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Criminalidade Organizada: Do Cangaço à Globalização


Autoria:

Adriano M. Barbosa


Adriano M. Barbosa, Delegado de Polícia Federal, Mestre em Defense Analysis, pela NPS, EUA, revalidação pela UnB como Mestre em Relações Internacionais, Professor da Academia Nacional de Polícia para a Pós-Graduação em Ciências Policiais.

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Resumo:

O fenômeno do crime sempre acompanha o homem. E a medida que a sociedade evolui, também evolui o crime. Antes havia roubos com navalhas e havia o cangaço, hoje há o fuzil e a internet e há a criminalidade organizada que afeta todas as esferas sociais

Texto enviado ao JurisWay em 10/06/2011.



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A Evolução do Fenômeno do Crime na Sociedade O homem é um animal social. Segundo, então, esta premissa, o ser humano só consegue desenvolver plenamente as suas potencialidades junto a outro homem. Ou seja, o homem é um ser gregário por natureza. Dessa forma, ele sente necessidade de convívio e contato com os semelhantes. Neste diapasão, o homem estabelece vínculos sociais dos mais diversos ao longo de sua existência e constrói princípios e regras de convivência que viabilizam a vida em sociedade. Isso, para que todos possam desenvolver, por exemplo, todas as suas capacidades físicas, intelectuais, científicas, culturais, laborais, e conviver de forma harmônica. De outro lado, não há como dissociar o crime da sociedade humana. Com efeito, há momentos em que as relações sociais são postas em conflito, em posições contrapostas. Nestes momentos, há ensejo por parte de alguns membros da sociedade humana de condutas que ferem os princípios e regras de convivência pacífica. Assim, quando para satisfação de interesses ou conveniências pessoais alguém ataca o seu semelhante ou a própria coletividade, atingindo a esfera de direitos individuais ou coletivos, tem-se por instaurado um desequilíbrio das relações sociais. Por via de conseqüência, estes ataques hão de ser reprimidos, tendo em vista que se repressão não há, há o império da lei do mais forte e a preponderância da lógica construída por Thomas Hobbes em seu Leviatã (1651): "Bellum omnia omnes" (a guerra de um contra todos), em que o homem é o lobo do homem. É neste cenário que há a ascensão da ação criminosa, da perpetração da conduta delituosa. Neste contexto, vem à tona o crime, por excelência, que esgarça o tecido social, fulmina direitos de alguns ou da própria comunidade, em prol do atendimento das conveniências perniciosas de poucos. Segundo o escólio de Guilherme Souza Nucci (2010, p. 39-40), literis: O ser humano sempre viveu agrupado, enfatizando seu nítido impulso associativo e lastreando, um no outro, suas necessidades, anseios, conquistas, enfim, sua satisfação. E desde os primórdios o ser humano violou as regras de convivência, ferindo semelhantes e a própria comunidade onde vivia, tornando inexorável a aplicação de uma punição. Neste mesmo viés, há os ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 1), in verbis: No entanto, modernamente, sustenta-se que a criminalidade é um fenômeno social normal. Durkheim afirma que o delito não ocorre somente na maioria das sociedades de um ou outra espécie, mas sim em todas as sociedades constituídas pelo ser humano. (grifei) Assim, homicídios, roubos, estupros, peculato, corrupção permeiam alhures a sociedade humana, desde as suas formas mais primitivas, até as mais evoluídas e organizadas. Com efeito, ontem, hoje e amanhã há a perpetração de delitos que afetam as mais diversas sociedades ao redor do planeta. Isso, desde sociedades organizadas, com estabilidade política, alto nível de qualidade de vida e pujança econômica como, por exemplo, a sociedade canadense , até sociedades esfaceladas, onde o poder não é expresso soberanamente por governos institucionalizados e sim por chefes de clãs, tribos e os chamados war lords, como a sociedade Afegan, onde abunda a miséria, e há o império da lei do mais forte, e onde práticas criminosas odiosas são inclusive materializadas pelos próprios donos do poder . Neste sentido, é possível sustentar que na medida em que humanidade evolui, também evolui o crime. Como o crime é um produto social, as suas formas de manifestação, as suas dimensões espelham o contexto histórico e social em que ele vem à tona. Quanto mais simples a forma de organização social, menor é o espectro de alcance das atividades delituosas e mais simples são as expressões criminosas. Ainda nesta esteira, quanto menos evoluída a sociedade, mais localizados e rudimentares são as práticas delituosas. Para bem ilustrar esta proporcionalidade existente entre a evolução histórica da sociedade e evolução histórica do crime, pode-se lançar mão da própria história do Brasil, em momentos que bem retratam este estado de coisas. Bem peculiar da sua época, por exemplo, foi o período da colonização brasileira, antes da vinda da Família Real portuguesa. Antes da chegada da Família Real ao Brasil as práticas delituosas eram de tão pequena monta e afetavam de forma tão rarefeita a vida dos colonos de então que não havia estruturado um aparato de segurança institucionalizado. Deste modo, tanto a defesa da colônia, quanto à segurança interna, o que se aproximaria do que vem a ser segurança pública hoje em dia, eram exercidas pelos Donatários que recebiam títulos de capitão e governador, congregando, entre outros poderes, o de condenar criminosas a morte e cobrar impostos (CASTRO, 1968). De outro lado, também ao se observar o Brasil de 200 anos atrás pode-se ter uma ideia de que como os crimes havidos naquela época refletiam a sociedade de seu tempo. Como ensina Laurentino Gomes (2007, p. 228): Uma bomba populacional abalou o Rio de Janeiro nos treze anos em que a corte portuguesa esteve no Brasil. O número de habitantes, que era de 60.000 em 1808, tinha dobrado em 1821. Só São Paulo, transformada na maior metrópole da América Latina na fase da industrialização, na primeira metade do século XX, veria um crescimento tão acelerado. No caso do Rio de Janeiro, havia uma agravante metade da população era escrava. Pode-se imaginar o que foi isso numa cidade que já em 1808 não tinha espaço, infra-estrutura nem serviços para receber os novos moradores que chegavam de Lisboa. Diante deste cenário arremata o ilustre jornalista e escritor: A criminalidade atingiu índices altíssimos. Roubos e assassinatos aconteciam a todo momento. No porto, navios eram alvos de pirataria. Gangues de arruaceiros percorriam as ruas atacando pessoas a golpes de faca e estilete. Oficialmente proibidos, a prostituição e o jogo eram praticados à luz do dia. Vê-se, em face dos trechos acima citados, que as grandes preocupações na cidade do Rio de Janeiro, na época em que o Brasil passava a ter o status de Vice-Reino eram roubos e assassinatos e gangues de arruaceiros armados de faca e estilete. Neste passo, observa-se que com a evolução da sociedade o crime também evolui. Ontem o que preocupava o aparato de segurança estatal eram as lâminas dos arruaceiros, hoje o que atrai a atenção dos órgãos de segurança é a criminalidade organizada e o seu alto poder de ação no Estado pós-moderno. Neste sentido, hodiernamente o que figura no topo da agenda dos órgãos de repressão criminal, notadamente dos Corpos de Polícia Investigativa (Judiciária), é o crime organizado que tanto possui expressão através de ações de facções criminosas, v.g. comando vermelho, PCC (SOUZA, 2006), e materializam condutas criminosas violentas como roubos a banco, seqüestros, tráfico de drogas e tráfico de armas, quanto por intermédio de sua face incruenta, mas não menos ignóbil, que vem à tona através de manobras financeiras e subversão da atuação do poder público constituído, através de condutas como a lavagem de dinheiro, corrupção, fraudes à licitação, tráfico de influência, crimes contra o sistema financeiro. Nesta esteira, a evolução do crime também se tornou globalizada (ALVES, 2002) como a própria sociedade do terceiro milênio. O crime que antes tinha os seus efeitos circunscritos a cidades, províncias, estados e, quando muito, tinha dimensões nacionais, hoje já possui expressão globalizada, não respeitando fronteiras, inobservando soberanias e atingindo alhures os interesses sociais mais caros, das mais diversas sociedades, das culturas mais heterogêneas. A Criminalidade Desorganizada Para entender em profundidade a criminalidade organizada, notadamente a complexidade da sua expressão transnacional, um dos objetos centrais de pesquisa do presente estudo, depois de compreender o crime como fenômeno indissociável da vida em sociedade, há primeiro de se visitar a expressão desorganizada do crime. Isso, para se delimitar mais e melhor o que vem a ser crime organizado. A manifestação desorganizada da criminalidade vem à tona nos espaços urbanos na forma de criminalidade predatória (predatory crimes), como ensina J. Q. WILSON (1985). Tal expressão de atividade criminosa atinge os cidadãos e cidadãs em seu cotidiano, trazendo insegurança, por assim dizer, in concreto, às ruas das cidades, atingindo com um maior grau de intensidade aquelas com grande conglomerado populacional. Como expressão da criminalidade desorganizada ascende, por exemplo, a perpetração de delitos com o estelionato, o furto, o roubo, o dito "seqüestro-relâmpago" (extorsão com restrição da liberdade), o latrocínio (roubo seguido de morte), o estupro. Tais ações criminosas são em regra de iniciativas ora individuais, ora em concurso de pessoas , que não traduzem um empreendimento criminoso de fôlego. Ou seja, estes crimes são ações de oportunidade e conveniência de seus atores, não possuindo uma estrutura organizacional complexa que lhes dê pálio, sem uma visão empresarial da ação criminosa e sem pretensões de alcançar as esferas de poder da república, seja influenciando, seja encampando. Neste sentido, há de se ressaltar que a mera prática de crimes por quadrilha ou bando, na forma do que prescreve o art. 288 do Código Penal Brasileiro , não significa necessariamente que há em curso a ação de uma organização criminosa. O bando pode reunir mais de três pessoas, número mínimo para formação de uma quadrilha ou bando, para práticas delituosas, sem ter, contudo, capacidade organizacional para constituir uma sociedade criminosa que promova empreendimentos criminosos lucrativos com visão empresarial e tenha força para se instalar nas estruturas de poder. Segundo os ensinamentos de Guilherme Souza Nucci (2009, p. 280), literis: Sabe-se, como destacado por Paulo César Correa Borges, "que existem muitas quadrilhas ou bandos que são totalmente desorganizados e que jamais poderiam ser considerados organizações criminosas com base nos critérios doutrinários. Embora normalmente tenham liderança, que organiza a ação do grupo, as quadrilhas ou bandos são formados para a prática de delitos, sem nenhuma ligação com o Estado, sem uma ação global e sem conexões com outros grupos, e jamais possuirão um caráter transacional" (O crime organizado, p. 20). E conclui o Mestre Paulista: De fato, muitas quadrilhas ou bandos não passam de associações de infratores amadores, que se unem, embora com caráter de estabilidade, para o cometimento de delitos, sem o real perigo que a organização criminosa representa à sociedade. Em verdade, os crimes predatórios atingem os munícipes nas suas vidas privadas, fazendo de cada um, em certa medida, uma vítima em potencial. E toda essa atividade criminosa tem seu eco amplificado pela parcela da imprensa que tem no crime e nas tragédias cotidianas a sua matéria-prima (BARBOSA, 2008). A realidade das ruas de metrópoles brasileiras como Rio de Janeiro e São Paulo é traduzida pelos meios de comunicação, e por via de conseqüência, absorvida pelo inconsciente coletivo, tal qual a máxima de Hobbes (1651) já acima citada: o homem é o lobo do homem. E onde há homens mais lobos que outros homens. O brasileiro médio, por exemplo, então, se vê invadido por esse sentimento (sensação de insegurança ) de fragilidade ao perceber que as autoridades constituídas não são hábeis a lhe prover a segurança que lhe é direito fundamental contemplado na própria Lex Excelsa (1988), ex vi art. 5°, caput. Nesse passo, a violência é um dos temas centrais, por exemplo, da vida do brasileiro neste início de terceiro milênio. Dados de pesquisa de opinião pública nacional (2007) composta pelos índices de avaliação e de expectativa, com as variáveis emprego, renda, saúde, educação e segurança pública, promovida pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e a empresa Sensus Pesquisa e Consultoria, de abril de 2007, apontam que, das 2000 pessoas entrevistadas, 90,9% consideram que a violência aumentou no país, enquanto 5,2% disseram que não aumentou. Tal pesquisa ouviu moradores de 136 municípios de 24 estados, entre os dias 2 e 6 de abril, possuindo margem de erro de 3% para mais ou para menos. Vê-se, então, que a ampla maioria da população está submersa na certeza de que o crime tomou conta das ruas (BARBOSA, 2003). Essa certeza ascende da constatação de que o ambiente urbano onde se vive não é seguro. Claro que este cenário ganha dimensões hiperbólicas, quando projetado sobre a opinião pública através da mídia. Todavia, é fato que não pode ser arredado por argumentos. As ruas das grandes cidades já não são lugares onde se transita com tranqüilidade e sem temer pela própria segurança. Seja a pé, seja em veículos, todos estão sujeitos a serem vítimas de uma abordagem criminosa. A próxima esquina ou o próximo semáforo pode esconder um delinqüente pronto a se lançar contra o patrimônio ou incolumidade física do incauto transeunte. Poucos são os que vivem em grandes conglomerados urbanos que não têm em seu círculo familiar ou de amizade alguém que já foi vítima de um predador urbano. Casos como o do menino João Hélio , morto no Rio de Janeiro em fevereiro de 2007, como num ritual de brutalidade, fazem o ambiente urbano ter cores e nuances de violência, cada vez mais forte e mais viva. Fatos que tais fomentam a sensação de insegurança e passam a ser referência para o cidadão comum em termos de circulação nos espaços públicos. Com efeito, fobias urbanas como síndrome do pânico e stress ascendem, fazendo com que praças, parques, calçadas e ruas passem a ser sinônimo de locais inseguros, onde o predador está sempre à espreita. A Criminalidade Organizada Não obstante o fenômeno da criminalidade desorganizada, há a do crime organizado que leva a efeito atividades criminosas, tais como roubos a banco, seqüestros pré-ordenados (planejados e com alvo - vítima - adredemente estabelecido), lavagem de capitais, tráfico de armas e drogas. Tais crimes atingem os cidadãos comuns de certa forma, mas não em base de rotina, chegando à grande parcela da população através da imprensa (em regra sensacionalista), incidindo muito mais no campo das idéias, engendrando em corações e mentes a chamada sensação de insegurança, como demonstrado acima. A criminalidade organizada em certa medida sempre existiu, podendo-se citar como um dos seus embriões históricos os grupos de piratas (LUNDE, 2004) que agiam saqueando e pilhando navios de forma concertada em bases regulares, compondo uma verdadeira indústria do crime. No Brasil, as raízes históricas mais notórias sobre as ações criminosas organizadas encontram-se no cangaço que dominou os sertões nordestinos entre as décadas de 20 e 30 do século XX. Como exemplo mais significativo deste tipo de banditismo organizado estão as iniciativas criminosas de Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião. Élise Grunspan-Jasmin, (2006, p. 30) ensina o seguinte sobre "o Rei do Cangaço": Lampião desafiou as forças da ordem e durante quase vinte anos menosprezou os diferentes governos do Nordeste e até mesmo o Governo central. Esse clandestino não se cansou de se exibir e de proclamar sua onipotência a uma sociedade incapaz de compreender de onde vinha essa vulnerabilidade e de responder a ela. Grunspan-Jasmin (op. cit. p. 117-119) aponta que Lampião inovou em termos organizacionais em relação aos seus antecessores no cangaço, bem como em práticas criminosas orquestradas como "rapto de pessoas influentes em troca de um resgate", "assalto de cidades e propriedades" e extorsão de "fazendeiros, coronéis, prefeitos e habitantes das localidades a fim de lhes extorquir dinheiro." Grunspan-Jasmin sustenta (op. cit. 117): Desde 1929 percebe-se uma mudança radical da estrutura do grupo de Lampião: as mulheres entram para o cangaço, que se organiza em grupos e subgrupos, numa espécie de clãs familiares autônomos sob a direção de lugar-tenentes de Lampião; instaura-se uma nova hierarquia, constituem-se novos laços familiares, a vida torna-se menos nômade. Noutro giro, Guilherme Souza Nucci (2009, p. 208), tendo como referencial a Lei 9034/1995 traz o conceito de organização criminosa: Em síntese, valendo-se da definição apresentada por Marcelo Batlouni Mendroni, pode-se dizer que é o "organismo ou empresa, cujo objetivo seja a prática de crimes de qualquer natureza - ou seja, a sua existência sempre se justifica porque - e enquanto estiver voltada para a prática de atividades ilegais. É, portanto, empresa voltada à prática de crimes" (Crime organizado, p. 10). Assevera ainda Nucci: Na lição de Rodolfo Tigre Maia, por outro lado, o "crime organizado é a forma de criminalidade consentânea com o estágio atual do desenvolvimento do modo capitalista de produção (inclusive do capitalismo de estado que vigorou na antiga URSS), marcado sobretudo pela hegemonia norte-americana no pós-guerra, pelo incremento do desemprego, pela interdependência das economias nacionais, pela contínua associação do capital bancário com o capital industrial, pela crescente concentração e internacionalização do capital, processo anteriormente designado por imperialismo mas hoje, para esvaziar seu conteúdo ideológico, mais conhecido pelo epíteto neoliberal de 'globalização da economia' (...) Os empresários do crime criam corporações - as armas mais poderosas do crime organizado - aos moldes organizacionais das tradicionalmente operantes no mercado convencional (estas também freqüentemente flagradas em práticas ilegais), para o cumprimento destes misteres ou infiltram-se em empresas legítimas com as mesmas finalidades" (O Estado desorganizado contra o crime organizado, p. 21-22). Essa espécie de atividade delituosa constitui-se em verdadeiro empreendimento onde as ações criminosas são levadas a efeito, de forma sistemática, por uma estrutura organizacional formal, com o escopo de auferir lucro. Essa estrutura organizada criminosa se diferencia, portanto, das atividades criminosas ordinárias (predatórias) que ocorrem sem relevante suporte organizacional. A organização criminosa (ORCRIM) se comporta, portanto, como uma verdadeira empresa que congrega quadros técnicos especializados em searas de interesse da empresa criminosa. Há, assim, os que pensam a organização estrategicamente, os que fazem uso da força, os que utilizam as filigranas jurídicas em prol da ORCRIM, os que branqueiam o numerário angariado pela organização criminosa, e os que estão na estrutura da administração pública para conferir suporte às ações criminosas da própria ORCRIM. Paul LUNDE (2004, p.8) afirma o seguinte sobre crime organizado: Organized crime is an economic activity, and differs from street gangs (.) not just in the degree of organization and purpose, but because organized crime accumulates capital and reinvests it. It is this that differentiates organized criminal groups from street gangs and "unorganized" criminals. Acrescenta ainda LUNDE: Organized crime, however defined, shares a few characteristics, whatever the differences among individual groups and the cultures that produced them. They have in common: durability over time, diversified interests, hierarchical structure, capital accumulation, reinvestment, access to political protection, and the use of violence to protect their interests. De outro lado, R.T. NAYLOR (2004, p.15), traz o seguinte sobre tal espécie de atividade criminosa: Organized crime groups specialize in a type of offense that is different from that of ordinary criminals. Common criminality is mostly associated with predatory crimes - burglary, armed robbery, ransom kidnapping, and the like - acts that involve forcible or fraudulent redistribution of wealth, are episodic in nature, and require little long-term supporting infrastructure. Noutro giro, não se pode olvidar o escólio do Professor Rodrigo Carneiro Gomes (2008, p. 3) sobre a problemática da macro-criminalidade: A existência do crime organizado é uma demonstração de um poder paralelo não legitimado pelo povo, que ocupa lacunas deixadas pelas deficiências do Estado democrático de Direito e demonstra a falência do modelo estatal de repressão à macro-criminalidade. Conclui Rodrigo Gomes afirmando: A importância da repressão à macro-criminalidade organizada decorre da real ameaça que representa ao Estado Democrático de Direito. Usurpa suas funções e se aproveita das situações de caos urbano e político para a instalação do seu poder paralelo. Um poder paralelo amparado em surpreendente poder econômico, na deterioração do Estado de Direito (nasce e se alimenta dele e das brechas e proteções legais), que dissemina corrupção, intimida, viola leis e pessoas, sem freios, concretizando seu império por atos que variam do constrangimento e a intimidação até atos de extremada violência com assassinatos e tortura. Nesta esteira, é possível estabelecer a compreensão do que vem a ser crime organizado, no seio da sociedade pós-moderna, tão complexa e tão cheia de desafios. Assim, para a sua caracterização é imprescindível a incidência de alguns elementos sine qua non, entre outros, quais sejam: (a) estrutura empresarial, (b) planejamento empresarial em prol do sucesso do empreendimento, (c) relações hierárquicas rígidas, (d) poder econômico-financeiro, (e) poder de representação política, (f) capacidade de mobilidade nacional e internacional, (g) aparência (face externa, máscara) legal e legítima de suas atividades, (h) atendimento de demandas de mercado (v.g., drogas e armas), (i) emprego de avançados meios tecnológicos, (j) corrupção, (k) infiltração nas mais diversas esferas de poder, (l) extorsão alto poder de intimidação, (m) expansão de sua atuação em todo território nacional e, por vezes, além das fronteiras. Com efeito, essas duas formas de atividade criminosa, criminalidade predatória e criminalidade organizada, exigem modos diversos de abordagem, prevenção e repressão. No presente estudo o segundo tipo de crime, o organizado, que se expressa de forma estruturada é o objeto de análise, isso, ao lado de uma abordagem de Inteligência Estratégica policial para sua repressão. A Criminalidade Organizada Transnacional Como é cediço vive-se, hoje em dia, numa aldeia global (IANNI, 2000). Neste sentido, os limites geográficos, as fronteiras que separam os Estados nacionais, de certa forma e em certa medida, diluíram-se. Assim, flagram-se alhures a ascensão de grandes corporações (empresas) privadas que estão em todos os continentes, quase que de maneira onipresente, com indústrias e centros de distribuições espalhados pelos mais diversos países em busca (por vezes predatória) de condições mais favoráveis ao desenvolvimento de seus empreendimentos. Da mesma forma, observa-se a proliferação de organizações não-governamentais (ONG) com atuações globais e desvinculadas de quaisquer interesses nacionais, orientando as suas ações exclusivamente com base nos seus interesses, credos e ideologias. Neste mesmo passo, os próprios Estados-Nações também levam a termo iniciativas globais com o engendramento de bloco de países, onde se buscam fortalecer interesses regionais notadamente de estatura econômica e política. São exemplos destes esforços estatais as comunidades do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) . Neste sentido, ensina Octávio Ianni (2000, p. 13) que tudo indica que o sistema social mundial está em movimento e se moderniza, fazendo com que: O mundo pareça uma espécie de aldeia global. Aos poucos, ou de repente, conforme o caso, tudo se articula em um vasto e complexo todo moderno, modernizante, modernizado. E o signo por excelência da modernização parece ser a comunicação, a proliferação e generalização dos meios impressos e eletrônicos de comunicação, articulados em teias multimídia alcançando todo o mundo. (grifei) O Professor Georges Benko (2002, p. 45) versa sobre o fenômeno da globalização utilizando o sinônimo mundialização, sustenta ele que: Em primeiro lugar, a mundialização designa a crescente integração das diferentes partes do mundo, sob o efeito da aceleração das trocas, do impulso das novas tecnologias da informação e da comunicação, dos meios de transporte etc. Refere-se, também, a processos muito específicos que, para uns, são um prolongamento de tendências antigas e, para outros, marcam um novo período. Continua Benko (op. cit., p. 46), versando agora sobre a mundialização e as relações internacionais: A mundialização e as políticas: para as relações internacionais, é o fim da bipolaridade. No tempo da Guerra Fria, o mundo era apreendido em termos de relações Leste-Oeste, Norte-Sul. O uso da noção mundialização marca uma mudança de contexto. Acentuam-se os fenômenos da transnacionalidade e da interdependência. A transnacionalidade se expressa por meio dos atores organizados em redes: multinacionais, diásporas, seitas. Desde os anos 1970-80, a interdependência dos Estados foi particularmente sentida no domínio do meio ambiente. Podem ser integrados, também, fenômenos mais ou menos antigos: as guerras "mundiais", a constituição de uma ordem internacional mediante a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), ou mais recentemente, a mundialização. Inserido neste contexto de globalização, ou como no dizer de Benko (2002), de mundialização, também estão, por óbvio, os empreendimentos criminosos. Como já demonstrado acima o crime acompanha a evolução da sociedade. Assim, numa sociedade globalizada, mundializada, o crime também tem uma expressão global, em especial transnacional. Transnacional significa in literis algo que tem expressão e vem à tona através das nações. Assim, este termo tem o condão de identificar as atividades que são levadas a termo através das fronteiras dos Estados, que atingem interesses de diversas nações, sem possuir um lastro nacional específico. Ou seja, as atividades transnacionais são esforços desvinculados de interesses nacionais, adstritos tão somente às conveniências dos grupos que as executam. É possível sustentar que o termo transnacional foi primeiro cunhado por Samuel Huntington (1973, p. 338) que ensina: An international organization requires the identification and creation of a common interest among national groups. This common interest may be easy to identify, such as the exchange of mail. Or it may be the product of extensive and time-consuming negotiation among national units. A transnational organization, on the other hand, has its own interest which inheres in the organization and its functions, which may or may not be closely related to the interests of national groups. Nations participate in international organizations; transnational organizations operate within nations. International organizations are designed to facilitate the achievement of a common interest among many national units. Transnational organizations are designed to facilitate the pursuit of a single interest within many national units. The international organization requires accord among nations; the transnational organization requires access to nations. These two needs, accord and access, neatly summarize the differences between the two phenomena. The restraints on an international organization are largely internal, stemming from the need to produce consensus among its members. The restraints on a transnational organization are largely external, stemming from its need to gain operating authority in different sovereign states. International organizations embody the principle of nationality; transnational organizations try to ignore it. In this sense the emergence of transnational organizations on the world scene involves a pattern of cross-cutting cleavages and associations overlaying those associated with the nation-state. Neste sentido, é possível distinguir o que é transnacional, como acima apresentado do que é internacional. Como sustenta Guilherme Werner (2009, p. 32), in verbis: A expressão internacional indica a necessidade de uma regulamentação das relações entre Estados soberanos (Evans e Newnham 1998: 259), como um conjunto normativo que regulamente as relações entre os estados, sendo uma norma de coordenação que se presta a favorecer tal cooperação, com base no voluntarismo em razão de inexistir neste contexto uma autoridade superior de sobreposição (Dupuy, 1993: 05-06). A criminalidade organizada transnacional é, por conseguinte, aquela que se manifesta através de ações delituosas organizadas que atingem os mais diversos países simultaneamente, ao sabor dos interesses e oportunidades criminais. Como no dizer de Werner (2009) "trata-se da globalização organizacional do crime". A Organização da Nações Unidas (ONU) através da resolução da Assembléia Geral Nº 55/25 de 15 de novembro de 2000 engendrou a United Nations Convention against Transnational Organized Crime (2000), também denominada Convenção de Palermo. Nesta convenção a ONU declina os elementos que caracterizam uma ação criminosa com estatura transnacional: (.) an offence is transnational in nature if: (a) It is committed in more than one State; (b) It is committed in one State but a substantial part of its preparation, planning, direction or control takes place in another State; (c) It is committed in one State but involves an organized criminal group that engages in criminal activities in more than one State; or (d) It is committed in one State but has substantial effects in another State. Conclusão Neste sentido, é percebe-se que a repressão das ações criminosas organizadas, notadamente as de estatura transnacional, demandam do Estado o emprego de um aparato de repressão que vá além da investigação criminal em sentido estrito (BARBOSA, 2010). Diante de um fenômeno criminoso tão complexo, que atinge tantos interesses e bens jurídicos, das mais diversas formas, é imperioso que se conheça em profundidade todas as suas dimensões e seu comportamento. Isso, tanto no momento em que a organização criminosa transnacional atua, num esforço de apreciação da realidade em que ela está inserida, incluindo a análise de elementos endógenos e exógenos, quanto em cenários futuros, analisando o comportamento das ações criminosas organizadas transnacionais de forma prospectiva. Assim, ascende a relevância da instrumentalização da Atividade de Inteligência Estratégica Policial no suporte ao combate das ações criminosas organizadas transnacionais. Com o emprego de tal atividade é possível levar a termo, portanto, a otimização do processo de repressão da "globalização organizacional do crime" (WERNER, 2009). Referências 1. ALVES, Roque de Brito. Globalização do Crime, Revista Jus et Fides, Ano 2, Nº 1, Julho/2002. 2. BARBOSA, Adriano Mendes. Efeitos do Crime: Violência Gera Insensibilidade no Consciente Coletivo, 2003, http://www.jurisway.org.br (acessado em 25/11/2010); 3. _______________________. Criminalidade Predatória Organizada, Revista Artigo 5º, Ano I, Edição 2, Maio-Junho de 2008; 4. _______________________. Ciclo do Esforço Investigativo Criminal, Revista Brasileira de Ciências Policiais, Volume 1, Número 1, Jan-Jun/2010. 5. BENKO, Georges. Mundialização da Economia, Metropolização do Mundo, Universidade de São Paulo (USP), Revista do Departamento de Geografia, Nº 15, Ano 2002. 6. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Volume 1, Parte Geral, São Paulo: Editora Saraiva, 2008. 7. BRASIL, Constituição Federal, 1988. 8. _______, Código Penal, 1940. 9. CASTRO, Terezinha de. História Documental do Brasil, São Paulo: Editora Abril Cultura, 1968. 10. GOMES, Laurentino. 1808 - Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e Brasil, São Paulo: Editora Planeta, 2007. 11. GOMES, Rodrigo Carneiro. O Crime Organizado na Visão da Convenção de Palermo, Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2008, p. 3; 12. Grunspan-Jasmin, Élise. Lampião: Rei do Sertão, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. 13. HOBBES, Thomas. The Leviathan, 1651, edição para Internet de eBooks@Adelaid, 2007. http://etext.library.adelaide.edu.au (acessado em 25/11/2010); 14. HUNTINGTON, Samuel P. Transnational Organizations in World Politics, World Politics, Volume 25, Nº. 3, Abril, 1973; 15. IANNI, Octávio. Teorias da Globalização, Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2000. 16. LUNDE, Paul. 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