido como de natureza processual, ao invés de ser contados nos dias úteis, como dispõe o art. 219 do novo CPC, será contado em dias corridos.
Sobre a questão, Marcelo Pacheco Machado esclarece que:
O mandado de segurança, não importa se é previsto pela Constituição ou pela Lei Federal, nada mais é do que um procedimento legal, uma técnica processual diferenciada. E exatamente por este motivo, possui requisitos de admissibilidade diferenciados, dentre os prazos para sua utilização[20].
Como muito bem assevera Alexandre Freitas Câmara, além dos pronunciamentos judiciais irrecorríveis também é admissível a ação impugnativa do mandado de segurança contra atos judiciais recorríveis e, assim nos ensina:
(...) em casos nos quais se encontrem presentes, cumulativamente, dois pressupostos: primeiro, que não haja recurso eficiente contra a decisão, isto é, que o sistema processual não tenha previsto recurso capaz de permitir que se evite lesão ao direito do impetrante que o ato judicial que se pretende impugnar será capaz de perpetrar; segundo, que o ato judicial impugnado seja, como se convencionou dizer na prática forense, ‘teratológico’.
É que em alguns casos proferem-se decisões judiciais manifestamente equivocadas, aberrantes. Em doutrina já se definiu a decisão ‘teratológica’ (rectius, teratogênica) como ‘a decisão que afronta inegável e seriamente o sistema e que, paralelamente a essa afronta teórica, é capaz de gerar no campo dos fatos, no mundo empírico, prejuízo de difícil ou impossível reparabilidade[21].
Significa dizer que, ao menos em tese, sempre que a decisão for suscetível de causar a parte lesão grave e de difícil reparação e não estiver no rol exaustivo das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, será cabível o mandado de segurança contra ato judicial. Ou seja, agora, o mandado de segurança se tornará um sucedâneo recursal do agravo de instrumento[22].
Daniel Assumpção entende que tal cabimento é um desvirtuamento da função do mandado de segurança, além de que, caso os Tribunais admitam a ação mandamental contra as decisões interlocutórias, configurará verdadeira ofensa ao que preconiza o art. 5º, II, da Lei 12.016 de 2009[23].
O autor discorre da seguinte forma sobre a questão:
Para evitar que a impugnação de decisão interlocutória por mandado de segurança se popularize em demasia, a melhor doutrina vem defendendo uma interpretação ampliativa das hipóteses de cabimento de agravo de instrumento, com utilização de raciocínio analógico para tornar recorríveis por agravo de instrumento decisões interlocutórias que não estão expressamente previstas no rol legal. Desde que se mantenha a razão de ser das previsões legais, sem generalizações indevidas, parece ser uma boa solução.
Mas mesmo essa interpretação mais ampla das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento tem uma consequência funesta: a insegurança jurídica. Basta imaginar uma parte que deixa para impugnar a decisão interlocutória na apelação ou contrarrazões e tem sua pretensão recursal rejeitada com o fundamento da preclusão temporal por não ter agravado de instrumento contra a decisão. Até que os tribunais definirem os limites dessa interpretação a insegurança jurídica imperará[24].
Um bom exemplo, sobre a possibilidade do mandado de segurança nestes casos, está no indeferimento de prova pericial pelo juiz que eventualmente poderá gerar um prejuízo muito grande as partes, podendo até anular todo o processo, a partir do momento que a prova técnica deveria ser produzida, não estando esta decisão interlocutória no rol do art. 1.015 do CPC, ou seja, não é uma decisão passível de agravo de instrumento.
Além disso, não há no rol de decisões agraváveis nenhuma hipótese que seria parecida com esta, de modo a se poder utilizar uma interpretação extensiva, neste caso a parte não teria outra opção senão impetrar Mandado de Segurança.
Em decisões contemporâneas, os Tribunais têm entendido pelo não cabimento de mandado de segurança para impugnar para decisões interlocutórias não compatíveis ao rol taxativo do agravo de instrumento, em razão de cabimento no recurso de apelação ou nas contrarrazões, senão vejamos.
MANDADO DE SEGURANÇA - IMPETRAÇÃO CONTRA ATO JUDICIAL RECORRÍVEL – IMPOSSIBILIDADE – APLICAÇÃO DO 5º, INCISO II, DA LEI 12.016/2009 E DA SÚMULA Nº 267 DO STF - NO REGIME DO CPC/2015 TODAS AS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS SÃO PASSÍVEIS DE RECURSO: UMAS IMEDIATAMENTE, NAS HIPÓTESES TAXATIVAMENTE PREVISTAS EM LEI; OUTRAS EM MOMENTO POSTERIOR, POR MEIO DE PRELIMINAR NAS RAZÕES OU NAS CONTRARRAZÕES DE APELAÇÃO – INTELIGÊNCIA DO ART. 1.009, § 1º, DO CPC - NÃO SENDO HIPÓTESE EXCEPCIONALÍSSIMA DE ATO JUDICIAL TERATOLÓGICO, CAPAZ DE CAUSAR AO IMPETRANTE DANO IRREPARÁVEL, OU CUJO SANEAMENTO RESTARÁ IMPOSSIBILITADO PELA IMPUGNABILIDADE REMOTA DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO RECORRÍVEIS DE IMEDIATO, É INADMISSÍVEL O MANEJO DO MANDADO DE SEGURANÇA COMO SUCEDÂNEO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO EM HIPÓTESES NÃO PREVISTAS EXPRESSAMENTE EM LEI. - Petição inicial indeferida. (TJ-SP - MS: 20821850820168260000 SP 2082185-08.2016.8.26.0000, Relator: Edgard Rosa, Data de Julgamento: 19/05/2016, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/05/2016)[25]. (Sem grifos no original).
MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA INSUSCETÍVEL DE DESAFIO POR AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA DE MÉRITO NO DIA SEGUINTE AO DA ABERTURA DE CONCLUSÃO. PERDA DE OBJETO. ALEGADO DIREITO LÍQUIDO E CERTO QUE PODERÁ SER BUSCADO EM PRELIMINAR DE EVENTUAL RECURSO DE APELAÇÃO (ART. 1.009, § 1º, CPC-2015). EXTINÇÃO DO FEITO SEM SOLUÇÃO DE MÉRITO. (TJ-RJ - MS: 00224844820168190000 RIO DE JANEIRO ITAIPAVA REGIONAL PETROPOLIS 1 VARA CIVEL, Relator: MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES, Data de Julgamento: 18/05/2016, VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR, Data de Publicação: 19/05/2016)[26] (sem grifos no original).
MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL CIVIL. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL QUE NOMEIA PERITO DE CONFIANÇA DO JUÍZO. Decisão interlocutória que não pode ser atacada por agravo de instrumento, pois não se insere no rol do artigo 1015 do Código de Processo Civil de 2015. Também incabível a via mandamental para tanto, pois o artigo 1009, § 1º do CPC/15 determina que nos casos em que não for possível interpor agravo de instrumento caberá rediscutir a questão, de forma preliminar, em sede de apelação. Ademais, não se vislumbra urgência no presente caso e o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento no sentido de que a impetração de mandado de segurança contra ato judicial somente é admitida em hipóteses excepcionais, tais como decisões de natureza teratológica, de manifesta ilegalidade ou abuso de poder, não ocorrente neste caso. Deste modo, na forma do artigo 932, III do Código de Processo Civil de 2015, RECURSO NÃO CONHECIDO POR SER MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL. (TJ-RJ - MS: 00187880420168190000 RIO DE JANEIRO CAPITAL 51 VARA CIVEL, Relator: CEZAR AUGUSTO RODRIGUES COSTA, Data de Julgamento: 25/04/2016, OITAVA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/04/2016) (sem grifos no original)[27] (sem grifos no original).
A partir do momento que o CPC reduziu o cabimento de recursos, a postura dos tribunais não será o de aumentar o âmbito dos cabimentos de mandado de segurança, pois o efeito estaria de encontro ao que o CPC buscou. Mas no exemplo do indeferimento do pedido de prova pericial o tribunal deverá avaliar para o cabimento do mandado de segurança se efetivamente aquela prova pericial se mostra exigível para aquela decisão ser considerada teratológica ou não.
Percebe-se pelos julgados acimas, que inicialmente os Tribunais estão no entendimento do não cabimento de mandado de segurança, pois hoje a interpretação é muito restritiva, primeiro porque tem a súmula 267 do STF[28], que diz que não cabe mandado de segurança de ato passível de recurso, por outro lado mantêm o entendimento do uso do mandamus contra decisão judicial somente nos casos em que a decisão poderia ser classificada como teratológica.
[1] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
[2] Lei nº 12.016 de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Acesso em: 23.04.2016.
[3]MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, ação popular, ação civil púbica, mandado de injunção, habeas data. 18ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1997.
[4]LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
[5] Lei nº 12.016 de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Acesso em: 23.04.2016.
[6]ARSHELL, Luiz. Lei 12.016/2009: ainda cabe mandado de segurança contra ato judicial? Disponível em:
[7]Lei nº 5.869 de 1973. Institui o código de processo civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm. Acesso em: 23.04.2016.
[8] Art. 5o Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo. Lei nº 12.016 de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Acesso em: 23.04.2016.
[9] STF. RMS 22910, Rel. Min. MARCO AURÉLIO. Data: 08/10/2010.Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28924/da-impetracao-de-mandado-de-seguranca-contra-ato-judicial/2. Acesso em: 23.04.2016.
[10] STJ - RMS: 27325 BA 2008/0157923-0, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 20/03/2012, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/03/2012. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21607071/recurso-ordinario-em-mandado-de-seguranca-rms-27325-ba-2008-0157923-0-stj/inteiro-teor-21607072. Acesso em: 23.04.2016.
[11] STJ - AgRg no RMS: 43191 SP 2013/0204418-4, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 17/09/2013, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/09/2013. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24224992/agravo-regimental-no-recurso-em-mandado-de-seguranca-agrg-no-rms-43191-sp-2013-0204418-4-stj. Acesso em: 23.04.2016.
[12]TJ-DF - AGR1: 20140020162730 DF 0016393-43.2014.8.07.0000, Relator: SÉRGIO ROCHA, Data de Julgamento: 18/08/2014, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 21/08/2014. Disponível em: httphttp://www.tjdft.jus.br/institucional/jurisprudencia/informativos/2014/informativo-de-jurisprudencia-n-o-289. Acesso em: 23.04.2016.
[13] TJ-RO - AGV: 00131013320148220000 RO 0013101-33.2014.822.0000, Relator: Desembargador Gilberto Barbosa, Data de Julgamento: 10/04/2015. Câmaras Especiais Reunidas, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 24/04/2015. Disponível em: http://tj-ro.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/295402568/agravo-agv-131013320148220000-ro-0013101-3320148220000. Acesso em: 23.04.2016.
[14] TJ-MA - AGR: 0633582015 MA 0010230-29.2015.8.10.0000, Relator: LOURIVAL DE JESUS SEREJO SOUSA, Data de Julgamento: 24/02/2016, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: 29/02/2016. Disponível em: http://tj-ma.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/310161859/agravo-regimental-agr-633582015-ma-0010230-2920158100000. Acesso em: 23.04.2016.
[15]MEDINA, José Miguel Garcia. ARAUJO, Fábio Caldas de. Mandado de segurança individual e coletivo: comentário à Lei 12.016 de 2009. 2ª ed. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2012.
[16] WAMBIER, Teresa; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins e; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo CPC. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015.
[17]BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.
[18] JUNIOR, Tadeu José de Sa Nascimento. O Agravo de Instrumento no Novo CPC (com quadro comparativo). Janeiro de 2016. Disponível em
[19]NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. 8ª Ed. Editora Jusspodivm. Salvador. 2016.
[20]MACHADO, Marcelo Pacheco. Ainda sobre os prazos no Novo CPC: mandado de segurança e prazos para o juiz. Setembro de 2015. Disponível em
[21] CÂMARA, Alexandre Freitas. Manual do Mandado de Segurança. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2012.
[22] MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil. Editora RT, 2015.
[23] Art. 5º, II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo. Lei nº 12.016 de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Acesso em: 23.04.2016.
[24]NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. 8ª Ed. Editora Juspodivm. Salvador. 2016.
[25]TJ-SP - MS: 20821850820168260000 SP 2082185-08.2016.8.26.0000, Relator: Edgard Rosa, Data de Julgamento: 19/05/2016, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/05/2016. Disponível em: http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/340744810/mandado-de-seguranca-ms-20821850820168260000-sp-2082185-0820168260000. Acessado em 18/06/2016.
[26]TJ-RJ - MS: 00224844820168190000 RIO DE JANEIRO ITAIPAVA REGIONAL PETROPOLIS 1 VARA CIVEL, Relator: MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES, Data de Julgamento: 18/05/2016, VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR, Data de Publicação: 19/05/2016. Disponível em:http://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/340702097/mandado-de-seguranca-ms-224844820168190000-rio-de-janeiro-itaipava-regional-petropolis-1-vara-civel. Acessado em 18/06/2016.
[27]TJ-RJ - MS: 00187880420168190000 RIO DE JANEIRO CAPITAL 51 VARA CIVEL, Relator: CEZAR AUGUSTO RODRIGUES COSTA, Data de Julgamento: 25/04/2016, OITAVA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/04/2016. Disponível em: http://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/333321453/mandado-de-seguranca-ms-187880420168190000-rio-de-janeiro-capital-51-vara-civel. Acessado em: 18/06/2016.
[28]http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_201_300. Acessado em 18/06/2016.
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