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Resumo:
Resumo: Este artigo tem o objetivo de demonstrar o caminho a se percorrer para adequar a busca da verdade real às práticas não revitimizantes de crianças vítimas de violência sexual.
Texto enviado ao JurisWay em 26/03/2016.
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POLÍTICAS NO BRASIL NA CARTOGRAFIA DA REVITIMIZAÇÃO INFANTIL: ações à criança e do adolescente na defesa contra a violência sexual
Hamilton Souza da Fonseca*
Eumar Evangelista de Menezes Júnior*
Resumo: Este artigo tem o objetivo de demonstrar o caminho a se percorrer para adequar a busca da verdade real às práticas não revitimizantes de crianças vítimas de violência sexual. Nesse sentido pretende-se apresentar de forma esclarecedora que uma conduta técnica do Sistema de Justiça bem como o emprego de recursos referendados em literatura científica, com respaldo metodológico, em casos de violência sexual contra crianças, implica menos danos à saúde e à integralidade delas, mas a interrupção desse ciclo de violência em processos judiciais está atrelado a outras políticas e práticas sociais, desta restando o presente estudo.
Palavras-chave: Violência Sexual, Revitimização, Poder Judiciário.
"Depoimento sem medo não-revitimizante, visto em ato regulatório"
O enfrentamento da violência sexual mundo afora é fato, mas pensar o desenvolvimento infantil, a proteção jurídico legal, as atribuições dos operadores do direito e demais envolvidos no atendimento de crianças e adolescentes vítimas dessa violência requer uma ação técnica, com um cuidado ético, abrindo os ouvidos para uma escuta empática, uma atitude compreensiva, ao invés da frieza do julgamento e coisificação do outro.
O Brasil tem legislação a altura e se empenha em reduzir tal ciclo de violência perpetrado contra crianças e adolescentes em processos judiciais para oportunizar a ação às necessidades de cada indivíduo.
Dois marcos dignos de destaques no enfrentamento dessa questão pelo Brasil são: II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO, de 2009 e a RECOMENDAÇÃO Nº 33 do CNJ em 2010.
A revitimização
“Por favor, me deixa. Não me pergunta mais nada sobre isso. Eu queria esquecer” (DOS SANTOS; GONÇALVES, 2009, pag. 11), disse uma menina de 8 (oito) anos e está registrado em um processo de uma Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente de Goiânia-GO.
Após menção de que depoimentos como este “ecoam” em outras centenas de vozes, perpetua o enredo da obra literária instigando o leitor acerca da revitimização:
O desconforto e o estresse psicológico que crianças e adolescentes vítimas de violência sexual sofrem durante a oitiva no sistema processual vigente, em grande medida decorrentes de um emaranhado de sentimentos complexos, reiteradas vezes contraditórios, de medo, vergonha, raiva, dor e ressentimento, têm sua origem, em grande medida, na cultura adultocêntrica e formalista que permeia as práticas judiciais tradicionais. Esse desconforto, por sua vez, está na base da dificuldade que crianças e adolescentes experimentam ao prestar e sustentar seus depoimentos durante as fases da investigação e julgamento. A dificuldade de obtenção de provas consistentes é parcialmente responsável pelos baixos índices de responsabilização de pessoas que cometem violência sexual contra crianças e adolescentes. Dessa maneira, o desconforto, o estresse psicológico e o medo que crianças e adolescentes sentem ao depor em processos judiciais conectam-se com a impunidade. Vale ainda lembrar que a proteção da criança e do adolescente contra o sofrimento durante o processo judicial é um direito assegurado na normativa internacional aprovada pelas Nações Unidas para a inquirição de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de crimes. (DOS SANTOS; GONÇALVES, 2009, pag. 11)
Criança é a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade, diz o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, título do diploma legal de nº 8.069 de 13 de julho de 1990.
Ildeara de Amorim Digiácomo e Murillo José Digiácomo (2013) ao comentarem o citado artigo, expõem de forma bastante esclarecedora quem é um e quem é outro e suas implicações com diversas normas vigentes: “Trata-se de um conceito legal e estritamente objetivo”, conceito este que pode estar diferente do de outras ciências.
É pauta corrente no cenário nacional a discussão sobre redução da maioridade penal, o que poderá supor novas definições filosóficas e acadêmicas para velhos conceitos.
O ECA data de 1990 e há quem pense que toda essa filosofia de proteção integral à criança e ao adolescente é invenção brasileira. Claudia Fonseca, UFRGS 2004, conta que ao ler sobre os estatutos de outros países, “foi se dando conta que esses conceitos (a proteção integral, a prioridade absoluta da criança, etc.) já estavam sendo debatidos e desenvolvidos alhures durante a década de oitenta e antes”, salientando que para a elaboração de nosso estatuto infantojuvenil a sociedade civil havia se empenhado sob influência do exterior e dos fóruns de debates internacionais. (FONSECA, 2004)
Contudo, revitimização é um fenômeno decorrente do sofrimento continuado da vítima, especificado enquanto ocorrência de violência sexual, pela passagem da vítima pelas diversas fases da apuração do fato, no sistema de justiça, isso a um dia, a meses, e até mesmo anos depois, no que diz respeito ao mesmo agressor, sendo proposto o interrogatório, o depoimento, como forma de se lembrar de maneira muito dolorosa os momentos que a criança e o adolescente viveram.
O contexto da violência, abusos sexuais e a importância de uma escuta especial
Dentre um clarão nacional a violência muito cresce. O cidadão brasileiro atualmente muito sofre com diversas forma de violência, sendo de maior destaque a que atinge diretamente a integridade física e moral da família, sofrida pela criança e pelo adolescente, a violência sexual.
A Constituição Federal de 1988 firmou princípios de respeito à pessoa humana, de defesa da democracia e de proteção integral à criança e ao adolescente.
A prioridade absoluta em relação à criança e ao adolescente foi estabelecida no seu art. 227, cujo dever de proteção pertence à família, à sociedade e ao Estado, especificando quais direitos devem ser atendidos: à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 adotou o princípio da proteção integral, inserindo aspectos preventivos, protetivos e socioeducativos.
A doutrina da proteção integral fez nascer um sistema de garantias e proteção aos direitos da criança e do adolescente, sob a responsabilidade do Estado e da sociedade em geral.
Esse Sistema de Garantias e Proteção aos direitos da criança e do adolescente sob a responsabilidade do Estado deve proporcionar proteção integral aos tutelados mirins.
Um simples relato de uma criança que conta uma história simulando que seu pai lhe deu beijo na boca e pediu para não contar à mãe por simular uma brincadeira de marido e mulher entre eles, já é caso passível de provocar qualquer investigação criminal por abuso sexual. (Vejam que esta obra enfatiza mais a criança ao adolescente).
Abuso sexual pode ocorrer de muitas formas e em todas as famílias (intra e extrafamiliar), também não escolhe classes sociais nem culturais, podendo o abusador estar acima de qualquer suspeita ou agir assim por razões patológicas de personalidade. Alcoolismo, drogas e problemas psicológicos podem redundar em brutais ultrajes contra pessoas, dentre estas crianças e adolescentes.
O foco aqui não é descrever pormenorizadamente atos de violência ou abusos sexuais, nem falar de condutas caracterizadoras da exploração sexual de crianças e adolescentes, mas demonstrar que esse ciclo de violência em processos judiciais está atrelado a outras políticas e práticas sociais e as ações e condutas técnicas do Sistema de Justiça referendadas em literatura científica, com respaldo metodológico, podem implicar menos danos às crianças e adolescentes vítimas desse tipo de violência, desde que toda a sociedade possa abraçar esta causa e haja integração das políticas públicas para o setor.
Há somente um modo de fazer de um grande mal, um grande bem na vida de quem sofre violência ou testemunha algum tipo de violência e procura os órgãos estatais para registro: se elas forem bem recepcionadas e encaminhas pelo sistema de justiça.
Durante o devido processo legal, no decorrer da produção da prova, da apuração do fato, no momento da busca da verdade, ocorre a revitimização, que é o sofrimento continuado da vítima. Como minimizar os efeitos da violência já sofrida? Quais métodos não revitimizantes estão disponíveis no Sistema de Justiça?
As crianças e os adolescentes que presenciam ou são vítimas de situações de crime são quase invariavelmente envolvidos em investigações judiciais e criminais, como ao presenciar cena de abuso físico de uma criança, violência doméstica ou quando são sequestradas. Contudo, o motivo mais provável para uma criança entrar em contato com o sistema judiciário se dá quando ocorre uma denúncia de abuso sexual da qual ela própria é a vítima. Nesse caso, a vítima é, normalmente, a testemunha-chave da investigação. O aumento do interesse do sistema judiciário acerca da proteção das crianças contra o abuso sexual e também contra a revitimização no depoimento forense resultou em mudanças importantes na prática judicial, amparadas por um crescente corpo de pesquisas científicas. (DOS SANTOS; GONÇALVES, 2009, pag. 21)
O Sistema de Justiça é encarregado de aplicar a lei, de decidir entre o legal e o ilegal. O poder judiciário, às vezes, é obrigado a suprir a ausência de regras processuais específicas, como no caso do depoimento sem dano, que foi uma inovação, culminando com a edição da RECOMENDAÇÃO Nº 33 do CNJ.
Tradicionalmente, no sistema de justiça, a criança é tratada como qualquer adulto para fins de comparecimento em audiência e, a grosso modo, não há regras específicas reguladoras de sua condição. Sendo intimada, na pessoa de seu responsável legal e até mesmo pessoalmente, sob pena de responder, em tese, por ato infracional de desobediência, caso não compareça no dia e hora marcados.
Nesse dia, o réu poderá estar presente, bem assim o juiz, o promotor de justiça, o advogado do réu e demais servidores, oportunidade em que perguntas serão feitas de forma direta, invasiva quase sempre, e as respostas esperadas de igual forma também, o que é praxe no meio forense.
No depoimento especial, preconizado pela normativa do CNJ, a criança é preparada por um profissional que estudou para aquilo e dito profissional é o responsável em traduzir para o sistema de justiça o que ocorreu com elas. A vítima não tem contato com o réu, o acolhimento deve deixar a criança à vontade e o profissional (psicólogo ou afim) é quem recebe as perguntas (sem que a vítima perceba) e a formula da maneira mais apropriada possível à criança, estando o juiz, o promotor, o réu e o advogado, em local diverso do da criança, embora acompanhando tudo, inclusive os estímulos corporais, a fala e demais reações da vitima com a devida gravação eletrônica para acesso em qualquer instância ou tribunal, atualmente adotado em substituição à velha forma revitimizante.
O Brasil na causa
Em 13 de abril de 2009 os Três Poderes da República: O Poder Executivo, na pessoa do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva; O Poder Legislativo, nas pessoas dos Excelentíssimos Senhores Presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, respectivamente, Senador José Sarney e Deputado Michel Temer; O Poder Judiciário na Pessoa do Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Ferreira Mendes, firmaram o II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO.
O ato normativo acima listado apresentou diversas considerações acerca da defesa da vítima, criança e adolescente, primando por um judiciário rápido, reformas processuais, acesso facilitado e universal à Justiça, fortalecimento e proteção aos direitos humanos, bem assim o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito e das instituições do Sistema de Justiça.
O acesso universal à justiça abarca especialmente os mais necessitados, bem como o aprimoramento da prestação jurisdicional traduz-se pelo princípio constitucional da razoável duração do processo. Tudo para estimular a cooperação entre os poderes para resolução de conflitos, integrando ações de proteção às crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas, assegurando direitos, fortalecendo a mediação e a conciliação.
No “ANEXO” desse pacto estatuíram “MATÉRIAS PRIORITÁRIAS” de âmbito nacionais, podendo serem enxergadas todas na proteção dos Direitos Humanos e Fundamentais. O Quadro 01 abaixo, perpetua as peculiaridades do pacto de atos prioritários:
QUADRO 01 - Matérias Prioritárias na Proteção dos Direitos Humanos e Prioritários da Criança e do Adolescente.
1- Proteção dos Direitos Humanos e Fundamentais. 1.1- Atualização da Lei no 9.296, de 1996, estabelecendo novas condições para o procedimento de interceptação telefônica, informática e telemática, objetivando evitar violação aos direitos fundamentais. 1.2- Revisão da legislação relativa ao abuso de autoridade, a fim de incorporar os atuais preceitos constitucionais de proteção e responsabilização administrativa e penal dos agentes e servidores públicos em eventuais violações aos direitos fundamentais. 1.3- Atualização da disciplina legal das Comissões Parlamentares de Inquérito. 2- Agilidade e efetividade da prestação jurisdicional 2.1- Conclusão da Reforma Constitucional do Poder Judiciário e das normas relativas ao funcionamento do Conselho Nacional de Justiça, em especial das Propostas de Emenda Constitucional nº358, de 2005 e 324, de 2009. 2.2- Aprimoramento normativo para maior efetividade do pagamento de precatórios pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. 2.3- Regulamentação do processo e julgamento da representação interventiva perante o Supremo Tribunal Federal. 3 - Acesso universal à Justiça: 3.1-Fortalecimento da Defensoria Pública e dos mecanismos destinados a garantir assistência jurídica integral aos mais necessitados. 3.2-Revisão da Lei da Ação Civil Pública, de forma a instituir um Sistema Único Coletivo que priorize e discipline a ação coletiva para tutela de interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, objetivando a racionalização do processo e julgamento dos conflitos de massa. 3.3-Instituição dos Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, com competência para processar, conciliar e julgar causas cíveis, de pequeno valor, de interesse dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. |
Fonte: (Adaptado BRASIL, 2009)
Sobre esse prisma normativo o Brasil mostra-se equiparado às grandes nações do mundo e às demandas e exigências atuais.
O Conselho Nacional de Justiça - Recomendador
Em 23 de novembro de 2010 a presidência do Conselho Nacional de Justiça, considerando o que ficou deliberado na 116ª Sessão Ordinária, realizada em 09 de novembro de 2010, no julgamento do ATO nº 00006060-67.2010.2.00.0000, editou a recomendação nº 33. Com ela recomendou aos tribunais do país a criação de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais. Assim, o Brasil avançou na defesa destes, tudo na mantença dos Direitos Humanos e Fundamentais, como a vida e a dignidade da pessoa humana. (CNJ, 2010)
Num levantamento realizado em 2008, a ABMP-Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude, em comemoração dos 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, já entendia fundamental tal iniciativa por parte do Conselho Nacional de Justiça para a criação e estruturação de equipes técnicas em todas as comarcas do país, estabelecendo-se parâmetros objetivos, com base na adequação do serviço. Mais ainda, a ABMP entendia “imprescindível” que essas equipes fossem formadas apenas por servidores públicos, contratados por meio de concurso, visando garantir maior qualidade e segurança de sua atuação de assessoramento dos magistrados. (ABMP, 2008, pag. 81)
4.1 Particularidades da Recomendação nº 33 na prática
Em 08 de Julho de 2013, foi publicada na página do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte a comunicação intitulada: “Violência infantil: sistema de depoimento preserva vítima de abuso sexual”. (PORTAL DO JUDICIÁRIO, 2013)
Desta retórica, na melhor compreensão da temática, é visível a preocupação para se evitar a revitimização. Segundo o juiz titular daquela unidade, José Dantas de Paiva, o Poder Judiciário potiguar, que está entre as três primeiras que implantaram o sistema, ao lado do Rio Grande do Sul e de Pernambuco, já vinha cumprindo esse “Depoimento sem Dano” antes mesmo da Recomendação CNJ Nº 33, que é de 2010, evitando assim a revitimização, conforme esclarece:
Nesse sistema, a criança é ouvida numa sala que não se parece com uma sala convencional de audiência. A psicóloga tem um ponto no ouvido, por meio do qual o juiz faz alguma pergunta e ela retransmite em uma videoconferência, sem que a criança perceba. (PORTAL DO JUDICIÁRIO, 2013)
O judiciário goiano, por sua Corregedoria-Geral da Justiça, atento, editou os PROVIMENTOS 003/2011 e 008/2014 referindo-se à Lei estadual nº 16.890/2010 (PROVITA-GO) e à Lei Federal nº 9.807/1999, criadas para organizar e manter programas de proteção a vítimas e colaboradores da justiça, bem como proteção a testemunhas ameaçadas, acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. Ditos provimentos, regulamentam providências a serem observadas para resguardar as identidades dessas pessoas, nos dias de comparecimento às audiências para oitiva.
Do que propõe o ato regulatório, tem-se que todos os Tribunais de Justiça se subordinarão à íntegra do disposto na Recomendação visando um basta à malfadada revitimização, pois quando a vítima é brutalmente ultrajada é preciso que a justiça não faça isso de novo.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) participou da elaboração de um livro guia publicado em 2014 pela Editora da Universidade Católica de Brasília-EdUCB intitulado: “ESCUTA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL Aspectos Teóricos e Metodológicos Guia para Capacitação em Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes” destinado à capacitação dos vários profissionais envolvidos na escuta de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, oferecendo elementos teóricos e metodológicos para os vários atores da rede de proteção de crianças para capacitação em Depoimento Especial, homenageando o 25º aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, um dos marcos legais mais importantes na história dos direitos humanos, enfatizando para tanto que “em seu artigo 12, a Convenção assegura o respeito à opinião de crianças e adolescentes sobre “todos os assuntos” a elas relacionados, e, em particular, o direito de “ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo” que lhes afetem”. (GARY STAHL, pag. 13).
Qualificar a ação de profissionais que trabalham com crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas foi um compromisso que o Estado brasileiro assumiu ao ratificar, em 2004, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, que trata da venda de crianças, prostituição e pornografia infantil. O governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação na Secretaria-Geral da ONU em 27 de janeiro de 2004; entrando em vigor para o Brasil em 27 de fevereiro de 2004.
A linha do tempo do ideal não revitimizante
O livro “DEPOIMENTO SEM MEDO (?): culturas e práticas não-revitimizantes, 2009” aqui já referido, apresenta um “catálogo das experiências alternativas de tomada de depoimento especial de crianças e adolescentes no mundo” expondo a evolução do ideal não revitimizante, inclusive refere-se que no Brasil, “a prática social objeto desta cartografia é denominada “depoimento especial” ou “inquirição especial” de crianças e adolescentes em processos judiciais”. (DOS SANTOS; GONÇALVES, 2009)
Tal estudo apresentou mapeamento de experiências de tomada de depoimento especial de crianças e adolescentes em processos judiciais em vários países do mundo.
Em destaque:
Foram identificadas e registradas práticas de tomada de depoimento especial de crianças e adolescentes em processos judiciais em 28 países nos cinco continentes: África, América (do Norte, do Sul, Central e Caribe), Ásia, Europa e Oceania. Buscou-se uma maneira de dar visibilidade a esse fenômeno, que vem aumentando a cada dia no universo dos países signatários da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, como uma bússola apontando rumo à cidadania. […]
O maior número de experiências encontra-se em países da Europa (36%), ficando a América do Sul em segundo lugar (25%) e a Ásia em terceiro (14%). Embora a América do Norte e a Oceania tenham ficado com os menores percentuais de experiências de tomada de depoimento especial de crianças e adolescentes, esta metodologia está universalizada nesses dois continentes, uma vez que os dois maiores países de cada um deles já a adotam. […]
Uma análise da temporalidade das práticas de tomada de depoimento especial indica que estas são recentes na história da humanidade. (DOS SANTOS; GONÇALVES, 2009, p. 147)
Enxergando os dados brasileiros e os marcos da obra citada, pode-se dizer que o Brasil muito avançou desde a experiência pioneira em 2003 em Porto Alegre-RS onde houve a instalação de uma unidade especial para oitivas na vara da infância e juventude.
Segundo a Cartografia Nacional das Experiências Alternativas de Tomada de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes em Processos Judiciais no Brasil, lançada em novembro de 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em conjunto com a Childhood Brasil e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o número de experiências destinadas a oitivas de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual cresceu mais de 20 vezes de 2003 a 2011, saltando de duas salas especiais para mais de quarenta. (EdUCB, 2013)
As explanações dentro desse contexto, buscando concretizar os principios da Dignidade da Pessoa Humana, descrito no art. 1º, da CRFB/88 e tratamento diferenciado à vista da Condição Peculiar da Pessoa em Desenvolvimento, subscrito no ECA, o novo paradigma para ações mais humanizadas se dá através do enfrentamento dos seguintes desafios: atendimento especializado/diferenciado quando o agressor da criança vítima do abuso sexual for pessoa do vínculo familiar; discussão, seja na escola, seja dentro do âmbito doméstico, dos assuntos relacionados à sexualidade; melhoria das práticas referentes à investigação policial, tais como escuta sem interrupção ou evitar a exigência de detalhes relacionados ao ato sexual reprimido, acolhimento da vítima e escuta num ambiente agradável. Além disso, o preparo dos profissionais, pois é preciso que se atualizem e se especializem de acordo com os ensinamentos propostos pela Convenções, Sistemas e Conselhos Nacionais e Internacionais direcionados ao tratamento diferenciado, moderno e adequado das crianças e jovens vitimas de abuso sexual.
RESUMO DAS PRINCIPAIS DIFERENÇAS |
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DEPOIMENTO ESPECIAL |
DEPOIMENTO TRADICIONAL |
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Poder judiciário respeita a condição de pessoa em desenvolvimento |
Prejuízo ao depoimento e ao exercício à expressão |
Garante o direito à expressão |
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Pessoa notificada de maneira adequada |
Responsável somente recebe intimação |
Criança é preparada ao ser recebida |
Criança somente saberá o que está acontecendo depois de entrar no fórum |
Será ouvida por alguém preparado |
Muitas vezes ouve perguntas inapropriadas |
Criança não se encontra com o agressor |
Criança fica em contato com o agressor |
Ambiente com várias pessoas |
|
Maior responsabilização |
Menor responsabilização |
Somente pessoas que participam têm acesso às informações |
Todos têm acesso aos autos |
Crianças não ouvem perguntas inapropriadas |
Perguntas invasivas e diretas sobre sua sexualidade |
Fonte: (adaptado CHILDHOOD BRASIL, 2009)
Considerações finais
Fato marcante na vitimização sexual é a proteção jurídico legal para atendimento de casos de abuso e violação desses direitos enxergado em todo mundo e especificadamente no Brasil.
Postulado crime sexual, o “depoimento” traz a dor da vivência do ato ocorrido por vezes à vítima, a revitimização. Restando estudo, ora pauta corrente nas relações internacionais com protocolos referendados em literatura científica para condução, a “escuta especial” mostra-se mais adequada ao sistema de justiça.
No Brasil, todas as ações de enfrentamento da violação de direitos sexuais somadas a essa verdadeira ciência infantojuvenil, apesar da complexidade do tema em si, em tese, põe crianças e adolescentes a salvo de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão o que coaduna com princípios basilares estatuídos na Carta Magna da nação, destacáveis o Direito Humanitário, o respeito da dignidade da pessoa humana, mantendo a integridade física e moral delas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 14 jan. 2015.
______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm >. Acesso em: 15 fev. 2015.
CNJ. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. RECOMENDAÇÃO Nº 33, DE 23 DE NOVEMBRO DE 2010. Disponível em:
______. II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO. (2009). Disponível em:
DOS SANTOS, Benedito Rodrigues; GONÇALVES, Itamar Batista. Depoimento sem medo (?): culturas e práticas não-revitimizantes: uma cartografia das experiências de tomada de depoimento especial de crianças e adolescentes. 2. ed. São Paulo: Childhood Brasil (Instituto WCF Brasil), 2009.
DOS SANTOS, Benedito Rodrigues... [et al.] Cartografia nacional das experiências alternativas de tomada de depoimento especial de crianças e adolescentes em processos judiciais no Brasil: o estado da arte–São Paulo, SP : Childhood Brasil; EdUCB, 2013.
DOS SANTOS, Benedito Rodrigues... [et al.] Escuta de crianças e adolescentes em situação de violência sexual: aspectos teóricos e metodológicos: guia para capacitação em depoimento especial de crianças e adolescentes. EdUCB, 2014.
FONSECA, Claudia... [et al.] “Os direitos da criança –Dialogando com o ECA” in Antropologia, diversidade e direitos humanos: diálogos interdisciplinares. Porto Alegre: Editora da UFRGS. 2004.
MURILLO, José Digiácomo; ILDEARA, Amorim Digiácomo. Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado. 6. ed. Curitiba: Ministério Público do Paraná, 2013.
PORTAL DA ABMP. Levantamento realizado pela ABMP Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude em comemoração dos 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, julho de 2008. Disponível em:
PORTAL DO JUDICIÁRIO. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Violência infantil: sistema de depoimento preserva vítima de abuso sexual . Publicado em 08 julh. 2013. Disponível em:
*Pós graduando em Direito Público Programa de Pós Graduação da Moderna Educacional. Licenciadol em Ciência com habilitação em Matemática pela Evangélica. Professor e Oficial de Justiça. E-mail: jurandir.nascimento@seduc.go.gov.br.
*Mestre em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente. (Multidisciplinar). Prof.Ms. do Curso de Direito da UniEvangélica, Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Direito da UniEvangélica, Orientador de TCC da UniEvangélica; Prof. e orientador de Monografia do Programa de Pós-graduação lato sensu da Moderna Educacional; Membro da União Literária Anapolina – ULA; Advogado. E-mail: profms.eumarjunior@gmail.com.
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