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A Construção de um Novo Modelo de Ação Estratégica à Prevenção do Crime


Autoria:

Adriano M. Barbosa


Adriano M. Barbosa, Delegado de Polícia Federal, Mestre em Defense Analysis, pela NPS, EUA, revalidação pela UnB como Mestre em Relações Internacionais, Professor da Academia Nacional de Polícia para a Pós-Graduação em Ciências Policiais.

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Resumo:

Para se prevenir a ascenção do crime, notadamente o predatório que incide sobre o tecido social urbano, é preciso a construção de uma ação estratégica que vá além do empirismo, superando as abordagens amadoras do problema da prevenção do crime.

Texto enviado ao JurisWay em 25/11/2010.



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I - Dois Lados da Mesma Moeda

 

O Brasil enfrenta, hoje, um momento histórico que demanda ações estatais mais contundentes na seara da segurança pública. Isso, nos três níveis de poder, vale dizer local (Município), regional (Estado) e federal (União).  Notadamente nos grandes centros urbanos pátrios, sem se olvidar das cidades do imenso interior brasileiro, o cidadão e cidadã brasileiros se enxergam acuados por atos de violência por todos os lados.  Tal estado de coisas permeia todos os estratos sociais e todos os nichos da pólis.  Das favelas e subúrbios longínquos, que convivem com o poder paralelo do tráfico de drogas e hordas de justiceiros, v.g., milícias cariocas, às praias e condomínios verticais de luxo, que são alvo de arrastões e roubos coletivos, a criminalidade incide sem discriminações.  Assim, a grande questão que ascende nesses dias de pós-modernidade tropical, diriam os articulistas internacionais, “the one million dollar question”, é como arrefecer os níveis de criminalidade nos centros urbanos brasileiros mergulhados numa espécie de espiral randômica de violência?

Por óbvio, não existe uma solução mágica ou panacéia, que por encanto vem à tona e resolve todas as questões que envolvem os problemas da violência urbana e da criminalidade.  Em veras, o fenômeno social do crime vem à baila por diferentes formas e atinge o cidadão de maneira das mais diversas.

Há, portanto, o crime organizado que leva a efeito atividades criminosas, tais como roubos a banco, seqüestros pré-ordenados (planejados e com alvo – vítima – adredemente estabelecido), lavagem de capitais, tráfico de armas e drogas.  Tais crimes atingem os cidadãos comuns de certa forma, mas não em base de rotina, chegando à grande parcela da população através da imprensa (em regra sensacionalista), incidindo muito mais no campo das idéias, engendrando em corações e mentes a chamada “sensação de insegurança”.  Essa espécie de atividade delituosa constitui-se em verdadeiro empreendimento onde as ações criminosas são levadas a efeito, de forma sistemática, por uma estrutura organizacional formal, com o escopo de auferir lucro.  Essa estrutura organizada criminosa se diferencia, portanto, das atividades criminosas ordinárias que ocorrem sem relevante suporte organizacional.  Paul Lunde (2004, p.8) afirma o seguinte sobre crime organizado:

Organized crime is an economic activity, and differs from street gangs (…) not just in the degree of organization and purpose, but because organized crime accumulates capital and reinvests it.  It is this that differentiates organized criminal groups from street gangs and “unorganized” criminals.

 

Acrescenta ainda Lunde:

 

Organized crime, however defined, shares a few characteristics, whateevr the differences among individual groups and the cultures that produced them. They have in common: durability over time, diversified interests, hierarchical structure, capital accumulation, reinvetment, access to political protection, and the use of violence to protect their interests.

 

Noutro giro, há a atividade criminosa que atinge os cidadãos e cidadãs em seu cotidiano, trazendo insegurança, por assim dizer, in concreto, às ruas das cidades, notadamente aquelas com grande conglomerado populacional.  Aqui há o furto, o roubo, o dito “seqüestro-relâmpago”, o latrocínio, o estupro. Crimes que atingem os munícipes nas suas vidas privadas, fazendo de cada um, em certa medida, uma vítima em potencial.  E toda essa atividade criminosa tem seu eco amplificado pela parcela da imprensa que tem no crime e nas tragédias cotidianas a sua matéria-prima.  James Q. Wilson (1984) chama tais crimes de “predatory crime” (crimes predatórios), e R.T Naylor (2004, p.15), neste diapasão, traz o seguinte sobre tal espécie de atividade criminosa:

Organized crime groups specialize in a type of offense that is different from that of ordinary criminals.  Common criminality is mostly associated with predatory crimes – burglary, armed robbery, ransom kidnapping, and the like – acts that involve forcible or fraudulent redistribution of wealth, are episodic in nature, and require little long-term supporting infrastructure.

 

Com efeito, essas duas formas de atividade criminosa exigem modos diversos de abordagem, prevenção e repressão.  No presente estudo o segundo tipo de crime, o predatório, que serve de combustível para as angústias e fobias urbanas é o objeto de análise, isso ao lado de uma resposta estratégica plausível para sua neutralização.

 

 

 

II - Predador e Presa

 

A realidade das ruas de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo é traduzida pelos meios de comunicação, e por via de conseqüência, absorvida pelo inconsciente coletivo, tal qual a máxima de Thomas Hobbes em seu Leviatã (1651): “Bellum omnia omnes” (a guerra de um contra todos), o homem é o lobo do homem.  E onde há homens mais lobos que outros homens.  O brasileiro médio, então, se vê invadido por esse sentimento de fragilidade ao perceber que as autoridades constituídas não são hábeis a lhe prover a segurança que lhe é direito fundamental contemplado na Lex Excelsa (1988), ex vi art. 5°, caput.

Nesse passo, a violência é um dos temas centrais da vida do brasileiro neste início de terceiro milênio.  Dados de pesquisa de opinião pública nacional composta pelos índices de avaliação e de expectativa, com as variáveis emprego, renda, saúde, educação e segurança pública, promovida pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e a empresa SENSUS Pesquisa e Consultoria, de Abril de 2007, apontam que, das 2000 pessoas entrevistadas, 90,9% consideram que a violência aumentou no país, enquanto 5,2% disseram que não aumentou.  Tal pesquisa ouviu moradores de 136 municípios de 24 estados, entre os dias 2 e 6 de abril, possuindo margem de erro de 3% para mais ou para menos.  Vê-se, então, que a ampla maioria da população está submersa na certeza de que o crime tomou conta das ruas (Barbosa, 2003).

Essa certeza ascende da constatação de que o ambiente urbano onde se vive não é seguro.  Claro que esse cenário ganha dimensões hiperbólicas, quando projetado sobre a opinião pública através da mídia. Todavia é fato que não pode ser arredado por argumentos.  As ruas das grandes cidades já não são lugares onde se transita com tranqüilidade e sem temer pela própria segurança.  Seja a pé, seja em veículos, todos estão sujeitos a ser vítimas de uma abordagem criminosa.  A próxima esquina ou o próximo semáforo pode esconder um delinqüente pronto a se lançar contra o patrimônio ou incolumidade física do incalto transeunte.  Poucos são os que vivem em grandes conglomerados urbanos que não têm em seu círculo familiar ou de amizade alguém que já foi vítima de um predador urbano.

Casos como o do menino João Hélio, morto em fevereiro de 2007, como num ritual de brutalidade, fazem o ambiente urbano ter cores e nuances de violência, cada vez mais forte e mais viva. Fatos que tais fomentam a sensação de insegurança e passam a ser referência para o cidadão comum em termos de circulação nos espaços públicos.  Com efeito, fobias urbanas como síndrome do pânico e stress ascendem, fazendo com que praças, parques, calçadas e ruas passem a ser sinônimo de locais inseguros, onde o predador está sempre à espreita.

 

III - O Problema

 

Nessa equação o poder público se apresenta como um componente que falha ao promover a sua participação.  No contexto específico dos crimes predatórios, o papel da polícia, na sua dimensão preventiva, se agiganta.  No Brasil a instituição policial que desenvolve tal papel é a Polícia Militar (PM) dos estados.  Não obstante, o que se vê é que o modelo estratégico policial adotado alhures pelas PMs, baseado no que se pode chamar de prevenção-reativa, onde a polícia em regra somente age quando mobilizada por canal de comunicação, não tem alcançado os resultados esperados de prevenção criminal e arrefecimento da violência urbana. Em outras palavras, a estratégia primordial adotada pelas Policias Militares do Brasil, que se pode chamar estratégia-190, tem se mostrado desconectada com as demandas sociais de segurança.

Outrossim, há de se frisar que essa abordagem estratégica policial não é algo, obviamente, que só se vê no Brasil.  Em verdade, trata-se de uma espécie de epidemia social, isso para usar o Tipping Point de Malcolm Gladwell (2002), onde modelos de conduta são repetidos independentemente do contexto em que são inseridos.  O referencial para esse modelo estratégico é o 911 americano.

Catherine M. Coles (2002) explica que foi a idéia de polícia preventiva como uma agência do sistema criminal, focada tão-somente no combate da criminalidade, que isolou a polícia da população e a levou para um entendimento de que seu papel social haveria de ser fundado na realização de prisão dos que cometem crimes. Coles defende que dessa visão estreita do papel social da polícia é que ascendeu um cultura policial voltada tão-somente para a guerra contra o crime.  Coles e George L Kelling (1997, p.88) declinam o seguinte sobre esta cultura policial:

Finally, a police “culture” evolved that viewed whole segments of society – especially inner-city minority youth – as “the enemy”. Most police have middle-class origins and are unfamiliar with minority neighborhoods. Their training has focused on the problems and dangers of such areas, but they know little else about them.

 

Concluindo, eles dizem:

 

Police saw themselves as warriors, defending the good against the bad, the problem was, with few contacts in many local communities police had a difficult time sorting out the troublemakers from ordinary citizens.

 

No Brasil tal estado de coisas é muito mais evidente devido ao caráter paramilitar das polícias ostensivas de prevenção.  Aqui o policial é soldado e o transgressor da lei é o inimigo, isso sem exageros nem metáforas.  Mais ainda, a formação militar do policial, em regra, obnubila a sua formação cidadã.  Assim, exigências administrativas (militares) como a prestação de continência e as instruções de Ordem Unida passam a ter a mesma importância, e por vezes maior relevância, no processo de formação do policial (soldado), do que disciplinas que versem sobre o tratamento com urbanidade de cidadãos e o papel social do policial no contexto político-social em que está inserido.  Mais ainda, o cidadão é visto como o “paisano” e o delinqüente é o “inimigo” que se deve combater até às últimas conseqüências.  Ocorre que não há guerra alguma em curso.  O crime é um fenômeno social que necessita de tratamento preventivo (muito além do meramente policial) e de ação repressiva.  Não há batalhas (no sentido militar) a serem vencidas nem bandeiras inimigas a serem arreadas. Neste diapasão, Ricardo Balestreri (2002, p.68) ensina o seguinte:

A polícia existe para proteger o cidadão. Essa mesclagem ideológica que, no período militar “pedalou” a porta dos fundos da polícia, gerou muitas mazelas que até hoje carrega a atividade policial.

 

Conclui Baslestretri:

O que tem a ver polícia, mesmo que carregue o termo “ militar”, com as Forças Armadas, no contexto de uma democracia estável? Absolutamente nada do ponto de vista da funcionalidade do dia-a-dia. São lógicas distintas, são propostas distintas, são doutrinas distintas.

A conseqüência dessa cultura de guerra contra o crime é que o papel da Polícia Militar na prevenção de crimes fique restrita ao policiamento por meio de ação rápida de viaturas, que conferem, em princípio, mais agilidade às rádios-patrulha, e pronta resposta ao evento criminoso através do sistema 190. Neste sentido, não ascende como necessário o policiamento das ruas e ruelas à pé. O policial, assim, não deve ser importunado por transeuntes e moradores, vale dizer os cidadãos, para prestar informações ou ouvir os problemas da vizinhança.  Nessa cultura, que conduz a uma opção estratégica, a polícia tem que tão-somente neutralizar ações criminosas, ou seja, prender “elementos” suspeitos. Ela não tem que estar preocupada com questões outras vinculadas à qualidade de vida da vizinhança, por exemplo.  O policial, desse modo, há de estar preocupado com uma resposta rápida à ação do inimigo (criminoso), ação que só pode ser alcançada através de mobilidade e comunicação.  Mas comunicação filtrada e difundida pelas centrais de comunicação e controle operacionais, que ditam onde, como e quando os policiais nas ruas devem agir.  Segundo o escólio de Cole e Kelling (1997, p.90):

Well integrated into the reform strategy and tactics, rapid response keeps officers in cars and under centralized control, focuses police activities on city-wide priorities, is congruent with interception and preventive patrol, and is not intrusive neighborhood life – since by definition it is reactive.

 

Neste sentido, o centro de gravidade para as ações policias preventivas passa a ser a de respostas de emergências anunciadas pelos sistema 190 e atendidas por deslocamento de viaturas distribuídas adredemente pelas circunscrições das unidades (batalhões) e subunidades independentes (companhias) da PM.  Nesse sentido, o policial atua em determinada área, mas só tem contato com a mesma através dos vidros de sua viatura e dos mapas postos na sala de instrução de sua organização militar (OM).  O policial, com efeito, circula pelo bairro, mas só estabelece contato visual e ascéptico com os “paisanos” (moradores e transeuntes), sem tempo para uma saudação amistosa.  São como dois seres de mundos diferentes e distantes: o policial guerreiro combatente do crime e o cidadão paisano, vítima indefesa do criminoso.  É claro que há iniciativas, como o da Polícia Comunitária.  Contudo iniciativas que tais são exceções que só confirmam a regra.  A questão é maior do que a necessidade de iniciativas louváveis e isoladas, como os projetos de policiamento comunitário.  A polícia preventiva precisa fincar raízes profundas na comunidade e ter um policial com formação cidadã, especializado e qualificado em segurança pública e não em combate militar urbano.

Noutro giro, esse modelo preventivo e reativo de respostas emergenciais não tem conseguido, em regra, atender às demandas sociais de segurança.  O isolamento da polícia preventiva em seus quartéis e por trás de seus rituais e cultura militares, ao lado da estratégia policial de resposta emergencial a situações que envolvem a prática delituosa, coloca o cidadão em um mundo distante da sua polícia e faz com que sua credibilidade e imagem sejam debilitadas.  Dessa forma, para os policiais a conseqüência dessa opção estratégica é o isolamento que os leva a interagir com a população somente diante da perpetração de crime de alta indagação e através de acionamento de central de comunicações. Com efeito, os policiais passam a ser “estrangeiros” na sua área física de atuação profissional. E como estrangeiros sem vínculos psicológicos e/ou morais com as pessoas e os fatos que povoam o território em que eles atuam, os policiais passam a trilhar meandros que podem conduzi-los a lançar mão de métodos coercitivos de ação como o uso abusivo da força e a intimidação da população local.

O cidadão, assim, não vê suas demandas de segurança atendidas.  As ruas dos bairros, as alamedas dos centros comerciais, continuam a ser lugares de angústia.  O policial está na sua viatura atento ao rádio e à espera do acionamento do COPOM (Central de Operações da Polícia Militar) para mais um confronto com o inimigo.  O cidadão que mora no bairro e circula nas calçadas, conhecendo e sentindo na pele os efeitos da criminalidade na sua comunidade ou local de trabalho, não é consultado ou ouvido pela polícia em relação às suas necessidades de segurança.  Se não for para “denunciar” um crime através do 190, o cidadão comum não tem voz junto à polícia que promove a prevenção do crime.  Contudo o próprio policial não tem formação ou qualificação para estabelecer contato com o munícipe, isso para fins de estabelecimento de contato institucional e prospecção e angariação de informações que podem otimizar a prevenção do crime na área em que o policial faz o seu patrulhamento.

O problema que se identifica, portanto, é a incongruência entre a opção estratégica policial de resposta de emergência suportada pelo sistema 190 e as necessidades de segurança da população.  Por óbvio, o sistema 190 é pertinente como instrumento de comunicação e mobilização de forças policiais para reação policial ao ato delituoso recém praticado ou ainda em curso.  Outrossim, ele é necessário, mas não é suficiente; e não deve ser a pedra angular do policiamento ostensivo, pois isola a polícia da comunidade e traz prejuízo à prevenção do crime, fazendo com que ascenda uma prevenção-reativa.

 

IV – Resposta: A Construção de Um Novo Modelo de Ação Estratégica à Prevenção do Crime

 

Uma alternativa estratégica policial é, portanto, necessária para enfrentar tal estado de coisas.  E experiências outras, inclusive internacionais, podem surgir como referência para que se estabeleça uma abordagem estratégica em consonância com a realidade brasileira e suas demandas de segurança.

Ab ovo, há de se esclarecer que aqui não serão perquiridas questões relativas à necessidade de se desmilitarizar as polícias preventivas estaduais e o aperfeiçoamento dos currículos dos cursos de formação e aperfeiçoamento policiais de praças e oficiais das PMs.  Isso desvirtuaria o gol do presente estudo. Mais ainda, a corrente análise não se lança em empreitada para fins de se abordar com profundidade a necessidade de mudança de cultura coorporativa das PMs - vale dizer, da cultura de caserna.  O foco é centrado em uma proposição estratégica alternativa que, por certo, necessita de uma adaptação mínima de postura organizacional para ser implementada com sucesso.  Assim, a superação de alguns dos paradigmas que circundam e sustentam a suso referida cultura é necessária.  Assim não sendo, abordagens como as iniciativas de polícia comunitária serão sempre algo lateral e não a inauguração de uma nova era de policiamento preventivo.

O referencial teórico utilizado em prol da sustentação da alternativa estratégica aqui apresentada é a chamada “Broken Windows Theory” (teoria das janelas quebradas), idealizada por James Q. Wilson e George L. Kelling (1984).

Durante a década de 1980 a prefeitura de Nova Iorque implementou a chamada “Broken Windows Theory”.  Tal teoria foi estabelecida pelos criminalistas e pensadores da atividade policial, James Q. Wilson e George L. Kelling e tem como objetivo reduzir a incidência de atividades criminosas em espaços urbanos.  O cerne de tal teoria está fundamentada na seguinte lógica: comportamentos em espaços urbanos que inobservam a lei e normas de conduta dão causa a um ambiente social propício a prática de crimes. Logo, a repressão de tais condutas, mesmo as de menor monta, como pichações e mendicância, hão de ser prevenidas e reprimidas. Aqui a polícia age em coordenação e cooperação com órgãos públicos que cuidam da assistência social. Aqui a polícia é mais que uma agência pública que combate o crime ou que previne o crime com reação.

Policiamento, segundo tal teoria, é entendido como a prestação de um serviço público que corrobora com um ambiente social seguro e de qualidade. Segundo o escólio de Coles e Kelling (1997, 97):

There is growing evidence to suggest that police attention to "quality-of-life" issues and low-level crimes,, making use of tactics significally at variance with 911 policing, may have a significant impcat in lowering incidence rates of index crimes. For example in New York City, as of June 30, 1995, the rate of reported murders by handgun was down 40.7 percent from the previous era, largely attributable, according to federal and local officials, to "quality-of-life" enforcement by the police.

 

Neste sentido, o que se propõe é que haja uma mudança de abordagem estratégica policial, no que concerne à prevenção do crime, isso, de um estágio de prevenção reativa para prevenção propriamente dita. E tal prevenção é desenvolvida com a aproximação do policial com a comunidade em que ele está inserido, enquanto guardião da lei e da ordem. Com essa aproximação física, a partir da introdução de uma visão cidadã de segurança pública na formação e qualificação dos policiais, o policial desembarca de sua viatura e ocupa de forma efetiva o espaço urbano. Assim, com a presença física e o contato humano do policial com os moradores e transeuntes das ruas e calçadas do agrupamento urbano, o policial pode se antecipar à prática criminosa e ter no cidadão uma valiosa fonte de informações que pode lhe indicar, por exemplo, a presença suspeita de indivíduos que transitam no bairro.

Todavia a ação policial é necessária, mas não é suficiente para a prevenção do crime. Ao lado da atividade preventiva policial, é preciso que o Estado atue na dimensão social dos problemas urbanos, fazendo com que o espaço urbano deixe de ser “locus amoenus” para atividades que desrespeitem regras de conduta urbana que conduzem à prática de ações delituosas. Isso, pois, o desrespeito a normas de conduta (mesmo as de pequena monta) em centros urbanos induz a um ambiente propício à perpetração de crimes. Em outras palavras, um ambiente urbano permeado por condutas que trazem desordem, como sem-tetos que urinam e defecam nas ruas, pedintes que abordam transeuntes de forma agressiva, é porta de entrada de condutas criminosas.

Por conseguinte, o poder público, tanto o estadual, quanto o municipal, há de agir na dimensão da infra-estrutura urbana e da assistência social para promover inclusão social e construção de um espaço urbano que proporcione a elevação da qualidade de vida do munícipe e, por conseguinte, a elevação de sua auto-estima. Em verdade, qualquer estudo profícuo na seara da segurança pública alcança facilmente conclusões de que as ações estatais de combate à violência urbana não podem se restringir à seara policial. Em verdade, as ações de polícia são um dos elementos que dão suporte às iniciativas estatais na área da segurança, mas isso não é a solução, por assim dizer, mágica do problema da alta incidência dos crimes predatórios e da conseqüente violência urbana desenfreada.

Em verdade, quando se transfere toda a responsabilidade da segurança pública às instituições policiais, o que se faz é uma tentativa de escamotear as responsabilidades estatais, nos três níveis da Federação, das demais dimensões do Poder Executivo. De fato, é muito mais fácil e cômodo jogar sobre os ombros da polícia a culpa pelos desmandos da segurança pública. Como as polícias, por muito tempo -- ditadura militar --, foram instrumento de opressão política, não contando, assim, com a fidúcia e simpatia da maioria da população (por óbvio, sendo em certa medida culpada também por este estado de coisas devido aos seus desvios de conduta legal e moral cometidas por alguns de seus membros), fica fácil, diria extremamente fácil, transferir aos homens de distintivos e fardas a culpa pelos seculares equívocos na seara da segurança.

Centrar as culpas pela falha do sistema de segurança, e as respostas estatais para sanar tais equívocos, unicamente nas polícias, é enxergar a verdade somente com um dos olhos. O problema da segurança pública, adstrito à violência urbana, advém de falhas da gestão pública na seara social como um todo. A falta de investimentos em educação, a ausência de incentivos à profissionalização de jovens e adultos, a falta de programas de educação desportiva para jovens carentes, a ausência de financiamento, em larga escala, em prol de negócios de pequeno porte para fins de geração de renda e emprego, são alguns dos elementos defectíveis que afetam de maneira crucial a questão da segurança. Noutro giro, o maior dos problemas sociais que afeta a segurança nos grandes centros urbanos é a negligência, e por fim o abandono dos espaços urbanos inseridos em bolsões de pobreza e miséria. O abandono dessas áreas leva à ascensão do caos urbano, vide as favelas cariocas. Ai, então, passa a imperar a baixa-estima social e a ausência da assistência estatal em prol dos necessitados. Nas vielas, valas e lages há a mais completa anomia, vale dizer, ausência de lei, imperando o caos e a lei do mais forte. Pior, o vácuo produzido pela ausência do poder público faz nascer o poder paralelo, que substitui o poder estatal constituído e passa a ditar como devem se dar as normas de conduta social e política dos moradores destes guetos. Assim, a violência passa a viger como a pedra angular da administração do poder criminoso, que agora é o poder de fato e de direito nessas áreas de abandono estatal.

Com efeito, o Estado e o Município devem agir na prevenção do crime para além da ação policial. Tais entidades estatais hão de desenvolver ações para que se impeça a ascensão do caos urbano. A recuperação de áreas degradadas e a manutenção destas áreas em níveis tais que proporcionem um ambiente urbano-social civilizado é um dos primeiros passos para se superar o caos reinante nas novas senzalas pós-modernas. Se não há a recuperação do espaço urbano, a lei da “selva de pedra” impera. Se as janelas quebradas (“broken windows”) permanecem aos pedaços, sempre haverá mais uma pedra sendo atirada para quebrar a próxima janela. Caos urbano gera violência. Não que isso seja um determinismo darwiniano, mas é, com certeza, uma teoria de todo aplicável. Isso, onde a desordem do espaço urbano é a variável independente (VI) e a violência urbana a variável dependente (VD).

Assim, Estado e Município precisam dar sua cota de participação no processo de fortalecimento de ações estatais na área de segurança, não somente na dimensão policial. Hão de existir medidas de ação estatal de estatura social. Assim, a intervenção do poder público na seara da segurança pública há de passar pelo resgate das áreas urbanas que abrigam os bolsões de pobreza e miséria, tornado essas regiões um espaço urbano sadio e digno.

Um bom exemplo da plausibilidade dessa proposta estratégica de prevenção da ação criminosa foi a iniciativa dos governos estadual e municipal na cidade do Rio de Janeiro, que levou a efeito a ”Operação Copabacana”. Tal ação estatal se deu com a retirada de 40 pessoas das ruas, cinco caminhões apreendidos, cargas interditadas e diversas multas aplicadas. Foi um verdadeiro mutirão da ordem pública formado por 50 agentes de órgãos estaduais e municipais de segurança, fiscalização e assistência social. A Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro publicou o seguinte no seu sítio na rede mundial de computadores em 19/04/2007:

Os agentes investiram no diálogo para remover os moradores de rua. O centro das varreduras foi a Avenida Atlântica, um dos principais pontos turísticos do Rio de Janeiro. Alguns moradores de rua resistiram à remoção, mas receberam garantia de bom tratamento e entraram nas viaturas. Eles foram levados à 12ª DP (Copacabana) para levantamento da ficha e cadastramento na delegacia, procedimento chamado de sarqueamento. Quem aceitou apoio social seguiu para abrigos públicos. Algumas pessoas não possuíam documento de identificação e receberam auxílio da Fundação Leão XIII.

O centro das varreduras foi a Avenida Atlântica, um dos principais pontos turísticos do Rio de Janeiro. Alguns moradores de rua resistiram à remoção, mas receberam garantia de bom tratamento e entraram nas viaturas. Eles foram levados à 12ª DP (Copacabana) para levantamento da ficha e cadastramento na delegacia, procedimento chamado de sarqueamento. Quem aceitou apoio social seguiu para abrigos públicos. Algumas pessoas não possuíam documento de identificação e receberam auxílio da Fundação Leão XIII. Um vendedor de côcos foi autuado por falta de nota fiscal e licença necessária para venda do produto aos comerciantes. A Vigilância Sanitária multou o quiosque “Antônio’s Lanches” em R$ 877 por falta de higiene.

 

            Nesse sentido, uma abordagem holística da segurança pública, que vai além, muito além, da necessária ação policial, é imprescindível para que haja uma prevenção de fato do fenômeno da violência urbana. Se se continuar, tão-somente, investindo em prevenção policial de estatura reativa, com distanciamento do policial do cidadão que ele protege, e aplicação de recursos na maquiagem da ação policial, como em compra de viaturas, isso olvidando-se da qualificação daquele que a opera, serão obtidos somente os mesmos resultados frustrantes.

            Ao contrário, é preciso uma resposta estratégica à violência urbana, que contemple a retomada do espaço urbano pelo poder público através de seu ordenamento com investimentos de cunho social para fins de seu resgate e revitalização, fazendo com que as comunidades mais carentes tenham a seu dispor um espaço pólis digno e arredado do caos. E, concomitantemente, a polícia há de superar a cultura da guerra ao crime e implementar definitivamente uma abordagem cidadã da segurança pública, com aproximação da população e antecipação de fato da prática de condutas delituosas.

 

Lista de Referências:

 

  • BALESTREI, Ricardo Brizolla. Direitos Humanos: Coisa de Polícia, Passo Fundo, RS: CAPEC – Gráfica e editora Berthier, 2002.
  • BARBOSA, Adriano Mendes. Efeitos do Crime: Violência Gera Insensibilidade no Consciente Coletivo, 2003, http://conjur.estadao.com.br/static/text/8960,1  (acessado em 01/05/2007);
  • GLADWELL, Malcolm. The Tipping Point; How Little Things Can Make a Big Difference, New York, NY: Little, Brown and Company, 2002;
  • HOBBES, Thomas. The Leviathan, 1651, edição para Internet de eBooks@Adelaid, 2007. http://etext.library.adelaide.edu.au/h/hobbes/thomas/h68l/ (acessado em 01/05/2007).
  • KELLING, George and COLES, Catherine. Fixing Broken Windows: Restoring Order and Reducing Crime in Our Communities, New York, NY: Touchstone, 1997.
  • LUNDE, Paul. Organized Crime: An Inside Guide to the World’s Most Successful Industry, London, UK: Dorling Kindersley, 2004.
  • Pesquisa de opinião pública nacional composta pelos índices de avaliação e de expectativa, com as variáveis emprego, renda, saúde, educação e segurança pública, CNT/SENSUS, abril, 2007, http://www.cnt.org.br/arquivos/downloads/relat88.pdf (acessado em 01/05/2007).
  • NAYLOR, R.T. Wages of Crime: Black Markets, Illegal Finance, and the Underworld Economy, Ithaca, NY: Cornell University Press, 2004;
  • Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, Começa o choque de ordem da operação “Copabacana”, http://www.seguranca.rj.gov.br/content.asp?cc=12&id=2212 (acessado em 19/04/2007);
  • WILSON, James Q. Thinking about Crime, New York, NY: Vintage Books edition, 1985.
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