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INEFICÁCIA DA CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA NA FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS


Autoria:

Aline Souza Nogueira


Estudante, Direito, Faculdade Pitágotas

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Resumo:

O presente artigo tem por objetivo analisar a eficácia da cláusula resolutiva expressa no âmbito falimentar, destacando o principio da função social da empresa.

Texto enviado ao JurisWay em 22/04/2015.

Última edição/atualização em 29/04/2015.



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INEFICÁCIA DA CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA NA FALENCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS

 Aline Souza Nogueira[1]

 

RESUMO

Com a aprovação em 2005 pelo Congresso Nacional da nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, questões novas surgiram e outras passaram a ser discutidas sob um novo viés. O que se discute no presente trabalho é a legitimidade da cláusula resolutiva expressa, por insolvabilidade de uma das partes, nos contratos empresariais. Sob a égide da lei revogada havia um consenso tanto na doutrina especializada como nas decisões operadas pelo judiciário, negando validade á referida cláusula. Não obstante esse consentimento, muitos contratos são confeccionados prevendo a extinção de pleno direito no caso de insolvência de uma das partes. A citada cláusula é incompatível com a maximização dos ativos no caso de falência bem como prejudica potencialmente o sucesso da recuperação da empresa, negando ainda paridade de tratamento entre os credores, que não se beneficiaram do referido instituto. 

Palavras-chave: Falência. Recuperação. Cláusula Resolutiva. Contratos.

  

 

ABSTRACT

With the approval in 2005 by the new Congress Bankruptcy and Corporate Recovery Act, new issues have emerged and others began to be discussed under a new bias. At issue in this work is the legitimacy of the express termination clause, by insolvency of a party in business contracts. Under the aegis of the repealed law was a consensus both in the specialized doctrine of the decisions operated by the judiciary, denying validity shall express termination clause. Despite such consent, many contracts are made predicting the extinction of right in the case of insolvency of a party. The clause is incompatible with the maximization of assets in the event of bankruptcy and potentially affect the success of the company's recovery, still denying equal treatment among creditors, who did not benefit from the said clause.

Keywords: Bankruptcy. Recovery. Clause  Resolutive. Contracts

 

1 INTRODUÇÃO

Com o advento da Lei 11.101/2005, a recuperação de empresas ganhou novos contornos, com significativas mudanças em sua estrutura. Tinha-se na antiga lei o instituto da concordata, consistindo em mero favor legal concedida pelo Poder Judiciário ao empresário, devendo o mesmo preencher determinados requisitos pré-estabelecidos pelo Decreto-Lei 7.661-45, significando nada mais que, dilação de prazos para pagamentos sem maiores liberdades para a implementação de outras medidas tais como tem-se hoje na nova lei.

Com a edição da Lei de Falências e Recuperação de Empresas alterou-se o direcionamento dado ao instituto, antes voltado para uma solução liquidatória das empresas em dificuldade. A falência dirigia-se a punir o mal empresário e a recuperação era um favor concedido ao bom empresário.

Em razão das transformações operadas pelo novo sistema falimentar, surge a necessidade de se aplicar aos contratos empresariais, tratamento segundo a principiologia inaugurada pela novel legislação.

É comum na esfera empresarial a confecção de contratos de diversas espécies preverem a prerrogativa de uma das partes, extinguirem de pleno direito a avença, caso a outra venha a incorrer em insolvência. Nesta senda a simples inadimplência do outro contraente daria ensejo por si só ao fim do contrato.

É preciso destacar o fato de não raras vezes o estado de insolvência está ligado tão somente à uma  falta momentânea de liquidez. Sem que tal fato se configure na escassez absoluta de meios para a satisfação dos contratos operados pela empresa devedora.

 

Somado a isto, diversos contratos operados pela empresa em crise estão diretamente ligados a atividades essenciais da mesma, principalmente aqueles de duração diferida no tempo, de modo tal que, sua extinção implicará no agravamento da crise, podendo tornar a mesma insuperável.

 

Não obstante existir certo consenso quanto à invalidade da cláusula, bem como aos efeitos deletérios que a mesma provoca, somado ao posicionamento contrário tomado pelos tribunais quanto à legitimidade da mesma, há uma insistência de permanência do referido instituto.

 

 Associado ainda a um consenso doutrinário, quanto a necessidade de respeito ao disposto na Lei de Falências, desperta o interesse o fato destas cláusulas serem tão usuais no mundo empresarial, contrariando a regra contida no artigo 118 da Lei de Falências.  

 

Ocorre que os contratos perpassam a esfera particular, irradiando efeitos para diversos âmbitos, o que é sentido com maior impacto entre aqueles envolvidos diretamente na avença, devendo pois ser relativizada a autonomia privada, que por vezes cria desequilíbrios.

A discussão perpassa ainda a questão de a cláusula resolutiva ir de encontro ao sentido da Lei 11.101/2005, devendo a mesma ser considerada ilegal, quando aplicada no sistema falimentar. Desse modo, não é possível a regulação dos contratos empresariais tendo por base somente a disciplina civil, sob pena de esvaziar completamente o sentido da nova Lei de Falências.

Razão não assiste aqueles que defendem a validade da cláusula resolutiva, uma vez que quando a empresa entra em insolvência passa a ter regulamentação própria, segundo os ditames dispostos na Lei 11.101/2005. Tendo o intuito de modernizar o procedimento, principalmente quando fomenta a recuperação judicial ou extrajudicial do empresário.

É por esse motivo que os contratos por terem características e disciplina essencialmente civilista, tendem a estabelecerem uma perspectiva essencialmente civil e não empresarial, gerando dificuldades para a concretização dos objetivos buscados pela nova Lei de Falências, bem como, fere a função social dos contratos e da empresa.

A aplicação da disciplina civil e não a falimentar aos contratos, no âmbito empresarial, inevitavelmente frustrará o sentido da Lei de Falência e Recuperação de Empresas, qual seja a de preservação da atividade produtiva.

O instituto falimentar modernizou-se, novos institutos foram criados e outros aprimorados. Mas a previsão de os contratos bilaterais não se resolverem com a falência existe no ordenamento jurídico há mais de 60 anos, desde o Decreto-Lei 7.661-45, assim não se justifica a permanência da cláusula resolutiva, que se mostra em total descompasse com a Lei de Falências.

 

.

  2  TRANSIÇÃO DA LEI DE FALÊNCIAS E CONCORDATAS PARA LEI DE FALÊNCIAS E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS

A Lei de Falências e Concordatas, Decreto-Lei 7.661, de 21/06/45, vigeu por mais de 50 anos no ordenamento jurídico pátrio. Neste lapso temporal o país cresceu e modernizou-se. Todavia, a legislação falimentar permanecia presa a objetivos que não mais compatibilizavam-se com a nova realidade econômica, tornando-se obsoleta com pouca ou nenhuma aplicação prática.

Nas palavras de Fazzio Júnior (2010, p.83) “a LRE optou pela denominação recuperação empresarial, precisamente para designar o restabelecimento da normalidade da atividade empresarial.” Fica claro que a recuperação a exemplo da concordata, presente no Decreto-Lei anterior, consiste num procedimento preventivo, já que ambas possuem em comum o objetivo de evitar a falência.

Apesar de existirem pontos de contato entre os dois institutos, a recuperação tem objetivos mais amplos que a concordata, buscando esta basicamente satisfazer os interesses dos credores, a recuperação por sua vez intenta preservar a atividade produtiva, de modo a não satisfazer apenas os credores, como também a coletividade.

A lei atual oportuniza ao devedor a chance de se reestruturar e para tanto conta com duas vias de recuperação: a judicial e a extrajudicial, nesta o devedor se dirige diretamente a seus credores, definido o plano, submetido à aprovação pelos credores, este será homologado pelo juiz. Os credores tornaram-se sujeitos ativos da recuperação, diferente do que tinha-se na antiga lei, considerando inclusive crime o acordo operado com os credores.

A Lei de Falências e Recuperação de Empresas tem como essência a menor interferência, via Administração Pública ou Poder Judiciário, para maiores se tornarem as possibilidades de êxito da recuperação, prova disso é a possibilidade de recuperação extrajudicial.

O que se percebe, contudo, é uma tendência inversa, na inteligência de Fazzio Júnior (2010, p.88):

Contudo, a tendência legislativa predominante tem se orientado em destino inverso, produzindo complexos processos de aferição dos graus de insolvência e sua solução, impondo soluções divorciadas das regras de mercado e demorados processos de estimativa de viabilidade da empresa. Aqui o que tarda falha.

O autor destaca que apesar de a lei ter sido criada de modo a trazer êxito à recuperação, esta vem distanciando de seu ideal, pois a demora por certo é inimiga das empresas em crise, quanto mais se demora em resolver a questão, menos vale e mais difícil fica reerguer a empresa, tornando-se inócuo a recuperação, como disse “o autor o que tarda falha.”

O espirito da nova Lei conforme já destacado, é o de preservar a atividade produtiva e somente nos casos em que se mostrar inviável sua reestruturação, será decretada a falência, devendo ser operada da melhor forma possível, reduzindo os efeitos nefastos da quebra.

Nesta senda o novel legislador deixou expresso no art.75 da Lei.11.101/2005 o objetivo de em sendo decretada a falência, que haja a preservação e otimização dos ativos , é a lição de Fazzio Junior, ”para que se cumpra as finalidades do processo de insolvência, os ativos da empresa devedora precisam ser preservados e, se possível, maximizados. No mínimo conservados”. (FÁZZIO, 2012, p.20).

 

 

3  PRINCIPIOS INFORMADORES DO DIREITO FALIMENTAR

3.1  Preservação Da Empresa

Há situações onde mesmo a empresa sendo viável, pode ocorrer de determinados credores, no intuito de aproveitar a crise da empresa, explorem vantagens em detrimentos dos demais. Lado outro, no caso de falência, a empresa pode ser liquidada por valores inferiores ao que alcançaria caso não fosse privada de determinados contratos.

             Mamede (2014, pag.122) trata do tema:

Uma das metanorrmas que orienta o Direito Empresarial viu-se no primeiro volume desta coleção, é o princípio da preservação da empresa, cujos alicerces estão fincados no reconhecimento de sua função social. Por isso, a crise econômico-financeira da empresa é tratada juridicamente como um desafio passível de recuperação, ainda que se cuide de atividade privada, regida por regime jurídico privado.

 

Conforme extrai-se do acima exposto, a empresa enquanto ente social merece especial proteção, a mesma se encontra integrada a uma teia de relações, e quando sofre prejuízos, o mesmo também ocorre com a comunidade em que está inserida.

 

Bem andou o legislador ao prever a recuperação das empresas, viáveis,  embora em crise, demostrando o reconhecimento que a empresa, está sujeita às intempéries do sistema econômico-financeiro, carecendo por tanto de mecanismos que as socorram em momentos de crise.

 

Não é o outro o sentido que se extrai do artigo 47 da Lei. 11.101/2005:

 

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

 

Necessária se faz uma ressalva, no sentido de que a preservação da empresa se dá inclusive quando a empresa saia das mãos do empresário devedor e passe a ser administrada por outro empresário, é o  ensinamento de Mamede (2014, pag.123):

 

Mas a empresa (a fonte produtora) não se confunde com empresário ou sociedade empresária. Os interesses do empresário ou sociedade empresária estão sequer contemplados  no artigo 47 da Lei 11.101/05. Embora a recuperação da empresa possa atender aos interesses e direitos patrimoniais do devedor ou da sociedade empresária, não é essa a finalidade da recuperação judicial da empresa: não se defere a recuperação para proteger o empresário ou a sociedade empresária (nem os sócios e administradores desta). A recuperação judicial pode concretizar-se até em desaproveito do devedor, que pode ser apartado da empresa, a bem da manutenção desta.

 

Como se vê, a recuperação é um instituto abrangente que vai além dos interesses do devedor, prestigia a preservação da atividade produtiva, nem que a mesma se dê em prejuízo do empresário devedor, a empresa é preservada inclusive quando ocorre a falência, por meio de uma liquidação que permita a venda da empresa em blocos e por consequência a continuação da atividade produtiva.

 

Com base nesta busca pela continuidade da atividade produtiva, estreada pela Lei 11.101/2005, mostra-se sem efeito a inclusão da cláusula resolutiva expressa nos contratos operados entre empresários.

 

Outro ponto da nova Lei de Falências que merece destaque trata-se da regra de não sucessão dos ônus do falido, para o arrematante, bem andou o legislador ao prevê tal regra, mantendo as obrigações na massa falida, aumentando o interesse de terceiros na compra de bens em bloco.

 

Louvável a adoção de tal regra no novo sistema falimentar que propicia: preservação da atividade produtiva, manutenção dos postos de trabalho, o Estado continua a receber tributos e fornecedores mantém suas vendas. O adquirente por sua vez se beneficia com um negócio já montado, cuja crise tenha decorrido de má administração ou outro problema pontual.

 

Mamede (2014, pag.442) visualiza na desoneração dos bens da massa, a possibilidade de continuidade da atividade produtiva e consequentemente sua função social:

 

Com a regra da desoneração dos ativos do falido, em razão da alienação judicial, mesmo que em bloco – todos os estabelecimentos, filiais ou unidades produtivas isoladamente, bloco de bens que integram um estabelecimento--, abre-se a oportunidade para a preservação da empresa e a manutenção do cumprimento de sua função social.

 

              O legislador empenhou-se em criar mecanismos aptos a preservar a atividade produtiva. A cláusula resolutiva expressa vai em sentido inverso,  os defensores  da eficácia da mesma, estão presos a preceitos  arraigados ainda no antigo código Civil, apegando-se ao pragmatismo civilista.

 

O direito falimentar no Brasil evoluiu, atendendo aos anseios de preservação da atividade econômica produtiva, e, sobretudo à tão decantada função social. Vários institutos foram revistos, quando da promulgação da CRFB/88, inauguradora de uma nova ordem jurídica no país, passando a proteger interesses para além da esfera individualista.

 

Essa atribuição de função social à empresa e a especial proteção que atingiu após a reformulação por que passou o direito falimentar, contribui efetivamente para o desenvolvimento nacional, que inclusive é um dos fundamentos objetivos da república.

 

3.2 Otimização dos Ativos na Falência

 

O patrimônio do devedor é a garantia de satisfação dos créditos da massa subjetiva, nesse interim se mostra plausível a preocupação do legislador em liquidar o ativo da empresa da melhor forma possível, de maneira que se abarque o maior número possível de credores, conforme preceitua o artigo 75 da Lei 11.101/2005:

                            

 Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos  e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.

 

Tem-se então a abertura do regime da execução concursal, afastando-se a execução individual, garantindo aos credores igualdade de condições, quando da realização do ativo. Caso não seja respeitado esse procedimento, será impossível atender a pretensão de todos, dando azo a situações onde credores com crédito quirografário recebam antes mesmo daqueles com garantia real. A cláusula resolutiva se apresenta como vantagem ilícita para os credores que se beneficiam da mesma, em detrimento dos demais.

 

Em respeito ainda ao principio da universalidade, sobrevindo a falência da atividade econômica, todos os bens deveram ser arrecadados para posterior alienação judicial e a consequente satisfação dos credores, em conformidade com a ordem de preferência em que se encontram.

 

Nesta linha de pensamento, os credores são prejudicados em razão da deterioração do ativo, única garantia de satisfação de seus créditos, ferindo o princípio da par conditio creditorum, (igualdade de tratamento entre os credores) neste sentindo expõe Coelho (2009, pag.190):

                  

Os titulares de crédito perante sujeito de direito que não possui condições de saldar, na integralidade, as dividas devem receber da justiça tratamento parificado, em que se dê preferência aos mais necessitados (os trabalhadores), efetivem-se as garantias legais (do Fisco ou dos credores privados com privilégio) ou contratuais (dos credores com garantia real) e assegurem-se chances  iguais de realização do crédito aos credores de uma mesma categoria (p. ex., no caso dos rateios aos quirografários, proporcionais ao crédito de cada um). (Coelho, 2009) 

 

Há um eminente interesse público no reconhecimento da ineficácia da cláusula resolutiva expressiva. A mesma não encontra consonância com os novos paradigmas inaugurados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que em seu artigo 170, inciso III, traz ínsito a função social da propriedade.

 

A cláusula de resolução expressa funcionaliza o pedido de restituição de bens em poder da massa falida, na medida em que opera a resolução de pleno direito dos contratos operados, em razão da verificação da condição, qual seja a insolvência, tornando a massa proprietária ilegítima do bem.

 

O reconhecimento de eficácia a cláusula resolutiva, defasa o patrimônio da massa falida, implicando na impossibilidade da venda em blocos, tal como previu o legislador, prejudicando os interesses dos credores, que verão o patrimônio da massa ser vendido por preço inferior, ferindo o espírito da lei e a continuidade da atividade produtiva.

 

3.3  Princípio da Par Condito Creditorum

Como já destacado, a cláusula resolutiva expressa frustra os princípios do novo sistema falimentar, destaca-se o da par conditio creditorum, tal princípio prevê o tratamento paritário entre os credores conforme a classe a que pertençam.

   Segundo Cesare Vivante (1973, apud Fázzio Júnior 2012, p. 19):

 Enquanto o ativo de um patrimônio excede o passivo, pode o legislador deixar que qualquer credor exerça separadamente o seu direito. Desde, porém, que o patrimônio não basta para todos, a liberdade de execução individual constitui um premio aos credores mais diligentes, mais próximos, ou mesmo menos escrupulosos, em detrimento dos mais benévolos ou mais afastados.

Credores menos escrupulosos, que não querem suportar os efeitos de uma futura insolvência, lançam mão da cláusula expressa de resolução, como uma válvula de escape, sobrepondo-se aos demais credores, em total contrariedade à ordem estabelecida em lei.

Coelho (2014, pag.338) traz a ordem de recebimento dos créditos:

Classificam-se, portanto, os credores do falido de acordo com a natureza do crédito, segundo a ordem de pagamento na falência, nas seguintes categorias: a) credores trabalhistas, compreendendo todos os pagamentos devidos pelo empresário a seus empregados (CLT, art. 449, § 1°) e indenização por acidente de trabalho; b) credores com garantia real, até o limite do valor do bem onerado; c) dívida ativa de natureza tributária ou não tributária ( art. 186, § 2°, do CTN e 4°, § 4°, da Lei n.6.830); d) credores com privilégio especial; e) com privilégio geral; f) quirografários; g) titulares de direito de multa contratual ou apenas pecuniárias por infração à lei administrativa ou penal; h) credores subordinados(LF, art.83).

O legislador ao estabelecer esta escala de recebimento, não o fez por acaso, respeita questões de ordem pública, conforme a importância de cada crédito. Note-se que os créditos trabalhistas se encontram no primeiro grau da escala de recebimento.

A ordem de classificação de cada crédito resulta da natureza do mesmo. As verbas trabalhistas tem natureza alimentar, por isso ocupam a primeira grau escala de recebimento.

Com efeito a falência tem lugar sempre que o passivo supera o ativo, possivelmente algumas obrigações não serão solvidas. Não seria justo que o crédito trabalhista ocupasse outro lugar na escala de aprovação, que não o primeiro, sob pena de ao fim, o trabalhador restar insatisfeito e sua família desamparada.

Mamede (2014, pag.417) destaca a função social do trabalho:

O grau superior na preferencia nos pagamentos a serem realizados pela massa está ocupado por créditos derivados da relação de trabalho, limitados a 150 salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho (artigo 83, I). Reconhece-se o valor social do trabalho, como fundamento do Estado Democrático de Direito (artigo 1°, IV, da Constituição da República), além de se preferir aqueles que necessitam do crédito para alimentar a si e suas famílias.

Com base no respeito a essa ordem, que se trata de questão de ordem pública, não se apresenta razoável a eficácia da cláusula resolutiva expressa, pelo contrário, o ativo da massa poderia ser dissipado de tal forma, onde até mesmo o credor trabalhista seria frustrado na sua pretensão de satisfação de crédito.

A razão de ser do processo falimentar se justifica exatamente na impossibilidade do patrimônio ativo atender a todo passivo, por isso a massa deve ser preservada, de modo a proteger o interesse público de todos os credores, de forma que venham ser tratados igualmente, considerando a natureza de cada crédito.

 

4  CONTRATOS

4.1 Função Social dos Contratos.

              Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, houve a revisão de diversos institutos, que passaram desde então a serem interpretados e aplicados segundo o interesse coletivo, os contratos cumprem agora uma função social.

              O Código Civil de 2002 ao seu turno em respeito a esta nova ordem inaugurada pela Constituição Federal trouxe expresso em seu texto, a necessidade de se observar a função social dos contratos quando da contratação, é o que se extrai do artigo 421 do Código Civil: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

              O Código Civil de 1916 restringia-se a uma interpretação estritamente individualista dos contratos, em respeito à autonomia privada, o que era feito à revelia do bem estar coletivo, o que estava ligado á ideia do liberalismo econômico e a interferência mínima do Estado.

              Contudo essa autonomia sem limites, não raras vezes causa danos à coletividade, vez que os contratos perpassam á esfera privada dos indivíduos. Esta aptidão de extrapolar a esfera particular se mostra mais nítida no âmbito falimentar, daí ser tão importante a necessidade de efetivação prática da função social dos contratos.

Com efeito, o espírito da nova Lei de Falências é o de reestruturar e empresa em crise, no caso de decretação da recuperação judicial, bem como otimizar os ativos, propiciando por conseguinte uma divisão justa dos ativos entre os credores.

              A função social do contrato converge com a função social da propriedade, que vem explicitada no artigo 170, inciso III, da Constituição Federal, nesse sentido resta claro, a consonância do dispositivo com o novo paradigma de um estado democrático de direito.

O professor Mamede (2010, p. 23) destaca esta importante mudança de paradigma quanto à disciplina dos contratos, ao abordar que a mera mensuração e constatação da legalidade de um ato jurídico gera um grande risco de se obter aquilo que é legalmente permitido, mas não é moral, tampouco correto e justo. Daí se extrai a necessidade de se vincular a vontade privada à vontade social, diminuindo ao menos em parte, a extremação do poder privado, quando este não se encontra subordinado a cânones morais e sociais.

 

O contrato será legitimo quando respeitar a função social, logo, ilegítima será a cláusula que deixa ao arbítrio de uma das partes, a prerrogativa de ocorrida determinada condição, qual seja a insolvência, extinguir de pronto a avença.

 

4.2 Disciplinas dos Contratos Bilaterais na Falência

Os Contratos bilaterais são aqueles em que ambos os contraentes assumem obrigações, lado outro, quando apenas uma das partes assume uma obrigação, não há que se falar em bilateralidade, mas sim em unilateralidade.

A cláusula resolutiva expressa prevê a prerrogativa de um dos contratantes resolver de pleno direito o contrato, caso uma das partes caia em estado de insolvência. Entretanto, o estado de insolvência não resolve de pleno direito os contratos bilaterais firmados pela empresa, conforme regra contida na nova Lei de Falências. Cabe ao administrador judicial autorizado pelo Comitê de Credores quando existente, dar continuidade ou não ao contrato.

A atividade empresarial se desenvolve em razão e sobre contratos celebrados pela empresa, logo determinados contratos são imprescindíveis ao sucesso da mesma, daí se extrai a importância de os contratos terem regulamentação própria no âmbito falimentar, nesse sentido Fazzio Júnior esclarece (2012, pag. 314):

O desenvolvimento dos negócios na atividade empresarial é marcado pela crescente importância dos contratos. Uma empresa depende, em grande parte, da aptidão e do tirocínio do empresário na celebração de contratos. Daí a relevância do regime jurídico aplicável aos contratos do devedor.

Dada a crucial importância dos contratos para a atividade empresarial a Lei 11.101/2005 lhes dispensou disciplina especial, seja aos contratos unilaterais seja aos bilaterais, sendo importante a distinção de ambos, já que produzem efeitos dispares.

Almeida (2013, pag.180) traz a definição e distinção:

Quanto à sua eficácia, porém, o contrato é bilateral ou unilateral. No primeiro, as obrigações são recíprocas. No segundo, ao revés, só um dos contraentes assume obrigação. Exemplo da primeira é compra e venda, contrato bilateral mediante o qual um dos pactuantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro a pagar-lhe certo preço em dinheiro. Exemplo do segundo é a doação, contrato unilateral em que uma pessoa, por liberalidade, transfere bens de seu patrimônio a outra, que os aceita.

Feita a distinção entre contratos unilaterais e bilaterais, passa-se à análise destes no âmbito falimentar. Não obstante, a nova lei falimentar tenha disciplinado o cumprimento dos mesmos, na prática ainda são firmados contratos com cláusulas contrárias ao conteúdo da lei.

Cabe ao administrador judicial, analisando em cada caso concreto se o cumprimento do contrato se mostra menos oneroso, ou ainda se o cumprimento reduzirá o aumento do passivo da massa falida. Pautando sua decisão em critérios econômico-financeiros decidirá pelo cumprimento ou não do contrato.

A decisão a ser tomada pelo administrador deve ser informada por critérios econômico-financeiros, e não meramente fórmulas matemáticas. É o sentido do artigo 117 da Lei de Falências:

Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, mediante autorização do Comitê.

Feita a ponderação quanto aos benefícios e encargos trazidos pelo cumprimento do contrato, conforme o resultado da análise, o administrador deverá dar continuidade ao contrato se for necessário à manutenção da atividade produtiva, ou negar-lhe cumprimento caso sobrevenha prejuízos.

              Daí se extrai a ilegalidade da cláusula resolutiva expressa, por ser a mesma contrária a literalidade da Lei de Falências. Não cabe ao contratante a decisão a respeito da continuação do contrato, sem ao menos antes interpelar o administrador judicial.

Como garantira da segurança jurídica, o legislador trouxe expresso na nova Lei de Falências o direito de o contratante obter do administrador judicial, no prazo de dez dias uma resposta, acerca do cumprimento ou não do contrato. Nesse sentido Almeida (2013, pag.181), claramente dispõe:

Ao contraente é dado interpelar o administrador judicial, no prazo de noventa dias, para que, dentro de dez dias, declare se cumpre ou não o contrato. Se, findo esse prazo, o administrador nada responder, ou responder negativamente, assegurado  é ao contraente o direito á respectiva indenização, a ser apurada em ação ordinária, e que se constituirá em crédito quirografário – art. 117 da Lei de falências.

Como se nota, não obstante tenha o legislador dispensado grande soma de autonomia ao administrador judicial, quanto ao cumprimento ou não dos contratos bilaterais, no âmbito falimentar, não o fez à revelia dos interesses do contraente, conforme se depreende do acima exposto, o administrador judicial quando provocado tem prazo de dez dias para se manifestar quanto ao cumprimento do contrato.

Fazzio Júnior ( 2012,pag.315), assim afirma:

A omissão do administrador judicial doa ao outro contratante o direito de interpelação, no prazo de 90 (noventa) dias de sua nomeação, para que, em de 10(dez) dias, declare se pretende ou não cumprir o pacto. O silêncio do administrador ou sua declaração negativa propiciará ao contratante o direito à indenização cujo valor, apurado em ação ordinária, constituirá crédito quirografário.

Com base no posicionamento dos dois autores, não será o contraente prejudicado, diante da autonomia atribuída ao administrador judicial de cumprir ou não o contrato, é importante também salientar, que sua decisão de baseará sempre na conveniência e interesse da massa e não em mera liberalidade sua.

            Em oposição ao artigo 117 da já citada Lei, a cláusula resolutiva expressa é recorrente no mundo empresarial, referida cláusula objetiva dar ao contratante a possibilidade de extinguir o contrato tão somente uma das partes torne-se involvente, até mesmo com a simples distribuição do pedido de recuperação judicial, sem ao menos verificar a existência de patrimônio suficiente para implemento da obrigação.

              Os contratos celebrados pela empresa tem regência civil, porém a partir do momento em que a mesma serem interpretados em conformidade com os preceitos contidos na Lei 11.101/2005, é a lição de Coelho (2009, pag.312)

A sentença declaratória da falência importa a disciplina dos contratos do falido segundo regras específicas. Afasta-se a incidência das normas de direito civil, comercial, ou de tutela do consumidor- conforme a natureza da relação jurídica-e submetem-se os contratos ás regras especificas do direito falimentar.( COELHO, 2009).

              O posicionamento do autor converge com a literalidade da lei. Corrobora ainda com o espirito da nova Lei de falências, em conformidade com a tão clamada função social da empresa.

 

4.3 Resolutividade Contratada

Não raro, é encontrada em contratos empresariais de diversas qualidades, a cláusula de resolução expressa, a mesma consiste na previsão de extinção de pleno direito do contrato firmado, em caso de implemento da condição, qual seja insolvência empresarial. Tal cláusula tem disciplina civil, conforme o artigo 474 do Código Civil: “A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.”

A previsão da referida cláusula atenta contra os princípios que regem a nova de Lei de Falências, e vai de encontro ao preceito insculpido no artigo 117 da referida Lei, bem como o disposto no artigo 47, impossibilitando o soerguimento da empresa em crise e a maximização do patrimônio líquido, no caso de decretação da falência.

Observou-se que o sucesso da empresa depende da capacidade do empresário em celebrar contratos, sem dúvida determinados contratos são estratégicos para o desenvolvimento da atividade econômica. Vincular o cumprimento de determinados contratos à solvência, é temerário.

O empresário não tem condições de garantir sua solvência permanente, a atividade empresarial sofre influências do sistema financeiro, não sendo possível aquele prever eventuais crises, sequer controlá-las, a insolvência é um risco que o empresário bem como os credores devem suportar a bem do desenvolvimento econômico.

O contratante usa a cláusula resolutiva como válvula de escape, blindando seu patrimônio, isolando-o das consequências da insolvência sofrida pela contraparte, gerando escassez de patrimônio á empresa, que será suportada pelos demais credores que contrataram sem a cláusula.

Destaque-se ainda o fato de os contratos terem tratamento diferenciado no âmbito falimentar, sobre a questão, Coelho (2014, pag.312) esclarece:

A sentença declaratória da falência importa a disciplina dos contratos da falida segundo regras específicas. Afasta-se a incidência das normas de direito civil, comercial ou de tutela do consumidor- conforme a natureza da relação jurídica- e submetem-se os contratos as regras específicas do direito falimentar. O regime jurídico dos contratos que seja parte a sociedade empresária, em termos gerais, varia segundo esteja falida, ou não.

Razão não atende aqueles que insistem em aplicar ao sistema falimentar regras extraídas do direito civil, conforme de depreende da lição do autor o regime jurídico dos contratos variam conforme esteja a empresa falida ou não.

Inclusive todos os credores devem submeter seus respectivos direitos na forma que a Lei de Falências prescrever, o que afasta totalmente a aplicação das regras civis aos contratos. É o que extrai do artigo 115 da citada Lei, “a decretação da falência sujeita todos os credores, que somente poderão exercer os seus direitos sobre os bens do falido e do sócio ilimitadamente responsável na forma que esta Lei prescrever.”

O legislador não se omitiu quanto ao tratamento dos contratos na falência, pelo contrário este previu claramente no artigo 117 da Lei de Falências, que os contratos bilaterais não se extinguem com a falência, Deborah Kirschbaum (2006, p.38) se posicionou a respeito:

 É curiosa a persistência da inclusão desta cláusula na prática contratual, considerando que: (a) há mais de 60 anos existe norma no ordenamento jurídico nacional determinando que os contratos bilaterais não se resolvam pela falência; (b) há uma notável inclinação por parte dos Tribunais de Justiça Estaduais no sentido de julgarem nula a cláusula ipso facto; (c) a maior parte da doutrina contemporânea reconhece a cogência da norma.

 

Ao conferir-se eficácia à referida cláusula estará esvaziando completamente o sentido da Lei de Falências, na medida em que se outorga a um determinado credor preferência no recebimento de seu crédito, em desrespeito à ordem estabelecida em lei, negando cogência a mesma.

 

Numa análise atenta da cláusula resolutiva expressa, esta se mostra num primeiro momento contraria a boa-fé e função social dos contratos, além de ser ilegal, por violar disposição expressa de lei, conforme se depreende do artigo 117 da Lei 11.101/05, Mamede (2004, pag.327), se posiciona da seguinte forma:

 

Pior é observar que tal cláusula explica-se justamente como tentativa de fraudar a lei, ou seja, de fraudar o art.117 da Lei. 11.101/05, nas suas intimas relações com os seus artigos 75 e 115, e são justamente esses dispositivos que, como se verá abaixo, sustentam a invalidade da cláusula resolutiva pela falência.

 

Aqueles que defendem a validade da cláusula resolutiva, o fazem, baseando-se numa hipotética subsidiariedade das regras do Código Civil ao direito falimentar, não assiste razão aos mesmos, conforme salientado, a empresa quando no estado de insolvência, passa a reger seus contratos com arrimo nas regras falimentares.

 

Coelho (2009, pag. 314), por seu turno, apesar de reconhecer tratamento diferenciado aos contratos na falência, se posiciona favorável à cláusula resolutiva:

Atenção particular deve-se ter, no exame desse assunto, para a cláusula expressa de resolução por falência. Nos contratos interempresariais, costuma constar do instrumento a expressa previsão na hipótese de falência de um ou qualquer dos contratantes. Se as partes pactuaram cláusula de rescisão por falência, esta é válida e eficaz, não podendo o órgão da falência desrespeitá-la. O direito falimentar como capitulo do direito comercial, tem normas contratuais de natureza supletiva de vontade dos contratantes; seus preceitos sobre obrigações contratuais só se aplicam se as partes não convencionaram diferentemente. Assim, o contrato não se rescinde não por força de decreto judicial, mas pela vontade das partes contratantes, que o elegeram como causa rescisória do vínculo contratual.

 

Com a devida vênia, a simples distribuição do pedido de recuperação judicial por si só não pode ser motivo ensejador a resolver o contrato, tampouco pode-se conferir a autonomia privada poderes tais, ao ponto de se sobrepor ao bem coletivo. Conferir legitimidade a cláusula resolutiva no âmbito falimentar, não reflete a função social dos contratos, principio limitador da autonomia privada.

 

Mamede (2014, pag. 327), assim preleciona:

Com efeito, a falência visa a  preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa. Essa finalidade legal, aliás, embasa a substituição da antiga ordem falimentar pela presente, do que é demonstração inequívoca o artigo 140 e seguintes da Lei 11.101/05, criando mecanismos para preservação da empresa e, assim, manutenção de sua função social.

 

Não é mais concebível depois de toda reformulação sofrida pelo sistema jurídico brasileiro, especialmente as mudanças operadas no sistema falimentar, a permanência de um instituto ultrapassado, arraigado ao pragmatismo civil. A autonomia privada passou a ser limitada em razão da função social dos contratos.

Mamede ( 2014, pag.327) ao defender a invalidade da cláusula assim dispõe:

[...] esse mote serve, inclusive, para compreensão da sujeição de todos os credores (aqui tomados em sentido amplo, ou seja, todos os que tem direito á prestações jurídicas do falido) á massa falida e ao processo falimentar, a partir da decretação de quebra( artigo 115 da Lei 11.101/05).

Na falência tem-se um número limitado de recursos que são insuficientes para atender a todos os credores. Atribuir validade à cláusula resolutiva, implica em subverter a ordem de realização dos ativos, privilegiando a autonomia privada, ao retirar da massa bens que atenderia á coletividade de credores.

Em razão dessa limitação de recursos, é que quando da decretação da falência, abre-se o juízo universal, que consiste na atração de todos os créditos, é o que se denomina de vis atracitiva, de modo que todas as execuções se deem de forma coletiva.

Mamede (2014, pag.7) com atenção à função social da empresa, defende a necessidade de todos os credores se submeterem ao juízo universal:

É preciso ordenar a apuração do patrimônio ativo do insolvente ( o quantum total de seus bens), levantar corretamente o seu patrimônio passivo (o valor efetivo de suas dívidas) e, enfim, distribuir o montante arrecadado com a alienação dos bens, segundo dois critérios distintos: ( 1°) o interesse em que certos créditos, por sua natureza, sejam satisfeitos preferencialmente, em desproveito de outros que, por sua natureza, tem menor relevância social e econômica; e (2°) garantir que todos os credores, titulares de faculdade de mesma natureza, sejam tratados em igualdade de condições, opção jurídica que se identifica com o princípio da par conditio creditorum, ou seja, principio do tratamento dos credores em igualdade de condições.

Nesse sentido não se justifica execuções individuais em face da massa, daqueles que se valeram da cláusula. Todos os credores e inclusive o devedor, deverão se sujeitar à ordem de preferencia contida na Lei. 11.101/05.

Os efeitos da cláusula resolutiva na falência são devastadores, privando a empresa de bens ou serviços primordiais ao seu funcionamento, em decorrência da resolução do contrato, negando à massa falida a possibilidade de proceder a alienação em blocos, o que frustra o principio insculpido no artigo 75 da Lei de Falências, qual seja a maximização  dos ativos.

Na recuperação os efeitos da resolução de determinados contratos, é sem risco de incorrer em exageros, a causa de insucesso do soerguimento da empresa, por tanto não se justifica a validade da cláusula resolutiva.

 

5  CONCLUSÃO

Conforme o analisado e tendo como base o espírito da nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, é o de preservação da atividade produtiva e efetivação de sua função social, seja por meio da recuperação da empresa viável, seja por meio da manutenção dos ativos empresariais, em razão da venda em blocos na fase de liquidação, quando se mostre inviável a recuperação.

 

Ocorre que a previsão de cláusula resolutiva expressa, atenta contra esse novo paradigma de Estado Democrático de Direito, que tem como fim precípuo o interesse coletivo, e para tanto, a função social dos contratos apresenta-se como limite à autonomia privada, que não raras vezes causa desequilíbrios.

 

Inconcebível na ordem jurídica vigente, a confecção de contratos levando-se em conta tão somente, interesses particulares, não nega-se a liberdade de contratar, o que se defende é que essa liberdade só será legitima quando não prejudicar  os interesses da coletividade.

 

Estabelecido o regime concursal, são necessárias regras destinadas ao reequilíbrio de situações conflitantes de poder negocial, de maneira a respeitar que credores com menor poder de negociação, não sejam tolhidos da possibilidade de recebimento de seu crédito ou ainda a frustação da possibilidade de soerguimento da empresa viável, em razão de interesses de credores acobertados pela cláusula resolutiva expressa.

 

A ocorrência persistente da cláusula resolutiva nos contratos empresariais, atenta contra todo o sistema falimentar, violando a ordem de recebimento dos créditos. Nega paridade de tratamento entre os credores, sendo possível a um credor do último grau da escala de recebimento, ser satisfeito antes mesmo das verbas trabalhistas, que tem natureza alimentar.

 

A cláusula resolutiva deve por fim ser considerada ilegal, conforme tenta fraudar o artigo 117 da Lei 11.101/2005, onde estabelece que os contratos bilaterais não se resolvem com a falência, somado ao artigo 115 da mesma Lei, no qual se depreende a obrigatoriedade de todos os  credores exercerem seus direitos na forma que aquela Lei prescrever.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Amador Paes de Almeida. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 27.ed. São Paulo: Saraiva,2014. 432pag.

 

ASSUMPÇÃO, ALEXANDRE F. Da funcionalidade e limitações do pedido de restituição ordinária e sua aplicabilidade aos contratos na falência: uma análise da ineficácia da cláusula resolutiva expressa. Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 2, p. 263-301, mai./ago. 2013

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercia, volume 3: direito de empresa. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Lei de Falências e Recuperação de Empresas, volume 3: direito de empresa. 06. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 5.ed.São Paulo:Atlas,2010.

 

HOSTALÁCIO, Freitas. A validade ou não da cláusula expressa de resolução de contrato bilateral em caso de decretação de falência ou do deferimento da recuperação do devedor. 2001. 130 f. Tese (Mestrando em Direito) – Faculdade de Direito Milton Campos, São Paulo.

 

KIRSCHBAUM, Débora. Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais: uma análise econômico-jurídica. S.l. Revista Direito GV. V.2 n.1, p. 37-54, jan-jun2006, 2006.

 

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: Teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2010. (Coleção Direito Empresarial Brasileiro, Vol. 5).

 

 

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: Falência e Recuperação de Empresas. São Paulo: Atlas, 2014. (Coleção Direito Empresarial Brasileiro, Vol. 4).

 



[1] Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Pitágoras de Teixeira de Freitas.

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