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Resumo:
O artigo analisa, de maneira crítica, os direitos fundamentais da pessoa humana postivados na CRFB de 1988 e a correção de suas adequadas formas de efetivação.
Texto enviado ao JurisWay em 18/09/2008.
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OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA
NA CRFB DE 1988 E SUAS FORMAS DE EFETIVAÇÃO
Faustino da Rosa Júnior
1. Direitos fundamentais na CRFB: os “direitos constitucionais”
O título II da Constituição da República Federativa do Brasil (“CRFB”) é uma de suas principais partes, pois consagra a tábua de direitos e deveres fundamentais que a comunidade política brasileira reconhece, dentre os direitos humanos, e assume o compromisso de, conjuntamente com cada um de seus integrantes, possibilitar ao máximo a vivência efetiva e eqüitativa, bem como a garantia do exercício harmônico de cada um destes direitos e deveres, que constitui finalidade última desta mesma comunidade, cujo o conteúdo e a identidade, encontram-se na noção de bem comum, ínsito no art. 3º, IV, da CRFB. Para tanto, fundou-se o Estado brasileiro, que serve como instrumento para que esta comunidade, por meio de suas instituições estatais, alcance tal finalidade com a promoção destes direitos fundamentais.
Para efeitos didáticos, distinguem-se os direitos subjetivos da pessoa humana na CRFB em direitos humanos, que atuam no âmbito do direito internacional, e em direitos fundamentais, que atuam no âmbito do direito interno. Estes direitos fundamentais são consagrados pelo direito constitucional, razão pela qual são, normalmente, denominados de direitos constitucionais da pessoa humana. Entretanto, considerando-se as normas da constituição de
A primeira categoria abarca os direitos fundamentais decorrentes diretamente da dignidade da pessoa humana, sem a necessidade de qualquer mediação, onde a pessoa humana apresenta-se como princípio e fim do Estado, ou seja: as liberdades (ou direitos) individuais, os direitos sociais e os interesses (ou direitos) difusos. A segunda categoria compreende os direitos fundamentais que também decorrem da dignidade da pessoa humana, mas não diretamente, pois prescinde da noção de nacionalidade e da condição de cidadão, onde a pessoa humana apresenta-se como membro partícipe do Estado.
2. Direitos políticos
Os direitos fundamentais de participação (direitos de segunda dimensão) correspondem ao exercício da participação política. Identificam-se, na classificação proposta por Georg Jellinek, com o status pasivo e o status activo[1]. Tratam-se de poderes dados ao cidadão para que este participe, direta ou indiretamente, do processo político.
No direito constitucional brasileiro, desse modo, atribui-se direitos políticos aos indivíduos que possuem nacionalidade (conforme impõe o art. 12, da CRFB) e são titulares da condição de cidadão. Por outro lado, os direitos políticos podem ser divididos em três grupos de outros direitos subjetivos: (1º) os direitos eleitorais (que consistem nas regras para se votar e ser votado, previstos no arts. 14 usque 16, da CRFB); (2º) os direitos partidários (a partir do art. 17, da CRFB); e (3º) os direitos de pressão política ou direitos inominados de participação política (proposição de ação popular, prevista no art. 5º, LXXIII, da CRFB).
Aplicando a teoria do direito subjetivo aos direitos políticos, tem-se que, quanto a sua natureza jurídica, os mesmos são poderes de participação e atuação do particular na esfera pública do Estado. Assim, o titular destes direitos é o cidadão nacional e o sujeito passivo é imediatamente o Estado e mediatamente toda a comunidade. Seu objeto consiste na prática de atos que constituem o processo democrático; sua origem deve-se à contribuição grega.
3. Direitos-liberdades: as liberdades públicas
Os direitos fundamentais de liberdade, em sua formulação original, devem-se ao Estado liberal clássico anti-absolutista, que objetivava consolidar um anteparo para controlar e restringir a atuação estatal, que deveria ser reduzida ao mínimo possível. Assim, estas liberdades públicas (direitos de primeira geração ou de primeira dimensão), consagradas pelas revoluções liberais, correspondem, segundo a classificação de Georg Jellinek, ao status negativo[2], exigindo uma atitude, principalmente, de abstenção do Estado. Tais direitos são tidos como os direitos subjetivos por excelência, tendo em vista que toda concepção de direito natural foi concebida e fundada a partir da teoria do direito subjetivo[3].
Essas liberdades, portanto, consistem na outorga de poderes à pessoa humana para agir diante do Estado e da sociedade, poderes estes devidamente reconhecidos, regulados e resguardados pelo poder público. A constituição de 1988, quando consagrou estes direitos-liberdades, positivando-os, substancialmente, nos incisos de seu art. 5º, deixou visível também a existência de duas espécies distintas destes direitos, que podem ser classificadas, quanto ao seu exercício, em: liberdades individuais, quando exercidas individualmente, e liberdades coletivas, quando exercidas coletivamente ou por coletividades.
Diante disso, a partir de sua natureza jurídica, constituem-se como poderes de agir reconhecidos e protegidos pela ordem jurídico-constitucional a todos os seres humanos – tanto é que a constituição de 1998, no caput do seu art. 5º, reconheceu tais direitos a todos brasileiros e também a todos os estrangeiros residentes no país –, independentemente de sua nacionalidade ou cidadania. Sua titularidade, assim, é devida a cada um dos seres humanos; todavia, seu sujeito passivo, in concreto, são todos aqueles que não se confundem com o respectivo titular, assomando-se a isto todas as entidades públicas e privadas, em especial, o próprio Estado. O objeto das liberdades públicas consiste sempre em uma conduta (comissiva ou omissiva). Sua origem, deve-se, sem dúvida, ao jusnaturalismo moderno.
4. Direitos sociais: direitos sócio-econômico-culturais
Confere-se a pessoa humana poderes de exigir do Estado a promoção de determinadas prestações que lhe assegurem o gozo dos direitos fundamentais, implicando em uma restrição à liberdade individual[4]. O Estado, com isto, assume a responsabilidade como implementador das condições materiais indispensáveis à preservação da dignidade da pessoa humana.
O art. 6º, da CRFB, exemplificadamente, estabelece quais os direitos sociais são garantidos pela ordem constitucional, a saber: a educação, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Em seguida, no art. 7º, são previstos certos direitos dos trabalhadores, sendo que, no art. 170, há a referência a direitos inerentes à ordem econômica, assim como o art. 194, refere-se à seguridade social e o art. 205, à educação. Neste sentido, estes direitos podem ser classificados em pelo menos três classes: (1ª) direitos genéricos ou potenciais (que são os direitos elencados no art. 6º, da CRFB); (2ª) direitos específicos, atuais ou concretizados (que constituem os direitos dos trabalhadores, previstos no art. 7º, da CRFB, e os direitos atinentes à Previdência Social, previstos no art. 201, da CRFB); e direitos sociais de participação (que são os consagrados nos arts. 10 e 11, da CRFB).
Diante disso, problemática mostra-se a tentativa de se aplicar a teoria do direito subjetivo a estes direitos. Na verdade, esta até se apresenta aplicável aos casos, que envolvem direitos sociais específicos, atuais ou concretizados, onde, em geral, a titularidade e o sujeito passivo são, in concreto, até demonstráveis, embora existam casos em que nem isto é possível; o mesmo ocorre com os chamados direitos sociais de participação. Isto é assim, porque é da natureza dos direitos sociais exigirem do Estado uma ação positiva, sempre política (ideológica e partidária), na eleição dos meios necessários para a concretização destes direitos fundamentais, uma vez que cabe ao Estado, dentro de suas possibilidades concretas, garantir um mínimo existencial, essencial para a preservação da dignidade da pessoa humana. Por esta razão, tais direitos ocupam, na concepção de Georg Jellinek, a condição do status positivo[5].
Os direitos sociais genéricos ou potenciais têm, como natureza jurídica, a qualidade de se constituírem em poderes de exigir, uma prestação concreta do Estado, sempre a todos os seus titulares, que são sempre – como também se dá nas outras modalidades de direitos sociais – uma coletividade (povo, classe, sexo, etc.), cujos membros estão vinculados entre si por uma relação jurídica básica. Por este motivo, o código de defesa do consumidor, em seu art. 81, parágrafo único, inciso II, o define como um direito “transindividual de natureza indivisível”.O sujeito passivo, neste caso, será, imediatamente, o Estado, entendido como ente representativo de toda a comunidade, e, mediatamente, a própria comunidade, ou seja, cada um de seus membros. Assim, na prática, o sujeito passivo são todas as demais pessoas, razão pela qual as obrigações tributárias, que dão instrumentos que permitem à atuação positiva do Estado na economia e na sociedade, são sempre ex lege. É justamente por isto que a origem destes direitos decorre diretamente da condição humana de pluralidade[6]. Por conseguinte, o objeto destes direitos é, normalmente, a prestação de um serviço ou a concessão de um determinado bem, como também, na impossibilidade de o fazê-lo, assegurar-se uma contrapartida, que pode até tomar a forma de uma indenização, como é o caso do seguro desemprego.
5. Novos direitos: direitos de solidariedade ou direitos de situação
Os ditos novos direitos (direitos de terceira geração ou de quarta dimensão) são caracterizados pelo desprendimento e redimencionamento da titularidade dos direitos fundamentais, que antes eram, eminentemente, vinculados aos sujeitos (excluídos os direitos sociais), para promoverem uma proteção maior das partes na relação jurídica, a fim de ocorrer um equilíbrio, quando consideradas mais vulneráveis ou hipossuficientes, criando uma igualdade em sentido material[7]. Tratam-se dos direitos tidos como de solidariedade ou de fraternidade, que também foram incorporados no Brasil na constituição de 1988.
A esses direitos torna-se inaplicável a teoria do direito subjetivo. Tal dificuldade, apresenta-se na descrição de todos os seus elementos. Como tutelam interesses difusos, a natureza jurídica destes direitos depende da ocorrência de um acontecimento peculiar, para determinar o seu respectivo conteúdo numa dada situação fática. No que toca à titularidade, tem-se que não admitem que se efetue uma particularização, pois dizem respeito sempre a um conjunto de pessoas, além de buscarem tutelar os direitos potenciais das gerações futuras. Por esta razão, a titularidade também é sempre coletiva, baseando-se numa identidade de circunstâncias de fato. Diante disto, o sujeito passivo, em geral, pode ser a humanidade, a comunidade internacional, o Estado, toda uma sociedade ou um determinado grupo. O objeto desses direitos, portanto, é uma conduta de conteúdo variável de acordo com cada situação concreta. Por fim, a origem destes direitos, não previstos na teoria de Georg Jellinek, deve-se aos avanços tecnológicos e ao crescente processo de integração dos povos.
6. Papel da distinção na efetivação dos direitos fundamentais da pessoa humana
A aplicação e a efetivação de cada espécie de direito fundamental inerente à pessoa humana contidos na constituição de 1988, prescinde do reconhecimento e da caracterização das diferenças de natureza, de conteúdo e de estrutura de cada tipo de direito constitucional, pois estas determinam as distinções necessárias entre suas diversas (e melhores) formas de implementação na realidade concreta, bem como seus respectivos atores, com vistas à promoção do bem comum, no âmbito de um Estado democrático. Logo, o conhecimento das particularidades dos diferentes tipos de direitos fundamentais permite que se possa melhor compreender e se efetuar a concretização de cada um destes direitos.
[1] ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 249-250; 260-261.
[2] ALEXY, Teoría de los derechos fundamentales, p 251-255.
[3] Este é um dos aspectos fundamentais da tese de Michel Villey. Vide: VILLEY, Estúdios en torno a la noción de derecho subjetivo, p. 26.
[4] Neste sentido, ao se assegurar o direito à moradia, delimita-se o direito à propriedade. Da mesma forma, ao se reconhecer o direito à seguridade social, limita-se a liberdade das empresas, ao se estabelecer a obrigatoriedade das contribuições patronais.
[5] ALEXY, Teoría de los derechos fundamentales, p. 256.
[6] “A pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista, ou venha a existir.” ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p.16.
[7] Assim, são exemplos de direitos de solidariedade: o direito à proteção do consumidor, o direito à comunicação, o direito à proteção ambiental, o direito à paz, o direito ao desenvolvimento, o direito à proteção do patrimônio comum da humanidade, o direito à autodeterminação dos povos, entre outros.
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