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ASPECTOS POLÊMICOS A RESPEITO DO AVAL, PRESTADO SEM A AUTORIZAÇÃO CONJUGAL, NA VISÃO DOS TRIBUNAIS.


Autoria:

Silvane Boschini Lopes


Secretária e assessora jurídica da Carrilho & Cafareli Advogados Associados; estudante do curso de direito da Universidade TUIUTI do Paraná.

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Resumo:

O presente artigo, aborda a aplicabilidade do Enunciado nº 114 do CJF, quanto a figura do aval prestado sem a outorga conjugal, tendo em vista a redação do art. 1.647, III do Código Civil.

Texto enviado ao JurisWay em 15/10/2010.

Última edição/atualização em 17/10/2010.



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 O novo Código Civil de 2002, em vigor há mais de sete anos, apresentou muitas novidades ao ordenamento jurídico brasileiro. Uma delas, ficou por conta da nova redação conferida ao art. 235, pelo atual art. 1.647 do novo Codex. Vejamos a seguir, no quadro comparativo, as alterações que ocorreram:

Redação CC 1916

Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916.

Redação CC 2002

Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

Art. 235. O marido não pode, sem consentimento da mulher, qualquer que seja o regime de bens:

I – alienar, hipotecar ou gravar de ônus real os bens imóveis, ou direitos reais sobre imóveis alheios (arts. 178, § 9º, I, a, 237, 276 e 293);

II – pleitear, com o autor ou réu, acerca desses bens e direitos;

III – prestar fiança (arts. 178, § 9º, I, b, e 263, X);

IV – fazer doação, não sendo remuneratória ou de pequeno valor, com os bens ou rendimentos comuns (art. 178, § 9º, I, b).

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

III – prestar fiança ou aval;

IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.

[grifo nosso]

 

 

Como percebemos, foram várias as alterações (exclusões/inserções) suportadas. Dentre elas, merece destaque a alteração do caput, colocando os cônjuges em posição de igualdade: “nenhum dos cônjuges pode”, acabando com o preconceito convivido pelas mulheres. A Constituição Federal de 1988, adotou em seu art. 5º, I[1], o princípio da igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres. Até então, estas, eram tratadas como criaturas submissas aos seus maridos.

Prova disto é o que se extrai das anotações do Mestre Orlando Gomes, em sua clássica obra, editada em 1957:

Apesar dos generosos esforços para firmar uma situação de paridade na sociedade conjugal, o marido continua a ocupar uma posição jurídica de ascendência. [...] Na sociedade conjugal, a mulher ocupa, com efeito, uma posição inferior. Alguns códigos, como o nosso, incluem-na entre as pessoas relativamente incapazes. A inferioridade traduz-se numa série de limitações no exercício de direitos, o qual fica na dependência de autorização marital. Contudo, a tendência é no sentido de eliminar a desigualdade, pelo menos nesse ponto”.[2]

Com a promulgação da nova Carta Magna, quebraram-se vários paradigmas em relação a elas, que deixaram a posição subordinada, para ganhar status de sócias na relação conjugal.

Amparado neste princípio constitucional, o Código Civil de 2002, alterou substancialmente a redação do art. 235, da legislação anterior.

 

I.          A INCLUSÃO DO INSTITUTO AVAL NO INCISO III DO ART. 1.647

 

Além da novidade apresentada no caput, a inclusão que está a causar maior controvérsia no meio jurídico, até os dias atuais, é a novidade apresentada pelo inciso III. A inclusão do instituto aval ao lado da fiança, ou seja, a obrigatoriedade de autorização conjugal para se prestar tanto um como outro, sob pena de nulidade. E, na hipótese do cônjuge que não concedeu a autorização, sofrer algum prejuízo advindo do ato deliberado de seu consorte, poderá demandar a rescisão do contrato de fiança ou a invalidade do aval, conforme disposto no art. 1.642, IV, do Código Civil[3].

Este é o principal ponto do estudo que se segue, sobretudo na visão dos Tribunais. Qual é o melhor entendimento da jurisprudência, ao disposto no art. 1.647, III, do CC/2002, notadamente quanto à figura do aval, prestado em títulos cambiários, por cônjuges casados em regime que não seja o de separação de bens, sem a devida autorização conjugal.

Atualmente, os Tribunais vêm adotando um posicionamento mais flexível, interpretando que a melhor exegese para o dispositivo em comento, é aquela que dispõe, que o aval prestado sem a autorização conjugal, não invalida o instituto, e na hipótese de ocorrer constrição sobre os bens comuns, ficará preservada a meação do cônjuge que não anuiu com a garantia.

Por óbvio, também existe entendimento no sentido contrário, levando o disposto no art. 1.647, ao pé da letra, deixando de fazer o devido cotejo analítico das normas que regulam a situação, ao caso concreto, e assim, concluem equivocadamente que, tanto a fiança como o aval prestados sem a autorização conjugal, seriam completamente nulos, tornando ineficaz a garantia prestada unilateralmente pelo seu consorte.

 

II.        TRATAMENTO CONFERIDO AO AVAL NA LEI 2.044/1908, PELA LEI UNIFORME – DECRETO 57.663/66

 

A Lei 2.044/1908, que regula as operações cambiárias, dispôs na parte final do art. 14 que: “para validade do aval, é suficiente a simples assinatura do próprio punho do avalista”. O art. 42 e 43 do mesmo diploma, ainda estabelecem que: “pode obrigar-se por letra de câmbio, quem tem a capacidade civil” e “as obrigações cambiais são autônomas, ficando o signatário por ela vinculado e solidariamente pelo seu pagamento, sem embargo de nulidade”. Portanto, da leitura dos dispositivos acima, vê-se que o único requisito para validade do aval, é a capacidade civil e nada mais.

Não destoando do que já disciplinado pela legislação brasileira, a Lei Uniforme de Genebra (Decreto 57.663/66), veio complementar a legislação vigente e regular os conflitos nacionais e internacionais, em matéria de letra de câmbio e títulos cambiários. Nos artigos 30 a 32, que disciplinam o instituto, também não é exigida a autorização conjugal para validade da garantia, que é in rem e não in personam como ocorre na fiança.

Em que pese ambas sejam garantias pessoais, a garantia in rem, é uma garantia objetiva de pagamento, vinculada ao título cambiário. Uma garantia voltada ao valor consubstanciado na cártula. Ao prestá-la, o avalista assume solidariamente com o avalizado, uma obrigação principal, garantindo que a importância subscrita na cártula, terá sua adequada liquidação.

Sobre o tema, José Maria Whitaker: “considera o aval como garantia a um valor, in rem, e não a uma pessoa, in personam – o aval não é fiança”[4]. No mesmo sentido, Lauro Muniz Barreto destaca que: “A fiança é uma garantia in personam e o aval é uma garantia objetiva, in rem”[5], e complementando, Ulderico Pires dos Santos:

Por ser o aval uma obrigação abstrata, à qual o avalista se vincula sem explicar a causa, ele é uma figura totalmente estranha à exceção causal existente entre o sacador e o sacado. E tal se dá porque, com o aval o que o avalista garante é o pagamento do título cambeiforme e não o aceite do mesmo pelo sacador ou pelo emitente. Tratando-se, como se trata, de obrigação autônoma, que atua independentemente da obrigação assumida pelo avalizado, é válido ainda que a obrigação avalizada seja substancialmente anormal. Como garantia objetiva in rem, autônoma como se disse, é estranho ao negócio jurídico subjacente que houver motivado a emissão do título cujo pagamento garante, daí ser despicienda a ausência de causa para o seu lançamento em circulação[6]. [grifo nosso]

Já a garantia in personam, é uma garantia subjetiva, onde o que se garante é a pessoa do afiançado, responsável principal pela obrigação. Esta garantia tem caráter subsidiário, como ocorre no contrato de fiança, por exemplo, em que o fiador se compromete apenas de forma subsidiária e acessória com o credor principal.

Portanto, não se confundem estas espécies de garantia. O Ilustre Prof. Carvalho de Mendonça, no seu Tratado de Direito Comercial, leciona que:

O aval é garantia especialíssima, peculiar ao direito cambial, podendo colocar-se ao lado das outras garantias que o direito comum consagra, a fiança, o penhor, a hipoteca, a anticrese, o del-credere, etc. Por maior que seja a analogia ou afinidade que mantenha com qualquer desses institutos, o aval distingue-se substancialmente de todos. Ao invés de constituir garantia subsidiária, ele dá vida a uma obrigação principal. [...] O avalista não assume obrigação alheia, ainda que indique a pessoa que garante; mas, responde solidàriamente pelo pagamento da letra de câmbio. Ao credor é indiferente que a garantia fosse prestada a um ou a outro devedor, e, ainda, que a intervenção do avalista se desse a respeito de obrigação nula. A garantia é puramente objetiva; O aval é in rem não in personam[7].

Assim, concluímos pelos diplomas que regem as relações cambiárias, e amparados na mais clássica Doutrina, que o tratamento jurídico conferido ao aval, é distinto daquele conferido a fiança, tanto pelos requisitos, como pela forma e efeitos que os distinguem.

 

III.       AVAL E FIANÇA - DIFERENÇAS E EFEITOS DOS INSTITUTOS

 

Quando falamos em aval, é inevitável que muitos, desconhecendo o tratamento jurídico conferido ao instituto, comparem-no à fiança. Apesar de semelhantes, as garantias, possuem peculiaridades bem distintas, a começar pela natureza jurídica que os regulam. O primeiro é garantia cambiária regulada pelo direito comercial e o segundo, garantia contratual amparado no direito civil.

Por ambos garantirem uma determinada obrigação pessoal, é comum, porém lamentável, nos depararmos com decisões aplicando por analogia os efeitos de um ao outro.

O aval é uma obrigação de natureza autônoma, formal, lançada na própria cártula, e regida por lei especial. Decorre da simples assinatura do avalista no título, tornando-o devedor solidário, podendo inclusive ser compelido antes mesmo do avalizado, a adimplir o valor. O avalista, não pode invocar como defesa, causas relativas à origem do título, em face dos princípios que o regem, a saber, princípios da cartularidade, da literalidade e da autonomia, bem explicados a seguir pelo Prof. Fabio Ulhoa Coelho:

[...] O princípio da cartularidade é a garantia de que o sujeito que postula a satisfação do direito é mesmo o seu titular. [...] Pelo princípio da cartularidade, o credor do título de crédito deve provar que se encontra na posse do documento para exercer o direito nele mencionado.

[...] Princípio da literalidade, segundo o qual somente produzem efeitos jurídico-cambiais os atos lançados no próprio título de crédito. Atos documentados em instrumentos apartados, ainda que válidos e eficazes entre os sujeitos diretamente envolvidos, não produzirão efeitos perante o portador do título.


[...] Pelo princípio da autonomia das obrigações cambiais, os vícios que comprometem a validade de uma relação jurídica, documentada em título de crédito, não se estendem às demais relações abrangidas no mesmo documento.[8]

Ainda sobre a distinção dos institutos, trago a baila, o posicionamento do Mestre Carvalho de Mendonça: “Aval é obrigação cambial, independente, direta e pessoal daquele que, na condição de avalista, lança firma em cambial. A fiança é garantia subsidiária que se distingue do aval na forma e nos efeitos.”[9]

A fiança é um contrato acessório, onde o fiador, salvo estipulação em contrário, responde de forma subsidiaria pela obrigação. Ao contrário do avalista, este, pode exigir em caso de descumprimento da obrigação pelo afiançado, que primeiro sejam executados os bens do devedor principal - benefício de ordem previsto no art. 827[10], e também invocar as exceções, previstas no art. 837[11], ambos do Código Civil.

Nesse sentido, assim dispôs o renomado Prof. Rubens Requião:

O prestador do aval pode ser acionado para pagar antes do avalizado, o que não ocorre na fiança, em que se estabelece, em princípio, o benefício de ordem. No aval, o avalista não pode alegar, perante terceiros de boa fé, exceções pessoais que teria contra o avalizado. O contrário, todavia, opera-se na fiança, em que é dado ao fiador alegar defesas pessoais contra o credor. Sem falar ainda que a fiança é uma obrigação essencialmente acessória, que não subsiste sem a obrigação principal, sendo que o aval é uma obrigação autônoma, cuja validade não é afetada por nenhuma outra obrigação cambiária, nem mesmo por aquela à qual é equiparada.[12]

E para finalizar, não poderia deixar de citar o saudoso mestre Pontes de Miranda, que ao discorrer sobre o assunto foi imperativo, asseverando que: “aval não é fiança”. Ponderou ainda que, o fiador garante o cumprimento da obrigação de outrem, já o avalista promete esse cumprimento:

[...] aval não é fiança. O aval é declaração unilateral de vontade; a fiança é contrato. Quem avaliza assume dever independente, razão porque a invalidade da declaração unilateral de vontade a que se refere não se lhe contagia. É gerador de dívida abstrata. Não se pode falar de aval oneroso ou gratuito. O negócio jurídico subjacente, simultâneo ou sobrejacente é que pode ser oneroso ou gratuito.[13]

O aval distingue-se da fiança substancialmente na sua criação, na sua forma e nos seus efeitos. A Lei 2.044/1908, não o admite como obrigação acessória ou subsidiária. Não garante o devedor, garante o pagamento do valor nele subscrito, e ao mesmo tempo protege o portador da cártula contra os vícios da obrigação avalizada.

Em relação à fiança, o STJ recentemente editou a súmula nº 332 dispondo que: “A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia”. Importante frisar desde logo, que a súmula em questão, nada fez alusão ao aval, devendo ser veemente afastada sua aplicação por analogia.

A ausência de dispositivos na legislação cambiária vigente, quanto à obrigatoriedade ou não da autorização conjugal, e as malfadadas teses recursais de algumas partes, acabam influenciando alguns julgadores, a aplicar analogicamente os mesmos efeitos da fiança ao aval.

Situação semelhante já ocorreu no passado, e na oportunidade, Pontes de Miranda foi impetuoso, criticando esses julgados que, erroneamente embaraçavam os institutos:

É pena que alguns julgados, por tendência ao corte liminar das questões, em fórmulas simplistas, afirmem que o aval é nulo se a mulher não concordou, o que constitui não só solução errada, como solução que borra todas as questões e como que desconhece todos os argumentos a favor e contra cada um dos problemas suscitados. São exemplos de tão lamentável expediente os acórdãos da 5ª Câmara, de 5 de julho de 1934, e das 5ª e 6ª Câmaras Conjuntas da Corte de Apelação do Distrito Federal, de 12 de novembro do mesmo ano.[14] [grifo nosso]

E ainda quanto aos efeitos, ensina:

Se o marido avalizou sem o consentimento da mulher; sem ocultar o seu estado civil e sem se dizer com aquele consentimento, obrigou-se; porém não obrigou a mulher, de modo nenhum. Os bens que obrigou são os seus.[15]

O direito cambiário, que tudo tem a dizer sobre o aval, nada tem a dizer sobre a comunicação ou a não-comunicação da dívida. Não há direito de família no direito cambiário, nem direito cambiário no direito de família. Foi por se não atender a isso que muitas injustiças já se cometeram em matéria de aval de homem casado.[16]

Creio que novamente estas estratégias serão rechaçadas pelos Tribunais Superiores, pois em que pese ambos sejam institutos de garantias pessoais, não se confundem como já vimos.

 

IV.       DOS EFEITOS DO AVAL SEM AUTORIZAÇÃO CONJUGAL, DE ACORDO COM A ESPÉCIE DE REGIME DE BENS.

 

O regime de bens, regulado pelo direito de família, traz normas aplicáveis às relações de interesse econômico resultantes do casamento.

De acordo com o regime de bens escolhido pelo casal, e considerando a atual redação do art. 1.647 do Código Civil, o aval prestado sem autorização conjugal, pode gerar efeitos bem distintos. Em regra, a meação do cônjuge ficará preservada, porém, se o regime for o de separação de bens, não há que se falar em proteção, pois não existem bens comuns, apenas bens individualizados, que não se comunicarão em momento algum.

Já em relação ao regime de comunhão universal, existe outra particularidade. Todos os bens podem responder pela garantia prestada, até mesmo aqueles adquiridos antes da constância do casamento, visto que todo o patrimônio, presente e futuro do casal, formam uma só massa.

Os regimes de bens previstos no Código Civil são quatro, a saber:

1.         COMUNHÃO PARCIAL – regulada pelos arts. 1.658 a 1.666: Aqui, somente os bens que sobrevirem ao casamento, poderão ser atingidos. Os bens adquiridos individualmente por cada um, antes do casamento, não se comunicam, ficando excluídos da comunhão. Este regime é identificado por três tipos de patrimônios: o comum, o pessoal do marido e o pessoal da mulher. Somente o patrimônio comum e o daquele que prestou a garantia, poderão vir a ser atingidos, em decorrência da ausência de autorização conjugal. A meação daquele que não anuiu à cártula, em regra, ficará intacta.

Aqueles bens recebidos isoladamente por doação ou sucessão, assim como aqueles sub-rogados em seu lugar, mesmo adquiridos na vigência do casamento, também não se comunicam, mas, podem ser penhorados em sua totalidade, na hipótese de pertencerem exclusivamente ao consorte que prestou o aval, ou ainda, melhor sorte, não sofrerá nenhum embaraço, se pertencer àquele que não autorizou a garantia.

2. COMUNHÃO UNIVERSAL – regulada pelos arts. 1.667 a 1.671: Esta espécie de regime, implica na formação de uma única massa de bens indivisíveis. Tantos os bens presentes como os futuros se comunicam, ficando todos eles, sujeitos a responder pela obrigação contraída unilateralmente pelo parceiro, salvo as exceções previstas no art. 1.668 do CC[17], que têm efeitos personalíssimos.

3. PARTICIPAÇÃO FINAL DOS AQUESTOS – regulada pelos arts. 1.672 a 1.686: Regime quase não utilizado e muito semelhante à comunhão parcial. Cada cônjuge possui um patrimônio próprio, e mesmo aqueles bens adquiridos no alento do casamento, continuarão sob seu domínio e administração. Só haverá comunicação destes, no momento da dissolução conjugal. Consequentemente, os cônjuges sujeitos a este regime, prestando o aval sem a autorização do companheiro, podem ter seu patrimônio penhorado totalmente. Porém, ocorrendo a dissolução da sociedade, e ficando comprovado que, àquele bem constrito pertencia à massa comum do casal, o cônjuge prejudicado, poderá pedir reparação de danos, decorrente do ato deliberado de seu companheiro que lhe causou prejuízo.

4. SEPARAÇÃO DE BENS – regulada pelos arts. 1.687 a 1.688: Neste regime, cada um responde e administra seu patrimônio livremente. Não existe um patrimônio comum, salvo estipulação contrária em pacto antenupcial. Assim, em regra, o aval prestado por qualquer um dos nubentes, não prescinde de autorização. Também não há que se falar em preservar a meação daquele que não prestou a garantia.

Conclui-se, portanto que, a proteção conferida à meação, depende necessariamente da espécie de regime de bens adotada pelos nubentes. Deve-se tomar como base que, o aval prestado unilateralmente não torna o outro nubente devedor, e, portanto, não tem este, obrigação de saldar com sua meação os credores daquele. Logicamente, isto tudo é regra geral que admite exceções, assim, devemos ficar atentos as diversas particularidades de cada caso concreto, observando qual regra melhor se aplica ao litígio.

Sob o mesmo prisma, os bens comuns indivisíveis, seja pela condição de co-proprietário ou condômino necessário, terão a mesma proteção patrimonial. Os Tribunais têm decidido, de forma pacífica nestas situações, por preservar a fração correspondente a terceiros, que não fizeram parte da relação cambiária, inclusive podendo exercer seus direitos de preferência. Nesse sentido:

[...] Em sede de execução, a fração ideal de bem indivisível pertencente a terceiro não pode ser levada à hasta pública, de modo que se submete à constrição judicial apenas as frações ideais de propriedade dos respectivos executados. (REsp 596.434/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU 23.11.07). [grifo nosso]

[...] Pode opor embargos de terceiros o condômino que vê a totalidade do condomínio posta à venda em edital de praça relativo a execução contra outro condômino. No caso, os embargos limitam-se ao resguardo da fração ideal pertencente ao condômino não executado (Código Beviláqua, Art. 623). [...] (REsp 706.380/PR, Rel. Ministro  HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/10/2005, DJ 07/11/2005 p. 278). [grifo nosso]

[...] Tratando-se de arrematação de imóvel em regime de condomínio, que se encontra em estado de indivisão, deve-se intimar o co-proprietário para que se manifeste a respeito do eventual exercício de seu direito de preferência. [...] (REsp 899.092/RS, Rel. Ministra  DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/02/2007, DJ 22/03/2007 p. 320). [grifo nosso]

Portanto, idêntica proteção conferida ao cônjuge, que não prestou a garantia, têm os condôminos e co-proprietários de bens indivisíveis. Todos eles são legitimados a defender sua parte, mediante a competente ação de Embargos de Terceiro, prevista no art. 1.046 do CPC[18].

 

V.         EFEITOS DA CONSTRIÇÃO SOBRE O BEM DE FAMÍLIA

 

Superada a questão do regime de bens, a constrição advinda de uma relação obrigacional como do aval, jamais poderá atingir o bem de família, protegido constitucionalmente.

A Lei 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, traz no art. 3º, rol taxativo das hipóteses de exceção. São elas:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;III - pelo credor de pensão alimentícia; IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Em nenhuma delas, prevê a obrigação decorrente da prestação de aval, portanto, se o único bem comum do casal que estiver sujeito a responder pela garantia, for o imóvel em que residem, tanto ele como os bens que ali guarnecem não responderão pelas dívidas decorrentes de relações cambiárias.

Esta proteção decorre do direito à moradia, previsto constitucionalmente nos arts. 1º, III, 5º e 6º[19], constituindo um dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Situação diversa ocorre no contrato de fiança. É cedido tanto pela doutrina, como pela jurisprudência, que o imóvel do fiador, mesmo sendo único, responde pelas dívidas advindas da garantia prestada em contrato de locação. Mais que isso, por disposição expressa na Lei 8.009/90, em seu art. 3ª, VII, o bem de família do fiador pode ser penhorado, pois se subentende que ao prestar a garantia, o fiador abdica do direito à impenhorabilidade.

O STF inclusive já decidiu quanto à constitucionalidade do art. 3º da Lei 8.009/90:

FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República. (RE 407688, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/02/2006, DJ 06-10-2006). [grifo nosso]

Posteriormente, o STJ com base neste precedente, ratificou seu posicionamento no mesmo sentido:

[...] Entende esta Corte ser possível a penhora do bem de família do fiador em contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, VII da Lei 8.009/90. Este entendimento encontra-se em harmonia com a atual jurisprudência do STF a respeito do tema, tendo sido declarada a constitucionalidade do referido dispositivo legal. [...] (AgRg no REsp 959759/SC, Rel. Ministro  NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 28/02/2008, DJe 17/03/2008)

[...] É válida a penhora do bem destinado à família do fiador em razão da obrigação decorrente de pacto locatício, aplicando-se, também, aos contratos firmados antes da sua vigência [...] (AgRg no REsp 876.938/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJe 3/11/08).

Na fiança, não se preserva nem mesmo a meação do cônjuge, pois a autorização deste é requisito essencial para a validade da garantia prestada. A exigência da autorização conjugal para esta garantia, já estava prevista no CC/1916, e foi conservada pelo CC/2002, portanto não se discute quanto a sua validade e obrigatoriedade.

 

VI.       A POSIÇÃO TOPOGRÁFICA DO ART. 1.647 NO CÓDIGO CIVIL

 

Não posso deixar de enfrentar aqui, a localização “topográfica” do art. 1.647 no Código Civil de 2002.

O dispositivo em questão, esta localizado dentro do Livro IV - do direito de família, o que nos leva a crer, que a intenção do legislador ao incluir o aval no art. 1.647, III, era tutelar as relações familiares e não as obrigacionais. Com efeito, o ali disposto, tem por finalidade, assegurar a meação do cônjuge inocente, na hipótese de eventuais constrições sobre os bens comuns, mas não de anular a garantia posta na cártula.

Este posicionamento, inclusive vem sendo acolhido pelos Tribunais para justificar o disposto no art. 1.647, dentro do Livro do Direito de Família, que em verdade normatiza as espécies de regime de bens entre os casais, nada mais. Nesse sentido:

AVAL PRESTADO POR CÔNJUGE SEM ANUÊNCIA DO OUTRO. NECESSIDADE DE OUTORGA UXÓRIA. PREVISÃO CONTIDA NO ARTIGO 1.647, III, DO NOVO CÓDIGO CIVIL. EXIGÊNCIA INSERIDA NO LIVRO RELACIONADO AO DIREITO DE FAMÍLIA QUE TEM POR FINALIDADE SOMENTE PROTEGER A MEAÇÃO DO CÔNJUGE QUE NÃO ANUIU COM A GARANTIA OFERTADA. FALTA DA OUTORGA UXÓRIA QUE NÃO LEVA À INVALIDADE DO TÍTULO [...] (AC 2009.009588-6, TJRN, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Amaury Moura Sobrinho, j. 01/12/2009). [grifo nosso]

[...] Isso porque, ao contrário do que afirmou, a intenção do legislador, ao colocar o instituto do aval, numa visão topográfica do Código Civil de 2002, no Livro do Direito de Família, no artigo 1.647, inciso III, quis deixar claro que tais disposições estariam inseridas nas relações familiares. Caso não fosse essa sua intenção, e sim, a de exigir a validação formal do aval, quando prestado na forma do referido artigo, com a presença de ambos os cônjuges, essa norma deveria estar inserida no livro do Direito das Obrigações e não no, do Direito de Família. Assim, primordialmente, sua intenção não foi tornar nulo, nem anulável o aval prestado sem o consentimento do cônjuge, mas simplesmente preservar sua respectiva meação. Até porque, o cônjuge que não participou do aval não será prejudicado, em seu patrimônio, já que a sua meação estará resguardada [...] (TJPR AI 585103-0, Rel. Joeci Machado Camargo, 13ª CC, j. 18/05/2009). [grifo nosso]

Ao interpretar o art. 1647, III, é necessária extrema cautela. Não podemos interpretá-lo de forma isolada, mas sempre em conjunto com outros princípios e regras existentes no ordenamento, aplicáveis ao caso concreto. O positivismo acirrado de alguns julgadores, por vezes acaba negando vigência ao direito posto em conflito, ao proferirem decisões simplistas que afastam critérios fáticos e subjetivos, criando precedentes que em nada inovam, mas transtornam as relações jurídicas.

 

VII.     O ENUNCIADO Nº 114 DO CJF, E SUA APLICABILIDADE AO ART. 1.647, III, DO CÓDIGO CIVIL.

 

Especialistas em direito comercial, vêm interpretando que a falta de autorização conjugal para prestar o aval, não pode ensejar a nulidade da garantia. A ausência de autorização, quando muito, suscitaria a ineficácia dos seus efeitos em relação ao cônjuge que não aderiu à garantia.

O Decreto 57.663/1966 (LUG), que rege as relações cambiárias, nada dispôs quanto à exigência de autorização conjugal. Apenas com o advento do novo Código Civil, e a nova redação conferida ao art. 1.647, III, passou a considerar “obrigatória” a autorização conjugal para tanto.

A partir de então, muito tem se questionado quanto à anulabilidade, ou não, da garantia prestada sem este requisito. Se, seria ou não, uma condição de validade.

O STF, julgando caso análogo, na vigência da legislação anterior, já pronunciava: “aval não se confunde com fiança e não depende de outorga uxória”.[20]

Creio que esta foi, e ainda é a assertiva mais apropriada, vez que, a nulidade do ato por falta de autorização conjugal, entraria em conflito direto com o princípio da plena circulação que rege os títulos cambiários, e tem por finalidade facilitar as operações do direito incorporado neles.

Quando foi aprovado o novo Código Civil, muitos estudiosos já anteviram os problemas que o Judiciário enfrentaria, por ocasião da expressão aval inserida no art. 1.647, III. Engajados nesta e em outras situações de conflito, o Conselho da Justiça Federal, por meio do seu Centro de Estudos Judiciários, passou a promover Jornadas de Direito Civil, a fim de debaterem aspectos polêmicos trazidos pelo novo Codex.

A I Jornada, realizada em setembro de 2002, antes mesmo de entrar em vigor a nova legislação, reuniu grande número de magistrados e representantes de carreiras jurídicas em Brasília, para debaterem estes conflitos, e aprovarem enunciados capazes de representar o pensamento da maioria dos seus integrantes.

Já pela proposta de alteração legislativa encaminhada ao CJF, nota-se a evidente preocupação dos juristas quanto à afronta do art. 1.647, III, à Lei Uniforme de Genebra. Veja-se:

Aval. Anuência. Proposta de alteração legislativa (CC 1647 III). Jornada I. STJ 132. Proposta: suprimir as expressões "ou aval", do inciso III do art. 1647 do novo Código Civil. Justificativa: Exigir anuência do cônjuge para a outorga de aval é afrontar a Lei Uniforme de Genebra e descaracterizar o instituto. Ademais, a celeridade indispensável para a circulação dos títulos de crédito é incompatível com essa exigência, pois não se pode esperar que, na celebração de um negócio corriqueiro, lastreado em cambial ou duplicata, seja necessário, para a obtenção de um aval, ir à busca do cônjuge e da certidão de seu casamento, determinadora do respectivo regime de bens.[21] [grifo nosso]

Motivados nesta proposta, o CJF aprovou o Enunciado nº 114, representando o pensamento da maioria reunida naquela oportunidade. Deste modo, a melhor interpretação reproduzida ao art. 1.647, III, ficou assim disposta:

O aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, de modo que o inciso III do art. 1.647 apenas caracteriza a inoponibilidade do título ao cônjuge que não assentiu.

Desde então, os Tribunais com a devida cautela, considerando ainda, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para não sacrificar terceiros de boa-fé, vêm aplicando o Enunciado nº 114, combinado com o art. 1.647, III, do CC/2002.

Salvo raras exceções, é praticamente unânime o entendimento no sentido de que, o disposto no Enunciado nº 114, exprime a forma mais apropriada para estabelecer o equilíbrio das relações cambiárias, não prejudicando terceiros de boa fé, tampouco a meação do cônjuge que não anuiu à cártula.

Nesta esteira, colaciono alguns recentes julgados afirmando os apontamentos acima:

AVAL. Outorga uxória. Exegese do art. 1.647, III, do Código Civil. Enunciado 114 do Conselho da Justiça Federal e significativo leque de precedentes jurisprudenciais que ancoram a subsistência da garantia prestada. Penhora. Resguardo da meação da esposa. (TJPR - 14ª CC - AC 639746-8 - Rel. Des. Guido Döbeli - j. 07.04.2010). [grifo nosso]

[...] I - A interpretação do artigo 1.647, inciso III, do Código Civil deve direcionar-se à garantia do terceiro de boa-fé que firma o negócio jurídico, no sentido de que o avalista, como no presente caso, responsabiliza-se pelo cumprimento das obrigações assumidas pelo avalizado. II Dispõe o Enunciado 114 do CEJ: "O aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, de modo que o inciso III do art. 1.647 apenas caracteriza a inoponibilidade do título ao cônjuge que não assentiu". [...] (TJPR, AC nº 594.298-3, Rel. Des. Gamaliel Seme Scaff, 13ª CC, DJ 18/12/2009). [grifo nosso]

[...] A melhor interpretação que se deve reservar ao art. 1.647 do CC deve levar em conta que excetuado o regime da separação absoluta (no âmbito do qual nenhum bem ou qualquer responsabilidade advinda da livre administração deste, tem comunicação), nos demais (de comunhão parcial ou universal e de participação final dos aquestos, nos quais existe dita comunicação), a ausência de outorga tornará não oponível a responsabilidade objeto (material ou patrimonial) ao cônjuge que não anuiu com a mesma. II - A anulabilidade prevista no art. 1.649 do CC longe de alcançar o ato (aval) como um todo, ou seja, na sua integralidade, unicamente terá o condão de assegurar ao cônjuge que não compareceu àquele ato prestado pelo seu par (nem teve sua ausência suprida nos termos do art. 1.648 do CC), a anulação do mesmo (ato) no que concerne a eventual comprometimento patrimonial (decorrente justamente da comunicação advinda do regime de bens adotado no casamento) que logre avançar em sua meação. (TJPR - 14ª CC - AI 476280-1 - Rel. Des. Guido Döbeli - j. 30.04.2008).

Nota Promissória - AVAL - ausência de outorga uxória - situação que não tem o condão de invalidar a garantia. Na esteira do entendimento que acabou se consolidando na jurisprudência, não é inválido o aval quando prestado sem a outorga uxória. (TJPR, AI 415.771- 5, Rel. Des. RABELLO FILHO, 13ª CC, DJ 31/08/2007). [grifo nosso]

[...] Da melhor exegese do art. 1.647, III, do Código Civil de 2002, se conclui que aquele que firmou aval sem outorga uxória fique responsável pelo aval prestado, inclusive em respeito aos terceiros de boa-fé. Assim, a ausência de outorga uxória, por si só, não torna nulo o aval. Porém, o comprometimento patrimonial deste aval fica restrito à meação daquele que assumiu a obrigação cambial. [...] (TJRS, AC 70022612584, 19ª CC, Relator Des. Guinther Spone, DJ 01/04/2008). [grifo nosso]

[...] Em se tratando de aval na nota promissória é dispensável a outorga uxória para este tipo de garantia cambial, resguardando-se, todavia, a meação do cônjuge, na forma do art. 3º da Lei 4.121/62. 2. Nos termos do Enunciado n.º 114 do CEJ, o aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, de modo que o inciso III do art. 1.647 do Código Civil apenas caracteriza a inoponibilidade do título ao cônjuge que não assentiu com a garantia prestada. [...] (TJRS, AC 70020350492, 11ª CC, Relator Des. Jorge Luiz Lopes do Canto, DJ 09/07/2007). [grifo nosso]

[...] A melhor exegese do disposto no art. 1.647, III, do novo Código Civil é, segundo entendimento assentado na jornada STJ 114, que o aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, de modo que o inciso III, do art. 1.647, apenas caracteriza a INOPONIBILIDADE do título em relação ao cônjuge que não assentiu. [...] (TJMG, AC 1.0647.07.074944-3/001, 14ª CC, Relator Des. Rogério Medeiros, DJ 02/12/2008). [grifo nosso]

A questão ainda não está pacificada. No STJ, não existe nenhum acórdão, abordando no mérito o Enunciado 114. As poucas decisões monocráticas encontradas, em sede de Agravo de Instrumento ou Recurso Especial, sinalizam uma possível manifestação. Porém, devido à fragilidade e inconsistência dos recursos que, quando não prequestionam devidamente a matéria, acabam esbarrando na súmula nº 7[22], ainda não foi possível a Corte apreciar o tema aqui disposto, com o devido respeito que ele merece[23].

Outro ponto que percebo na fundamentação destes recursos, é a conduta de alguns recorrentes em tentar buscar a aplicação por analogia, dos efeitos da fiança ao aval, a fim de anular a garantia prestada, fortes no art. 1.642, IV, do CC. Tais manobras não prosperam, e cientes na coerência das decisões monocráticas e da impossibilidade da Corte conferir estes efeitos, as partes sequer ousam interpor agravo regimental, em busca de uma manifestação Colegiada, transitando em julgado as decisões.[24]

No entanto, há um precedente (REsp 1.163.074/PB, Rel. Min. Massami Uyeda, DJ 04/02/2010), que deve ser analisado com extrema cautela. Neste acórdão, a matéria de fundo diz respeito ao regime de casamento à luz do art. 1647, III, portanto trata-se de relação de família e não relação obrigacional. Em momento algum, o aresto se aprofunda na questão da nulidade do aval como relação obrigacional. O acórdão apenas faz referência ao art. 1.647, para anular a garantia prestada por seu companheiro, no regime de separação obrigatória de bens.  

Como já vimos, neste regime não há um patrimônio comum, consequentemente, os bens individualizados, não podem sofrer constrição alguma, face às dívidas e obrigações assumidas unilateralmente por seu consorte.

Para os positivistas, este precedente abre uma lacuna enorme aos legitimados, demandarem a competente ação anulatória ou de invalidade do aval prevista no art. 1.642, IV do CC.

Enquanto não for alterada a legislação, caberá aos Tribunais Superiores, esclarecer à sociedade, qual a melhor e mais correta interpretação do art. 1.647, III do CC às relações cambiárias.

 

VIII.    PROJETO DE LEI EM TRÂMITE NA CÂMARA DOS DEPUTADOS, PARA ALTERAÇÃO DO ART. 1647, III, DO CÓDIGO CIVIL

 

Motivado no posicionamento alcançado pelo CJF, quando da I Jornada de Direito Civil, atribuindo ao art. 1.647, interpretação consubstanciada no Enunciado nº 114, o Deputado Ricardo Fiuza, enviou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7.312/2002, propondo a supressão da expressão aval, do dispositivo em comento. O texto inicial apresentado à Câmara dos Deputados em 07/11/2002, tinha a seguinte justificação:

Art. 1.647: Pretende a nossa proposta, acolhendo sugestão aprovada na I Jornada de Direito Civil realizada pelo Conselho da Justiça Federal, sob os auspícios do Superior Tribunal de Justiça, suprimir a expressão “ou aval” do inc. III do art. 1.647 do novo Código Civil. Efetivamente “exigir anuência do cônjuge para a outorga de aval é afrontar a Lei Uniforme de Genebra e descaracterizar o instituto. Ademais, a celeridade indispensável para a circulação dos títulos de crédito é incompatível com essa exigência, pois que não se pode esperar que, na celebração de um negócio corriqueiro, lastreado em cambial ou duplicata, seja necessário, para a obtenção de um aval, ir à busca do cônjuge e da certidão do seu casamento, determinadora do respectivo regime de bens.

No entanto, este projeto foi arquivado em 31/07/2007, antes mesmo de ser submetido à deliberação. O arquivamento se fez nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara[25], ou seja, em face do fim da legislatura do autor do Projeto, Deputado Ricardo Fiúza.

Em 13/08/2008, foi apresentado novo Projeto de Lei nº 3.875/2008, com o mesmo objetivo: “suprimir a expressão aval do art. 1.647”, agora pelo Deputado Juvenil Alves Ferreira Filho, com a seguinte redação:

Altera o inciso III do art. 1.647 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil.

Explicação da Ementa: permite que qualquer dos cônjuges, independentemente do regime de bens do casamento, preste aval sem autorização do outro.

Para o Deputado, o projeto busca permitir que qualquer dos cônjuges, independente do regime de bens adotado no casamento, preste aval sem autorização do outro, restaurando assim o regramento da legislação anterior, e prestigiando o instituto do direito cambial, cuja importância, do ponto de vista macroeconômico é muito grande, pois propicia maior celeridade e segurança jurídica às relações comerciais e financeiras.

O Deputado João Maria, relator designado, apresentou parecer em 04/03/2009, opinando pela rejeição do projeto.

Em suas razões, foi infeliz o nobre Deputado, ao se equivocar com a natureza jurídica dos institutos, afirmando que a fiança é uma garantia real, enquanto o aval é uma garantia pessoal, gerando ambos efeitos graves sobre o patrimônio familiar, razão pela qual rejeitou o projeto. Veja-se a justificação do malsinado parecer:

Ao contrário do que propugna o nobre Autor, acreditamos que a inclusão do aval entre as ações que exigem outorga uxória veio corrigir importante distorção existente no ordenamento jurídico nacional.

Com efeito, conquanto o aval seja garantia do tipo pessoal, seus efeitos sobre o patrimônio familiar são tão graves quanto os resultantes da fiança, que é garantia real. Afinal, o descumprimento de aval gera efeitos diretos sobre o patrimônio comum, face à penhora e eventual excussão de bens conjugais resultante da execução da garantia inadimplente.

Agiu bem, portanto, o novo Código Civil nacional em incorporar o aval às ações que só devem ser realizadas com o consentimento mútuo conjugal, fato que, ao consolidar a segurança jurídica, contribuirá muito mais para a dinamização das relações econômicas do que sua liberação.

Isto posto, e respeitando as nobres intenções do Autor, votamos pela rejeição do Projeto de Lei nº 3.875, de 2008.[26]

Logrados nesta inusitada fundamentação, a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, acompanhou o relator rejeitando o Projeto de Lei nº 3.875/2008. Ato contínuo, o Projeto foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, para apreciação conclusiva, tendo agora como Relator o Deputado Vicente Arruda.

Em junho de 2009, encerrou-se o prazo para apresentação de emendas. Infelizmente, nenhuma foi apresentada para apontar o equívoco cometido pelo relator ao igualar os institutos, ou quando menos, atribuir-lhes natureza jurídica diversa. Ficaremos agora, na expectativa de que os nobres legisladores, integrantes da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, aprovem-no até o fim da legislatura 2007/2011. Caso contrário, corre-se o risco de novamente ser arquivado o projeto, ante o disposto no art. 105 do Regimento Interno da Câmara.

 

IX - CONCLUSÃO

 

A Doutrina ainda se divide quanto à obrigatoriedade de autorização conjugal para prestar o aval.

Os Tribunais apontam uma possível e provável pacificação sobre o tema, interpretando o disposto no art. 1.647, III, cumulado com o disposto no Enunciado nº 114 do CJF. Desta forma, a garantia prestada sem autorização conjugal, não seria anulada, e na hipótese de inadimplemento, a meação do consorte que não anuiu à garantia ficaria preservada.

Entretanto, considerando a amplitude do nosso ordenamento e suas subdivisões que interpretam as normas de acordo com cada caso concreto, também embasado em costumes e princípios constitucionais, certamente o tema ainda será objeto de muita controvérsia nos Tribunais.

Concluo este estudo, me filiando àqueles que interpretam que, anular o aval pela simples falta de autorização conjugal, seria uma verdadeira afronta à Lei 2.044/1908, ao Decreto 57.663/66, e a todos os princípios que regulam as relações cambiárias regidas pelo direito comercial.

A melhor exegese ao disposto no art. 1.647, III, do CC, sem dúvida é aquela apresentada pelo Enunciado nº 114, conferindo validade irrestrita ao aval prestado unilateralmente, ficando protegida em caso de penhora, a meação do cônjuge que não firmou a garantia.

Em breve o tema deverá ser apreciado a fundo pelo STJ, ou ainda pela Câmara dos Deputados. Por enquanto, ficaremos na expectativa de que tanto o judiciário como o legislativo, interprete o disposto no art. 1.647, III, de acordo com o entendimento consolidado no Enunciado nº 114 do CJF.

Por fim, espera-se que o Projeto de Lei nº 3.875/2008, seja finalmente aprovado, alterando definitivamente a atual legislação, suprimindo a expressão “aval” do art. 1.647, III, do CC, dando assim, maior estabilidade e segurança jurídica às relações cambiárias travadas sem a autorização conjugal.

 



[1] I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

[2] GOMES, Orlando; Introdução ao Direito Civil, Ed. Revista Forense, RJ, 1957, pág. 450/451.

[3] Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente: [...] IV – demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge com infração do disposto nos incisos III e IV do art. 1.647.

[4] WHITAKER, José Maria, Letra de Câmbio, nº 113.Citado por João Eunápio Borges; Do Aval, Ed. Forense, 5ª edição, pág. 42.

[5] BARRETO, Lauro Muniz. O direito novo da duplicata. 3.ed. São Paulo: Max Limonard, 1969

[6] SANTOS, Ulderico Pires, O Processo de Execução na Doutrina e Jurisprudência, Ed. Forense, RJ, 1982, p. 78.

[7] MENDONÇA, Carvalho de, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. V, 2ª parte, pág. 322/323, Livraria Freitas Bastos, 1955.

[8] COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial, Vol. 1, 10ª edição, 2006, Saraiva.

[9] MENDONÇA, Carvalho de, Pareceres, v. III, Direito Comercial, p. 128, in NERY, Nelson Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil Comentado, RT, 4ª edição, art. 818, nota 9, pág. 568.

[10] Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.

[11] Art. 837. O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas da obrigação que competem ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso do mútuo feito a pessoa menor.

[12] REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo, Saraiva, 1998, pag. 377.

[13] MIRANDA, Pontes de, Tratado de Direito Cambiário, vol. II, 2ª edição, 1954.

[14] MIRANDA, Pontes de, Tratado de Direito Cambiário, vol. II, 2ª edição, 1954, pág. 198.

[15] MIRANDA, Pontes de; Tratado de Direito Cambiário, vol. I, 2ª edição, 1954, pág. 262.

[16] MIRANDA, Pontes de; Tratado de Direito Cambiário, vol. I, 2ª edição, 1954, pág. 263.

[17] Art. 1.668. São excluídos da comunhão: I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ou outro com a cláusula de incomunicabilidade; V – os bens referidos nos incisos V e VII do art. 1.659.

[18] Art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhes sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos. [...] § 3º. Considera-se também terceiro o cônjuge quando defende a posse de bens dotais, próprios, reservados ou de sua meação.

[19] Artigo 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana;

Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade privada [...]

Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

[20]  STF, RE 50.869, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, DJ 01.03.1967.

[22] STJ, Súmula 7: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.

[23] REsp 1.034.510; AI 873.166, AI 910.832, AI 714.910, AI 1.285.656, AI 1.228.923, AI 1.240.320, AI 1.214.858 e AI 971.467.

[24]  AG 1.059.571/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, j.28/04/2008; RESP 691.583/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 30.08.2008.

[25] Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as: I - com pareceres favoráveis de todas as Comissões; II - já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno; III - que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias; IV - de iniciativa popular; V - de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

[26] Publicado no Diário da Câmara dos Deputados, Ano LXIV, nº 087 do dia 23/05/2009, pág. 23104.

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