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Texto enviado ao JurisWay em 23/05/2017.
Última edição/atualização em 26/04/2019.
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O Constituinte brasileiro de 87-88 dedicou os quatro primeiros artigos da Constituição aos Princípios Fundamentais, algo inovador na organização dos dispositivos constitucionais. As Constituições republicanas continham poucas menções a princípios básicos, tendo apenas um ou dois artigos que instituíam o Pacto Federativo e, quando muito, o princípio da soberania popular. Apenas a Constituição do Império pode ser mencionada como precedente à Constituição de 1988 a respeito da positivação dos princípios fundamentais em seus cinco primeiros artigos.
Princípios
Antes de adentrarmos no estudo dos Princípios constitucionais vigentes, se faz necessária a compreensão do conceito de Princípios, bem como uma discussão sobre seu papel no sistema jurídico.
O professor cearense Paulo Bonavides apresenta em seu Curso algumas definições a cerca do que pode se entender por princípios, das quais mencionaremos, para sintetizar, apenas a formulada F. Clemente e a formulada pela Corte Constitucional italiana em 1956:
Princípio de Direito é o pensamento diretivo que domina e serve de base à formação das disposições singulares de Direito de uma instituição jurídica, de um Código ou de todo um direito Positivo.[1]
São aquelas orientações e aquelas diretrizes de caráter geral e fundamental que se possam deduzir da conexão sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade das normas, que concorrem para formar, assim, num dado momento histórico, o tecido de ordenamento jurídico.[2]
Pela primeira definição, os princípios vem a ser as fontes de inspiração quando da criação do Direito. Segundo Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, essa noção de princípio está relacionada à ideia de sistema, idealizada por Aristóteles e por Kant. A respeito da concepção deste último filosofo, assim se posiciona Jacinto Coutinho:
Para ele, sistema era o conjunto de elementos colocados em relação sob uma ideia única. Ela, por sua vez, seria determinada pela finalidade do conjunto e estaria colocada como princípio de ligação entre os elementos integrantes, logo funcionaria como um princípio unificador, reitor da conexão e, como tal, dado a priori. Foi assim que se pode pensar em sistemas nos mais variados campos, algo que vai do sistema solar ao sistema de governo, ou seja, matéria aparentemente de conhecimento corriqueiro no cotidiano. Em todos, porém há um princípio unificador.[3]
Já de acordo com o sentido apontado pela Corte italiana, mais clássico, os princípios são apenas ideações que se deduzem, que se extraem das normas, quando do processo de análise das normas jurídicas. São, como se poderia dizer, generalizações, que se obtém da generalização das regras jurídicas. Estudadas e interpretadas as normas jurídicas de modo sistemático e integrado, percebe-se que elas possuem uma mesma tendência, apontam para uma mesma direção. Por essa perspectiva, os princípios não são conhecidos a priori, como na definição anterior, mas a posteriori.
Em suma, os princípios são, quer se adote uma ou outra conceituação (que não são exatamente incompatíveis), elementos componentes dos sistemas jurídicos (que, por óbvio, não se compõem apenas de normas), tendo um caráter mais abstrato e genérico que as normas. No entanto, ainda assim deve ser reconhecido seu valor como elemento do direito.
Há na doutrina, debate a respeito do caráter normativo dos princípios. Há correntes doutrinárias que afirmam que norma é gênero do qual são espécies as regras e os princípios. Por outro lado, há outra linha de pensamento que defende a diferença entre princípios e normas, tendo carácteres próprios dentro do sistema de direito.
O fato é que, de uma ou outra forma, os princípios estão sempre presentes, quer de forma explícita ou implícita, na ordem jurídica, de modo que sempre terão força vinculante na criação, na interpretação e na aplicação do direito.
Princípios e Princípios Fundamentais
De acordo com Paulo Bonavides, os princípios podem assumir um caráter especial dentro do sistema jurídico quando integram o subsistema constitucional:
Partindo-se da função interpretativa e integrativa dos princípios (...) é possível chegar, numa escala de densidade normativa, ao grau mais alto a que eles já subiram na própria esfera do Direito Positivo: o grau constitucional.[4]
Entendendo a Constituição como o subsistema jurídico composto pelos elementos de mais elevada natureza – quer material, quer formal – não é de surpreender que os princípios mais relevantes do sistema jurídico sejam integrados pelo ordenamento constitucional, quer de forma expressa, quer de forma implícita.
Talvez por tal razão, J. Cretella Júnior, em seus Comentários à Constituição de 1988, considere redundante a expressão princípios fundamentais[5].
O Professor Ivo Dantas assevera que, em se tratando da Constituição brasileira, somente podem ser considerados Princípios Fundamentais aqueles constantes no Texto Constitucional que forem expressamente reconhecidos como tais, isso porque, segundo ele, a Constituição reconhece outras categorias de princípios, como os princípios gerais[6].
Os princípios fundamentais, por seu caráter abstrato e generalizante, não podem ser aplicados puramente sobre a realidade concreta. Para que possam ser realizados, é preciso exercer juízos jurídicos de ponderação e juízos políticos de conveniência e oportunidade, inclusive para compatibilizar possíveis conflitos entre os princípios, todos igualmente fundamentais.
Os Princípios Fundamentais na Constituição de 1988
O Constituinte de 87-88, ao elaborar a Constituição Cidadã, procurou criar um sistema democrático e aberto, e, para tanto, adotou um principiologismo bastante eclético, possuindo grande abertura interpretativa, com quatro artigos destinados a dispor sobre os Princípios Fundamentais, sendo que nenhum desses artigos explicitamente enumera quais seriam esses princípios fundamentais.
Em realidade, tais artigos apresentam: (art. 1º) os fundamentos da República Federativa do Brasil; (art. 1º, §1º) a fonte do poder da república; (art. 2º) os poderes da república; (art. 3º) os objetivos fundamentais da república; e (art. 4º) os princípios reitores das relações internacionais. Desta forma, os princípios fundamentais devem ser deduzidos de cada dispositivo.
Dentre tais princípios, podemos mencionar: Dignidade da Pessoa Humana e o Pluralismo político (que a pesar de serem formalmente fundamentos, materialmente são princípios fundamentais); o princípio democrático; o princípio representativo; distribuição de poderes em órgãos independentes e harmônicos; liberdade, justiça, solidariedade, igualdade; integracionismo, dentre outros.
O professor Pinto Ferreira faz distinção entre os fundamentos e os princípios fundamentais. Como fundamentos, elenca os constantes nos incisos do artigo 1º, e sobre eles diz:
“I – A soberania. A soberania é o poder de decisão em última instância em matéria política e social em geral. (...)
II – A cidadania. Distingue-se entre nacionalidade e cidadania. A nacionalidade é vínculo que une uma pessoa a um Estado determinado. (...) Cidadania é conceito diferente de nacionalidade, entendendo-se por cidadania o uso e gozo dos direitos políticos, concretizado pelo título eleitoral.
III – A dignidade da pessoa humana. O homem como pessoa merece o respeito à sua dignidade, que deve ser atendida pelo Estado, que não deve ofender os direitos fundamentais.
IV – Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Atendeu-se neste tocante ao princípio da liberdade de iniciativa próprio do neoliberalismo, e não do socialismo..
V – O pluralismo político. Com este preceito buscou-se fugir ao artificialismo do bipartidarismo asfixiante imposto pela Carta autoritária de 1967.”[7]
A respeito dos fundamentos, pode-se fazer ainda uma distinção entre eles, dividindo-os em duas categorias. Num primeiro grupo, estão os fundamentos naturais do Estado, que em Teoria do Estado são chamados de elementos do Estado: o povo (mencionado no Texto através da cidadania), o território e a soberania. Apenas o território ficou de fora, o que não faz muita diferença.
O segundo grupo de fundamentos é o conjunto dos fundamentos que imprimem um conteúdo ideológico ao sistema constitucional, tem conteúdo axiológico. De fato acrescentam significado à Carta Máxima. São eles: a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político.
Já como princípios fundamentais, Pinto Ferreira aponta apenas dois: a democracia (inspiração em Rousseau) e a separação de poderes (da teoria de Montesquieu). Nas palavras dele:
Princípio fundamental é o da democracia, pois todo o poder emana do povo, que o exerce diretamente através de normas de consulta popular ou indiretamente por meio de seus representantes. (...)
Outro princípio fundamental é o da separação de poderes, que são os três poderes constitucionais, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes.[8]
A respeito do princípio da separação de poderes, temos que, em realidade, não há uma separação de “poderes”, pois todo poder é uno, é o poder de império do Estado. O que há é a independência de órgãos incumbidos de funções estatais. Há órgãos que exercem funções executivas, órgãos com funções legislativas e outros com funções judicantes.
No entanto, sabemos que boa parte dos órgãos constitucionais possui mais de uma função. Por exemplo, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados são um órgãos principalmente incumbidos de exercer atividade legislativa, mas também tem competências judiciais, por exemplo, no processo criminal contra o Presidente da República. Todos os órgãos possuem atribuições administrativas, quanto à sua autoadministração. Não podemos nos esquecer da competência presidencial para participar do processo legislativo.
Se observarmos bem a organização constitucional da República brasileira, veremos que, de fato, não há apenas três poderes. O “poder” de interpretar a lei, por exemplo, não pode ser reduzido nem a o que tradicionalmente se chama poder legislativo nem ao poder judiciário. É um poder, uma capacidade, uma competência própria, que é ostentada por vários órgãos, cada um podendo exercê-lo de maneira específica e sobre certos temas específicos.
O “poder” de investigar, também é exemplo de poder que não se enquadra dentro do tradicional esquema de tripartição de poderes, pois pode ser exercido por vários órgãos de distintas naturezas.
Além disso, há ainda uma série de órgãos chamados de independentes por não se encaixarem na estrutura tradicional e incoerente de nenhum dos três “poderes”, como o Ministério Público.
O princípio (ou subprincípio?) da harmonia dos poderes tem a ver com a teoria norte-americana de freios e contra pesos, pela qual cada “poder” interfere de certa forma nas atividades de outro. Podemos citar os seguintes exemplos de harmonia e interdependência entre os poderes:
O poder executivo interfere, por exemplo, no legislativo quando participa do processo legislativo (como com a proposição e a sanção ou veto), e, no poder judiciário, ao nomear membros para alguns órgãos desse poder.
O judiciário, por sua vez, interfere nos poderes legislativo e executivo ao rever judicialmente a legalidade, a constitucionalidade e a convencionalidade dos atos daqueles poderes.
O legislativo também interfere nos demais, de várias formas, dentre as quais se destacam: a participação na nomeação de membros do poder judiciário; o controle e a fiscalização sobre as ações do executivo; o funcionamento de Comissões Parlamentares de Inquérito; a aprovação do orçamento de todos os poderes; o monopólio da produção de emendas constitucionais (apesar de que o judiciário pode apreciar o respeito dessas reformas às normas previstas na constituição).
[3] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: Cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. in: Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 64. n. 183 julho./set. 2009. pág. 108
[5] CRETELLA JR. J. Comentários à Constituição de 1988. Vol 1. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 1989. pág. 128. Ver também DANTAS, Ivo. Instituições de Direito Constitucional Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2014. pág. 377
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