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Resumo:
Trabalho realizado sobre a incidência, melhor dizendo, possibilidade de incidência das disposições CDC aos contratos bancários.
Texto enviado ao JurisWay em 24/04/2013.
Última edição/atualização em 30/04/2013.
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O código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, pouco tempo após sua promulgação, teve questionada a sua aplicação no tocante às atividades bancárias.
É importante ter em mente os conceitos de consumidor, fornecedor e objeto da relação de consumo trazidos em definição pelo próprio CDC, a fim de que se possa analisar se é possível a aplicação da legislação consumerista aos serviços oferecidos pelas instituições financeiras.
O conceito de consumidor encontra-se no art. 2°, caput, do referido diploma, pelo qual “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Por sua vez, o fornecedor vem definido expressamente no art.3º, onde “fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.” Por fim, o objeto da relação de consumo correspondem aos § 2º e 3º do mesmo artigo, ou seja, “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial e serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”
Embora expressamente definidos como fornecedores, grande é o debate doutrinário acerca da incidência das normas de proteção ao consumidor nos contratos firmados entre clientes e instituição bancária ou correlata.
Da divergência quanto à aplicabilidade do CDC, a oposição do setor bancário ao disposto nos § 2º e 3º do art. 2º é manifesta, sob o argumento de que não há como se falar em relação de consumo nos contratos assinados entre o cliente (pessoa física ou jurídica) e o estabelecimento bancário, sob a ótica de que não é possível que o crédito seja utilizado por um destinatário final, já que, por sua própria natureza destina-se à circulação como meio de pagamento. Por outro lado, essa mesma corrente aceita a aplicação do CDC aos serviços bancários, por exemplo, de guarda de documentos e locação de cofres.
Em contrapartida, há o posicionamento que afirma que os contratos bancários estão sujeitos à égide do CDC, uma vez que se caracterize a relação de consumo, isto é, que o contratante seja o próprio consumidor.
Segundo Luiz Rodrigues Wambier, se, todavia o tomador de recursos se utilizou do montante obtido por meio de operação de crédito (em sentido amplo) para a realização de atividades próprias, tanto de produção, quanto de consumo, estará efetivamente consumindo aqueles recursos, e, com isso sujeitando a operação bancaria ao crivo do diploma consumerista.1
Em defesa dessa posição, aduz Eduardo Salomão Neto que o dinheiro dado a crédito é consumido em caráter final pelo cliente da instituição, aqui denominado mutuário. Se usa o dinheiro transferindo-o a terceiros, credores por fornecimento de matéria prima na indústria, estoque no comércio, ativos permanentes na indústria e estoque no comercio, pouco importa.2 Uma vez que essa ultima transferência já não é mais de dinheiro a crédito, da qual o mutuário se apropriou como usuário final. Portanto, é por essa razão que é obrigatória a aplicação das disposições legais do CDC às operações bancárias.
Há ainda uma terceira posição que defende a presunção iuris tantum de que o crédito obtido será utilizado como fator de produção, não havendo, portanto, consumo final por parte do cliente bancário. Inclusive, somente se poderia atribuir ao amparo do CDC nos serviços e operações passivas (instituição bancária assumindo papel de devedor, casos de conta corrente, poupança e depósito bancário).
Posto isso, ainda consistente na doutrina de Eduardo Salomão Neto, as instituições financeiras são consideradas tanto fornecedoras de produtos, como prestadoras de serviços. Ao conceder um empréstimo, elas fornecem o produto, qual seja o dinheiro dado a crédito.3 A prestação de serviços pode ser, por exemplo, o pagamento de uma conta em débito automático.
No que tange à prestação de serviços e eventual responsabilização da instituição financeira, O CDC distingue duas espécies de responsabilidade de produtos e serviços pelo fornecedor: responsabilidade por vicio de produto ou serviço e a responsabilidade por fato do produto ou serviço. Na primeira modalidade temos respaldo na indenização por defeito que diminui o valor do produto ou serviço ou que os tornam impróprios para o consumo, no tocante aos contratos bancários entende-se hipótese de ineficiência na prestação de serviço que possa prejudicar o cliente; já na segunda temos hipóteses do defeito oferecer risco de dano econômico ao consumidor que excede a simples quebra da sinalagama contratual.4 Eis, por exemplo, as praticas abusivas, como é o corriqueiro caso de um eventual envio de cartão de credito sem a solicitação por parte do cliente e os decorrentes encargos como anuidades, taxa de manutenção dele advindas.
Note-se que o desbloqueio do cartão presume anuência do contrato, caso contrário, será considerado prática abusiva passível de indenização. Ademais, é alarmante a quantidade de pretensões litigiosas que recorrem aos Juizados Especiais Cíveis contra tais práticas.
A caracterização do banco ou instituição financeira como fornecedor sob a incidência do CDC, é hoje pacifica no que se pese à regência da legislação consumerista sobre operações bancárias, inclusive as ativas como mutuo e abertura de crédito, pois aí, há igualmente relações de consumo.
Conforme aduz Cláudia Lima Marques o produto da empresa banco é o dinheiro ou o crédito, bem juridicamente consumível, sendo, portanto, um fornecedor, e o consumidor assumindo o papel de crediário ou mutuário.5
Portanto, conclui-se que diante dos argumentos doutrinários, não há como se negar a incidência das normas protetivas do CDC regendo as relações bancárias, quer seja operações ativas, quer passivas. Além disso, há clara incidência da proteção consumerista no tocante aos atos de responsabilidade pela instituição bancária como fornecedor quanto às prestações de serviços que lhe são usuais e as possíveis advindas de práticas abusivas.
1. 1. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Os Contratos bancários e o Código de defesa do Consumidor. In Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, Vol. 18, Abr./Jun. 1996, op cit p. 127;
2. SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito bancário. São Paulo: Atlas, 2007. Op cit. p. 129;
3. SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito bancário. São Paulo: Atlas, 2007. Op cit. p. 132;
4. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3ªed, p.198/199.
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