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Foucault e a autocracia: uma análise discursiva


Autoria:

Marcos Antonio Duarte Silva


Doutorando em Ciências Criminais,Mestre em Filosofia do Direito e do Estado(PUC/SP), Especialista em Direito Penal e Processo Penal(Mackenzie), Licenciatura em Filosofia (andamento), Especialização em Filosofia Moderna (em andamento); Especialização em Pedagogia e Filasofia (em andamento), formado em Direito, Professor Universitário, Professor de Pós Graduação; Pesquisador da PUC/SP e da CNPq.

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Resumo:

O presente trabalho tem como cerne os aspectos ideológicos apresentados no filme "A onda". Por meio deste, visualizamos os conceitos significativos de Michel Foucault, bem como percepções às questões discursivas pertinentes à temática estabelece.

Texto enviado ao JurisWay em 23/07/2013.

Última edição/atualização em 02/08/2013.



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Foucault e a autocracia: uma análise discursiva*

 

*Autora do texto: Monaliza Soares Peres de Oliveira, formada em Letras, especialista em Administração escolar, coordenadora pedagógica do Colégio Nova Geração- Sistema Poliedro de Ensino, aluna do curso de Direito no Centro Universitário Módulo.

 

Resumo: O presente trabalho tem como cerne os aspectos ideológicos apresentados no filme “A onda” (2002). Por meio deste, visualizamos os conceitos significativos de Michel Foucault, bem como percepções às questões discursivas pertinentes à temática estabelecida.

Palavras chaves: discurso, controle,  disciplina

Abstract: This research has an important aspect of the ideologies present in the movie “The wave”. With it, we see the main concepts of Michel Foucault, also the perceptions about the speech and the main point of this study.                                

Keywords: speech, control, discipline

Sumário: Introdução; 1- A onda e a análise discursiva; 2-Foucault e o Panoptismo; 3- A autocracia e a constituição ideológica; 4- A teoria do verbo; 5- Conclusão

Introdução

O presente artigo tem como base relevante os estudos de Michel Foucault a fim de acrescer o que se tem de análise discursiva no cabedal bibliográfico. Entendemos ainda que os estudos de Foucault sirvam como fonte quista ao desvendar do discurso do regime autocrata presente no filme “A onda” (2002). Para isto, salientamos as teorias foucaultianas disponibilizadas e adentramos as questões de ordens sociológicas.

Não nos coube aqui, refazer o processo histórico, entretanto, foca nossos estudos no empirismo referenciado e colocamo-nos a entender o processo coercitivo em sua íntegra, bem como todas as nuances do cabedal discursivo.

1- A onda e a análise discursiva

 A ideologia autocrata encontrada no filme, A onda, é consolidada por meio da prática discursiva empregada pelo professor Rainer Wenger. Nela, se estabelecem condutas provenientes de uma cultura fascista. A impregnação de tal ideologia instala-se por meio de um discurso propositalmente controlado. No que tange o discurso, Foucault estabelece:

O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar, sustentadas por um sistema de instituições que se impõem e se reconduzem. Foucault,  A ordem do discurso, 1994, p.10.

É por meio desta produção discursiva que uma voz controladora se organiza e se redistribui. A esta produção, Foucault determina o processo de rarefação, que se faz, por meio da vontade da verdade.

(...) essa vontade de verdade, como os outros sistemas de exclusão, apoia-se sobre um suporte institucional: é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por todo um compacto conjunto de práticas como a pedagogia, é claro (...). Foucault: 1994, p.10.

            Nota-se na figura hierárquica de Wenger, a interdição, procedimento de exclusão crescente, estabelecido por meio da coletividade. Uma vez que, seus alunos desenvolvem uma postura sentenciosa (uniformidade, reconhecimento de líderes, condutas fechadas).

Sob estes aspectos, o detentor de uma postura que inicialmente poderia ser revertida é Wenger. Posto que seu aspecto didático exteriorizou de forma insatisfatória as condutas posteriores de seus alunos.

São factuais também, os aspectos históricos como sítio, pós-guerra e/ou pretensões políticas, todavia, não entraremos no mérito histórico, mas sim sociológico.

Retomemos sob a ótica de Foucault o que tange a representação como aspecto discursivo:

Mas, seguindo a rede arqueológica, que confere suas leis ao pensamento clássico, vê-se bem que a natureza humana se aloja nesse tênue extravasamento da representação que lhe permite se reapresentar (toda a natureza humana está aí: apenas estreitada ao exterior da representação para que se apresente de novo, no espaço branco que separa a presença da representação e o “re”de sua repetição); e que a natureza não é mais do que o inapreensível tumulto da representação que faz com que a semelhança seja aí sensível antes que a ordem das identidades seja visível. Natureza e natureza humana permitem, na configuração geral da epistémê, o ajustamento da semelhança e da imaginação, que funda e tornam possíveis todas as ciências empíricas da ordem. Foucault, As palavras e as coisas, 2000, p.88

Observa-se que o poder de persuasão cabível ao docente, faz valer a capacidade humana de se apropriar do que lhes é válido, ou seja, representar o que lhes é ideológico, submetendo toda uma coletividade, e/ou uma seres sociais (discentes), a uma situação de desconforto ou até mesmo solidificada por uma hostilidade ímpar.

Entende-se por hostilidade o determinismo insatisfatório. Segundo Foucault é por meio da interdição que se consolida o fato de não se ter o direito de dizer tudo.

A disciplina é um princípio de controle da produção do discurso. Ela lhe fixa os limites para o jogo de uma identidade que tem a forma para a reatualização permanente das regras. Tem-se o hábito de ver na fecundidade de um autor, na multiplicidade dos comentários, no desenvolvimento de uma disciplina, como que recursos infinitos para a criação dos discursos. Pode ser, mas não deixam de ser, princípios de coerção, e é provável que não se possa explicar seu papel positivo e multiplicador, se não se levar em consideração sua função restritiva e coercitiva. Foucault: 1994, p.10.

 É evidente a peculiaridade da coercitividade estabelecida pelos próprios alunos. O discurso coletivo ganha proporções irreversíveis. O auge do filme aplica-se ao fato do suicídio de um dos alunos e da prisão de Wenger encontrar-se no desfecho, colocado, portanto, em foco sensacionalista. Ou seja, faz-se notória a complexidade da intransponibilidade cerrada ali. Entende-se por sensacionalismo, o cenário que transpõe às sensações.

Segundo Foucault, a disciplina se formula por meio de proporções difusa e descontínua. Uma simples verdade não deve se postular, ou seja, uma análise maximizada, complexa e desenvolta deve se estabelecer. A esta rarefação, Foucault denomina o Princípio da Especificidade.

Nota-se ainda que o espaço ao qual se instala  a disciplina coercitiva é a escola.

 Segundo Foucault, os espaços dispostos a disciplinarização denominam-se localização funcional:

 

A regra das localizações funcionais vai pouco a pouco, nas instituições disciplinares, codificar um espaço que a arquitetura deixava geralmente livre e pronto para vários usos. Lugares determinados se definem para satisfazer não só à necessidade de vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil. Foucault,  Vigiar e punir, 1999, p.170

 

            Há de se reproduzir a concepção foucaultiana acerca de dada localização:

                                    A disciplina às vezes exige a cerca, a especificação de um local heterogêneo a todos os outros e fechado em si mesmo. Local protegido da monotonia disciplinar. Houve o grande “encarceramento” dos vagabundos e dos miseráveis; houve outros mais discretos, mas insidiosos e eficientes. Colégios: o modelo do convento se impõe pouco a pouco; o internato aparece como o regime de educação senão o mais freqüente, pelo menos o mais perfeito; torna-se obrigatório em Louis-le-Grand quando, depois da partida dos jesuítas, fez-se um colégio-modelo. Foucault, Vigiar e punir, 1999, p.168

 

Uma vez estabelecida à localização, o espaço disciplinar ocorre de maneira muito mais flexível e mais fina. E em primeiro lugar, segundo o princípio da localização imediata ou do quadriculamento, cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar, um indivíduo. Evitar as distribuições por grupos; decompor as implantações coletivas; analisar as pluralidades confusas, maciças ou fugidias.

O espaço disciplinar tende a se dividir em tantas parcelas quando corpos ou elementos há a repartir.

Segundo Foucault, no que confere à fundamentação comportamental do indivíduo “dominado”, cabe aqui fomentarmos:

 

Importa estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis, interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos. Procedimento, portanto, para conhecer, dominar e utilizar. A disciplina organiza um espaço analítico. Foucault, Vigiar e punir, 1999, p.169

 

2 - Foucault e o Panoptismo

Como forma de controle social e implantação de uma ideologia, cabem aqui, salientarmos tal estrutura organizacional de controle, transcrita por Foucault como Panoptismo, (Panóptico de Bentham):

Daí o efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade de seu exercício; que esse aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder independente daquele que o exerce; enfim, que os detentos se encontrem presos numa situação de poder de que eles mesmos são os portadores. Para isso, é ao mesmo tempo excessivo e muito pouco que o prisioneiro seja observado sem cessar por um vigia: muito pouco, pois o essencial é que ele se saiba vigiado; excessivo, porque ele não tem necessidade de sê-lo efetivamente. Foucault, Vigiar e punir, 1999, p.223

 

Por meio da análise do panoptismo, figura ainda a disposição coercitiva. os alunos de Rainer Wenger conscientemente, desenvolvem papéis ideológicos que ganham força mediante a localização do regramento, essencialmente, a escola. Cabendo ainda, analisarmos como se assegura o contrato de poder.

Foucault defende a concepção de que um contrato de poder, na qual indivíduos se fazem operadores de uma ideologia, ocorrendo então o funcionamento automático do poder:

 

A eficácia do poder, sua força limitadora, passou, de algum modo, para o outro lado — para o lado de sua superfície de aplicação. Quem está submetido a um campo de visibilidade, e sabe disso, retoma por sua conta as limitações do poder; fá-las funcionar espontaneamente sobre si mesmo; inscreve em si a relação de poder na qual ele desempenha simultaneamente os dois papéis; torna-se o princípio de sua própria sujeição. Em consequência disso mesmo o poder externo, por seu lado, pode-se aliviar de seus fardos físicos. Foucault, Vigiar e punir, 1999, p.226

 

Foucault estabelece o Panoptismo, como figura arquitetural do cenário estabelecido a estrutura do filme. Segundo o filósofo, o discurso é sustentado por meio da  questão Panóptica. Logo temos a seguinte ótica.

O efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade de seu exercício; que esse aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder independente daquele que o exerce. Foucault, Vigiar e punir, 1999, p.224-225

 

            Contudo, torna-se relevante levantarmos a questão do espaço consolidado tanto no filme, quanto na obra Vigiar e punir, pois segundo o autor, por meio da localização da integridade de vigia, se faz a coação, o aspecto grandioso a ser delimitado.

Jaulas, torres, vigias, cela e disciplina são fundamentais nesta arquitetura. No quesito, ambientação do filme, as jaulas, torres e celas são representadas por todo o disciplinar coletivo, aos quais os não inseridos não têm voz alguma de manifestação.

            Uma vez estabelecida a questão Panóptica ao qual Foucault se apropria, enfrentamos o discurso coercitivo aos quais os alunos pertencentes ao grupo A onda, se instauram.

 

Nas escolas elementares, a divisão do tempo torna-se cada vez mais esmiuçante; as atividades são cercadas o mais possível por ordens a que se tem que responder imediatamente: À última pancada do relógio, um aluno baterá o sino, e, ao primeiro toque, todos os alunos se porão de joelhos, com os braços cruzados e os olhos baixos. Terminada a oração, o professor dará um sinal para os alunos se levantarem, um segundo para saudarem Cristo, e o terceiro para se sentarem. Foucault,  Vigiar e punir, 1999, p.176

 

            Na citação acima Foucault descreve um cenário disciplinador recorrente do sistema arquitetônico estabelecido no Panoptismo. Ricamente análogo a ambientação do filme, devido as circunstâncias passíveis de pouco interferência de um discurso que não seja o próprio discurso autocrata.

Ainda assim, Foucault em suas proposições favorece-nos:

 

Em todos os lados, a loucura fascina o homem. As imagens fantásticas que ela faz surgir não são aparências fugidias que logo desaparecem da superfície das coisas. Por um estranho paradoxo, aquilo que nasce do mais singular delírio já estava oculto, como um segredo, como uma inacessível verdade, nas entranhas da terra. Quando o homem desdobra o arbitrário de sua loucura, encontra a sombria necessidade do mundo (...). Foucault, A história da loucura na idade clássica. 2009, p.27

Nota-se que o fascínio estabelecido por conta da ideologia impregnada ao grupo, torna a efetividade da autocracia distinta e aparente ao longo do filme. Contudo, é por meio deste delírio coletivo, que a expressão de uma crença fanática se excede, tornando o enredo ainda mais expressivo.

3- A autocracia e a constituição ideológica

Uma questão em análise é do advindo autocrático em questão. Sob a concepção foucaultiana, determinou-se a disciplina como forma de poder e exaltação ideológica.

Fustel de Coulanges, em sua obra “A Cidade Antiga” dispõe uma questão notória no que diz respeito à estrutura e constituição das cidades.

O que focamos como análise significativa é a discrepância entre ideologia autocrática e ideologia aristocrática, como se vê:

Aristocracia baseava-se ao mesmo tempo no nascimento e                                                                         na religião. Tinha o seu princípio na constituição religiosa das famílias. A origem de onde derivava eram aquelas mesmas regras que observamos mais acima no culto doméstico e no direito privado, ou seja a lei de hereditariedade da lareira, o privilégio do primogênito, o direito de recitar a prece ligado ao nascimento. A religião hereditária era o título dessa aristocracia à dominação absoluta. Ela lhe dava direitos que pareciam sagrados.  Coulanges, “A cidade antiga”, 2009, p.265.

 

   Em termos de autocracia distinguimos o processo de ideologia como constituição de uma religião, pois se estabelece que o processo de dominação e intitulação da autarquia, são sustentadas por um sistema de instituições que se impõem e se reconduzem. Logo, a contribuição de Coulanges se efetiva por intitular a forma de poder, no caso, autocrática como ele categoriza, forma de dominação absoluta.

             Coulanges contribui ainda com o paradoxo bíblico seguinte:

 

Desde o início, chamara a si a humanidade inteira. Jesus Cristo dizia a seus discípulos: “Ide e ensinai a todos os povos.”Esse princípio era tão extraordinário e tão inesperado que os primeiros discípulos tiveram um momento de hesitação; pode-se ver nos Atos dos Apóstolos que muitos deles se recusaram a princípio a propagar a nova doutrina fora do povo no qual nascera. Seus discípulos pensavam, como os antigos judeus, que o Deus dos judeus não queria ser adorado por estrangeiros; como os romanos e os gregos dos tempos anteriores, eles acreditavam que cada raça tinha seu deus, que propagar o nome e o culto desse deus era o mesmo que privar-se de um bem próprio e de um protetor especial, e que tal propaganda era ao mesmo tempo contrária ao interesse e ao dever. Mas Pedro replicou a seus discípulos: “Deus não faz diferenças entre os gentios e nós.” — São Paulo gostava de repetir esse grande princípio em todas as ocasiões e sob todas as formas: “Deus — diz ele — abre aos gentios as portas da fé. Não será ele Deus senão dos judeus? Não, certamente, pois o é também dos gentios... Os gentios são chamados à mesma herança que os judeus.” Havia em tudo isso algo de muito novo, porque em toda parte, desde os primeiros tempos da humanidade, concebera-se a divindade como ligada especialmente a uma raça. Coulanges, “A cidade antiga”, 2009, p.352-353.

 

               Sob a ótica de Coulanges, o reconhecimento do líder, bem como a ostentação da carga ideológica, impõe ao grupo, aspectos de uma persuasão eficaz. A questão do regramento dar-se-á por conta da expressão mútua e não unitária (estas, dignas do líder). Integrado ao filme, sob o aspecto gradual do discurso de Wenger, essa submissão ocorre concretamente quando um de seus alunos se suicida.

                O ser coletivo, conferido ao adolescente, faz-se inter-pessoal apenas ao âmbito social, portanto, para se inserir ao grupo e ter sua posição firmada perante eles, tem-se que se submeter ao que lhes é imposto. Sendo também o caráter reflexivo inexistente, ou pouco importante.

               Uma referência significativa para o entendimento de como se procede  a efetividade de uma ideologia encontra-se no filósofo Merleau Ponty, como vemos:

Toda expressão é perfeita na medida em que é compreendida sem equivoco, e admitamos como fato fundamental da expressão um ultrapassamento do significante pelo significado, possível pela própria virtude do significante. Esse ato de expressão, essa junção, pela transcedência do sentido linguístico da palavra e da significação por ela visada, não é, para nós, sujeitos falantes, uma operação segunda a que recorreríamos apenas para comunicar a outrem nossos pensamentos, mas é a tomada de posse das significações por nós, sua aquisição. Sem isto, elas permanecem presentes para nós apenas surdamente. Ponty, “Textos Selecionados” 1980, p.134.

 

Ponty remete-se a delimitação da expressão, no que tange aos signos linguísticos. Para ele os significados um a um nada acrescem. Seus termos só surgem pelas diferenças sem termos ou mais exatamente seus termos só surgem pelas diferenças que apresentam entre si.

 No filme em questão, a concepção do fascismo e/ou da idealização da autocracia, a figura hierárquica de Wenger, dispõe de uma parcela ímpar de coerção e manipulação.

Para Maurice Merleau-Ponty a questão fenomenológica do ser humano, adentra à intitulação de significação,  a  estrutura, de junção de uma ideia e uma existência indiscernível, que confere aos materiais um sentido, a "inteligibilidade em estado nascente". Segundo ele, o mundo humano é um "intermundo", no qual a transcendência dos outros seres humanos é mais "resistente" que a dos objetos, porque os outros são consciência e liberdade. Para os outros, somos "pedaços de mundo", e a relação entre as consciências e a relação dialética do senhor e do escravo.

 Análogas a esta concepção, adentram ao espaço hostil consolidado no filme. Fez-se notória a integridade dos componentes do grupo em relação aos demais estudantes da escola.

O ininteligível aspecto da segregação ou do prazer fascista desumano de nada é cogitado em nenhuma sentença do filme, entretanto, é por meio do desfecho, ou seja, do suicídio de um dos estudantes e da prisão de Wenger, que se efetivou a consolidação da ineficácia do discurso.

Para tanto, Ponty salienta:

A fenomenologia se distingue da linguística  apenas como a psicologia se distingue da ciência da linguagem: a fenomenologia acrescentaria a experiência da língua em  nós ao conhecimento da língua, como a pedagogia acrescenta ao conhecimento dos conceitos matemáticos a experiência do que se tornam no espírito daqueles que os aprendem. Assim sendo, a experiência da palavra nada teria para nos ensinar sobre o ser da linguagem, não teria alcance ontológico. Ponty, “Textos Selecionados” 1980, p.131.

Ponty contribui à questão fenomenológica ao inserir a significação contextual à ideologia visada. Segundo ele, o processo de conhecimento da língua tem sua relevância firmada por meio do seu pragmatismo. O que nos remete ao processo também firmado entre os alunos de Wenger, ora colocando em prática o que lhes é ensinado, ora fomentando toda a ideologia por si só representada pelo regime.

Ainda assim, Ponty relata:

Ideia difícil, pois o bom-senso replica que, se p termo A e o termo B não tivessem sentido algum, não se vê como haveria contraste de sentido entre eles, e se a comunicação deveras passasse do todo da língua falada para o todo da língua ouvida, seria preciso saber-se a língua para aprendê-la (...). Ponty, “Textos Selecionados” 1980, p.141.

Condutas fechadas, intransponíveis, categorizam o aspecto de dominação. Sob tal ótica, Foucault delimita:

Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação. Diferentes da escravidão, pois não se fundamentam numa relação de apropriação dos corpos; é até a elegância da disciplina dispensar essa relação custosa e violenta obtendo efeitos de utilidade pelo menos igualmente grandes. Diferentes também da domesticidade, que é uma relação de dominação constante, global, maciça, não analítica, ilimitada e estabelecida sob a forma da vontade singular do patrão, seu “capricho”. Diferentes da vassalidade que é uma relação de submissão altamente codificada, mas longínqua e que se realiza menos sobre as operações do corpo que sobre os produtos do trabalho e as marcas rituais da obediência. Foucault,  Vigiar e punir, 1999, p.164.

 

 

            Foucault estabelece a questão da dominação como ele mesmo determina um ritual de obediência. No filme, este, se consolida pelos próprios alunos que grupalmente, definem movimentos sociológicos que solidificam o envolvimento autocrático, tais como, gestos próprios (movimento manual de uma onda), uniformização, posturas fechadas e comportamentos similares.

            Foucault estabelece ainda:

 

Os códigos fundamentais de uma cultura — aqueles que regem sua linguagem, seus esquemas perceptivos, suas trocas, suas técnicas, seus valores, a hierarquia de suas práticas — fixam, logo de entrada, para cada homem, as ordens empíricas com as quais terá de lidar e nas quais se há de encontrar. Na outra extremidade do pensamento, teorias científicas ou interpretações de filósofos explicam por que há em geral uma ordem, a que lei geral obedece, que princípio pode justificá-la, porque razão é esta a ordem estabelecida e não outra. Mas, entre essas duas regiões tão distantes, reina um domínio que, apesar de ter sobretudo um papel intermediário, não é menos fundamental: é mais confuso, mais obscuro e, sem dúvida, menos fácil de analisar. É aí que uma cultura, afastando-se insensivelmente das ordens empíricas que lhe são prescritas por seus códigos primários, instaurando uma primeira distância em relação a elas, fá-las perder sua transparência inicial, cessa de se deixar passivamente atravessar por elas, desprende-se de seus poderes imediatos e invisíveis (...)

Foucault, As palavras e as coisas, 2000, p.11.

 

            Por meio da afirmação de Foucault, observamos ainda que o vasto cabedal cultural ao qual o sujeito se insere não é passível de uma análise pormenorizada. Não obstante, não há ainda critérios generalizados ou concretos que visem um entendimento empírico do que se tem entre língua e fala.

            Atemos-nos então ao pragmatismo discursado pelos alunos do grupo “A onda”. Nele o processo discursivo se alonga e ganha grande repercussão inicial por meio da fala de Rainer Wenger e posteriormente por meio do discurso dos alunos que além de apropriarem da conduta autocrata, executam o que prega a ideologia de um regime instransponível, fascista. A seguir fomentaremos o que há de se refletir acerca de dado discurso.

 

4- A teoria do verbo

Em sua obra, As palavras e as coisas, Foucault estabelece que a linguagem inicia quando se onde houver não expressão, mas discurso. Observemos:

 

O verbo é a condição indispensável a todo discurso: e onde ele não existir, ao menos de modo virtual, não é possível dizer que há linguagem. As proposições nominais guardam todas a presença invisível de um verbo, e Adam Smith¹ pensa que, sob sua forma primitiva, a linguagem era composta só de verbos impessoais (do tipo: “chove” ou “troveja”), e que a partir desse núcleo verbal todas as outras partes do discurso se foram destacando como outras tantas precisões derivadas e secundárias. O limiar da linguagem está onde surge o verbo. Foucault, As palavras e as coisas, 2000, p.112.¹Adam Smith. Considérations sur l’origine et la formation des langues, p. 421.

 

Nesta citação, Foucault determina o verbo como elemento indispensável ao discurso, o que nos remete ao discurso imperativo proferido preterivelmente sob a ótica autocrática. Ainda assim, Foucault delimita a questão verbal como aspecto relevante ao discurso efetivo, sendo, portanto, o anúncio de uma existência.

 Apontamos tal existência, como a existência de uma ideologia a ser impregnada.

Foucault reitera por meio de um questionamento:

 

Mas donde vem esse poder? E que sentido é esse que, transbordando as palavras, funda a proposição? Os gramáticos de Port-Royal diziam que o sentido do verbo ser era afirmar. O que indicava bem em que região da linguagem estava seu privilégio absoluto, mas não em que ele consistia. Não se deve compreender que o verbo ser contém a idéia de afirmação. Foucault, As palavras e as coisas, 2000, p.113.

 

            A questão firmada por Foucault levanta a sentença de que o imperativo conferido ao discurso ideológico far-se-á a gradação da autocracia firmada no filme, uma proporção tão só grandiosa, mas consolidada por meio da fala, atos e retaliações ao que se diferir desta concepção.

Como vemos:

 

De sorte que a função do verbo se acha identificada com o modo de existência da linguagem, que ela percorre em toda a sua extensão: falar é, ao mesmo tempo, representar por signos e conferir a signos uma forma sintética comandada pelo verbo. Como o diz Destutt, o verbo é a atribuição, o suporte e a forma de todos os atributos: “O verbo ser acha-se em todas as proposições porque não se pode dizer que uma coisa é de tal maneira sem dizer com isto que ela é. Foucault, As palavras e as coisas, 2000, p.114.

 

Para tanto, se estabelece aqui a condição da disciplina como propensora ao uso do imperativo. É este que transgride a quaisquer épocas e sanciona assim a ação autocrática.

Foucault, como se vê, fomenta tal afirmação:

 

O desenvolvimento e a generalização dos dispositivos disciplinares constituíram a outra vertente, obscura, desse processo. A forma jurídica geral que garantia um sistema de direitos em princípio igualitários era sustentada por esses mecanismos miúdos, cotidianos e físicos, por todos esses sistemas de micropoder essencialmente inigualitários e assimétricos que constituem as disciplinas. Foucault,  Vigiar e punir, 1999, p.164.

 

Logo, visualizamos que a linguagem impregnada de uma ideologia autocrata, pouco permitiu aos estudantes que não faziam parte do grupo, uma retaliação efetiva.

E por meio da análise discursiva observamos o poder de persuasão que um docente, Wenger, se fez valer da capacidade humana, aos quais consideramos, de se apropriar somente do que lhes é válido, podendo então, submeter toda uma sociedade, e/ou uma nação a uma situação de desconforto ou até mesmo solidificada por uma hostilidade ímpar.

Como enaltece Foucault:

 

A teoria do verbo explicava como a linguagem podia transbordar para fora de si mesma e afirmar o ser — isto, num movimento que assegurava, em troca, o ser mesmo da linguagem, pois que esta só podia instaurar-se e abrir seu espaço lá onde já houvesse, ao menos sob uma forma secreta, o verbo “ser”; a análise da finitude explica, do mesmo modo, como o ser do homem se acha determinado por positividades que lhe são exteriores e que o ligam à espessura das coisas, e como, em troca, é o ser finito que dá a toda determinação a possibilidade de aparecer na sua verdade positiva.Foucault, As palavras e as coisas, 2000, p.359.

 

Retornemos ao mérito da disciplina como fonte de consolidação de uma ideologia. No que se retoma ao espaço do filme, o panoptismo se insere como arquitetura essencial à didática dispostas na aula de Wenger.

Como detentor do saber, ao se inscreverem para a aula de Autocracia, os alunos se viam incapazes de fugir aos regramentos postulados pelo docente.

            Logo, a hostilização vai ganhando proporções maiores e intransponíveis ao entendimento inteligíveis ou insatisfatórias a estas condutas fascistas. Neste resgate, Foucault difere as instituições disciplinares como formas de detenção de poder, como vemos:

 

Duas imagens, portanto, da disciplina. Num extremo, a disciplina-bloco, a instituição fechada, estabelecida à margem, e toda voltada para funções negativas: fazer parar o mal, romper as comunicações, suspender o tempo. No outro extremo, com o panoptismo, temos a disciplina-mecanismo: um dispositivo funcional que deve melhorar o exercício do poder tornando-o mais rápido, mais leve, mais eficaz, um desenho das coerções sutis para uma sociedade que está por vir. O movimento que vai de um projeto ao outro, de um esquema da disciplina de exceção ao de uma vigilância generalizada, repousa sobre uma transformação histórica: a extensão progressiva dos dispositivos de disciplina ao longo dos séculos XVII e XVIII, sua multiplicação através de todo o corpo social, a formação do que se poderia chamar grosso modo a sociedade disciplinar. Foucault, As palavras e as coisas, 2000, p.232

Conclusão:

Este trabalho tem como foco reflexivo o filme A onda e a percepção da condição do controle intransponível que se estabelece por meio da Autocracia.

Como concepção satisfatória, encontramos nas proposições foucaultianas extensa fonte bibliográfica para um discurso coerente. No entanto, alguns apontamentos de ordem fenomenológica como Merleau Ponty e sociológicos como Fustel de Coulanges nos serviram de forma producente.

Para tanto, o enredo do filme “A onda” serve como ótica de estudo, na qual buscamos em Foucault os aspectos discursivos para maiores reflexões e apontamentos.

Em suas vastas obras, Foucault permeia o campo discursivo nomeando e delimitando o universo da eloqüência, da persuasão e do desejo ininterrupto de proliferar aquilo que se almeja em sua fala. Por meio do regime autocrata fascista, observamos como se dá a projeção desta fala, enredando por meio também do cabedal lingüístico e pragmático deste discurso.

Contudo, coube ainda a este filósofo a sagaz intitulação de atribuir ao procedimento de exclusão, especificamente como a teoria do Panoptismo, a sobreposição do discurso mediante outros sujeitos. Atribuímos então, a capacidade de persuasão não somente ao sujeito que a profere, mas sim ao sujeito prontificado a utilizar-se do que se tem e a se remeter a outros que também estão prontificados a possuí-la (discurso coletivo).

O presente artigo considera os estudos bibliográficos apresentados atendo conceitos de amplas concepções. A exemplo, o parisiense, Fustel de Coulanges sustenta afirmativas partindo da história das instituições jurídicas, entretanto, envolvemos desta afirmativa aspectos sociológicos e conceituais que agregam o entendimento da constituição discursiva, por se tratar também de um discurso efetivo.

Como é inerente ao ser, discutir e refletir acerca do comportamento humano vemo-nos com algumas indagações que ao longo da escrita foram desmistificados, como o fato da disciplina e da arquitetura aos quais os discursos se dispõem a fim de serem concretizados. Observamos que é por meio da fala, do imperativo que se estabelece a opressão e que de nada adianta uma análise peculiar se não houver de uma instituição política, governamental que sejam, abrangente e mais deliberativa, pois discursos autocratas são e estão ao nosso entorno, ainda mais, são e estão sem haver questionamento algum. Eis a nossa realidade.

Referências Bibliográficas

COULANGES , Fustel de, A Cidade Antiga. Martins Fontes, São Paulo: 1981.

FOUCAULT, M. A ordem do discurso . Ed. Loyola. 5ª ed. São Paulo: 1999.

FOUCAULT, M. As palavras e as coisas . Martins Fontes. 9ª ed.  São Paulo: 2007.

FOUCAULT, M. História da loucura na idade clássica . Perspectiva. 8ª ed. São Paulo: 2009.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir . 20ª ed. Rio de Janeiro: Petrópolis. 1999.

 

PONTY, Merleau,“Textos Selecionados” , Ed. Abril, São Paulo:1980.

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