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Responsabilidade do empregador pela assunção do risco: Empregados vítimas dos assaltantes


Autoria:

Fabrício Máximo Ramalho


Advogado, especialista em Direito e Processo do Trabalho.

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Direito Processual do Trabalho

Resumo:

O objetivo do estudo é analisar qual é a responsabilidade do empregador quando da ocorrência dos acidentes do trabalho comumente denominados "assaltos", procurando alcançar a interpretação que deve ser dada à teoria do risco no Direito do Trabalho.

Texto enviado ao JurisWay em 21/12/2015.



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RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELA ASSUNÇÃO DO RISCO: EMPREGADOS VÍTIMAS DOS ASSALTANTES


INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é analisar a aplicação da responsabilidade do empregador quando da ocorrência dos acidentes do trabalho relacionados aos atos de violência – comumente denominados “assaltos” – que atingem os empregados, procurando alcançar a melhor interpretação que deve ser dada à teoria do risco no Direito do Trabalho.

O problema reside exatamente em saber de quem é a responsabilidade quando o empregado sofre assalto à mão armada durante o trabalho. Os empresários têm se defendido sob o argumento de que tais infortúnios atrelados à violência urbana escapam de sua responsabilidade, seja quando os acidentes ocorrem dentro da empresa (no caso dos bancários, financiários, atendentes comerciais, dentre outras categorias profissionais), seja ocorrendo nas vias públicas (no caso dos motoristas, cobradores de ônibus, motociclistas, carteiros, dentre outros que transportam ou entregam produtos valiosos), atribuindo ao Estado a responsabilidade pela (in) segurança.

Sem querer esgotar o debate sobre o tema, este trabalho cuidou dos casos de acidentes do trabalho ocorridos nas vias públicas quando do transporte e entrega de produtos valiosos, destacando também que embora os acidentes estão ligados à violência urbana, ela está ligada à atividade econômica do empregador, que tem como “instrumento” da sua atividade um ser humano: o trabalhador.

Assim,o presente estudo procurará responder ao seguinte questionamento: Diante da atual violência que atinge a sociedade, quem deve indenizar o empregado: o Estado, por ter o dever de garantir a segurança dos cidadãos e de evitar a atuação dos criminosos ou o empregador, por ter assumido determinado risco?

 

1. A VIOLÊNCIA URBANA COMO ACIDENTE DO TRABALHO

Falar de acidente é falar de um acontecimento imprevisto ou fortuito que resulta dano à coisa ou à pessoa. Contudo, ao se falar em acidente do trabalho, não é mais possível sustentar essa ideia de acontecimento do acaso e de imprevisibilidade como regra geral, pois, como bem destaca Raimundo Simão de Melo[1], “grande parte dos acidentes laborais, na atual modernidade industrial e tecnológica, decorre da falta de prevenção dos ambientes do trabalho”, como “decorre da ausência de cuidados mínimos e especiais na adoção de medidas coletivas e individuais de prevenção dos riscos ambientais”. O autor frisa que existem inúmeras atividades caracteristicamente perigosas em que os acidentes decorrentes dela não podem ser considerados como meros infortúnios do acaso, pois são perfeitamente previsíveis e preveníeis, sendo suas causas identificáveis e possíveis de serem neutralizadas ou até mesmo eliminadas.

Vários trabalhadores que executam boa parte das suas atividades nas vias públicas passaram a conviver com a violência urbana simplesmente por estarem trabalhando em uma empresa que transporta valores ou efetua entrega de encomendas. Cigarros, produtos eletrônicos, importados, são apenas alguns exemplos do que têm se tornado um atrativo aos criminosos. O crescente número de vendas pela internet também possui forte ligação com essa onda de assaltos aos trabalhadores que executam atividades externas. O elevado grau de risco nas atribuições desses empregados se dá pelo fato de transportarem consigo diversas mercadorias de elevado valor dentro de veículos, atrativo para assaltantes, o que retira a imprevisibilidade do evento criminoso. Se o empregado estava executando sua função quando foi vítima do assalto, com consequente agressão psicológica e por vezes física, configurado está um inequívoco acidente do trabalho.

Extrai-se do art. 19 da Lei 8.213/1991 que acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. O art. 21, II, da mesma lei trata das hipóteses de acidente por equiparação legal, sendo aquele ocorrido no local e no horário do trabalho, em consequência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, de negligência ou imperícia de terceiro ou de companheiro do trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior.

Haverá a doença ocupacional equiparada a acidente do trabalho quando for demonstrado que o empregado foi acometido de problemas psiquiátricos incapacitantes decorrentes de traumas pela ocorrência de sucessivos traumas por assaltos à mão armada no ambiente do trabalho. A lista de doenças ocupacionais do INSS, relacionada no Anexo II do Decreto n. 3.048/99, indica o grupo dos transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho (Grupo V do CID-10), que aponta como fator etiológico dessas doenças a reação após assalto no trabalho.

 

2. A APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO DIREITO DO TRABALHO

A responsabilidade objetiva do empregador, assim entendida aquela que independe de culpa lato sensu (dolo, imprudência, negligência ou imperícia), bastando a comprovação do dano causado e do nexo causal, já vem sendo aplicada, seja por danos ao meio ambiente do trabalho e à saúde do trabalhador (Lei n. 6.938/81, art. 14, § 1º, CF/88, arts. 200, VIII e 225, § 3º), seja pela atividade de risco (parágrafo único do art. 927 do CC/2002).

O meio ambiente do trabalho não é algo estático, mas dinâmico. Não se restringe ao espaço interno da fábrica, podendo se estender ao meio ambiente urbano, conforme os ensinamentos de Julio Cesar de Sá da Rocha[2]. Para o autor, o meio ambiente do trabalho “representa todos os elementos, inter-relações e condições que influenciam o trabalhador em sua saúde física e mental, comportamento e valores reunidos no locus do trabalho”.

Nesse sentido, com base no princípio da prevenção e da precaução, devem os empregadores adotar medidas tendentes a evitar riscos ao meio ambiente e a seus empregados por conta dos acidentes do trabalho (assaltos) por eles sofridos, bem como pela possibilidade de ocorrerem novos infortúnios. Tais situações vivenciadas pelos empregados não configuram uma mera exposição a um risco qualquer, mas sim de um risco à incolumidade física. À medida que os assaltos vão se repetindo, torna-se incontroverso o desgaste emocional pelo qual os empregados ficam submetidos, por conta do risco de perder a vida, a integridade física, além dos prejuízos de natureza psicológica. É dever do empregador, por ordem constitucional (art. 7°, XXII), zelar pela redução dos riscos inerentes ao trabalho, mediante normas de saúde, higiene e segurança.

A atividade de transporte e entrega, em determinadas localidades e com produtos visados pelos assaltantes, é considerada uma atividade de risco, já que tal atividade desenvolvida causa aos trabalhadores um ônus maior do que aos demais membros da sociedade, conforme Enunciado 38 da 1ª Jornada de Direito Civil do CJF. Ocorrendo os roubos, deve o empregador responder objetivamente por estes acidentes de trabalho.

Há que se superar a ideia de que haveria conflito entre o parágrafo único do art. 927 do CC/2002: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por natureza, riscos para os direitos de outrem” e o art. 7°, XXVIII, da CF/88: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

O parágrafo único do CC/2002 pode ser aplicado no caso de acidente do trabalho, já que o próprio caput do art. 7º da CF/88 prevê outros direitos além daqueles ali mencionados. De acordo com Sebastião Geraldo de Oliveira[3], “o rol dos direitos mencionados no art. 7º da Constituição não impede que a lei ordinária amplie os existentes ou acrescente outros que visem à melhoria da condição social do trabalhador”. Como o art. 121 da Lei n. 8.213/1991 estabeleceu que “o pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem”, não fazendo distinção entre a responsabilidade civil subjetiva e a objetiva, é possível concluir que todas as espécies estão contempladas. Para Oliveira, haveria incompatibilidade caso a redação do inciso XXVIII do art. 7º da CF/88 enfatizasse a limitação a uma espécie de responsabilidade, por exemplo com a seguinte redação: “Só haverá indenização por acidente do trabalho quando o empregador incorrer em dolo ou culpa”. Além disso, a indenização do acidentado, fundada na responsabilidade objetiva, visa à melhoria da condição buscar sua interpretação em conjunto e de forma harmônica com o disposto no § 3° do art. 225 da CF/88. Desse modo, haverá responsabilidade objetiva para tsocial do trabalhador.

Conforme ensina Melo[4], não se pode fazer uma leitura tópica isolada do inciso XXVIII do art. 7° da CF/88, sendo necessário odo e qualquer tipo de indenização por acidente de trabalho, seja a cargo da Previdência Social, do empregador ou de eventual segurador privado, devendo considerar o risco criado, como tendência inafastável do Direito contemporâneo. Não se deve sustentar uma interpretação literal da disposição do inciso XXVIII do art. 7°, para desde logo concluir-se que se trata unicamente de responsabilidade subjetiva como questão fechada, já que “esse dispositivo está umbilicalmente ligado ao caput do art. 7°”. Portanto, “qualquer direito integrante do rol do art. 7° da Constituição Federal brasileira pode ser alterado pelo legislador ordinário visando à melhoria da condição social dos trabalhadores”.

 

3. TEORIAS DO RISCO

Diversas são as teorias, fundamentadas no risco, que buscam justificar a responsabilidade objetiva.

Na teoria do risco integral, como destaca Sergio Cavalieri Filho[5], o dever de indenizar deve existir até nos casos de inexistência do nexo causal. Na responsabilidade objetiva, dispensa-se o elemento culpa, mas a relação de causalidade é indispensável. Pela teoria do risco integral, o dever de indenizar se faz presente exclusivamente em face do dano.

Na teoria do risco proveito, leciona o autor, “responsável é aquele que tira proveito da atividade danosa, com base no princípio de que, onde está o ganho, aí reside o encargo - ubi emolumentum, ibi onus”. Argumenta-se que o dano deve ser reparado por aquele que retira algum proveito ou vantagem do fato lesivo. Se os frutos são colhidos por quem se utiliza de coisas ou atividades perigosas, deve também experimentar as consequências prejudiciais que dela decorrem. A dificuldade dessa teoria está na definição do que vem a ser o termo “proveito”. O proveito da atividade poderia ser econômico, como também não necessariamente um proveito não pecuniário, por exemplo proveito moral[6].

A teoria do risco criado está fundada na ideia de que aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo[7]. Por esta teoria, não se cogita do fato de ser o dano correlativo de um proveito ou vantagem para o agente. Encara-se a atividade em si mesma, não considerando o resultado bom ou mau que dela advenha para o agente. Trata-se de uma ampliação do conceito do risco-proveito. A vítima não precisa provar que o dano resultou de uma vantagem ou de um benefício obtido pelo causador do dano, devendo este apenas assumir as consequências de sua atividade. Enfatiza José Affonso Dallegrave Neto[8] que na teoria do risco criado a obrigação de indenizar está atrelada ao risco criado por atividades lícitas, contudo perigosas. Assim, aquele que possuir por objeto negocial uma atividade que enseja perigo deverá assumir os riscos à sociedade, diferenciando-se da clássica teoria subjetiva da culpa, bastando o desenvolvimento de uma ação lícita, porém perigosa ou de risco físico.

Já a teoria do risco profissional é mais ampla que a do risco criado, que se limita às atividades empresariais perigosas. A teoria do risco profissional estende-se a todo empregador. Aqui o risco é sempre suportado pela empresa, pois é ela sempre a responsável pelo desenvolvimento das atividades profissionais de seus empregados. Inspirada na obra de Saleilles, em 1897, a teoria do risco profissional, enfatiza Dalegrave Neto[9], alcança as áleas inerentes à relação de emprego, embasando a teoria da responsabilidade objetiva, máxime as ações reparatórias de acidente de trabalho. De acordo com Cavalieri Filho[10] esta teoria desenvolveu-se especificamente para justificar a reparação dos acidentes ocorridos com os empregados no trabalho ou por ocasião dele, independentemente de culpa do empregador. Isso porque na maioria das vezes a responsabilidade fundamentada na culpa levava à improcedência da ação acidentária. Não obstante a dificuldade de o empregado produzir provas, boa parte dos acidentes não eram indenizados por conta da desigualdade econômica, da força de pressão do empregador, além dos casos em que o acidente decorria das próprias condições físicas do trabalhador, quer pela sua exaustão, quer pela monotonia da atividade.

Por fim, pela teoria do risco da atividade econômica, segundo Dallegrave Neto[11] o empregador deve se responsabilizar por todos os ônus exigidos para viabilizar a empresa, não podendo o empregado concorrer com o risco ou prejuízo, tampouco sofrer qualquer dano pelo simples fato de executar o contrato de trabalho. O art. 2º da CLT define empregador como a empresa que “assume os riscos da atividade econômica”. Portanto, para este autor, ao preconizar a assunção do risco pelo empregador, a CLT adota a teoria objetiva, não para a responsabilidade proveniente de qualquer inexecução do contratual, mas para a responsabilidade concernente aos danos sofridos pelo empregado em razão da mera execução regular do contrato de trabalho.

 

4. EXCLUDENTES UTILIZADAS PELOS EMPREGADORES NOS CASOS DE ASSALTOS

No caso dos assaltos ocorridos com os empregados que executam atividades externas, os empregadores procuram se isentar da responsabilidade desses acidentes do trabalho utilizando como argumentos: 1º a culpa exclusiva do trabalhador; 2º o caso fortuito e a força maior; 3º o fato de terceiro; e 4º o Estado como garantidor da segurança pública.

O 1º argumento – a culpa exclusiva do trabalhador (na verdade, o fato exclusivo da vítima) – ocorre quando a causa única do acidente do trabalho tiver sido a sua conduta, não possuindo qualquer ligação com o descumprimento das normas legais, contratuais, convencionais, regulamentares, técnicas ou do dever geral de cautela por parte do empregador. Se por exemplo o empregado, numa atitude inconsequente, desliga o sensor de segurança automática de um equipamento perigoso e posteriormente sofre acidente em razão dessa conduta, não haverá culpa por parte do empregador, muito menos indenização. Como o causador real do acidente foi o próprio acidentado, rompe-se o nexo de imputação do fato ao empregador[12].

Se porventura houver alguma simulação de assalto provocada pela própria vítima, almejando, por exemplo, obter vantagem econômica, sequer haverá acidente do trabalho, tampouco indenização por parte do empregador.

O 2º argumento – o caso fortuito e a força maior – refere-se a acontecimento que escapa a toda diligência. Para Cavalieri Filho[13], trata-se de circunstância irresistível, externa, fato não controlável, que impede o agente de ter a conduta devida para cumprir a obrigação a que estava obrigado. O caso fortuito trata-se de evento imprevisível e, por isso, inevitável. Já a força maior refere-se a um evento inevitável, ainda que previsível, tratando-se de fato superior às forças do agente, como fatos da Natureza (tempestades, enchentes etc.).

A inevitabilidade deve ser analisada tendo em vista as particularidades de cada caso, no momento da ocorrência. Isto porque devido ao avançado estágio atual do progresso tecnológico e científico, do extraordinário aparato tecnológico de medidas de segurança destinadas a prever e diminuir os riscos, a irresistibilidade deve ser relativizada. Assim, o assalto em um banco, a um carro forte, em um shopping, em um ônibus ou na rua não poderá ter a mesma avaliação de inevitabilidade. Na medida em que se tomam disponíveis novos meios técnicos preventivos, menor se toma o campo de incidência da inevitabilidade. Com base na responsabilidade objetiva fundada no risco da atividade, em algumas hipóteses o caso fortuito não afasta o dever de indenizar. Tal ocorre no chamado por Cavalieri Filho de “fortuito interno”, assim entendido o fato imprevisível, inevitável, mas que se liga aos riscos do empreendimento, integrando, portanto, a atividade empresarial de tal modo que não é possível exercê-la sem assumir o fortuito[14].

Segundo Cavalieri Filho[15], o fortuito interno é o fato imprevisível, e, por isso, inevitável, que se liga à organização da empresa, que se relaciona com os riscos da atividade por ela e o fortuito externo é também fato imprevisível e inevitável, mas estranho à organização do negócio. Por esta lição, não se pode dizer que os assaltos em determinadas atividades de transporte e entrega representam fato que não guarda nenhuma ligação com a empresa.

Para Dallegrave Neto[16], o dano do empregado ocorrido no ambiente do trabalho, ainda que decorrente de força maior ou caso fortuito não exime totalmente o empregador. A razão se dá pelo fato de o direito do trabalho possuir conteúdo tutelar e mais social do que os contratos civilistas. Assim, para o autor, a indenização deverá ser fixada pela metade, aplicando-se, por analogia, os arts. 501 e 502, II, da CLT.

O 3º argumento – o fato de terceiro – como o causador do acidente do trabalho, é aquele ato lesivo praticado por alguém devidamente identificado que não seja nem o acidentado e nem o empregador ou seus prepostos. Embora o acidente provocado por roubo à mão armada possa ser enquadrado como fato de terceiro, sobretudo porque a segurança pública é dever do Estado e não do empregador, Oliveira[17] defende que o empregador passa a ter responsabilidade civil quando deixa de adotar as cautelas necessárias e expõe o trabalhador a perigo previsível. Isso porque a possibilidade de sofrer o acidente, mesmo causado por terceiros, é aumentada em razão do exercício do trabalho da vítima, devendo ser aplicada a responsabilidade civil objetiva do empregador, com apoio na teoria do risco criado. Ressalta o grande jurista que “a maior vulnerabilidade do acidentado estaria no campo do risco conexo e previsível daquela atividade econômica”. Assim, ao invés de concentrar-se na assertiva de indenizar os danos causados pelo empregador, “desloca-se o pensamento no sentido de indenizar os danos sofridos pelo acidentado durante a prestação dos serviços”. Disso, “o empregador, se for o caso, pode acionar o terceiro causador do acidente para reembolso do valor da indenização”.

O fato exclusivo de terceiro exclui a responsabilidade civil somente se constituir em causa estranha ao aparente responsável pelo dano, eliminando totalmente a relação de causalidade. Terceiro, para esse efeito, é aquele indivíduo totalmente estranho ao aparente causador do dano ao lesado. Afinal, em certas atividades de risco o ato de terceiro deve ser considerado como ato interno, pois, como ensina Melo[18], o fato tem relação com a atividade de risco, por exemplo nos casos dos acidentes de trabalho decorrentes de assaltos em determinadas atividades, como nos assaltos a bancos e nos ônibus, cujo risco é conhecido de antemão por quem empreende nessas atividades. Atos de tiros e assaltos são perfeitamente previsíveis nos dias de hoje, sendo que a exclusão desses modernos fatos do âmbito da responsabilização do empregador que exerce atividade de risco levaria à redução da responsabilidade objetiva a ponto de torná-la insignificante.

O 4º e principal argumento utilizado no caso dos assaltos – a segurança pública como dever do Estado (CF/88, art. 144) – também deve ser relativizado. Em primeiro lugar porque o próprio caput do art. 144 da Constituição Federal não atribui exclusividade absoluta ao Estado no tocante à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Ao mesmo tempo em que a segurança pública é um dever do Estado, é também direito e responsabilidade de todos, principalmente daqueles que se utilizam da mão de obra dos trabalhadores com objetivo de lucro. De acordo com o art. 2, § 2º da Lei 8.080/1990, “o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade”.

Significa dizer: o fato de o Estado possuir o dever de garantir a segurança aos particulares não retira a obrigação do empregador de garantir um meio ambiente de trabalho seguro e saudável aos seus empregados. Deverá haver a responsabilidade objetiva do empregador em relação à saúde e à vida dos seus empregados, por serem colocados em perigo quando ocorrem assaltos. Na medida em que a empresa aufere lucro em uma atividade que possa causar riscos aos seus empregados, não se sustenta a tese de que a segurança é assunto exclusivo do Estado, devendo a empresa adotar medidas para evitar tais ocorrências.

O argumento de que tal responsabilidade por danos causados por terceiros é do Estado não tem o poder de eximir o empregador, já que é este quem alega a falta de serviço daquele, incumbindo ao que alega a sua comprovação. Assim, segundo Laercio Lopes da Silva[19], não pode o empregador contratante alegar fato de terceiro para não indenizar o empregado vez que comprovada a causalidade, sendo seu o dever acionar o Estado uma vez que está sendo prejudicado em seu patrimônio pelos assaltos. Somente após a comprovação da falta de serviço (de segurança pública), poderia a empresa falar em fato de terceiro.

Dessa forma, mesmo sendo evidente a insuficiência de investimentos e recursos do Estado em relação à segurança pública, sem querer com isso transferir total responsabilidade ao empregador, cabe a este a proteção patrimonial e do meio ambiente de trabalho. Não há como subtrair a responsabilidade do empreendimento negocial. Deve haver a implementação de medida ostensiva, capaz de desestimular a atuação dos bandidos em face de seus empregados, como a adoção de escolta, dentre outros instrumentos preventivos e intimidadores da ação delituosa. Com base na teoria do risco proveito, pode se dizer que aquele que lucra onde há risco para os outros, deve investir parte de seus lucros para contribuir na segurança dos empregados, bem como dos usuários e consumidores de seus serviços ou produtos.

 

5. A ASSUNÇÃO DOS RISCOS COMO FUNDAMENTO DA RESPONSABILIDADE PELOS ACIDENTES DO TRABALHO DECORRENTES DOS ASSALTOS

Por tudo o que já foi exposto até aqui, defende-se neste artigo que o empregador deve esforçar-se para preservar a saúde dos seus empregados, sendo que responderá independentemente de culpa de sua parte, já que é ele quem aufere os lucros do seu empreendimento. Como é o empregador quem assume os riscos da atividade econômica, deverá ele zelar pela integridade física e psíquica dos empregados, bem como indenizá-lo pelos prejuízos, materiais e morais, decorrentes de doença ocupacional ou de acidente típico ocorrido durante a prestação de serviços. A questão feita por José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva[20] é pertinente: se em relação a todas as obrigações trabalhistas a responsabilidade do empregador é objetiva, por que deve ser diferente na ocorrência do acidente do trabalho, o fato mais grave para o trabalhador no curso da relação de emprego?

O art. 2º da CLT, caput, conceitua empregador como a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. O risco aqui destacado é um risco geral, não havendo especificação no sentido de ser o risco criado, risco-proveito, risco profissional, etc. No caso dos assaltos nas atividades de transporte e entrega, sendo a vida o bem mais precioso do homem, a assunção desse risco por parte do empregado traduziria violação da honra. O princípio da dignidade da pessoa humana é o núcleo central dos direitos fundamentais da CF/88, tendo surgido o Direito do Trabalho para que fosse garantida a dignidade do trabalhador.

A responsabilização objetiva do empregador em todas as hipóteses de danos à saúde ou à vida do trabalhador possui natureza trabalhista e inerente ao próprio contrato estabelecido entre empregado e empregador. A razão está no fato de que é o empregador que assume os riscos da atividade econômica. Como bem lembra Silva[21] é no termo “risco” contido na definição de empregador do art. 2º, caput, da CLT que se encontra “a teoria do risco, na sua essência, imperando desde o nascedouro do direito do trabalho”. É esta teoria do risco a propulsora de todas as obrigações do empregador.

A proteção à integridade física do empregado é um dever anexo ao contrato de trabalho, sendo que tal dever de seguridade enquadra-se como uma obrigação de resultado. Ao contratar um trabalhador, o empregador empresa assume o resultado de mantê-lo incólume em seu aspecto físico e psicológico. É tanto que o legislador classificou como “falta grave” o ato do empregador expor seus empregados a perigo manifesto de mal considerável, nos termos do art. 483, “c”, da CLT, como ressalta Dallegrave Neto[22].

José Cairo Junior defende que a responsabilidade civil do empregador tem natureza contratual, destacando que, dentre as obrigações do empregador, há uma implícita cláusula de incolumidade, um dever de segurança. Para tanto, o autor faz uma analogia com o contrato de depósito voluntário (CC/2002, art. 629) e com o de comodato (CC/2002, art. 582), em que “o depositário e o comodatário ficam obrigados a cuidar e zelar da coisa como se sua própria fosse” e, consequentemente, “respondendo por eventuais danos nela ocorridos, devendo empregar todo o cuidado e as diligências necessárias para sua conservação até o momento em que deve restituí-la ao proprietário”[23].

Outra espécie contratual, também semelhante à verificada no contrato de trabalho entre empregador e empregado, é o contrato de transporte de pessoas (CC/2002, art. 734), em que o transportador assume a obrigação de conduzir o passageiro em segurança, sob pena de violar o contrato celebrado entre as partes, caso em que será considerado responsável (responsabilidade objetiva) pelos danos, exceto se provar a culpa da vítima ou força maior. Não há razão para que o trabalhador, em condição inferior à das pessoas transportadas diante de sua subordinação característica do contrato laboral, tenha que demonstrar culpa do empregador em caso de acidente do trabalho. Indaga Silva: Se nem a culpa de terceiro elide a responsabilidade contratual do transportador, por que com o trabalhador outra seria a solução?[24]

A maior preocupação deve ser amparar o lesado com a devida responsabilização dos danos sofridos, ao invés de focar em qualquer ilicitude do evento danoso, devendo o empregador responder objetivamente nos casos de acidentes do trabalho decorrente dos assaltos, já que o empregado não pode assumir os riscos do empreendimento empresarial.

Compactua-se aqui com o posicionamento de José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva[25], no sentido de que a responsabilidade do empregador pelos danos decorrentes de acidente do trabalho é de natureza trabalhista e intrínseca ao contrato estabelecido entre empregado e empregador, devendo este zelar pela integridade física e psíquica daquele, bem como indenizá-lo pelos danos materiais e morais em face dos infortúnios laborais ocorridos na prestação de trabalho.

Portanto, nos casos de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, há que se aplicar a responsabilidade objetiva, devendo o empregador responder sem que para isso tenha que se provar a sua culpa, prevalecendo o brocardo latino ubi emolumentum, ibi onus, sob pena de ser transferido o risco do empreendimento para o trabalhador.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos apontamentos, conclui-se que deve prevalecer a responsabilidade objetiva do empregador diante dos infortúnios laborais relacionados à violência urbana, seja pelo seu dever de manter o meio ambiente do trabalho sadio, seja em razão da atividade de risco exercida, mas principalmente porque é ele – o empregador e não o empregado – quem deve assumir os riscos gerais da atividade econômica, nos termos do art. 2º da CLT.

Todas as excludentes utilizadas nos processos judiciais pelas empresas que trazem um risco diferenciado à dinâmica laborativa dos trabalhadores devem ser relativizadas, buscando dar enfoque ao dano sofrido pelo empregado, já que foi o empregador quem criou a ocasião para a ocorrência do dano. Assim, os assaltos não podem simplesmente ser taxados como culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior ou fato de terceiro, por haver exigência constitucional de que o empregador observe o princípio da precaução em relação ao meio ambiente do trabalho, à responsabilidade social, aos valores éticos e morais e à dignidade da pessoa humana, sendo que esta jamais poderá ser relativizada.

Os empregadores que atuam em atividades sabidamente de risco em razão das mercadorias transportadas (cigarros, produtos eletrônicos, encomendas internacionais, etc.) sabem do atrativo para indivíduos dedicados à atividade delituosa, o que retira o caráter de imprevisibilidade e inevitabilidade do evento assalto. A quantidade crescente de roubos e tentativas de roubos deveria chamar a atenção dos empresários para, pelo menos, dois aspectos: 1º os empregados não devem se sujeitar aos riscos resultantes da atividade econômica; 2º os prejuízos pela perda dos produtos e serviços.  Desse modo, o empregador deve se valer de meios eficazes para garantir incolumidade física e psíquica de seus empregados e, como decorrência, todo o seu patrimônio.

Quanto ao argumento de que é o Estado o responsável pela garantia da segurança dos cidadãos, evitando a atuação dos criminosos, e de que os acidentes relacionados à violência urbana configurariam fato de terceiro, defende-se aqui que, ainda assim, devem responder objetivamente os empregadores, por terem o dever de proporcionar segurança aos empregados durante a prestação de serviços, zelando pela incolumidade física e psíquica de seus empregados. Portanto, nos casos de acidentes do trabalho decorrente dos assaltos, o empregador deve indenizar o empregado, podendo também ajuizar ação de regresso contra aquele a quem considera ser o causador do dano, ou, até mesmo, responsabilizar o próprio Estado na ação trabalhista. Se o empregador responde objetivamente por atos de seus empregados perante terceiros (CC/2002, art. 932, III), igualmente deve ocorrer em relação aos empregados quanto aos atos praticados por terceiros.

Assim, a assunção dos riscos da atividade econômica, do empreendimento, fundamenta a responsabilidade do empregador pelos danos sofridos pelos empregados vitimados pela violência urbana ligada à prestação de serviço.  Se a empresa tira proveito de seu negócio (bônus), deverá também experimentar as consequências prejudiciais (ônus) que dele decorrem. Não se pode transferir esse encargo ao trabalhador, sob pena de se afrontar a dignidade da pessoa humana.

 

 



[1] MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma chance, prescrição. 5ª Ed. São Paulo: LTr, 2013, p. 316.

[2] ROCHA, Julio Cesar de Sá da. Direito ambiental do trabalho: mudança de paradigma na tutela jurídica à saúde do trabalhador. São Paulo: LTr, 2002, p. 127.

[3] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 7ª ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 120-121.

RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELA ASSUNÇÃO DO RISCO: EMPREGADOS VÍTIMAS DOS ASSALTANTES

 

Fabrício Máximo Ramalho. Advogado. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera - 2014-2015 (Universidade Anhanguera-Uniderp - Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes). Bacharel em Direito pela Universidade Zumbi dos Palmares - 2009-2013

 

 

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é analisar a aplicação da responsabilidade do empregador quando da ocorrência dos acidentes do trabalho relacionados aos atos de violência – comumente denominados “assaltos” – que atingem os empregados, procurando alcançar a melhor interpretação que deve ser dada à teoria do risco no Direito do Trabalho.

O problema reside exatamente em saber de quem é a responsabilidade quando o empregado sofre assalto à mão armada durante o trabalho. Os empresários têm se defendido sob o argumento de que tais infortúnios atrelados à violência urbana escapam de sua responsabilidade, seja quando os acidentes ocorrem dentro da empresa (no caso dos bancários, financiários, atendentes comerciais, dentre outras categorias profissionais), seja ocorrendo nas vias públicas (no caso dos motoristas, cobradores de ônibus, motociclistas, carteiros, dentre outros que transportam ou entregam produtos valiosos), atribuindo ao Estado a responsabilidade pela (in) segurança.

Sem querer esgotar o debate sobre o tema, este trabalho cuidou dos casos de acidentes do trabalho ocorridos nas vias públicas quando do transporte e entrega de produtos valiosos, destacando também que embora os acidentes estão ligados à violência urbana, ela está ligada à atividade econômica do empregador, que tem como “instrumento” da sua atividade um ser humano: o trabalhador.

Assim,o presente estudo procurará responder ao seguinte questionamento: Diante da atual violência que atinge a sociedade, quem deve indenizar o empregado: o Estado, por ter o dever de garantir a segurança dos cidadãos e de evitar a atuação dos criminosos ou o empregador, por ter assumido determinado risco?

 

1. A VIOLÊNCIA URBANA COMO ACIDENTE DO TRABALHO

Falar de acidente é falar de um acontecimento imprevisto ou fortuito que resulta dano à coisa ou à pessoa. Contudo, ao se falar em acidente do trabalho, não é mais possível sustentar essa ideia de acontecimento do acaso e de imprevisibilidade como regra geral, pois, como bem destaca Raimundo Simão de Melo[1], “grande parte dos acidentes laborais, na atual modernidade industrial e tecnológica, decorre da falta de prevenção dos ambientes do trabalho”, como “decorre da ausência de cuidados mínimos e especiais na adoção de medidas coletivas e individuais de prevenção dos riscos ambientais”. O autor frisa que existem inúmeras atividades caracteristicamente perigosas em que os acidentes decorrentes dela não podem ser considerados como meros infortúnios do acaso, pois são perfeitamente previsíveis e preveníeis, sendo suas causas identificáveis e possíveis de serem neutralizadas ou até mesmo eliminadas.

Vários trabalhadores que executam boa parte das suas atividades nas vias públicas passaram a conviver com a violência urbana simplesmente por estarem trabalhando em uma empresa que transporta valores ou efetua entrega de encomendas. Cigarros, produtos eletrônicos, importados, são apenas alguns exemplos do que têm se tornado um atrativo aos criminosos. O crescente número de vendas pela internet também possui forte ligação com essa onda de assaltos aos trabalhadores que executam atividades externas. O elevado grau de risco nas atribuições desses empregados se dá pelo fato de transportarem consigo diversas mercadorias de elevado valor dentro de veículos, atrativo para assaltantes, o que retira a imprevisibilidade do evento criminoso. Se o empregado estava executando sua função quando foi vítima do assalto, com consequente agressão psicológica e por vezes física, configurado está um inequívoco acidente do trabalho.

Extrai-se do art. 19 da Lei 8.213/1991 que acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. O art. 21, II, da mesma lei trata das hipóteses de acidente por equiparação legal, sendo aquele ocorrido no local e no horário do trabalho, em consequência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, de negligência ou imperícia de terceiro ou de companheiro do trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior.

Haverá a doença ocupacional equiparada a acidente do trabalho quando for demonstrado que o empregado foi acometido de problemas psiquiátricos incapacitantes decorrentes de traumas pela ocorrência de sucessivos traumas por assaltos à mão armada no ambiente do trabalho. A lista de doenças ocupacionais do INSS, relacionada no Anexo II do Decreto n. 3.048/99, indica o grupo dos transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho (Grupo V do CID-10), que aponta como fator etiológico dessas doenças a reação após assalto no trabalho.

 

2. A APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO DIREITO DO TRABALHO

A responsabilidade objetiva do empregador, assim entendida aquela que independe de culpa lato sensu (dolo, imprudência, negligência ou imperícia), bastando a comprovação do dano causado e do nexo causal, já vem sendo aplicada, seja por danos ao meio ambiente do trabalho e à saúde do trabalhador (Lei n. 6.938/81, art. 14, § 1º, CF/88, arts. 200, VIII e 225, § 3º), seja pela atividade de risco (parágrafo único do art. 927 do CC/2002).

O meio ambiente do trabalho não é algo estático, mas dinâmico. Não se restringe ao espaço interno da fábrica, podendo se estender ao meio ambiente urbano, conforme os ensinamentos de Julio Cesar de Sá da Rocha[2]. Para o autor, o meio ambiente do trabalho “representa todos os elementos, inter-relações e condições que influenciam o trabalhador em sua saúde física e mental, comportamento e valores reunidos no locus do trabalho”.

Nesse sentido, com base no princípio da prevenção e da precaução, devem os empregadores adotar medidas tendentes a evitar riscos ao meio ambiente e a seus empregados por conta dos acidentes do trabalho (assaltos) por eles sofridos, bem como pela possibilidade de ocorrerem novos infortúnios. Tais situações vivenciadas pelos empregados não configuram uma mera exposição a um risco qualquer, mas sim de um risco à incolumidade física. À medida que os assaltos vão se repetindo, torna-se incontroverso o desgaste emocional pelo qual os empregados ficam submetidos, por conta do risco de perder a vida, a integridade física, além dos prejuízos de natureza psicológica. É dever do empregador, por ordem constitucional (art. 7°, XXII), zelar pela redução dos riscos inerentes ao trabalho, mediante normas de saúde, higiene e segurança.

A atividade de transporte e entrega, em determinadas localidades e com produtos visados pelos assaltantes, é considerada uma atividade de risco, já que tal atividade desenvolvida causa aos trabalhadores um ônus maior do que aos demais membros da sociedade, conforme Enunciado 38 da 1ª Jornada de Direito Civil do CJF. Ocorrendo os roubos, deve o empregador responder objetivamente por estes acidentes de trabalho.

Há que se superar a ideia de que haveria conflito entre o parágrafo único do art. 927 do CC/2002: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por natureza, riscos para os direitos de outrem” e o art. 7°, XXVIII, da CF/88: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

O parágrafo único do CC/2002 pode ser aplicado no caso de acidente do trabalho, já que o próprio caput do art. 7º da CF/88 prevê outros direitos além daqueles ali mencionados. De acordo com Sebastião Geraldo de Oliveira[3], “o rol dos direitos mencionados no art. 7º da Constituição não impede que a lei ordinária amplie os existentes ou acrescente outros que visem à melhoria da condição social do trabalhador”. Como o art. 121 da Lei n. 8.213/1991 estabeleceu que “o pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem”, não fazendo distinção entre a responsabilidade civil subjetiva e a objetiva, é possível concluir que todas as espécies estão contempladas. Para Oliveira, haveria incompatibilidade caso a redação do inciso XXVIII do art. 7º da CF/88 enfatizasse a limitação a uma espécie de responsabilidade, por exemplo com a seguinte redação: “Só haverá indenização por acidente do trabalho quando o empregador incorrer em dolo ou culpa”. Além disso, a indenização do acidentado, fundada na responsabilidade objetiva, visa à melhoria da condição buscar sua interpretação em conjunto e de forma harmônica com o disposto no § 3° do art. 225 da CF/88. Desse modo, haverá responsabilidade objetiva para tsocial do trabalhador.

Conforme ensina Melo[4], não se pode fazer uma leitura tópica isolada do inciso XXVIII do art. 7° da CF/88, sendo necessário odo e qualquer tipo de indenização por acidente de trabalho, seja a cargo da Previdência Social, do empregador ou de eventual segurador privado, devendo considerar o risco criado, como tendência inafastável do Direito contemporâneo. Não se deve sustentar uma interpretação literal da disposição do inciso XXVIII do art. 7°, para desde logo concluir-se que se trata unicamente de responsabilidade subjetiva como questão fechada, já que “esse dispositivo está umbilicalmente ligado ao caput do art. 7°”. Portanto, “qualquer direito integrante do rol do art. 7° da Constituição Federal brasileira pode ser alterado pelo legislador ordinário visando à melhoria da condição social dos trabalhadores”.

 

3. TEORIAS DO RISCO

Diversas são as teorias, fundamentadas no risco, que buscam justificar a responsabilidade objetiva.

Na teoria do risco integral, como destaca Sergio Cavalieri Filho[5], o dever de indenizar deve existir até nos casos de inexistência do nexo causal. Na responsabilidade objetiva, dispensa-se o elemento culpa, mas a relação de causalidade é indispensável. Pela teoria do risco integral, o dever de indenizar se faz presente exclusivamente em face do dano.

Na teoria do risco proveito, leciona o autor, “responsável é aquele que tira proveito da atividade danosa, com base no princípio de que, onde está o ganho, aí reside o encargo - ubi emolumentum, ibi onus”. Argumenta-se que o dano deve ser reparado por aquele que retira algum proveito ou vantagem do fato lesivo. Se os frutos são colhidos por quem se utiliza de coisas ou atividades perigosas, deve também experimentar as consequências prejudiciais que dela decorrem. A dificuldade dessa teoria está na definição do que vem a ser o termo “proveito”. O proveito da atividade poderia ser econômico, como também não necessariamente um proveito não pecuniário, por exemplo proveito moral[6].

A teoria do risco criado está fundada na ideia de que aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo[7]. Por esta teoria, não se cogita do fato de ser o dano correlativo de um proveito ou vantagem para o agente. Encara-se a atividade em si mesma, não considerando o resultado bom ou mau que dela advenha para o agente. Trata-se de uma ampliação do conceito do risco-proveito. A vítima não precisa provar que o dano resultou de uma vantagem ou de um benefício obtido pelo causador do dano, devendo este apenas assumir as consequências de sua atividade. Enfatiza José Affonso Dallegrave Neto[8] que na teoria do risco criado a obrigação de indenizar está atrelada ao risco criado por atividades lícitas, contudo perigosas. Assim, aquele que possuir por objeto negocial uma atividade que enseja perigo deverá assumir os riscos à sociedade, diferenciando-se da clássica teoria subjetiva da culpa, bastando o desenvolvimento de uma ação lícita, porém perigosa ou de risco físico.

Já a teoria do risco profissional é mais ampla que a do risco criado, que se limita às atividades empresariais perigosas. A teoria do risco profissional estende-se a todo empregador. Aqui o risco é sempre suportado pela empresa, pois é ela sempre a responsável pelo desenvolvimento das atividades profissionais de seus empregados. Inspirada na obra de Saleilles, em 1897, a teoria do risco profissional, enfatiza Dalegrave Neto[9], alcança as áleas inerentes à relação de emprego, embasando a teoria da responsabilidade objetiva, máxime as ações reparatórias de acidente de trabalho. De acordo com Cavalieri Filho[10] esta teoria desenvolveu-se especificamente para justificar a reparação dos acidentes ocorridos com os empregados no trabalho ou por ocasião dele, independentemente de culpa do empregador. Isso porque na maioria das vezes a responsabilidade fundamentada na culpa levava à improcedência da ação acidentária. Não obstante a dificuldade de o empregado produzir provas, boa parte dos acidentes não eram indenizados por conta da desigualdade econômica, da força de pressão do empregador, além dos casos em que o acidente decorria das próprias condições físicas do trabalhador, quer pela sua exaustão, quer pela monotonia da atividade.

Por fim, pela teoria do risco da atividade econômica, segundo Dallegrave Neto[11] o empregador deve se responsabilizar por todos os ônus exigidos para viabilizar a empresa, não podendo o empregado concorrer com o risco ou prejuízo, tampouco sofrer qualquer dano pelo simples fato de executar o contrato de trabalho. O art. 2º da CLT define empregador como a empresa que “assume os riscos da atividade econômica”. Portanto, para este autor, ao preconizar a assunção do risco pelo empregador, a CLT adota a teoria objetiva, não para a responsabilidade proveniente de qualquer inexecução do contratual, mas para a responsabilidade concernente aos danos sofridos pelo empregado em razão da mera execução regular do contrato de trabalho.

4. EXCLUDENTES UTILIZADAS PELOS EMPREGADORES NOS CASOS DE ASSALTOS

No caso dos assaltos ocorridos com os empregados que executam atividades externas, os empregadores procuram se isentar da responsabilidade desses acidentes do trabalho utilizando como argumentos: 1º a culpa exclusiva do trabalhador; 2º o caso fortuito e a força maior; 3º o fato de terceiro; e 4º o Estado como garantidor da segurança pública.

O 1º argumento – a culpa exclusiva do trabalhador (na verdade, o fato exclusivo da vítima) – ocorre quando a causa única do acidente do trabalho tiver sido a sua conduta, não possuindo qualquer ligação com o descumprimento das normas legais, contratuais, convencionais, regulamentares, técnicas ou do dever geral de cautela por parte do empregador. Se por exemplo o empregado, numa atitude inconsequente, desliga o sensor de segurança automática de um equipamento perigoso e posteriormente sofre acidente em razão dessa conduta, não haverá culpa por parte do empregador, muito menos indenização. Como o causador real do acidente foi o próprio acidentado, rompe-se o nexo de imputação do fato ao empregador[12].

Se porventura houver alguma simulação de assalto provocada pela própria vítima, almejando, por exemplo, obter vantagem econômica, sequer haverá acidente do trabalho, tampouco indenização por parte do empregador.

O 2º argumento – o caso fortuito e a força maior – refere-se a acontecimento que escapa a toda diligência. Para Cavalieri Filho[13], trata-se de circunstância irresistível, externa, fato não controlável, que impede o agente de ter a conduta devida para cumprir a obrigação a que estava obrigado. O caso fortuito trata-se de evento imprevisível e, por isso, inevitável. Já a força maior refere-se a um evento inevitável, ainda que previsível, tratando-se de fato superior às forças do agente, como fatos da Natureza (tempestades, enchentes etc.).

A inevitabilidade deve ser analisada tendo em vista as particularidades de cada caso, no momento da ocorrência. Isto porque devido ao avançado estágio atual do progresso tecnológico e científico, do extraordinário aparato tecnológico de medidas de segurança destinadas a prever e diminuir os riscos, a irresistibilidade deve ser relativizada. Assim, o assalto em um banco, a um carro forte, em um shopping, em um ônibus ou na rua não poderá ter a mesma avaliação de inevitabilidade. Na medida em que se tomam disponíveis novos meios técnicos preventivos, menor se toma o campo de incidência da inevitabilidade. Com base na responsabilidade objetiva fundada no risco da atividade, em algumas hipóteses o caso fortuito não afasta o dever de indenizar. Tal ocorre no chamado por Cavalieri Filho de “fortuito interno”, assim entendido o fato imprevisível, inevitável, mas que se liga aos riscos do empreendimento, integrando, portanto, a atividade empresarial de tal modo que não é possível exercê-la sem assumir o fortuito[14].

Segundo Cavalieri Filho[15], o fortuito interno é o fato imprevisível, e, por isso, inevitável, que se liga à organização da empresa, que se relaciona com os riscos da atividade por ela e o fortuito externo é também fato imprevisível e inevitável, mas estranho à organização do negócio. Por esta lição, não se pode dizer que os assaltos em determinadas atividades de transporte e entrega representam fato que não guarda nenhuma ligação com a empresa.

Para Dallegrave Neto[16], o dano do empregado ocorrido no ambiente do trabalho, ainda que decorrente de força maior ou caso fortuito não exime totalmente o empregador. A razão se dá pelo fato de o direito do trabalho possuir conteúdo tutelar e mais social do que os contratos civilistas. Assim, para o autor, a indenização deverá ser fixada pela metade, aplicando-se, por analogia, os arts. 501 e 502, II, da CLT.

O 3º argumento – o fato de terceiro – como o causador do acidente do trabalho, é aquele ato lesivo praticado por alguém devidamente identificado que não seja nem o acidentado e nem o empregador ou seus prepostos. Embora o acidente provocado por roubo à mão armada possa ser enquadrado como fato de terceiro, sobretudo porque a segurança pública é dever do Estado e não do empregador, Oliveira[17] defende que o empregador passa a ter responsabilidade civil quando deixa de adotar as cautelas necessárias e expõe o trabalhador a perigo previsível. Isso porque a possibilidade de sofrer o acidente, mesmo causado por terceiros, é aumentada em razão do exercício do trabalho da vítima, devendo ser aplicada a responsabilidade civil objetiva do empregador, com apoio na teoria do risco criado. Ressalta o grande jurista que “a maior vulnerabilidade do acidentado estaria no campo do risco conexo e previsível daquela atividade econômica”. Assim, ao invés de concentrar-se na assertiva de indenizar os danos causados pelo empregador, “desloca-se o pensamento no sentido de indenizar os danos sofridos pelo acidentado durante a prestação dos serviços”. Disso, “o empregador, se for o caso, pode acionar o terceiro causador do acidente para reembolso do valor da indenização”.

O fato exclusivo de terceiro exclui a responsabilidade civil somente se constituir em causa estranha ao aparente responsável pelo dano, eliminando totalmente a relação de causalidade. Terceiro, para esse efeito, é aquele indivíduo totalmente estranho ao aparente causador do dano ao lesado. Afinal, em certas atividades de risco o ato de terceiro deve ser considerado como ato interno, pois, como ensina Melo[18], o fato tem relação com a atividade de risco, por exemplo nos casos dos acidentes de trabalho decorrentes de assaltos em determinadas atividades, como nos assaltos a bancos e nos ônibus, cujo risco é conhecido de antemão por quem empreende nessas atividades. Atos de tiros e assaltos são perfeitamente previsíveis nos dias de hoje, sendo que a exclusão desses modernos fatos do âmbito da responsabilização do empregador que exerce atividade de risco levaria à redução da responsabilidade objetiva a ponto de torná-la insignificante.

O 4º e principal argumento utilizado no caso dos assaltos – a segurança pública como dever do Estado (CF/88, art. 144) – também deve ser relativizado. Em primeiro lugar porque o próprio caput do art. 144 da Constituição Federal não atribui exclusividade absoluta ao Estado no tocante à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Ao mesmo tempo em que a segurança pública é um dever do Estado, é também direito e responsabilidade de todos, principalmente daqueles que se utilizam da mão de obra dos trabalhadores com objetivo de lucro. De acordo com o art. 2, § 2º da Lei 8.080/1990, “o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade”.

Significa dizer: o fato de o Estado possuir o dever de garantir a segurança aos particulares não retira a obrigação do empregador de garantir um meio ambiente de trabalho seguro e saudável aos seus empregados. Deverá haver a responsabilidade objetiva do empregador em relação à saúde e à vida dos seus empregados, por serem colocados em perigo quando ocorrem assaltos. Na medida em que a empresa aufere lucro em uma atividade que possa causar riscos aos seus empregados, não se sustenta a tese de que a segurança é assunto exclusivo do Estado, devendo a empresa adotar medidas para evitar tais ocorrências.

O argumento de que tal responsabilidade por danos causados por terceiros é do Estado não tem o poder de eximir o empregador, já que é este quem alega a falta de serviço daquele, incumbindo ao que alega a sua comprovação. Assim, segundo Laercio Lopes da Silva[19], não pode o empregador contratante alegar fato de terceiro para não indenizar o empregado vez que comprovada a causalidade, sendo seu o dever acionar o Estado uma vez que está sendo prejudicado em seu patrimônio pelos assaltos. Somente após a comprovação da falta de serviço (de segurança pública), poderia a empresa falar em fato de terceiro.

Dessa forma, mesmo sendo evidente a insuficiência de investimentos e recursos do Estado em relação à segurança pública, sem querer com isso transferir total responsabilidade ao empregador, cabe a este a proteção patrimonial e do meio ambiente de trabalho. Não há como subtrair a responsabilidade do empreendimento negocial. Deve haver a implementação de medida ostensiva, capaz de desestimular a atuação dos bandidos em face de seus empregados, como a adoção de escolta, dentre outros instrumentos preventivos e intimidadores da ação delituosa. Com base na teoria do risco proveito, pode se dizer que aquele que lucra onde há risco para os outros, deve investir parte de seus lucros para contribuir na segurança dos empregados, bem como dos usuários e consumidores de seus serviços ou produtos.

5. A ASSUNÇÃO DOS RISCOS COMO FUNDAMENTO DA RESPONSABILIDADE PELOS ACIDENTES DO TRABALHO DECORRENTES DOS ASSALTOS

Por tudo o que já foi exposto até aqui, defende-se neste artigo que o empregador deve esforçar-se para preservar a saúde dos seus empregados, sendo que responderá independentemente de culpa de sua parte, já que é ele quem aufere os lucros do seu empreendimento. Como é o empregador quem assume os riscos da atividade econômica, deverá ele zelar pela integridade física e psíquica dos empregados, bem como indenizá-lo pelos prejuízos, materiais e morais, decorrentes de doença ocupacional ou de acidente típico ocorrido durante a prestação de serviços. A questão feita por José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva[20] é pertinente: se em relação a todas as obrigações trabalhistas a responsabilidade do empregador é objetiva, por que deve ser diferente na ocorrência do acidente do trabalho, o fato mais grave para o trabalhador no curso da relação de emprego?

O art. 2º da CLT, caput, conceitua empregador como a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. O risco aqui destacado é um risco geral, não havendo especificação no sentido de ser o risco criado, risco-proveito, risco profissional, etc. No caso dos assaltos nas atividades de transporte e entrega, sendo a vida o bem mais precioso do homem, a assunção desse risco por parte do empregado traduziria violação da honra. O princípio da dignidade da pessoa humana é o núcleo central dos direitos fundamentais da CF/88, tendo surgido o Direito do Trabalho para que fosse garantida a dignidade do trabalhador.

A responsabilização objetiva do empregador em todas as hipóteses de danos à saúde ou à vida do trabalhador possui natureza trabalhista e inerente ao próprio contrato estabelecido entre empregado e empregador. A razão está no fato de que é o empregador que assume os riscos da atividade econômica. Como bem lembra Silva[21] é no termo “risco” contido na definição de empregador do art. 2º, caput, da CLT que se encontra “a teoria do risco, na sua essência, imperando desde o nascedouro do direito do trabalho”. É esta teoria do risco a propulsora de todas as obrigações do empregador.

A proteção à integridade física do empregado é um dever anexo ao contrato de trabalho, sendo que tal dever de seguridade enquadra-se como uma obrigação de resultado. Ao contratar um trabalhador, o empregador empresa assume o resultado de mantê-lo incólume em seu aspecto físico e psicológico. É tanto que o legislador classificou como “falta grave” o ato do empregador expor seus empregados a perigo manifesto de mal considerável, nos termos do art. 483, “c”, da CLT, como ressalta Dallegrave Neto[22].

José Cairo Junior defende que a responsabilidade civil do empregador tem natureza contratual, destacando que, dentre as obrigações do empregador, há uma implícita cláusula de incolumidade, um dever de segurança. Para tanto, o autor faz uma analogia com o contrato de depósito voluntário (CC/2002, art. 629) e com o de comodato (CC/2002, art. 582), em que “o depositário e o comodatário ficam obrigados a cuidar e zelar da coisa como se sua própria fosse” e, consequentemente, “respondendo por eventuais danos nela ocorridos, devendo empregar todo o cuidado e as diligências necessárias para sua conservação até o momento em que deve restituí-la ao proprietário”[23].

Outra espécie contratual, também semelhante à verificada no contrato de trabalho entre empregador e empregado, é o contrato de transporte de pessoas (CC/2002, art. 734), em que o transportador assume a obrigação de conduzir o passageiro em segurança, sob pena de violar o contrato celebrado entre as partes, caso em que será considerado responsável (responsabilidade objetiva) pelos danos, exceto se provar a culpa da vítima ou força maior. Não há razão para que o trabalhador, em condição inferior à das pessoas transportadas diante de sua subordinação característica do contrato laboral, tenha que demonstrar culpa do empregador em caso de acidente do trabalho. Indaga Silva: Se nem a culpa de terceiro elide a responsabilidade contratual do transportador, por que com o trabalhador outra seria a solução?[24]

A maior preocupação deve ser amparar o lesado com a devida responsabilização dos danos sofridos, ao invés de focar em qualquer ilicitude do evento danoso, devendo o empregador responder objetivamente nos casos de acidentes do trabalho decorrente dos assaltos, já que o empregado não pode assumir os riscos do empreendimento empresarial.

Compactua-se aqui com o posicionamento de José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva[25], no sentido de que a responsabilidade do empregador pelos danos decorrentes de acidente do trabalho é de natureza trabalhista e intrínseca ao contrato estabelecido entre empregado e empregador, devendo este zelar pela integridade física e psíquica daquele, bem como indenizá-lo pelos danos materiais e morais em face dos infortúnios laborais ocorridos na prestação de trabalho.

Portanto, nos casos de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, há que se aplicar a responsabilidade objetiva, devendo o empregador responder sem que para isso tenha que se provar a sua culpa, prevalecendo o brocardo latino ubi emolumentum, ibi onus, sob pena de ser transferido o risco do empreendimento para o trabalhador.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos apontamentos, conclui-se que deve prevalecer a responsabilidade objetiva do empregador diante dos infortúnios laborais relacionados à violência urbana, seja pelo seu dever de manter o meio ambiente do trabalho sadio, seja em razão da atividade de risco exercida, mas principalmente porque é ele – o empregador e não o empregado – quem deve assumir os riscos gerais da atividade econômica, nos termos do art. 2º da CLT.

Todas as excludentes utilizadas nos processos judiciais pelas empresas que trazem um risco diferenciado à dinâmica laborativa dos trabalhadores devem ser relativizadas, buscando dar enfoque ao dano sofrido pelo empregado, já que foi o empregador quem criou a ocasião para a ocorrência do dano. Assim, os assaltos não podem simplesmente ser taxados como culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior ou fato de terceiro, por haver exigência constitucional de que o empregador observe o princípio da precaução em relação ao meio ambiente do trabalho, à responsabilidade social, aos valores éticos e morais e à dignidade da pessoa humana, sendo que esta jamais poderá ser relativizada.

Os empregadores que atuam em atividades sabidamente de risco em razão das mercadorias transportadas (cigarros, produtos eletrônicos, encomendas internacionais, etc.) sabem do atrativo para indivíduos dedicados à atividade delituosa, o que retira o caráter de imprevisibilidade e inevitabilidade do evento assalto. A quantidade crescente de roubos e tentativas de roubos deveria chamar a atenção dos empresários para, pelo menos, dois aspectos: 1º os empregados não devem se sujeitar aos riscos resultantes da atividade econômica; 2º os prejuízos pela perda dos produtos e serviços.  Desse modo, o empregador deve se valer de meios eficazes para garantir incolumidade física e psíquica de seus empregados e, como decorrência, todo o seu patrimônio.

Quanto ao argumento de que é o Estado o responsável pela garantia da segurança dos cidadãos, evitando a atuação dos criminosos, e de que os acidentes relacionados à violência urbana configurariam fato de terceiro, defende-se aqui que, ainda assim, devem responder objetivamente os empregadores, por terem o dever de proporcionar segurança aos empregados durante a prestação de serviços, zelando pela incolumidade física e psíquica de seus empregados. Portanto, nos casos de acidentes do trabalho decorrente dos assaltos, o empregador deve indenizar o empregado, podendo também ajuizar ação de regresso contra aquele a quem considera ser o causador do dano, ou, até mesmo, responsabilizar o próprio Estado na ação trabalhista. Se o empregador responde objetivamente por atos de seus empregados perante terceiros (CC/2002, art. 932, III), igualmente deve ocorrer em relação aos empregados quanto aos atos praticados por terceiros.

Assim, a assunção dos riscos da atividade econômica, do empreendimento, fundamenta a responsabilidade do empregador pelos danos sofridos pelos empregados vitimados pela violência urbana ligada à prestação de serviço.  Se a empresa tira proveito de seu negócio (bônus), deverá também experimentar as consequências prejudiciais (ônus) que dele decorrem. Não se pode transferir esse encargo ao trabalhador, sob pena de se afrontar a dignidade da pessoa humana.

 

 



[1] MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma chance, prescrição. 5ª Ed. São Paulo: LTr, 2013, p. 316.

[2] ROCHA, Julio Cesar de Sá da. Direito ambiental do trabalho: mudança de paradigma na tutela jurídica à saúde do trabalhador. São Paulo: LTr, 2002, p. 127.

[3] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 7ª ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 120-121.

[4] MELO, Raimundo Simão de. Op. cit., p. 355-356.

 

[5] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 155.

[6] CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. Cit., p. 153.

[7] CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. Cit., p. 154.

[8] DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 95.

[9] DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Op. Cit., p. 95-96.

 

[10] CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. Cit., p. 154-155

[11] DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Op. Cit., p. 98.

[12] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 7ª ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 159.

[13] CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. Cit., p. 71.

[14] CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. Cit., p. 72-73.

[15] CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. Cit., p. 334.

[16] DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Op. Cit., p. 275.

[17] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Op. Cit., p. 178-179.

[18] MELO, Raimundo Simão de. Op. Cit., p. 425-427.

[19] SILVA, Laercio Lopes da. A natureza da responsabilidade do empregador por acidente do trabalho e por assaltos. Revista LTr. vol. 78, n. 8, p. 991-999, ago. 2014. São Paulo: LTr, 2014, p. 999.

[20] SILVA, José Antônio de Oliveira. Acidente do trabalho: responsabilidade objetiva do empregador. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 285.

[21] SILVA, José Antônio de Oliveira. P. 283.

[22] DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Op. Cit., p. 282.

[23] CAIRO JÚNIOR, José. O acidente do trabalho e a responsabilidade civil do empregador. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 92-93.

[24] SILVA, José Antônio de Oliveira. P. 292-293.

[25] SILVA, José Antônio de Oliveira. P. 283.

 
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