Nenhuma dessas críticas, no entanto, seria capaz de alterar a atipicidade da conduta sob exame. Afinal, em primeiro lugar, ainda que se tome por ponto de partida um conceito mais atual de bem jurídico, a conclusão supra exposta não se altera. Segundo a moderna lição de Luiz Régis Prado, "a caracterização do injusto material advém da proeminência outorgada à liberdade pessoal e à dignidade do homem na Carta Magna, o que importa que sua privação só pode ocorrer quando se tratar de ataques a bens de análoga dignidade; dotados de relevância ou compatíveis com o dizer constitucional"·. Isso significa, em outras palavras, que sendo a liberdade do homem, que pode ser cerceada quando do cometimento de um crime, um direito constitucional, a sua relativização somente é justificável como forma de proteger outro bem ou direito de natureza igualmente constitucional. Bem jurídico seria, portanto, o bem ou direito constitucionalmente protegido. Ocorre que, conforme sustenta Dworkin, não existe uma proteção constitucional ao feto, que não é uma pessoa constitucional. Por essa razão, o aborto não violaria qualquer bem jurídico, sendo a conduta, por conseguinte, atípica.