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DIREITO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA E CONCESSÃO DE DIREITO REAL NO CC/02


Autoria:

Gabriel Brienza


Discente em Direito, pela Universidade Paulista, em São José dos Campos

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Resumo:

DIireito constituído pelo Poder Público ao particular, para que estabeleça residência ou utilize para fins de urbanização, para que seja atingida a função social da propriedade.

Texto enviado ao JurisWay em 24/11/2010.

Última edição/atualização em 29/11/2010.



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Instituído o direito especial para fins de moradia e a concessão de direito real de uso no atual Código Civil pela Lei 11.481 de 31 de maio de 2007, com intuito de dirimir os conflitos fundiários urbanos e, conforme dita o preâmbulo da própria norma, “prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União (...)”.

Os dois institutos são direitos reais, uma vez que estão insertos no art.1225, incisos XI e XII do CC/02, pois para serem constituídos dependem de registro no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição em que se encontrar o imóvel público e deste ato será gerado o direito especial para os fins de moradia e a concessão de uso.

O intuito da inclusão destes dispositivos na norma é dirimir os problemas fundiários do País, pois a Administração tem interesse em que a propriedade atinja a sua função social, que seja protegida da degradação e evite que a pessoa esteja desprotegida de um teto, sem poder constituir ou dar guarida à sua família, conforme dispõe o art.5º, XXIII, art.170, III e art.182, §2º todos da CF.

Não podemos equiparar o direito especial para fins de moradia com a habitação (arts. 1414 a 1416 do CC), apesar de serem muito semelhantes, pois este é um contrato da administração pública com o particular, e aquele interesse dos particulares. O mesmo se dá em relação a concessão de direito real de uso com o direito de superfície, previsto este último do art.1369 ao 1377 do CC/02, tendo em vista o caráter público de um e o particular de outro.

Os institutos originaram-se da Medida Provisória nº 2220, de 4 de setembro de 2001, que assim dispõe em seu art.1º: “Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural”.

Do referido dispositivo, encontramos também, a mesma colocação no art.9º da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), que assim dispõe: “Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até 250 m2 (duzentos e cinqüenta metros quadrados), por 5 (cinco) anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. É a mesma previsão do art.183 da CF.

Estes artigos nos trazem a idéia de usucapião especial urbana, onde o homem ou mulher, ou até mesmo a ambos será conferido o direito à propriedade, também resguardado pelo art.5º, caput da CF, em que protege o direito de propriedade, os quais são entendidos como sendo as características para aquisição do direito especial para fins de moradia.

Hely Lopes Meirelles (Meirelles, 2009, p.534) define a concessão de uso como sendo

 “um contrato administrativo pelo qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de um bem de seu domínio particular, para que o explore segundo sua destinação específica. (...) A concessão pode ser remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, mas deverá sempre ser precedida de autorização legal. Sua outorga não é nem discricionária nem precária, pois obedece a normas regulamentares e tem a estabilidade relativa dos contratos administrativos, gerando direito individuais e subjetivos para o concessionário, nos termos do ajuste”.

 

Já, quando trata especificamente da concessão especial de uso, Hely Lopes Meirelles (Meirelles, 2009, p.535,536) aduz ser

“um direito do possuidor, desde que provadas as condições previstas na lei. (...) Trata-se de um direito real sobre coisa alheia, mas direito real resolúvel. É transferível por ato inter vivos ou causa mortis, mas se extingue se o concessionário der ao imóvel destinação diversa de moradia, ou adquirir a propriedade de outro imóvel urbano ou rural”.

 

Pelo que o douto autor traz à tona, todo possuidor de imóvel até 250 m² em área urbana e que seja do Poder Público, que o detenha por 5 anos ininterruptamente e sem oposição, terá a direito especial à posse, devendo ser gravado o bem perante o Cartório de Registro de Imóveis. Mas, se a Administração goza de poder discricionário em sua atuação, a concessão deste direito é uma obrigação, após preenchidos todos os requisitos previstos na MP 2220/01?

Por certo que caberá ao Poder Público verificar a utilidade da ocupação do imóvel por parte do particular, se este será benéfico à Administração, sob o aspecto tributário e da função social que a propriedade deve atingir. Por ser concessão, deve ser feito o contrato de concessão, para que sejam definidas as obrigações daquele que deterá a posse.

Não há que se falar em usucapião deste imóvel público, conforme proibição do art.183, §3º da CF, havendo somente a prescrição aquisitiva deste direito no prazo de 5 anos de posse do imóvel urbano público, para fins da concessão do direito. Quanto à concessão especial aos imóveis rurais para fins de moradia, a lei é silente.

Já, em se tratando da concessão do direito de uso, por ter um fim mais econômico em relação ao direito especial para fins de habitação, não há porque não estender a hipótese a bens imóveis públicos rurais, pois a lei silencia a respeito também.

Quanto à tributação, existem julgados decidindo que o cessionário é instituição imune da incidência deste imposto, sendo então o concessionário também imune, conforme Acórdãos do STJ:

 

AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.207.082 – RJ (2009/0174836-3) – Relator Min. Hamilton Carvalhido (23/03/2010)

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IPTU. CONCESSÃO DE USO. RELAÇÃO DE DIREITO PESSOAL. CESSIONÁRIO NÃO É CONTRIBUINTE. IMÓVEL DA UNIÃO. IMUNIDADE. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. TRANSFERÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ.

“2. Nos casos de concessão de uso de bem imóvel, o particular cessionário não pode ser considerado contribuinte do IPTU, porque a posse sobre o imóvel é fundada em relação jurídica de direito pessoal, bem como porque a incidência do tributo, in casu, fica obstada, já que a União, proprietária do bem, goza de imunidade tributária, nos termos do artigo 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal”.

 

AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.121.332 – RJ (2009/0019737-0) – Relator Min. Humberto Martins (20/10/2009)

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL – IPTU – CONTRATO DE CONCESSÃO DE USO DE IMÓVEL PERTENCENTE À UNIÃO – RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA – IMUNIDADE – INAPLICABILIDADE DO ART.34 DO CTN.

 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o contribuinte do IPTU é o possuidor no concernente a uma relação de direito real, inexistindo na concessão de uso, contrato bilateral que é, configuração do ‘animus dominis’”.

 

Apesar de os dois julgados tratarem especificamente da concessão de uso, podemos ampliar o entendimento de que, por ser o direito concedido à habitação, o imposto não deve incidir também, tendo em vista a imunidade tributária de que goza à União, os Estados, o DF e os Municípios reciprocamente, em decorrência do art.150, inciso VI, alínea “a” da CF e art.9º, inciso IV, alínea “a” do CTN.

Tal impedimento de tributação sobre estes imóveis, gravados com o direito especial para fins de habitação, traz uma flexibilidade do Poder Público em deixar que utilizem do seu imóvel e que não arquem com as dívidas tributárias, fazendo com que sejam menores as obrigações de quem naquele bem faz seu uso. No que se refere a concessão de uso, a não tributação ainda poderia ser discutida, uma vez que, se voltado à pessoa que faz uso como empresa deste bem, traz outra fonte de tributação sobre a sua produção e circulação de mercadorias, servindo inclusive esta imunidade de incentivo fiscal.

A MP nº 2220/01, fala em imóveis da União, mas não vejo impedimento de que imóveis dos Estados, DF e Municípios possam ser alvos da concessão do direito especial para fins de moradia e concessão de uso, pois em ambos os casos, preenchidos os requisitos que a lei prevê, caberá a Administração gravar o seu imóvel, mediante a assinatura do instrumento de contrato de concessão.

Para ambos os casos, é possível a concessão coletiva, conforme escreve Regnoberto Marques de Melo Jr., (Concessão de uso...,2002):

"a outorga coletiva de concessão de uso especial individua a fração ideal, não superior a 250 metros quadrados, outorgada a cada possuidor, pessoa física ou sua família (MP nº 2.220, art. 2º, §§ 2º e 3º). A individualização pode ser atribuída unilateralmente, pelo poder público, ou, voluntariamente, mediante acordo escrito entre os ocupantes, homologados afinal pelo Poder concedente".

Kiyoshi Harada (As Concessões..., Teresina: 2001) assim leciona, sobre a ocupação coletiva:

“Na hipótese em que a ocupação for coletiva, por população de baixa renda, e abranger área superior a duzentos e cinqüenta metros quadrados, não sendo possível a identificação dos terrenos ocupados pelo possuidor, a concessão será conferida de forma coletiva (art. 2º). É uma das formas de "legalização" de favelas e cortiços”.

Segundo a MP nº 2220, em seu art.2º, §3º, traz o ditame de que este direito pode ser transferido mediante a sucessão, desde que o mesmo já resida no imóvel quando da abertura da sucessão.

Evidencia-se ai um problema quando trata a norma da possibilidade de transmissão, vez em que este contrato de concessão deveria ter caráter personalíssimo ou termo, pois este direito pode se estender por várias gerações. Contudo, nada obsta, fundada no interesse público sobre o privado, de a Administração Pública retirar a concessão.

Esses direito podem recair sobre os bens de uso comum do povo, destinados aos projetos de urbanização, de interesse da defesa nacional, de preservação ambiental e dos ecossistemas naturais, aqueles reservados à construção de represas e obras congêneres e, naqueles situados em via de comunicação, porém o Poder Público terá de destinar um outro local para que seja exercido este direito, conforme dispõe o art.5º da MP 2220/01.

Uma outra situação que, a meu ver, se trata de uma fragilidade legislativa, é a possibilidade de hipoteca dos bens públicos (art.1473, VIII e IX do CC/02) que são objeto da concessão de direito especial para fins de moradia e de uso, o que acarreta uma insegurança ao credor hipotecário, tendo-se em vista que o bem não é de propriedade do concessionário, pois este apenas detém a posse do bem para fim específico, não para garantir a sua solvência, como servem os bens de domínio particular.

Ainda para complementar, o §2º do art.1473 do CC/02, limita a hipoteca à duração da concessão, no caso de período determinado.

Ora, como pode a lei autorizar que um concessionário hipoteque um bem que não é seu, ainda mais sendo um bem público? E se a dívida, garantida pela hipoteca, não for adimplida? O direito ao uso deste bem será transferido ao credor hipotecário, uma vez que este bem não será alienado, dada a sua característica de inalienabilidade?

Por óbvio que detém estes direitos a característica de serem personalíssimos, e os bens imóveis serem inalienáveis, entendo ser os incisos VIII e IX, do art.1473 do CC/02 controversos entre si, pois conflitam com o art.100 do mesmo diploma legal, uma vez que a lei não dispõe sobre ser o bem dominical sujeito aos direitos de concessão tratados, mas ao contrário, podem ser concedidos os direitos sobre qualquer bem público, exceto para aquele que os fins sejam de moradia, limitado a 250 m².

Kiyoshi Harada, em artigo publicado na internet, fala a respeito da MP 2220/01:

 

“Essa Medida Provisória, flagrantemente inconstitucional, por dispor de bens pertencentes a outros entes da Federação e com total prescindência das leis da entidade política competente, na verdade, premia quem invadiu os imóveis públicos de uso comum do povo, ou, as áreas de mananciais ou de preservação ambiental etc.”.

E, o mesmo autor complementa:

“Em que pese a boa intenção do legislador palaciano a crise que infelicita os moradores em condições subnormais não pode e nem deve ser debelada à custa de arranhadas na ordem jurídica que, amanhã, poderão causar o seu rompimento. Por mais nobre que seja a intenção do legislador, temos para nós que proteger aquele que comete atentados à ordem pública (esbulho de bens públicos ou invasão de áreas de mananciais, destinadas ao abastecimento de águas para a população em geral, etc.) não se harmoniza com a noção de direito. Faz com que o honesto, o probo se sinta marginalizado pelos Poderes Públicos com todas as conseqüências daí advindas”.

Houve, de fato, uma intenção quase altruística do legislador em permitir que os posseiros de áreas públicas sejam beneficiados com a proteção jurídica da propriedade, pois estes dão função social à propriedade. Mas isto só não basta. Isto é suficiente para incentivar ações de invasão de áreas públicas, onde se estabelecerão aguardando a declaração do direito especial de uso, e em outros casos, a concessão do direito de uso.

Apesar de ser um meio que o legislador, de forma apressada e em pontos desastrada, pretendeu fazer com que a posse irregular fosse regularizada, e que famílias tivessem local para sua habitação. Contudo, isto trará uma situação de dependência daqueles que fazem a utilização do bem público para fins de moradia.

De outro lado, se analisarmos a figura da concessão do direito real de uso para fins econômicos, com vistas à finalidade social, de gerar empregos, renda por meio de tributos, estes gerados pela circulação de mercadorias, produção, aumento da produção nacional, entre outras conseqüências, foi assertiva a pretensão do legislador, mas este depende do contrato administrativo, vinculando à atividade do concessionário às regras contratuais, sob pena de perder a concessão.

Dentre os erros e acertos legislativos, devemos nos ater aquilo que melhor foi proposto pela legislação, conjugando-os com outras normas e princípios, com o escopo de atingirem a sua verdadeira função social.

Referências Bibliográficas:

 

HARADA, Kiyoshi. Concessão de uso especial de imóvel urbano. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: .

 

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros: São Paulo, 2009 – 35ª ed.

 

MELO JR., Regnoberto Marques de. Concessão de uso especial para fins de moradia. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em:

 

 

 

 

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