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Resumo:
Ao se afirmar que a solução para a problemática das drogas é a sua legalização, não se esta a dizer que o uso de drogas é algo "legal", no sentido vulgar da palavra.
Texto enviado ao JurisWay em 12/12/2017.
Última edição/atualização em 14/12/2017.
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Afirma, o antropólogo e escritor, Darcy Ribeiro, em seu livro intitulado: O povo brasileiro, que até o início da década de 70, 2/3 da população brasileira habitavam comunidades rurais; em meados da década de 70 essa situação se inverte, 2/3 da população passa a habitar em grandes metrópoles. Houve, portanto, uma migração dessas famílias atrás de uma melhor qualidade de vida.
Todavia, o Estado não estava preparado e, sem um planejamento urbano e habitacional adequado, o que houve foi a proliferação de áreas de invasão, que culminaram no surgimento de favelas. Sem planejamento urbano adequado, o principal ambiente de lazer onde seus componentes poderiam desenvolver a sociabilidade, eram os bares.
Brigas e problemas familiares em um ambiente social tão insalubre ocorrem com maior frequência, o que faz dessas comunidades zonas de risco, com maior incidência de ações policiais.
Nessas comunidades, em função das escassas opções de lazer, os jovens ficam mais suscetíveis ao uso de drogas. Quando abordados pela polícia, se tiverem em sua posse uma quantidade de droga que se faça supor estarem dedicando-se ao tráfico, dificilmente escaparão de uma acusação formal, o que faz com que os presídios brasileiros estejam lotados de jovens, negros, pobres, primários, usuários de drogas e condenados como se traficantes fossem.
Como assevera o Doutor e Mestre em Direito Processual Penal, Guilherme de Souza Nucci, "a criminalização seletiva tende as camadas mais pobres da sociedade". Portanto, o que faz supor que as comunidades carentes são um reduto de marginais, é, na realidade, fruto da criminalização dessa parcela da sociedade.
Não obstante, a que se enfatizar que todo usuário de drogas acaba praticando de alguma forma um dos verbos nucleares do tipo penal insculpido no artigo 33 da lei 11.343/2006, seja ao adquiri-la, ao transporta-lá, ao trazê-la consigo, ao te-lá em depósito, ou ainda, ao fornece-lá ou entrega-la a consumo, ainda que a titulo gratuito, sem dedicar-se a mercância.
Expor um dependente químico ou usuário de drogas a uma pena que vai de cinco a quinze anos de reclusão, sob o argumento de tutelar a saúde pública, soa no mínimo irracional. Esses indivíduos, em sua maioria pobres e sem acesso a uma defesa jurídica efetiva, acabam segregados em presídios dominados pelo crime organizado, são submetidos a violência a as regras impostas pelo gerenciamento interno do crime organizado nos presídios, e, passam a integrar as facções a fim de resguardar sua integridade física.
Não bastassem as mazelas da segregação econômica imposta pelo modelo capitalista contemporâneo, os moradores das comunidades empobrecidas das grandes metrópoles estão, ainda, sob uma guerra constante, entre as forças de segurança do Estado, e aqueles que se valem do comércio de drogas ilícitas, estando os moradores destas comunidades, suscetíveis a uma morte prematura no fogo cruzado, ou ao encarceramento em massa gerado pela política de repressão às drogas.
A guerra às drogas certamente representa um mal maior do que o próprio consumo de drogas que pretende combater. Nos Estados Unidos da América, país a exportar o modelo de guerra às drogas, a produção, preparação, distribuição e venda de Cannabis já são regulamentados para fins medicinais em mais de vinte Estados, sendo que, em quatro deles, já se regulamentou o consumo recreativo, são eles: Colorado, Washington, Oregon e Alasca.
Infelizmente, os países em desenvolvimento mantem maior resistência em abandonar essa política infrutífera, via de regra, porque, o combate às drogas se tornou bandeira eleitoral para angariar a simpatia da população, que vai ao delírio com o anúncio de investimentos no aparelho repressor do Estado, sem ter consciência de que os altos índices de violência são reflexos da própria política pública de repressão às drogas.
Ainda, a política proibicionistas serve aos governos como justificava as desigualdades sociais, pois que, todas as mazelas decorrentes dos ambientes insalubres das comunidades desassistidas pelo poder público, são atribuídas, não a escassez de serviços públicos adequados e espaços de lazer urbanizados, mas ao consumo desmensurado de narcóticos e pela tomada dos espaços urbanos pelos traficantes de drogas. O que faz da questão das drogas, uma mazela sem precedentes para a sociedade é, para além de seu consumo, a forma como tratamos o seu consumo.
Não obstante, resta consignar que, diferente do que o senso comum apregoa, não é cannabis a porta de entrada para drogas mais fortes, mas a criminalização do usuário de cannabis, haja vista, que assumindo o estigma de transgressor, a barreira moral entre a quebra da ordem já fora estabelecida.
Por fim, que fique claro, consoante asseverou o Ministro Luís Roberto Barroso, no julgamento do RE 635.659:
O consumo de drogas ilícitas, sobretudo daquelas consideradas pesadas, é uma coisa ruim. Por isso, o papel do Estado e da sociedade deve ser o de: a) desincentivar o consumo; b) tratar os dependentes; e c) combater o tráfico. Portanto, nada do que se dirá aqui – e creio que isso vale para todos os Ministros, independentemente de sua posição – deve ser interpretado como autorização ou incentivo ao consumo de drogas. Justamente ao contrário, o que está em discussão aqui é determinar que medidas são mais eficazes e constitucionalmente adequadas para realizar os três objetivos enunciados acima. Em última análise, o que estamos decidindo é se são medidas de natureza penal ou se devem ser medidas de outra ordem.
Ou seja, ao se afirmar que a solução para a problemática das drogas é a sua legalização, não se esta a dizer que o uso de drogas é algo "legal", no sentido vulgar da palavra, mas que o direito penal não é a ferramenta adequada para lidar com o problema das drogas.
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