PARTE II - BREVE NOTA SOBRE O ART. 1.240-A DO CÓDIGO CIVIL
Por Carlos Eduardo Rios do Amaral
Inicialmente trago à memória o teor do novíssimo Art. 1.240-A do Código Civil Brasileiro:
“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)
§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 2o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”.
Percebam a expressão contida na cabeça do dispositivo: “cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro”.
Como assinalado no artigo anterior (1ª parte), o Art. 1.240-A do CC não cuida de posse ou composse, mas, sim, de domínio, de um condomínio ou co-propriedade, seja por força do registro imobiliário, seja pelo regime de bens adotado na constância do casamento, união estável ou relação homoafetiva.
A observação extraordinária a se fazer, que em muito apaziguará a alma da mulher ofendida e sua numerosa prole abandonadas pelo varão agressor, que também muito dinamizará o trabalho de Juízes de Direito, Promotores de Justiça e Defensores Públicos especializados do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (v. Art. 14 da Lei nº 11.340/2006), é que para o reconhecimento desta específica forma de aquisição da propriedade imóvel é inaplicável o sinuoso, demorado e ultrapassado rito processual previsto nos Arts. 941 a 945 do vetusto Código de Processo Civil de 1973.
E a razão é muito simples, é que em ambas as meações – do agressor e da ofendida – já existe propriedade previamente reconhecida e delimitada em cartório imobiliário. O que se está a usucapir pela mulher ofendida é a co-propriedade do outro cônjuge, o agressor. Não se está aqui a usucapir porção de meação constituída de composse.
Na existência de propriedade imóvel de terra particular devidamente transcrita no registro de imóvel e cadastrada junto à Municipalidade para fins do IPTU, incorreto e inapropriado será a exigência de planta do imóvel, citação de confinantes e de eventuais interessados, intimação dos Representantes das Fazendas da União, do Estado e do Município, entre outros requisitos processuais que muitas vezes o próprio velho druida gaulês Panoramix não deve se recordar.
Insisto, estamos discorrendo sobre usucapião de propriedade certa e conhecida, previamente registrada no CRI. Dona Maria e seus filhos habitam o Apartamento 102 do conhecido Edifício Sofrimento, onde a mesma passou Décadas sendo abatida pelo seu carrasco (cônjuge ou companheiro), vindo este a sumir do mapa por força da coragem daquela em denunciar este último na Delegacia da Mulher – DEAM. Deferidas as MPU´s nunca mais o agressor dá sinais de vida. Para que instaurar aquela via crucis dos Arts. 941 a 945 CPC? Não existe sentido.
Para o reconhecimento da usucapião de meação do cônjuge agressor basta a mulher vítima de violência familiar juntar aos autos do processo: (1) a certidão de casamento ou dos filhos para fazer prova da união estável, ou prova equivalente; (2) a certidão imobiliária registrada no Cartório competente; e, (3) fazer prova do escoamento do prazo de 2 (dois) do abandono do lar pelo agressor, valendo como prova cabal sua citação editalícia das medidas protetivas de urgência deferidas pelo JVDFM ou mesmo o decreto de sua prisão preventiva em aberto. Dispensando-se, assim, qualquer outra formalidade probatória.
Entretanto, é sabido que na maioria esmagadora dos casos que tramitam sob o patrocínio da Defensoria Pública a meação dos cônjuges encontra-se firmada em composse e não em co-propriedade.
Nestes casos delicados, diante do comprometimento da República Federativa do Brasil em erradicar a pobreza e combater a miséria em todas as suas formas (Art. 3º, III, da Constituição Federal de 1988), e dos objetivos inscritos na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, assim como na própria Lei nº 11.340/2006, deve o Magistrado do JVDFM, sem delongas e por aplicação analógica, conferir a meação do agressor constituída de composse à mulher ofendida e sua prole, postergando, aí sim, a questão da aquisição do domínio para o complexo rito do CPC.
Negar a outorga da meação constituída de composse à mulher necessitada vítima de violência e seus pequenos filhos, analogamente ao disposto no Art. 1.240-A do CC/2002, é, em última análise, dizer que este dispositivo fora feito para viger apenas na Suíça, em prestígio e devoção a homem que bate em mulher pobre.
Não é a isto, definitivamente, que se propõe o Estado brasileiro e suas aspirações na ordem internacional, no sentido da promoção dos direitos humanos da mulher e da infância!
A perda de sua parte na posse, que outrora constituíra a meação do agressor, em prol da virago violentada, como dura e justa sanção legal instituída pela novel Lei nº 12.424/2011, deve ser aplicada, sob pena de ineficácia de norma tão esperada e salvífica, que se presta a resgatar a dignidade da mulher e das crianças miseráveis desse injusto País chamado Brasil.
Que DEUS abençoe todos os Defensores Públicos nessa mais nova empreitada cristã, conferida pelo Parlamento, sob a sanção de nossa Presidenta. Milhares de mulheres mutiladas e feridas até a alma nos esperam ansiosas, para garantir um teto aos seus filhos espectadores do pesadelo familiar superado.
Avante! Retroceder Jamais!
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Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo