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Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade ?


Autoria:

Dalvan Charbaje Colen


Advogado, Economista e Escritor.

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Resumo:

O tema proposto é enunciado da súmula 301 do STJ, aparentemente, procura ater-se à formação de prova, no campo processual, mas suas conseqüências vão além, atingindo o direito material e tornando tabula rasa a evolução antes demonstrada.

Texto enviado ao JurisWay em 07/09/2013.



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      O tema proposto é enunciado da súmula 301 do STJ, aparentemente, procura ater-se à formação de prova, no campo processual, mas suas conseqüências vão além, atingindo o direito material e tornando tabula rasa a evolução antes demonstrada. Parte do lamentável equívoco de que paternidade biológica é a única que importa, desconsiderando a mudança de paradigmas que se operou no direito brasileiro, em total desconhecimento de sua natureza socioafetiva. Se o exame de DNA concluir que A é genitor de B então a paternidade estaria definida. Por outro lado, induz o réu a produzir prova contra si mesmo, invertendo um princípio que resultou da evolução do direito e da emancipação do homem. Confunde investigação da paternidade com o direito da personalidade de conhecimento da origem genética. Cria desnecessariamente mais uma presunção no direito de família: a da confissão ficta ou da paternidade não provada. Não faz referência às demais provas indiciárias, que contribuam para o convencimento do juiz. Não ressalva o estado de filiação já constituído, cuja história de vida é desfeita em razão da presunção de paternidade biológica.  

      Outro notável equívoco é a identificação subjacente à súmula, constantemente referida em seus precedentes, da verdade real na verdade biológica. Mas a verdade social da paternidade socioafetiva é tão real quanto a biológica, aferível por todos os meios de prova admitidos em direito. O paradigma do atual direito brasileiro é a paternidade de natureza socioafetiva, hipercomplexa e inclusiva, que pode ter origem biológica ou não biológica. A partir desse paradigma é que se deve pesquisar a verdade real, que pode ser diferente da que a origem genética indica (adoção, inseminação artificial heteróloga e posse de estado de filiação).  

      A Súmula indiretamente contradiz a orientação assentada no Supremo Tribunal Federal no HC 71.373/RS, de 1996, no sentido de que ninguém pode ser obrigado a submeter-se a exame de DNA, pois tal ato violaria garantias constitucionais explícitas e implícitas, a saber, “preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta da obrigação de fazer”. Ao impor, como resultado da recusa ao exame de DNA, a conseqüência da paternidade presumida, na ordem prática das coisas, viola todas as garantias preservadas pelo STF. Para não sofrer tais conseqüências, o réu terá de se submeter ao exame. 

      A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no registro civil, determina o art. 1.603 do Código Civil. O registro pode conter a filiação biológica ou a filiação não biológica. Não se exige que o declarante faça qualquer prova biológica; basta sua declaração. A declaração, como qualquer outra, poderá estar viciada por erro ou por falsidade. Mas não haverá erro ou falsidade da declaração para registro de filiação oriundo de posse de estado, consolidado na convivência familiar.  

4. Os precedentes da Súmula 301 

      A Súmula 301 faz referência a sete precedentes, com respectivos anos das decisões do STJ: AGA 498.398-MG (2003), RESP 55.958-RS (1999), RESP 135.361-MG (1998), RESP 141.689-AM (2000), RESP 256.161-DF (2001), RESP 409.285-PR (2002), RESP 460.302-PR (2003).

 

      O traço em comum encontrado nas decisões, com exceção da última referida, é a inexistência de pai registral (a criança apenas foi registrada com indicação da mãe), voltando-se as respectivas investigações de paternidade para imputa-la aos genitores biológicos. Como demonstraremos, a súmula seria aceitável se explicitasse sua aplicação a essa hipótese e desde que a presunção viesse conjugada à existência de provas indiciárias. A última decisão, todavia, demonstra que não é esse o seu alcance pretendido, pois resulta em desconsideração da paternidade socioafetiva. Passemos ao destaque dos pontos que interessam em cada uma das decisões. 

      No AGA 498.398-MG está dito que a recusa injustificada à realização do exame de DNA contribui para a presunção de veracidade. Ou seja, a recusa justificada afastaria a presunção e a presunção depende da existência de provas, pois apenas contribui. A decisão foi favorável, apesar de o agravante (réu) alegar que em nenhum momento o autor conseguiu “produzir indícios de provas de seu alegado direito”, o que em parte foi confirmado pelo relator do tribunal recorrido (“a provas dos autos é evidentemente frágil, pois os depoimentos testemunhais são contraditórios”). 

      No RESP 55.958-RS diz-se (ementa) que as decisões locais encontraram fundamento “em caudaloso conjunto probatório” e que a recusa ao exame de DNA induz presunção que milita contra a irresignação do investigado. Ora, se as provas são caudalosas qual a utilidade da presunção? 

      No RESP 135.361-MG constata-se que há “elementos suficientes de convicção sobre a paternidade imputada ao investigado”. Pela mesma razão da decisão anterior, qual a utilidade da presunção? Neste caso, o mais grave foi admitir-se a presunção, em virtude da recusa dos irmãos e herdeiros do investigado (falecido). A investigação de paternidade foi manejada para fins exclusivamente econômicos. 

      No RESP 141.689-AM foi decisivo para o julgamento favorável à investigação da paternidade o fato de o investigado ter recusado o exame por mais de dez vezes, pois seu relacionamento com a mãe do investigante foi ocasional, inexistindo outras provas indiciárias. Para fins de imputar a paternidade a alguém pouco importa a quantidade de recusa a submeter-se ao exame. 

      No RESP 256.161-DF invocou-se o “princípio da garantia da paternidade responsável” para fazer valer a presunção (maioria da Terceira Turma do STJ). Note-se que os votos vencidos, inclusive do relator originário, chamaram a atenção para o fato de que “não há provas de que a mãe da autora e o réu tenham mantido relações sexuais” e que o Tribunal só tem admito a “presunção negativa de realização do exame de DNA apenas quando as provas complementares do processos são no sentido da paternidade”.  

      No RESP 409.284-PR a Quarta Turma do STJ por unanimidade reconhece que “tal presunção não é absoluta, de modo que incorreto o despacho monocrático ao exceder seu alcance, afirmando que a negativa levaria o juízo de logo a presumir como verdadeiros os fatos, já que não há cega vinculação ao resultado do exame de DNA ou à sua recusa, que devem ser apreciados em conjunto com o contexto probatório global dos autos”. Essa advertência bem demonstra o risco que a orientação simplista extraída do enunciado da súmula pode levar.  

      Finalmente, o RESP 460.302-PR expande perigosamente o alcance dessa orientação, pois resultou em negativa da paternidade socioafetiva existente, para atingir fins meramente econômicos. Tratou-se de ação negatória de paternidade proposta pela viúva e filhos do autor da herança contra menor impúbere filho registral deste com outra mulher, sob alegação de não ser filho biológico, com o fito de determinar “a exclusão da certidão de nascimento do nome ali constante como pai, dos avós paternos e apelidos de família”. Essa violação à paternidade socioafetiva declarada pelo pai falecido junto ao registro público foi perpetrada sob argumento de constituir presunção desfavorável “a recusa da parte em submeter-se ao exame de DNA”. 

      Do conjunto dos precedentes, percebe-se que a súmula é totalmente inútil, equivocada em seus fundamentos e violadora de princípios constitucionais. Sob a sedução do progresso científico e da grande precisão do exame de DNA, parte-se de premissa falsa que contamina todo resultado e leva a decisões injustas, a saber, a de que toda paternidade seria biológica e esta seria a verdade real.   

5. Limites de aplicação da Súmula 301 

      Pelas razões aduzidas, melhor seria que essa súmula nunca tivesse sido editada. Por outro lado, as razões de sua edição, os limites e restrições a seu alcance que se encontram dispersos em seus precedentes referidos, tendem a não ser considerados na aplicação cotidiana do direito, ante a inclinação natural de render-se à simples literalidade do enunciado. Ainda que não tenha efeito vinculante, na prática judiciária a súmula do STJ funciona com a mesma força normativa de regra legal, para os aplicadores do direito, o que bem demonstra o risco de otimização de seus desvios e equívocos.  

      Todavia, enquanto essa súmula perdurar, dois grandes limites implícitos devem ser observados para sua adequada aplicação e interpretação em conformidade com a Constituição e o Código Civil: a) não pode resultar em negação de paternidade derivada de estado de filiação comprovadamente constituído; b) a presunção de paternidade, em ação investigatória quando haja apenas mãe registral, depende da existência de provas indiciárias consistentes, não podendo ser aplicada isoladamente.  

      A Súmula 301 restringe-se à investigação da paternidade; assim é incabível como fundamento de ação negatória ou de impugnação de paternidade. A investigação ou reconhecimento judicial da paternidade tem por objetivo assegurar pai a quem não o tem, ou seja, na hipótese de genitor biológico que se negou a assumir a paternidade. Portanto, é incabível nas hipóteses de existência de estados de filiação não biológica protegidos pelo direito: adoção, inseminação artificial heteróloga e posse de estado de filiação. É totalmente incabível para constituir paternidade desconstituindo a existente.  

      O Código Civil apenas admite duas hipóteses de impugnação da paternidade: uma, pelo marido (art. 1.601), outra, pelo filho contra o reconhecimento da filiação (art. 1.614). Não há, pois, fundamento legal para a espantosa disseminação de ações negatórias de paternidade, com intuito de substituí-la por suposta paternidade genética. Só o marido pode impugnar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, que não sejam biologicamente seus. Esse direito é de exercício exclusivo e imprescritível, mas desde que não se tenha constituído o estado de filiação na convivência familiar duradoura. A impugnação do reconhecimento de filiação é exercício exclusivo do filho, quando atingir a maioridade e desde que o faça dentro do prazo decadencial de quatro anos após esse evento. 

      A segunda grande limitação é a impossibilidade de utilização isolada da presunção, significando dizer que é apenas um dos elementos que formam o convencimento do juiz. Sem prova ou provas indiciárias convincentes, trazidas aos autos pelo autor, não pode o juiz aplicar a súmula 301. Os precedentes da súmula deixam claro tal requisito. Nos julgamentos posteriores à súmula, ao longo de 2005, o STJ tem restringido sua aplicação, como se vê no RESP 692.242-MG, cuja ementa enuncia que  

 

Apesar da Súmula 301/STJ ter feito referência à presunção juris tantum de paternidade na hipótese de recusa do investigado em se submeter ao exame de DNA, os precedentes jurisprudenciais que sustentaram o entendimento sumulado definem que esta circunstância não desonera o autor de comprovar, minimamente, por meio de provas indiciárias a existência de relacionamento íntimo entre a mãe e o suposto pai.  

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