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Teoria do Etiquetamento Social e o sigilo no inquérito policial


Autoria:

Eduardo Henrique Teixeira


Estudante Direito na Faculdade Paraíso do Ceará

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Texto enviado ao JurisWay em 02/06/2017.

Última edição/atualização em 05/06/2017.



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Teoria do Etiquetamento Social e o sigilo no inquérito policial

Eduardo Henrique Teixeira[1]

 

RESUMO

O presente estudo tem como intuito apresentar o meio tradicionalmente utilizado para apurar delitos e respectiva autoria que é a fase pré processual, denominada Inquérito Policial, bem como as garantias constitucionais que devem ser preservadas em face do investigado. Pretende-se demonstrar a legitimidade para iniciar a investigação criminal desenvolvida em regra pela Polícia como também pelo Ministério Público. Com o propósito de expor e atingir o objetivo aqui discutido foi realizado uma pesquisa bibliográfica e documental de cunho qualitativo, baseadas na análise e interpretação de livros e artigos. Dessarte cabe destacar como a quebra do sigilo atinge a vida do individuo, e como essa informação divulgada assume o risco em detrimento da Teoria Etiquetamento Social no qual pode acarretar rotulações severas e até mesmo colocar em risco o bem estar social do indivíduo.

Palavras- chave: Inquérito policial; Sigilo; Etiquetamento Social

 

 

INTRODUÇÃO

            O Direito Processual Penal é o arcabouço que comporta normas e meios jurídicos com especificações antecipadamente valoradas, com a finalidade de punir com sanções diante do caso concreto, para que possa ser preservado o bem estar social como também sejam tutelados os direitos legítimos dos integrantes da coletividade.  

            Para assegurar os direitos e garantias constitucionais do indivíduo, sob a primazia do devido processo legal, deverá ser observado os princípios basilares que compõe a Constituição Federal, no qual há destaque quanto à harmonia do princípio da presunção de inocência e o princípio da publicidade. Tais princípios desenvolvem papel importante quanto à segurança jurídica, pois rege o processo a fim de que não haja arbitrariedades por parte do órgão julgador.

            O procedimento do processo penal nasce com a fase preliminar investigativa, denominada inquérito policial, que é uma peça administrativa e inquisitiva, no qual é realizada a colheita de informações e elementos relevantes que possam contribuir na formação de provas quanto à autoria de um fato, servindo de base para uma possível ação penal. NUCCI (2008, p.118) declara que: “o inquérito policial por ser peça de natureza administrativa, inquisitiva, e preliminar à ação penal, deve ser sigiloso, não submetido, pois a publicidade que rege o processo.” Ou seja, apesar de manter característica sigilosa, há exceções quanto à publicidade de informações, devendo ser observado a real necessidade da publicidade das investigações em curso.

            O sigilo no inquérito está diretamente ligado ao principio da presunção de inocência, pois se não há possibilidade de defesa não há que se falar em culpa. Porém, o advogado pode ingressar no acesso aos autos do inquérito, intermediando a comunicação processual entre autoridade policial e investigado, reportando-se ao principio da publicidade dos atos processuais.

            É nesse sentido que será desenvolvido o estudo aqui apresentado, tendo como premissa o histórico do inquérito policial sigiloso bem como sua importância no que tange a proteção da dignidade e integridade do investigado, como também as prerrogativas que o advogado possui quanto ao livre acesso aos autos e as provas produzidas até o momento.

            Analisarei também como ocorre à aplicação da Teoria do Etiquetamento Social (Labeling Oprroach) que o individuo praticante de uma conduta desviada, passa a carregar um rótulo que o acompanha e põe em risco seu convívio com os demais da sociedade. Ademais,     relatarei como após o desastroso julgamento social a etiqueta pode perdurar até mesmo depois que as investigações realizadas forem consideradas pela justiça como falsa, acarretando consequências e danos irreparáveis na vida de uma pessoa.

 

1.0   FASE PRE PROCESSUAL/ INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR

            Para que haja a instauração de um processo penal, é necessária a precedência de uma apuração dos acontecimentos, no qual se denomina fase de investigação preliminar, que tem o objetivo de apurar elementos que possam comprovar a infração penal e sua respectiva autoria, bem como dar base suficiente para uma ação penal.

            Por se tratar de uma fase pré processual, é um procedimento no qual visa delimitar o possível delito e caracterizar as possíveis autorias, construindo um acervo de elementos concisos que possam oferecer aporte para que a Polícia Judiciária, Ministério Público ou a própria vitima possa oferecer denúncia ao sujeito que for responsável pelo ato delituoso.

             O Estado poderá exercer o seu poder de punir através de uma notícia da possível prática de um delito penal, no qual, a partir da ciência do fato o Estado irá adotar meios para iniciar a persecução penal acerca do ilícito cometido, afim de que possa dar a devida punição a quem o cometeu.     

            LOPES JR (2016, p.119) enuncia que a investigação preliminar:

Constitui o conjunto de atividades desenvolvidas concatenadamente por órgãos do Estado, a partir de uma notícia-crime, com caráter prévio e de natureza preparatória com relação ao processo penal, e que pretende averiguar a autoria e as circunstancias de um fato aparentemente delituoso, com o fim de justificar o processo ou não processo.

 

            A investigação preliminar funciona como um divisor processual em relação às informações obtidas sobre o fato, procurando a maior aproximação da verdade, com a finalidade de excluir elementos injustificáveis e que não sirvam para complementar a investigação. Daí a necessidade da ponderação quanto ao colhimento de elementos probatórios no que diz respeito ao alcance prévio do acontecimento ocorrido, para então ser classificado como criminal.         

            O regimento da Lei 2.033 de Setembro de 1871, regida pelo Decreto-lei 4.824 de novembro de 1871, no seu artigo 42 define: “O inquérito policial consiste em todas as diligencias necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e dos seus autores e cúmplices; e deve ser reduzido a instrumento escrito.”

            Assim, entende-se que a fase pré processual, nomeada inquérito policial, é o meio investigativo e inquisitivo realizado pela polícia judiciária com o objetivo de apurar elementos que possam comprovar uma possível infração penal e sua respectiva autoria. Depois de encerrada as diligencias investigativas, será construído um parâmetro que servirá de base para que o Ministério Público ou a própria vítima possa ingressar em juízo, denunciando os possíveis responsáveis pelo ilícito cometido.

 

1.1  FUNÇÃO

            O Estado como detentor do poder de punir aqueles que violarem as normas impostas, o mesmo se vale de prerrogativas que oportunizam que seja realizada a investigação de fatos, colhendo indícios que atestem a autoria de um delito praticado. Diante da denuncia oferecida, cabe a investigação preliminar reunir elementos suficientes que elucidem e torne explícita a autoria e materialidade do fato acontecido.

            O inquérito policial é uma peça indispensável, pois busca colher materialidade do fato, bem como a autoria da infração cometida, que poderá servir de base para uma ação penal. Caso não disponha de elementos suficientes, o inquérito poderá ser arquivado por não haver elementos informativos que possam comprovar o fato delituoso.

            Para preencher os requisitos das funções da fase investigativa, a polícia judiciária realiza atos que possam auxiliar na aproximação da verdade do fato ocorrido, dentre eles a oitiva de testemunhas, interrogatório do investigado bem como a apuração das possibilidades elencadas na lei que permitem que tais atos sejam realizados com o propósito de alimentar dados relevantes para um possível processo penal.

 


1.2  CARACTERISTICAS (SIGILO)

            Dentre as particularidades que o inquérito policial apresenta o princípio da publicidade não se aplica de forma homogênea na fase de persecução inicial quanto à apuração de fatos concretos e elementos de autoria, pois será resguardado o sigilo como forma de proteção ao investigado diante do interesse processual.

            O sigilo no curso da investigação preliminar visa proteger o principio de presunção de inocência, visto que como o inquérito é mera peça administrativa, não há que se falar em culpa sem que haja transitado em julgado sentença condenatória. Portanto, deve se preservado a dignidade do investigado, visto que se não for elucidado os direitos constitucionais poderá acarretar danos até mesmo irreparáveis na vida do mesmo.

            A autoridade policial possui discricionariedade quanto à decretação de sigilo de acordo com o caso concreto. Se for entendido que poderá afetar de forma negativa o curso das diligências investigativas como também provocar malefícios a vida do investigado, será mantida a regra do processo investigatório sigiloso, uma vez que a publicidade de atos apurados pode provocar efeitos diante de terceiros envolvidos na fase inicial de investigação.

            O artigo 20 do Código de Processo Penal é claro quanto à natureza sigilosa que o inquérito policial possui, visto que é uma medida preventiva que a autoridade policial adota para que seja conservado tanto a integridade do investigado, quanto para o não extravio de indícios que possam ser utilizados para a descoberta da prática do delito e sua respectiva autoria.

            MARCÃO (2017, p. 129) sustenta que:

A regra que impõe o sigilo das investigações tem por objetivo, portanto, permitir a colheita isenta das provas disponíveis, bem como preservar a integridade moral e econômica (direta ou reflexamente atingida) das pessoas que possam ser alcançadas com a apuração.

            A despeito disso, para que não afete o procedimento investigativo é necessário ter prudência na exposição de provas constituídas pela policia judiciária, pois, a informação mal recebida pelas partes envolvidas como também a sociedade em geral pode influir de forma negativa, bloqueando a fase investigativa do caso.

             
1.3  COMPULSÃO
 

            O inquérito é o dispositivo de grande relevância para o processo penal brasileiro, pois é ele que conjuga o conjunto de sistema que segue desde a investigação até o indiciamento de suspeitos condenados a julgamento.  Após ser instaurado, o inquérito não pode ser impedido, pois terá que prosseguir até que se transforme em uma ação penal, ou se por falta de elementos que comprovem o fato seja conduzido ao arquivamento.

            Para que o Estado possa exercer o poder de sancionar aqueles que desobedecerem as normas estatais, o Estado se vale de prerrogativas que possibilitam a investigação de fatos, colhendo indícios que promovam a autoria de um delito. Com o surgimento da Lei nº 2033, de 1871, regulamentada pelo Decreto-lei nº 4824 do mesmo ano, surge no Brasil o formato do inquérito policial. Previsto pelo artigo 42, que assim anunciava: “o inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para a descoberta dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seu instrumento por escrito”.

            No Brasil, o órgão responsável pela colheita de indícios que possam caracterizar autoria delitiva é a Polícia Judiciária e o Ministério Público. Ademais, a redação do artigo 4º do Código de Processo Penal dispõe: “A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.” Diante de tais mecanismos, a autoridade policial adquiriu arbítrio para direcionar investigações delitivas, colhendo provas que pudessem servir como meio de composição de fatos concretos acerca do fato ocorrido.

 

1.3.1  POLÍCIA

            A investigação preliminar usualmente é presidida pela autoridade policial competente, possuindo autonomia quanto à utilização de artifícios para a obtenção de elementos suficientes que caracterizem a autoria de determinado delito cometido.

            O artigo 4º do Código de Processo Penal indica que “a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”. Ou seja, a polícia é o órgão que busca o controle social mediante o direcionamento das autoridades policiais em razão da investigação preliminar.

            Para MARCÃO (2017, p.121):

Denomina-se policia judiciária a atividade de policia assim considerada, em razão de suas funções se encontrarem voltadas ao fornecimento de informações e à realização de diligências diretamente ligadas à atividade judiciária criminal, além da apuração de fatos dotados de aparente feição delitiva.

            No Brasil, a polícia se subdivide em duas vertentes: policia judiciária ou repressiva e policia ostensiva ou preventiva. A polícia judiciária não é órgão do poder Judiciário, mas se qualifica como órgão do poder Executivo, pois se dedica em investigar e colher indícios de autoria e materialidade, auxiliada pela policia federal e policia civil dos estados e Distrito Federal. A polícia preventiva atua no patrulhamento e preservação da ordem pública, evidenciada pelo serviço da policia militar que possui encargo para tal.

            Portanto, para que seja amparada e assistida a tutela de direitos constitucionais que todas as pessoas possuem a policia busca manter a paz social, tal como promover o ideal de justiça diante da fase de apuração de materialidade e autoria do fato investigado, com a finalidade de não cometer atos arbitrários que possam comprometer a dignidade da pessoa investigada.


1.3.2  MINISTÉRIO PUBLICO

            A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 129, inciso VII, relata que “são funções institucionais do Ministério Público: requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.”

            O Ministério Público possui autoridade quanto o acompanhamento do inquérito policial iniciado pela autoridade policial. Porém não há norma efetiva que regularize as atividades externas realizadas pelo órgão policial, evidenciando que o Ministério Público pode investigar e acompanhar as diligências promovidas pela policia local.

            A Teoria dos Poderes implícitos é defendida por parte da doutrina brasileira, pois enuncia o lastro postulatório de interpretação constitucional oferece poderes implícitos para alcançar um objetivo, inclusive na fase de investigação criminal que pode ser iniciada pelo Ministério Publico com autoridade para investigar e controlar a fase de investigação proposta pela policia judiciária.

            A jurisprudência ratifica que seria uma forma que o Ministério Público encontra para efetuar suas competências e obrigações, munido de plenos poderes para iniciar a investigação penal, e até mesmo denunciar com base no colhimento de elementos que possam elucidar um fato ocorrido diante da materialidade e autoria correspondente.

Logo, diante de tais alegações, o Supremo Tribunal Federal concebeu que a fase pré processual criminal regida pelo Ministério Público possui apoio constitucional e lícito, por apresentar característica subsidiária à investigação bem como poderá servir de elemento base para a propositura de uma ação penal

 

2.0  QUEBRA DO SIGILO NA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR
            O sigilo não se faz presente de forma absoluta, mas deve ser mantida a proteção aos princípios constitucionais bem como a inviolabilidade da divulgação de informações de intimidade, honra e imagem, que está explicitamente disposto na redação do artigo 5º, X, da Constituição Federal. Como não há indícios suficientes para provar a autoria de um delito, não se faz necessário a disseminação de notícias que poderá prejudicar ou afrontar sua dignidade diante da sociedade.

NUCCI (2015, p.125) afirma:

É certo que, inexistindo inconveniente à “elucidação do fato” ou ao “interesse da sociedade”, pode a autoridade policial, que preside, permitir o acesso de qualquer interessado na consulta dos autos do inquérito. Assim também não é incomum o próprio delegado, pretendendo deixar claro o caráter confidencial de certa investigação, decretar o estado de sigilo.

            A autoridade policial possui um poder discricionário quanto à decretação de sigilo processual, conforme o mesmo considere adequado ao caso, desde que seja devidamente justificado, pois a decisão de sigilo ou a quebra do mesmo deve ser fundamentada.

            O artigo 5º, LVII, da Constituição Federal prevê que o acusado é presumidamente inocente, até que seja declarado culpado por sentença condenatória, transitada em julgado. Logo, o inquérito policial sigiloso tem por finalidade preservar o estado de inocência do investigado, respeitando a garantia constitucional de que na dúvida, sempre haverá benefício ao acusado.

            Há exceções quanto à restrição de informações como também uma discussão doutrinária quanto ao poder de acesso do advogado aos autos do inquérito policial. Cabe citar NUCCI (2015, p.125), considerando que:

O sigilo não pode jamais ferir a prerrogativa do defensor, além do que, embora no inquérito policial não se exercite a ampla defesa, não deixa ela de estar presente, na exata medida em que se pode o indiciado, por seu advogado, verificar o estágio das investigações realizadas contra sua pessoa.

                Isto vem ao encontro ao que FILHO (2009, p.51) defende, concluindo:

Não se concebe investigação sem sigilação. Sem o sigilo, muitas e muitas vezes o indicado procuraria criar obstáculos às investigações, escondendo produtos ou instrumentos do crime, afugentando testemunhas e, até, fugindo à ação policial.

            Desta forma, compreende-se que o sigilo no inquérito possui funções muito além do processo de investigação, uma vez que não pode aniquilar direitos fundamentais do individuo, no sentido que apesar do inquérito possuir caráter inquisitorial é preciso equilibrar devido processo legal na apuração investigatória e a conservação da honra do investigado.

            Segundo a legislação do Estatuto do Advogado, diante de Lei 8.906/94, no seu artigo 7º oferece plenos poderes ao advogado no que tange o acesso irrestrito aos autos do inquérito policial em qualquer que seja a fase de andamento. Dessa forma, será dada a tutela dos direitos do investigado, por intermédio das prerrogativas que o advogado possui.

            Diante da problemática quanto ao acesso ou não dos autos do inquérito, e apesar de haver no Estatuto próprio que há o direito vigente, ainda havia advogados que não conseguiam usufruir do acesso as informações de elementos colhidos e devidamente documentados na investigação policial. Porém, como não há contraditório o advogado não pode realizar interferências, pois nesta fase não há chance de defesa.

            Após a edição da lei mencionada acima, houve uma forte mitigação no que concerne a Súmula Vinculante, número 14, legitimada em 2009, referindo-se à importância do sigilo do processo preliminar a fim de evitar arbitrariedades por parte do estado quanto detentor de poder na resolução da busca do que se faz o justo, bem como garantir a integridade do acusado, até então presumido ser inocente.

            A proposta firmada pelo Supremo Tribunal Federal no sentido que é uma forma de validar os direitos do advogado e de seu investigado, garantindo que não haja desvirtuação durante o curso do inquérito policial.

            A nova Lei 13.245, sancionada em janeiro de 2016 manteve o entendimento e de forma ampliativa, ratificando o direito que o advogado possui no que tange ao acesso dos autos na investigação de qualquer que seja a natureza:

           Artigo 7º São direitos do advogado:

(...)

XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;

 

            A redação da Súmula Vinculante 523 do Supremo Tribunal Federal afirma que: “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova do prejuízo para o réu.” Ou seja, é entendido como um dano negativo a fase inicial de diligência investigativa se o investigado não puder manter uma comunicação processual, que se dá por intermédio do advogado, sob pena de anulação do processo se houver prejuízo ao réu investigado.

            A ratificação do entendimento do Supremo convalida o principio da ampla defesa, no qual não há o contraditório na fase de inquérito policial, então não há oportunidade de defesa específica sobre o caso avaliado. 

            Dessa forma, a preservação do sigilo durante o curso do processo é relevante, pois tenta coibir que o investigado seja exposto a uma indiscriminação sem motivos concretos, podendo acarretar constrangimentos e danos irreparáveis a vida de uma pessoa. O conhecimento precipitado de informações que podem ou não ser falsas devem ser tratadas de forma cuidadosa, pois pode atingir pessoas alheias ao processo investigatório, como também o próprio investigado.

 

3.0  TEORIA DO ETIQUETAMENTO SOCIAL

            Apresenta como caldo cultural na década de 1960, precisamente nos Estados Unidos, em meio a lutas pelos direitos civis, desigualdade racial e o feminismo. Preconizada por Howald Becker, trouxe ao campo da sociologia criminal um estudo que trata sobre o que o mesmo denomina de ‘desvio’, ou Teoria do Etiquetamento (Labeling Opproach Theory), na qual aduz que o indivíduo possui uma relação de convívio com os demais da sociedade, e que se for desapontada, cria-se uma rotulação que os exclui do agrupamento social, acarretando prejuízos quanto a sua integração à sociedade.

BECKER (2008, p. 22) argumenta que:

Desvio é, dentre outras coisas, uma consequência das reações de outros ao ato de uma pessoa, isto é, não podem supor que essas pessoas cometeram realmente um ato desviante ou infringir alguma regra, porque o processo de rotulação pode não ser infalível.           

            Logo, é possível observar o poder que a sociedade possui em rotular e julgar o dito desviado por fatos pretéritos, gerando uma nova identidade capaz de suprimir seu livre arbítrio e limitar o contato com a coletividade no qual habita. O autor ainda relata em sua obra que o desviado é aquele que pratica uma conduta fora do que se considera normal dentro da sociedade.

O enfoque do etiquetamento quer dizer duas coisas. Em primeiro lugar, que não existe quase nenhum ato que seja delitivo em si mesmo, mas delitivo ou desviado é aquilo que se define como tal pela comunidade ou pelos órgãos de sistema de Administração da Justiça. (MAÍLLO, p. 257, apud BECKER, 1963, p. 8-18)

            A partir de conduta intitulada delitiva ou desviada surge o rótulo negativo acerca não só do ato praticado em si, mas como a sociedade reage diante de uma situação que estigmatiza um indivíduo, e que erroneamente qualifica os indivíduos selecionados. Os atos desviados devem ser analisados de forma coletiva, pois assim possibilitará uma análise ampliativa do fato/ato.

            Logo, o desvio é uma conduta exercida e não precisamente o ato em si que tem por objetivo de transgredir as regras impostas. Por isso, pode-se afirmar que todas as pessoas desobedecem às regras de uma forma ou de outra, porém nem todos os atos podem ser considerados desviantes. A separação do que é ou não desvio é inquirido pela sociedade, que gera senso quanto uma determinada atitude/ação praticada, observando a qualificação dos efeitos que a mesma representa no meio comum.

            A conduta de desviada é vista sob dois aspectos, que revelam os fatores primários e secundários que mudam a convivência perante a sociedade e a si mesmo. São descritas por SHECAIRA (2004, p.297) como:

Embora possa ser socialmente reconhecida e mesmo definida como indesejável, a desviação primária somente terá implicações com a marginalização do individuo no que concerne às implicações na sua estrutura psíquica. A desviação secundária, por sua vez, refere-se a uma especial classe de pessoas cujos problemas são criados pela reação social à desviação.

            Em outra vertente, há posicionamentos quanto ao etiquetamento: moderada e radical. A primeira é que o indivíduo é vítima da justiça penal que integra e o insere dentro da esfera criminal, induzindo a marginalidade, desrespeitando o princípio da igualdade na forma de tratamento; a outra se refere ao fato que a criminalidade está ligada diretamente com o direito penal e seus desdobramentos, ou seja, como é aplicada a sanção evidenciando a garantia do controle social.

            A obra de Frank Kafka, titulada ‘O processo’, mostra como os direitos do cidadão Joseph K. foram ceifados, mesmo sem deter conhecimento do delito que haveria cometido, e por arbitrariedade do Estado conduz o mesmo de forma coercitiva a prestar informações ao processo que estaria tramitando em seu desfavor.

― Não pode sair; o senhor está preso.

― Assim parece ― disse K. ― E por que razão?

― Não é da nossa incumbência darmos-lhe explicações. Volte para o seu quarto e aguarde. O processo já está a correr, o senhor será informado de tudo na devida altura. (KAFKA, 2005, p. 05)

           

            Diante da ficção acima, o Estado incidiu de forma absoluta sucumbindo o princípio da presunção de inocência que fora dizimado, além do que não há que se falar em culpa se não houver uma sentença condenatória transitada em julgado. Ademais, foi dada a publicidade a investigação do ato que já havia sido apreciado como culpado, antes mesmo do fim das investigações delitivas e de autoria.

            As falhas e defeitos processuais devem ser evitados, pois a desobediência das fases processuais enseja pena de invalidade processual. Tanto na fase de apuração de indícios quanto no processo penal em si, devem seguir requisitos para que o procedimento se torne válido, principalmente no que se refere à afronta de princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana.

            O que deve ser analisado pelo direito processual penal é o fato lesivo que viole um bem jurídico de terceiro e não como o indivíduo se comporta dentro da sociedade, que de modo algum pode ser considerada como uma marca a ser levada no momento de apuração de diligencias para o processo.

O jus acusationis não se exerce na fase de Inquérito Policial, inicia-se somente com o oferecimento da denúncia, aí, sim, ocorrerá o contraditório e a ampla defesa, erigido, aliás, entre nós à categoria de dogma constitucional (art. 5 CF/88, LV). Argumentar-se que no Inquérito Policial a defesa deveria ser plena, no sentido mais amplo da expressão é manifesto equivoco, pois como já dissemos aí não existem acusados e sim, meros indiciados. (TOURINHO FILHO, 2009, p.59)

            A mídia possui um papel fundamental na difusão de pensamentos, padrões a ser seguidos e principalmente na construção de opinião pública, mas por vezes tais informações são utilizadas com o objetivo de manipular a população leiga em determinadas questões.  No espaço jurídico, a mídia reflete um forte poder de influência sendo capaz de promover a dissipação de um julgamento antecipado de um indivíduo que está sob a fase de investigação, presumidamente inocente, resguardado pela principiologia da Constituição Federal.

            Contudo, é comum que a coletividade produza um contorno estereotipado a cerca da posse de informações que não cabe fazer juízo de valor, pois acarreta efeitos negativos ao individuo que está sendo considerado precipitadamente culpado pela população, interferindo do seu convívio social saudável. É necessário que haja ponderação quanto à circulação de ciência de um fato, uma vez que não há provas e decisões judiciais efetivas em relação ao caso questionado.

NUCCI (2015, p.41) nota que:

Vale ressaltar a divisão entre publicidade geral e publicidade específica. A primeira é o acesso aos atos processuais e aos autos do processo a qualquer pessoa. A segunda situação é o acesso restrito aos atos processuais e aos autos do processo às partes envolvidas, entendendo-se o representante do Ministério público (se houver, o advogado do assistente de acusação) e o defensor.

            A publicidade de informações deve ser controlada pela autoridade policial, pois pode pôr em risco a fase de investigação policial diante de elementos que servem de prova e que podem incidir negativamente na colheita de indícios, além do que o investigado é assegurado constitucionalmente e que deve ser respeitado primordialmente sua dignidade humana.

            Sendo assim, a Constituição Federal no antigo 5º, LX: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.” A limitação recai sobre casos específicos, para que possa evitar perspectivas distorcidas, provocando o aviltamento da coabitação da pessoa incorporado na coletividade.

            Quando o processo investigatório for de grande relevância e que possa trazer algum malefício ao investigado, o juiz pode designar meios que possam garantir que o individuo será preservado de fatos externos alheios ao inquérito, resguardando assim a intimidade e honra do indivíduo. O Código de Processo Penal Brasileiro, diante da nova redação do artigo 201, § 6º, da Lei 11.690/2008, enaltece que:

O juiz tomará providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.

            Cabe destacar o papel fundamental que o inquérito sigiloso oferece, pois é o meio utilizado para que seja diminuído o risco de possíveis julgamentos errôneos em face da publicidade de informações que podem ou não de fato ser verdadeiras contra uma pessoa que esteja sendo investigado, e que podem acarretar prejuízos quanto a sua integração à sociedade.

 

CONCLUSÃO

            Diante da analise acerca da fase pré processual, intitulada inquérito policial bem como suas nuances, é necessário salientar que haja uma prudência quanto à divulgação de informações sobre a apuração de diligencias realizada pela autoridade policial em busca da descoberta do cometimento do delito e sua respectiva autoria, a fim de que fatos externos não venham interferir negativamente tanto no processo investigatório quanto na violação aos princípios e direitos fundamentais do individuo investigado.

            A etiqueta mencionada pelos estudos sociológicos merece notoriedade, pois uma vez atribuída será improvável que tal rótulo se desvincule, pois afeta a vida social e intima da pessoa. Logo, ao estar sendo investigado não há o que se falar em acusado/culpado, pois o que subsiste são meras investigações que buscam fatores reais e relevantes que pode ou não ter contribuído para a ocorrência de um fato.

            A mídia detém poder de exercer domínio sobre o cotidiano das pessoas, por conseguinte põe em circulação informações que diz respeito à esfera jurídica, principalmente no âmbito do processo penal brasileiro, que pode sofrer influência desvantajosa e prejudicar o transcurso do processo, como também por em rico os direitos constitucionalmente tutelados a todo investigado.

            Por fim, o sigilo no inquérito constitui uma figura garantidora dos direitos fundamentais que devem ser tutelados, a fim de que se assegure o devido processo legal para que possa evitar arbitrariedade por parte do poder estatal responsável por resguardar princípios basilares da Constituição Federal.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição. Disponível em: Acesso em: 04 de maio de 2017

BRASIL. Lei n° 11690, de 09 de junho de 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11690.htm> Acesso em: 04 de maio de 2017

BRASIL. Lei n° 8906, de 04 de julho de 1994. Disponível em: Acesso em: 11 de 04 de julho de 1994

BRASIL. Lei n° 13.245, de 12 de janeiro de 2016. Disponível em: Acesso em: 10 de maio de 2017

BRASIL. Decreto n° 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: Acesso em: 03 de maio de 2017

BECKER, Howard S. Outsiders. 1 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2003

KAFKA, Franz. O Processo. Tradução Marcelo Backes. Porto Alegre: LPM Pocket, 2009

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[1] Bacharelando em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará.  Orientador Professor Tenório Brito.

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