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Resumo:
A infeliz realidade no dia a dia dos acompanhamentos das prisões, onde observamos que na maioria das vezes que afirmam que houve prisão em flagrante dentro da residencia, não passou de uma espúria invasão de domicílio.
Texto enviado ao JurisWay em 07/07/2015.
Última edição/atualização em 14/07/2015.
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Introdução.
Corriqueiramente nos jornais impressos e televisivos nos deparamos com noticias de prisões em flagrante, dentro da leitura de senso comum tudo parece correto na perfeita normalidade.
Porém, na esfera da legalidade será que realmente estamos diante de uma situação de flagrância?
Com a analise técnica, iremos perceber que em diversas situações não houve de fato o flagrante delito, e sim, invasão de domicilio.
O Estado em diversas oportunidades, por intermédio de seus agentes tem extrapolado os contornos legais buscando legitimidade ou guarida dos seus atos ilegais na “busca pelo combate á criminalidade”.
DO CONCEITO DE FLAGRANTE
São claras as hipóteses que o Código de Processo Penal considera como situação de flagrância, sendo restrita esta leitura uma vez que se trata de uma das hipóteses de exceção, em que o Estado poderia adentrar no domicilio sem mandado judicial.
Nesta toada preceitua o artigo 302 do Código de Processo Penal, vejamos:
“Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;II - acaba de cometê-la;III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração."(Gomes, Luiz Flávio, Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal, Constituição Federal/ Brasil; 12º edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2010, pág.409)”
Pacelli, de forma magistral, explicita cada um dos incisos da seguinte forma:
“(...) bem examinadas as coisas, veremos que apenas a situação mencionada no artigo 302, I, do CPP, prestaria-se a caracterizar uma situação de ardência, de visibilidade incontestável da pratica do fato delituoso. Ali se afirma a existência da prisão em flagrante quando alguém esta cometendo a infração penal (artigo 302, I). Mas o mencionado artigo 302 prevê também como situação de flagrante quando alguém acaba de cometer a infração penal (inc. II), em que, embora já desaparecida a ardência e crepitação, pode-se colher elementos ainda sensíveis a existência do fato criminoso, bem como da sua autoria. Ambas as situações são tratadas como hipóteses de flagrante delito reservando-se-lhes a doutrina a classificação de flagrante próprio. Os demais casos de prisão em flagrante vêm arrolados nos inc. III. IV do mesmo artigo 302, em redação que reputamos das mais infelizes, quando não desnecessária. A hipótese do art. 302, III chamada pela doutrina de flagrante impróprio ou quase flagrante (expressão quase que incompreensível), cuida do caso em que alguém “é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça se presumir ser autor da infração. O que deve ser decisivo aqui é a imediatidade da perseguição (cuja definição vimos a pouco), para o fim de caracterizar a situação de flagrante. A perseguição, como ocorre em qualquer flagrante, pode ser feita por qualquer pessoa do povo (art. 301, CPP) e deve ser iniciada logo após o cometimento do fato, ainda que o perseguidor não o tenha efetivamente presenciado. Não há um critério legal objetivo para definir o que seja o logo após mencionado no art. 302, devendo a questão ser examinada sempre a partir do caso concreto, pelo sopesamento da circunstancias do crime, das informações a cerca da fuga e da presteza da diligência persecutória (...) diz o art. 302, IV que se considera em flagrante delito que “encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papeis que façam presumir se ele o autor da infração”. Ora, veja-se bem: estar na posse (ou detenção) de “instrumentos, armas, objetos ou papeis que façam presumir ser ele o autor da infração”. Infração, conforme a regra do flagrante impróprio (art. 302, III). Enquanto no primeiro caso se declina uma situação especifica, no segundo se faz referência a uma situação genérica, que, por isso mesmo, abrange as demais. De outro lado, o logo depois (do inc. IV) não pode ser diferente do logo após (inc. III), significando ambos a relação de imediatidade entre o inicio da perseguição, no flagrante impróprio, e no encontro com o acusado, no flagrante presumido. A diferença residiria, assim, de que em um (improprio) haveria perseguição, e, no outro (presumido), o que ocorreria é o encontro."(Oliveira, Eugênio Pacelli, Curso de Processo Penal, 9º edição, Lumen Juris, Rio de Janeiro), 2008, pág.404/405)”
No ilibado magistério de Pacelli, vemos que é requisito para a caracterização de flagrância a ardência e crepitação do ato.
Como um singelo militante na área criminal, observo que infelizmente a praxe de se perfazerem de denuncias anônimas para saírem “fazendo caça as bruxas”, invadindo domicílios, torturando, tudo em nome dos “fins justificarem os meios”.
Porém, num Estado Democrático de Direito, é inadmissível a busca da punibilidade em desrespeito aos Direitos Fundamentais, de forma alguma esse tipo de instrumentalidade a qualquer custo será admitido.
O festejado Afrânio da Silva Jardim, nesta toada preleciona:
“Não se pode desconhecer que, na apuração da verdade e na aplicação da norma material no processo penal, pode entrar em choque o interesse coletivo com o individual, cabendo á Constituição e à lei ordinária disciplinarem cuidadosamente a prevalência do primeiro sobre o segundo, sem reduzi-lo senão a justa medida do interesse público."(Teoria Geral do Processo Penal/Guilherme de Souza Nucci, Maria Thereza Rocha de Assis Moura, organizadores- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012- Coleção Doutrinas Essenciais: processo penal v.1, -Jardim, Afrânio Silva, Revista de Processo, RePro 40/100, out-dez/1985- apud.(O processo criminal brasileiro, Rio, Freitas Bastos, 1959, 4º, vol. 1º, p.29)
Indubitavelmente a situação tratada possui acobertamento na Constituição Federal de 1988 e na Lei Ordinária, conforme bem salientou o ilustre e consagrado doutrinador.
Vejamos a maneira como o legislador Constitucional tratou da matéria:
“Art. 5º(...) XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;”(Gomes, Luiz Flávio, Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal, Constituição Federal/ Brasil; 12º edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2010, pág.26).
O mencionado preceito Constitucional é direto em tutelar a inviolabilidade de domicilio, deixando apenas o complemento das hipóteses de flagrante delito pela legislação ordinária citada anteriormente.
Romeu Pires de Campos Barros, citando o ilustre Calmon de Passos, obtempera:
“ A conformidade do ato com as regras jurídicas constitui a sua legalidade. Tais regras jurídicas, ditadas para garantir a conveniência e a justiça do ato, constituem uma espécie de modelo do mesmo. Os caracteres deste modelo são os requisitos do ato, do modo de ser dos quais depende a sua legalidade. E esse modelo, segundo ainda acentua o douto Professor, no direito processual, se faz relevante, por força daquela diversidade de inspiração, já apontada. A circunstancia de estarmos diante de formas de comportamento prefixadas e erigidas a condição de únicas permitidas, autoriza-nos a pensar na atividade processual como uma atividade típica, atividade que se compõe de fatos típicos, definidos na lei, e aos quais se deve adequar o comportamento dos sujeitos do processo.”(Teoria Geral do Processo Penal/Guilherme de Souza Nucci, Maria Thereza Rocha de Assis Moura, organizadores- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012- Coleção Doutrinas Essenciais: processo penal v.1, -Romeu Pires de Campos Barros, Revista de Processo, RePro 21/199, jan-mar./1981- apud.(A Nulidade no Processo Civil, Imprensa Oficial da Bahia, 1959, pp.31 a 35) pág.559.
Concluímos que para haver legitimidade do ato é necessário estar em conformidade com o modelo previamente constituído pela lei, não abrindo espaço pra que aqueles que representam o Estado flexibilizem ao seu livre alvedrio o modelo legal.
Neste sentido o respeitado doutrinador Scarance Fernandes completa este raciocínio trazendo a sanção que recai sobre o Estado, quando estas balizas não são respeitadas, quando nos ensina:
“A prova obtida por meios ilícitos, não pode ser admitida no processo (art. 5º, LVI, CF), sendo destituída de eficácia jurídica. Foi o que o Supremo Tribunal Federal, em precisa manifestação do Ministro Celso de Mello, bem acentuou “ a cláusula constitucional do due processo of law encontra, no dogma da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras, pois o réu tem direito de não ser denunciado e de não ser condenado com apoio em elementos probatórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites ético-juridicos que restringem a atuação do Estado em sede de persecução penal. A prova ilícita por qualificar-se como elemento inidôneo de informação é repelida pelo ordenamento constitucional, apresentando-se destituída de qualquer grau de eficácia jurídica”.(Fernandes, Antonio Scarance, Processo Penal Constitucional, 7º edição. Revista e ampliada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2012, pág.96/97).
Insta salientar os dizeres de Fernandes, que o réu não será condenado com base em elementos alcançados de forma incompatíveis com os elementos éticos jurídicos que restringem a atuação do Estado na persecução penal.
É cristalino e pacífico o entendimento de que o Estado ao buscar o seu jus puniendi deve fazer sob os parâmetros da lei, os preceitos normativos trazem os limites e as bases da maneira pelo qual a coleta de provas deve ser angariada.
Os pilares constitucionais e processuais pelos quais esses entendimentos se pautam estão contidos no artigo 5º da Constituição Federal em seus incisos X, XI e XII e LVI e no artigo 157, parágrafo 1º do Código de Processo Penal, conforme segue:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos"
CPP-"Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras."
Como se constata, todo o aparato constitucional, processual e doutrinário, afirmam categoricamente pela imprescindibilidade da licitude das provas.
Para melhor elucidação deste conceito de falso flagrante, é necessário entender os conceitos de crime permanente e instantâneo, Nucci bem elucida estes conceitos quando diz:
“É aquele que se consuma em apenas um instante, de imediato, sem produzir um resultado que se prolongue no tempo, embora a ação possa perdurar. É o que ocorre no crime de furto, previsto no art. 155 do Código Penal, que se consuma no instante em que a coisa é retirada da esfera de vigilância da vítima. (permanente)É aquele cujo momento da consumação se prolonga no tempo por vontade do agente, como acontece no crime de sequestro, previsto no artigo 148 do Código Penal, que se consuma com a retirada da liberdade da vítima, mas o delito continua consumando-se enquanto a vítima permanecer em poder do agente".(instantâneo) Nucci, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.”(Grifos)
Com tais ilações, somente nos casos de crime permanente que o Estado estaria legitimado a interferir na esfera individual no que tange a violabilidade de domicilio, evidentemente quando pautado em fundamentados e motivados argumentos.
Porém, no caso de crime instantâneo é imprescindível o mandado judicial quando no caso concreto não estivermos dentro das situações de flagrância elencadas pelo artigo 302 do Código de Processo Penal.
Não respeitando estes limites ás provas que derivarem desta invasão serão ilícitas, ainda que provas sejam extraídas e haja comprovação de um crime, estas provas serão nulas e posteriormente desentranhadas do processo.
Não havendo outros indícios que estejam totalmente desvencilhados desta “arvore envenenada”, a solução será absolvição.
Num Estado Democrático de Direito é inadmissível que haja legitimação para infringir a lei.
Estamos diante de preceito Fundamental que recebeu guarida pela Constituição Federa e deverão ser respeitadas as formas e balizas trazidas por ela, sendo inadmissível sua usurpação em nome desta discricionariedade obscura.
Balizar, ao contrario do que o senso comum pensa, não significa proteger bandido/criminoso, e sim, dizer que o Estado tem o direito de punir e buscar a verdade dos fatos, no entanto, esta busca esta debaixo do crivo da lei.
O que se busca primar com todas estas garantias é a Dignidade da Pessoa Humana, mais precisamente no seu desdobramento da intimidade do individuo não permitindo que meras suspeitas sejam suficientes para legitimar o Estado romper com este bem jurídico tão precioso.
É entender, que o Estado é uma ficção jurídica, e sendo assim, as pessoas que o materializam estão sujeitas as paixões e erros como todos os demais, e a lei traz lucidez à este ímpeto natural.
Esta é a beleza do Estado Democrático de Direito, fazer com que o grande e o pequeno ocupem o mesmo espaço, tenham os mesmos direitos, mesma proteção, é dormir, sonhar, e não acordar com policiais invadindo sua casa, barbarizando, e muitas vezes procurando aquilo que nem existe.
Conclusão.
É corriqueiro no dia a dia da advocacia criminal nos depararmos com situações de falso flagrante, onde aqueles que deveriam proteger, usurpam do poder que lhes foi outorgado desrespeitando ás leis.
O Estado Democrático protege a Dignidade da Pessoa Humana, bem como a individualidade em todas as suas nuances, como no presente caso a inviolabilidade do domicilio.
Sendo o Estado sujeito ás leis como todos, quando esta busca pela punição for ilegal sofrerá a anulação de seus atos e muitas vezes levando à absolvição mesmo quando provas de um crime forem extraídas.
É o Estado sentindo na pele a punição pelo descumprimento da lei.
BIBLIOGRAFIA.
Gomes, Luiz Flávio, Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal, Constituição Federal/ Brasil; 12º edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2010, pág.409
Oliveira, Eugênio Pacelli, Curso de Processo Penal, 9º edição, Lumen Juris, Rio de Janeiro), 2008, pág.404/405
Teoria Geral do Processo Penal/Guilherme de Souza Nucci, Maria Thereza Rocha de Assis Moura, organizadores- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012- Coleção Doutrinas Essenciais: processo penal v.1, -Jardim, Afrânio Silva, Revista de Processo, RePro 40/100, out-dez/1985- apud.(O processo criminal brasileiro, Rio, Freitas Bastos, 1959, 4º, vol. 1º, p.29
Gomes, Luiz Flávio, Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal, Constituição Federal/ Brasil; 12º edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2010, pág.26.
Teoria Geral do Processo Penal/Guilherme de Souza Nucci, Maria Thereza Rocha de Assis Moura, organizadores- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012- Coleção Doutrinas Essenciais: processo penal v.1, -Romeu Pires de Campos Barros, Revista de Processo, RePro 21/199, jan-mar./1981- apud.(A Nulidade no Processo Civil, Imprensa Oficial da Bahia, 1959, pp.31 a 35) pág.559.
Fernandes, Antonio Scarance, Processo Penal Constitucional, 7º edição. Revista e ampliada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2012, pág.96/97).
Nucci, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.”(Grifos)
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