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Princípios Aplicáveis ao Recurso Administrativo no Direito Brasileiro


Autoria:

Ivan De Almeida Sales De Oliveira


Bacharel em Direito pela Universidade de Mogi das Cruzes; Especialista em Direito Público pela UNISAL; Advogado com mais de 07 anos de experiência jurídica; Foi advogado do Banco Nossa Caixa.

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Texto enviado ao JurisWay em 23/09/2010.



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SUMÁRIO

 

 

1 INTRODUÇÃO

2 SISTEMAS ADMINISTRATIVOS

2.1 SISTEMA DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

2.2 SISTEMA JUDICIÁRIO

3 RECURSO ADMINISTRATIVO

3.1 RECURSO PROVOCADO E RECURSO DE OFÍCIO

3.2 EFEITOS DO RECURSO ADMINISTRATIVO

3.3 EFICÁCIA DA DECISÃO

3.4 INTERVENÇÃO DE TERCEIROS

3.5 ESPÉCIES DE RECURSO

3.5.1 REPRESENTAÇÃO

3.5.2 RECLAMAÇÃO

3.5.3 PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO

3.5.4 RECURSOS HIERÁRQUICOS

3.5.4.1 RECURSOS HIERÁRQUICOS PRÓPRIOS

3.5.4.2 RECURSOS HIERÁRQUICOS IMPRÓPRIOS

4 PRINCÍPIOS DE DIREITO

4.1 OS PRINCÍPIOS COMO PARTE DO ORDENAMENTO

4.2 IMPORTÂNCIA DOS PRINCÍPIOS NO DIREITO PÚBLICO

4.3 UTILIDADE DOS PRINCÍPIOS

4.4 PRINCÍPIOS EXPLÍCITOS E IMPLÍCITOS

5 PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO RECURSO ADMINISTRATIVO

5.1 PRINCÍPIO DO CONTROLE HIERÁRQUICO

5.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

5.3 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

5.4 PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO

5.5 OUTROS PRINCÍPIOS 

6 CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

1 INTRODUÇÃO

 

 

            Trata a presente pesquisa dos princípios aplicáveis ao recurso administrativo no direito brasileiro, o qual constitui, em sentido amplo, meio de impugnação de ato ou decisão administrativa, constituindo-se, assim, o recurso administrativo em verdadeira modalidade de controle de legalidade exercido pela própria Administração Pública.

            Sob esta ótica pretende-se saber: Qual o sistema administrativo, para controle dos atos do Estado, foi adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro? O que é recurso administrativo? Quais as principais regras que norteiam o recurso administrativo? Quais as espécies de recurso administrativo existentes no ordenamento jurídico brasileiro? O que são princípios de direito? Qual a importância dos princípios jurídicos no Direito Público? Quais as funções dos princípios de direito? Quais princípios de direito são aplicáveis ao recurso administrativo no direito brasileiro?

            A razão da escolha do tema se dá face a importância da utilização do recurso administrativo para a solução de conflitos estabelecidos entre a Administração Pública e os administrados, bem como entre aquela e os seus servidores, propiciando uma solução mais rápida e menos onerosa para as partes, evitando o acúmulo de demandas perante o Poder Judiciário. Também se justifica a escolha do tema ante a ausência de trabalhos sobre o tema, propiciando aos aplicadores do direito uma fonte de pesquisa para a solução de conflitos no âmbito administrativo.

            O cerne da questão ao qual se busca uma solução, surge com o advento da Constituição Federal de 1.988, vez que o regime político por ela instituído, o Estado Democrático de Direito, aflora inúmeros princípios implícitos que fazem com que naturalmente a Administração Pública se organize de forma hierárquica propiciando que a própria Administração Pública exerça um controle de legalidade de seus atos.

            A presente pesquisa torna-se relevante na medida em que proporciona um entendimento sobre a aplicação de princípios jurídicos ao recurso administrativo, que constitui-se um meio de controle da legalidade dos atos do Estado, exercido pela própria Administração Pública.

            Posto isto, a presente pesquisa tem como objetivos, identificar qual o sistema administrativo, para o controle da legalidade dos atos do Estado, foi adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro; analisar o conceito de recurso administrativo; identificar as principais regras que orientam o procedimento do recurso administrativo; analisar as espécies de recurso administrativo existentes no ordenamento jurídico brasileiro; analisar o conceito de princípio de direito; identificar qual a sua importância para o direito público; analisar as suas funções primordiais; e identificar e analisar quais os principais princípios são aplicáveis ao recurso administrativo no direito brasileiro.

            Assim sendo, tem-se que de acordo com o regime político instituído pela Constituição Federal de 1.988, o sistema administrativo adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, é o sistema judiciário, o que não impede que a Administração Pública exerça jurisdição, porém, suas decisões não possuem eficácia de coisa julgada.

            Exercendo a Administração Pública jurisdição, destaca-se que recurso administrativo, em sentido amplo, é todo meio de impugnar um ato ou uma decisão administrativa, e em sentido estrito, trata-se de ato volitivo da parte prejudicada pelo ato ou decisão administrativa, que proporciona sua revisão por uma autoridade ou órgão hierarquicamente superior à que proferiu a decisão ou praticou o ato impugnado.

            Os princípios são normas nucleares do sistema, de forma que os princípios jurídicos são normas fundamentais que não só fazem parte do ordenamento jurídico, como permitem sua correta compreensão. Possuem extrema importância no Direito Público, vez que as regras de direito administrativo não são codificadas estando estatuídas por diversas leis esparsas o que torna impossível sua compreensão lógica sem o domínio da aplicação dos princípios jurídicos, que possuem a função de guiar o aplicador do direito para uma correta interpretação da regra jurídica, bem como o de preencher as lacunas da lei.

            Dito isto, são diversos os princípios que embasam e norteiam o recurso administrativo, e que de alguma forma lhe são aplicáveis, dentre os quais destacam-se o princípio do controle hierárquico, da legalidade, da publicidade e da motivação.

             Fundamenta-se a presente pesquisa nos ensinamentos doutrinários de Hely Lopes Meirelles, José Afonso da Silva, Carlos Ari Sudfeld, Florivaldo Dutra de Araújo e Cláudio Brandão de Oliveira.

            A presente pesquisa, que tem caráter bibliográfico e documental, embasa-se em doutrinas e legislações, sendo que, de acordo com a finalidade, classifica-se em aplicada; quanto ao objeto investigado classifica-se em explicativa, e, tendo em vista o procedimento classifica-se em qualitativa. O método de investigação que aplica-se é o analítico, e baseia-se através da análise de princípios de direito instituídos pela Constituição Federal de 1.988, bem como nos ensinamentos doutrinários sobre o tema.

            No capítulo 2, analisa-se quais os sistemas administrativos de controle dos atos do Estado existem, e qual deles foi adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. No capítulo 3, cuida da análise conceitual de recurso administrativo, que pode ser contextualizada em sentido amplo e em sentido estrito, analisando cada uma das espécies de recurso, tanto em sentido amplo (representação, reclamação e pedido de reconsideração) como em sentido estrito (recurso hierárquico próprio e recurso hierárquico impróprio). No capítulo 4, dedica-se à análise dos princípios de direito, abordando desde o seu conceito à suas importâncias e funções. No capítulo 5, identifica-se quais os principais princípios de direito aplicáveis ao recurso administrativo, destacando-se os princípios do controle hierárquico, da legalidade, da publicidade e da motivação.

2 SISTEMAS ADMINISTRATIVOS

 

 

            Para que se possa analisar os princípios aplicáveis ao recurso administrativo no Brasil, há que se tecer, em capítulo introdutório, breves considerações sobre sistemas administrativos, aos quais atualmente tem-se atribuído denominação mais apropriada, qual seja,  sistemas de controle jurisdicional da administração, que nos dizeres do saudoso Mestre Hely Lopes Meirelles[1] consiste no “...regime adotado pelo Estado para a correção dos atos administrativos ilegais ou ilegítimos praticados pelo Poder Público em qualquer dos seus departamentos de governo.”.

            Como se vê, sistema administrativo ou sistema de controle jurisdicional da administração é procedimento adotado pelo Estado para exercer o controle dos seus próprios atos, no que diz respeito a legalidade do ato e a legitimidade de quem o pratica.

            Prevalecem dois sistemas distintos, o sistema do contencioso administrativo e o sistema judiciário, conforme ensina Hely Lopes Meirelles[2]:

 

Vigem, presentemente, dois sistemas bem diferençados: o do contencioso administrativo, também chamado sistema francês, e o sistema judiciário ou de jurisdição única, conhecido por sistema inglês.

 

 

            Denota-se que o sistema do controle administrativo, é também denominado de sistema francês, assim como o sistema judiciário também é conhecido como sistema de jurisdição única ou, ainda, como sistema inglês.

            Mais adiante Meirelles[3] citando Seabra Fagundes, assevera que não se pode admitir a existência de um sistema misto, uma vez que nenhum país adota um sistema, contencioso administrativo ou judiciário, como regra absoluta, ou seja com exclusividade, sendo que o que caracteriza o sistema é a predominância de um dos sistemas, e não a adoção de um deles para apreciar todos os litígios relacionados à Administração Pública.

 

 

2.1 SISTEMA DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

 

 

O sistema do contencioso administrativo se originou na França, em razão do conflito travado entre a Monarquia, Parlamento e Intendentes, daí porque sua outra denominação (sistema francês).

De acordo com Hely Lopes Meirelles[4], a separação da Justiça Comum da Administração foi resultado da Revolução de 1.789 que erguia a bandeira do liberalismo e da independência dos Poderes sugerida por Montesquieu, de forma que a Constituição Francesa de 1.791 estabeleceu que os Tribunais não poderiam avançar sobre as funções administrativas, bem como estabelecia sua incompetência para apreciar a responsabilidade de administradores em razão da pratica de atos funcionais.

Assim foi que teve início o sistema do contencioso administrativo, sistema no qual a Justiça Comum não tem jurisdição sobre os atos da Administração Pública, que ficam submetidos única e exclusivamente à apreciação de autoridade administrativa.

Nesse sentido, é a lição de Meirelles[5]:

 

Firmou-se, assim, na França o sistema do administrador-juiz, vedando-se à Justiça Comum conhecer dos atos da Administração, os quais se sujeitam unicamente à jurisdição especial do contencioso administrativo, que gravita em torno da autoridade suprema do Conselho de Estado, peça fundamental do sistema francês. Essa orientação foi conservada na reforma administrativa de 1953, sendo mantida pela vigente Constituição de 4.10.58.

 

            Pode-se concluir da lição acima que a França, atualmente, ainda adota o sistema do contencioso administrativo para exercer o controle jurisdicional dos atos do Estado.

            Como se vê, em referido sistema os órgãos administrativos responsáveis pelo julgamento dos litígios afetos à administração pública, subordinam-se, direta ou indiretamente, ao Conselho de Estado que funciona, via de regra como segunda instância administrativa.

            Nesse sentido é a lição deixada por Hely Lopes Meirelles[6]:

 

No sistema francês todos os tribunais sujeitam-se direta ou indiretamente ao controle do Conselho de Estado, que funciona como juízo de apelação (judge d’appel), como juízo de cassação (judge de cassation) e, exepcionalmente, como juízo originário e único de determinados litígios administrativos (juge de premier et dernier ressorte), pois que dispõe de plena jurisdição em matéria administrativa.

 

Denota-se que o Conselho de Estado, funciona não somente como segunda instância administrativa, mas também exerce todo o controle dos órgãos administrativos que possuem jurisdição em matéria administrativa, isto é verifica se as decisões proferidas por órgãos hierarquicamente inferiores estão em conformidade com a legislação pertinente, podendo cassar as decisões proferidas por aqueles órgãos, ou seja, funcionam com última instância administrativa, conforme lição Dwight Cerqueira Ronzani[7]:

 

Nesse sistema, o Conselho de Estado é o último grau de jurisdição em matéria administrativa, podendo rever o mérito das decisões dos Tribunais Administrativos e dos Conselhos de Contencioso Administrativo das Colônias, controlando a legalidade das decisões dos Tribunais de Cintas, do Conselho Superior da Educação Nacional e da Corte de Disciplina Orçamentária.

  

Cumpre observar que a jurisdição administrativa não é absoluta, sendo certo que há determinadas matérias que envolvem o interesse da Administração Pública que são reservadas à Justiça Comum, Hely Lopes Meirelles[8] destaca que tais matérias pertencem a três classes: “... a) litígios decorrentes de atividades públicas com caráter privado; b) litígios que envolvam questões de estado e capacidade das pessoas e de repressão penal; c) litígios que se refiram à propriedade privada.

Portanto, como se vê, não se trata de um sistema absoluto, comportando exceções que ficam sob a jurisdição da Justiça Comum.

 

 

2.2 SISTEMA JUDICIÁRIO

 

 

            O sistema judiciário ou de jurisdição única, originou-se na Inglaterra e é adotado em diversos países. Neste sistema todos os litígios, sejam afetos à administração pública ou não, são apreciados pela Justiça Comum.

            Segundo explica Hely Lopes Meirelles[9] o sistema judiciário teve início com a insatisfação do povo com os privilégios da Corte Inglesa, vez que inicialmente todo o poder, na suas três típicas funções (legislar, administrar e julgar), concentrava-se na pessoa do Rei, o que modificou-se com o passar do tempo quando da criação do Parlamento assumindo o poder de legislar, porém a função jurisdicional, juntamente com a de administrar, continuou a ser exercida pelo Rei.

            Face as reivindicações do povo, surgiu o Tribunal do Rei, conforme se observa da lição de Meirelles[10]:

 

Continuaram as reivindicações populares, e em atendimento delas criou-se o Tribunal do Rei (King’s Bench), que, por delegação da Coroa, passou a decidir as reclamações contra os funcionários do Reino, mas o fazia com a chancela real. Tal sistema era ainda insatisfatório, porque os julgadores dependiam do Rei, que os podia afastar do cargo e, mesmo, ditar-lhes ou reformar-lhes as decisões. Logo mais, passou o Tribunal do Rei a expedir em nome próprio ordens (writs) aos funcionários contra quem se recorria e mandados de interdições de procedimentos administrativos ilegais ou arbitrários. Dessas decisões tornaram-se usuais o writ of certiorari, para remediar os casos de incompetência e ilegalidade graves; o writ of injunction, remédio preventivo destinado a impedir que a Administração modificasse determinada situação; e o writ of mandamus, destinado a suspender certos procedimentos administrativos arbitrários, sem se falar no writ of hábeas corpus, já considerado garantia individual desde a Magna Carta (1215).

 

             Como se vê, a criação do Tribunal do Rei não satisfez as reivindicações populares, uma vez que seus membros e suas decisões estavam sujeitos ao livre arbítrio do Rei, ou seja, os julgadores membros do Tribunal não tinham liberdade para atuar de acordo com o seu livre convencimento, tendo que acautelar-se ao proferir decisões que não agradassem ao Rei sob pena de afastamento do cargo.

            A independência da Justiça Inglesa somente se concretizou em 1.701 com a publicação do Act of Settlement que desvinculou os juízes do poder do Rei, garantindo-lhes estabilidade e mantendo a competência para conhecer e julgar matérias administrativas e particulares, conforme ensina Hely Lopes Meirelles[11]:

 

Era a instituição do Poder Judicial independente do Legislativo (Parlamento) e do administrativo (Rei), com jurisdição única e plena para conhecer e julgar todo procedimento da Administração em igualdade com os litígios privados. Esse sistema de jurisdição única trasladou-se para as colônias norte-americanas e nelas se arraigou tão profundamente que, proclamada a Independência (1775) e fundada a Federação (1787), passou a ser cânone constitucional (Constituição dos EUA, art. III, seção 2ª).

 

             Como se vê, o sistema judiciário ou de jurisdição única originado na Inglaterra, inaugurando a independência do Poder Judiciário, foi adotado pelos Estados Unidos da América merecendo guarida na Constituição Federal.

            Muito embora, os Estados Unidos da América tenha adotado o sistema judiciário, não deixou de instituir Tribunais Administrativos para conhecer determinadas matérias afetas à administração pública, porém as decisões proferidas por tais órgãos não possuem caráter absoluto, podendo ser revistas pela Justiça Comum que é a única competente para proferir decisões definitivas, ou seja, com força de coisa julgada[12].

            No Brasil o sistema de jurisdição única foi adotado desde o início do período republicano, conforme lição de Romzani[13] ao prelecionar que:

 

No Brasil, prevaleceu desde o limiar do período republicano o sistema de jurisdição única, até porque inspirou-se Ruy Barbosa ma Carta Norte-Americana para a redação do esboço do que mais tarde seria a Constituição de 1.891

  

            Segundo Meirelles[14], as Constituições posteriores à de 1.891, sempre elegeram o sistema de jurisdição única, como o sistema de controle administrativo do Brasil, de forma que no ano de 1977, editou-se uma Emenda Constitucional, a de nº 7/77, prevendo a possibilidade de instaurar-se no Brasil o sistema do contencioso administrativo, o que não chegou a ocorrer de fato.

            A vigente Constituição de 1988 estabelece o sistema de jurisdição única, como garantia fundamental, elencando-o no artigo 5º, XXXV.

            Em que pese o sistema de controle administrativo brasileiro ser o da jurisdição única, a garantia constitucional (art. 5º, XXXV, CF/88) de que a lei não excluíra lesão ou ameaça a direito da apreciação do Poder Judiciário não é absoluta, vez que o sistema de controle adotado pelo Brasil comporta exceções, dentre elas Cláudio Brandão de Oliveira[15] cita as disposições Constitucionais estabelecidas no artigo 52, I e II, que prevê como atribuição do Senado Federal processar e julgar determinadas autoridades, no artigo 124, § 2º, que exclui a possibilidade de impetração de hábeas corpus em face de punição disciplinar militar e, por fim, a prevista no artigo 217, § 1º, que condiciona o conhecimento pelo Judiciário de questões afetas ao desporto, após o esgotamento das instâncias administrativas da Justiça Desportiva.

            Conclui-se, assim, que no Brasil adota-se o sistema de jurisdição única para o exercício do controle administrativo, porém, tal sistema não afasta a existência de processos administrativos, processados e julgados por órgãos administrativos cujas decisões não possuem eficácia definitiva, estando sujeitas à revisão judicial.

3 RECURSO ADMINISTRATIVO

 

 

            No capítulo anterior pôde-se concluir que o Brasil possui órgãos administrativos que possuem competência para conhecer e julgar litígios afetos à administração pública, todavia, suas decisões não possuem eficácia definitiva estando sujeitas à revisão judicial como conseqüência da adoção do sistema de jurisdição única.

            Assim sendo, é o recurso administrativo uma das modalidades de exercício do controle dos atos administrativos pela Administração Pública. Nesse sentido, Florivaldo Dutra de Araújo[16] assevera que “O autocontrole da Administração Pública é exercido por meio da fiscalização hierárquica, de recursos administrativos e da fiscalização financeira e orçamentária.”

            Visto que o recurso administrativo é meio de se realizar o controle dos atos administrativos, há que se analisar o conceito de recurso administrativo que nos dizeres de Hely Lopes Meirelles[17], numa visão ampla:

 

[...] são todos os meio hábeis a propiciar o reexame de decisão interna pela própria administração, por razões de legalidade e de mérito administrativo. No exercício de sua jurisdição a Administração aprecia e decide as pretensões dos administrados e de seus servidores, aplicando o Direito que entenda cabível, segundo a interpretação de seus órgãos técnicos e jurídicos. Pratica, assim, atividade jurisdicional típica, de caráter parajudicial quando provém de seus tribunais ou comissões de julgamento. Essas decisões geralmente escalonam-se em instância, subindo da inferior para a superior através do respectivo recurso administrativo previsto em lei ou regulamento.

  

            Como se vê, tem-se que a Administração Pública detém jurisdição, exercida através de órgãos que se dividem em instâncias, de forma que a decisão proferida por uma instância inferior pode ser reexaminada por uma instância superior, através da interposição do recurso administrativo previsto em lei ou ato regulamentar.

            Mais adiante, Meirelles[18] ressalta que o recurso administrativo é consequência do Estado de Direito, sendo um direito do administrado ou servidor que for alvo de algum ato administrativo, assevera, ainda que não se vislumbra a possibilidade de existência de decisão administrativa irrecorrível o que seria sinônimo de arbítrio.

            Para que se possa melhor entender o recurso administrativo a seguir se destacará alguns aspectos julgados relevantes.

 

 

3.1 RECURSO PROVOCADO E RECURSO DE OFÍCIO

 

 

            Via de regra os recursos são interpostos por ato volitivo, ou seja, são provocados, entretanto, há casos em que os recursos são interpostos pela própria autoridade que proferiu a decisão, isto é, são interpostos de ofício em observância à previsão legal.

            Segundo Hely Lopes Meirelles, os recursos provocados:

 

[...] devem ser fundamentados, com a exposição dos fatos e indicação da ilegalidade impugnada, consistente em violação flagrante ou dissimulada de algum princípio ou norma constitucional, legal, regulamentar ou contratual, incluindo-se dentre estas os editais e convites de licitação, os cadernos de encargos ou de obrigações e demais instruções administrativas pertinentes.

 

             Depreende-se da lição acima que o recurso provocado deve atender certas formalidades, dentre elas a de ser devidamente fundamentado, bem como a de expor os fatos e indicar a ilegalidade atacada.

            Importante mencionar que interposto o Recurso, seja por provação da parte interessada seja de ofício por determinação legal, o órgão administrativo competente para conhecer do reclame terá plena liberdade para revisar a decisão recorrida, conforme ensina Meirelles[19]:

 

Em qualquer modalidade de recurso a autoridade ou o tribunal administrativo tem ampla liberdade de revisão do ato recorrido, podendo modificá-lo ou invalidá-lo por motivo de legalidade, conveniência, oportunidade ou, mesmo, por razões de ordem técnica que comprometam a eficiência do serviço público ou a utilidade do negócio em exame.

  

            Como se vê, a autoridade competente para julgar o recurso administrativo poderá modificar ou tornar inválido o ato objeto do recurso, fundamentando sua decisão através de diversos critérios.

            A Lei nº 9.784/99 que dispõe sobre o processo administrativo em âmbito da Administração Pública Federal, em seu artigo 64, prevê as possibilidades de reforma da decisão recorrida, constando expressamente que o julgador poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida.

 

 

3.2 EFEITOS DO RECURSO ADMINISTRATIVO

 

 

            Quando se estuda os efeitos do recurso administrativo, denota-se a predominância de dois efeitos, o devolutivo e o suspensivo.

            Se, no Direito Processual Civil o efeito suspensivo é a regra e o devolutivo é a exceção, no Direito Administrativo a regra é inversa.

            Nesse sentido, é a lição deixada por Hely Lopes Meirelles[20]:

 

Os efeitos do recurso administrativo são, normalmente, o devolutivo e, por exceção, o suspensivo. Daí por que, quando o legislador ou o administrador quer dar efeito suspensivo ao recurso, deve declarar na norma ou no despacho de recebimento, pois não se presume a exceção, mas sim a regra. No silêncio da lei ou do regulamento, o efeito presumível é o devolutivo, mas nada impede que, nessa omissão, diante do caso concreto, a autoridade receba expressamente o recurso com efeito suspensivo para evitar possíveis lesões ao direito do recorrente ou salvaguardar interesses superiores da Administração. O art. 61 e seu parágrafo único da Lei nº 9.748/99 consagram essas colocações.

 

             Depreende-se da lição acima que o recebimento do recurso administrativo com efeito suspensivo, fica condicionado à previsão legal ou ato normativo, devendo o julgador fundamentar a decisão que lhe atribui, ou excepcionalmente, atribuir o efeito suspensivo, ainda que não previsto em lei, para proteger direitos outros que entender mais relevantes, seja do interesse do recorrente seja em prol da Administração.

            Exemplo da possibilidade de atribuição de efeito suspensivo a recurso administrativo, pode ser encontrada na Lei nº 9.503/97, Código de Trânsito Brasileiro, que em seu artigo 285, § 3º, estabelece que poderá a autoridade administrativa, de ofício ou por solicitação do recorrente, atribuir efeito suspensivo ao recurso se por motivo de força maior, este não for julgado no prazo de 30 (trinta) dias.

            Nesse mesmo sentido, de que a regra é o efeito devolutivo, é o entendimento do ilustre Cláudio Brandão de Oliveira[21] que assevera:

 

O recurso administrativo, como regra, não tem efeito suspensivo, ou seja, não impede a execução da decisão recorrida. A lei pode, no entanto, autorizar o seu recebimento com este efeito, impedindo a execução da decisão até que o recurso seja julgado. Se ocorrer tal hipótese não será cabível, por exemplo, a correção judicial por mandado de segurança, pois o efeito suspensivo descaracteriza a lesão ou ameaça ao direito líquido e certo.

  

            Conforme se vê da lição acima, o recurso quando recebido no efeito suspensivo afasta o interesse de agir para a impetração de Mandado de Segurança contra o ato objeto do recurso.

            O efeito devolutivo que tem o condão de devolver toda a matéria apreciada pelo órgão inferior para apreciação por uma autoridade superior, sempre é aplicado, é a regra. Como se viu, por exceção, pode-se receber o recurso também no efeito suspensivo.

            Quando o recurso é recebido somente no efeito devolutivo, não se prejudica a contagem do prazo prescricional, bem como há a possibilidade de se socorrer das vias judiciais, visto que com o objeto do recurso produzindo plenos efeitos, a lesão a direito pode ser concreta, assim como a ameaça a direito é iminente[22].

            Por corolário, quando o recurso é recebido também no efeito suspensivo tem-se prejudicada a fluência do prazo prescricional, e segundo Meirelles[23] isto ocorre porque “...durante a tramitação do recurso interno (com efeito suspensivo), o ato recorrido é inexeqüível, não rendendo ensejo a qualquer ação judicial, e, não havendo ação, não pode haver prescrição;

 

 

3.3 EFICÁCIA DA DECISÃO

 

 

            A decisão proferida no recurso administrativo possui caráter vinculante, e é definitiva quando decidida em última instância administrativa, quando se torna imodificável pela Administração.

            Nesse sentido é a lição de Hely Lopes Meirelles:

 

Daí por diante, é imodificável pela própria Administração e só o Judiciário poderá reapreciá-lo e dizer de sua legitimidade. E assim é porque, embora inexista entre nós a coisa julgada administrativa, no sentido processual de sentença definitiva oponível erga omnes (coisa julgada formal e material), existe, todavia, o ato administrativo inimpugnável e imodificável pela Administração, por exauridos os recursos próprios e as oportunidades internas de autocorreção da atividade administrativa, como exporemos adiante, neste mesmo capítulo.

  

            Portanto, esgotadas as possibilidades legais de interposição de recurso no âmbito administrativo, tem-se uma decisão imodificável, entendimento este também sustentado pelo doutrinador Cláudio Brandão de Oliveira[24].

            Importante ressaltar, que se tratando de decisão punitiva, ainda que esgotados os recursos cabíveis, é cabível o requerimento de revisão administrativa face o aparecimento de fatos novos que evidenciem o não cabimento da sanção aplicada, conforme prevê o artigo 65 e parágrafo único, da Lei nº 9.784/99.

 

 

3.4 INTERVENÇÃO DE TERCEIROS

 

 

            A intervenção de terceiros no recurso administrativo encontra previsão na Lei nº 9.784/99, artigo 62, quando determina a intimação de terceiro para apresentar razões recursais contra determinada decisão administrativa.

            A doutrina entende que a intervenção de terceiros no recurso administrativo é cabível quando a decisão objeto de impugnação possa atingir direitos do terceiro interveniente, sendo necessário para admissibilidade do recurso interposto por terceiro a demonstração do interesse direito e efetivo na interposição de recurso[25].

 

 

3.5 ESPÉCIES DE RECURSO

 

 

            Uma vez analisados alguns aspectos gerias pertinentes aos recursos administrativos, há que se analisar as espécies de recurso administrativo existentes no ordenamento jurídico brasileiro.

            Para melhor entendimento, importante observar, conforme já mencionado anteriormente, que recurso administrativo em sentido amplo é meio de impugnação de decisão administrativa, ou seja é tomo meio apto a possibilitar o reexame da atividade administrativa por seus próprios órgãos, sob este aspecto Meirelles[26] destaca que em nosso ordenamento jurídico tais meios compreendem “...a representação, a reclamação e o pedido de reconsideração...”.

            Em se tratando de recurso administrativo em sentido estrito, tem-se a existência de recursos hierárquicos próprios e recursos hierárquicos impróprios[27].

            A seguir verificar-se-á em linhas gerais o conceito de cada um dos recursos, sejam eles em sentido amplo sejam em sentido estrito.

 

 

3.5.1 REPRESENTAÇÃO

 

 

            A representação administrativa encontra fundamento na própria Constituição Federal de 1.988 que em seu artigo 5º, XXXIV, a, a concebe como garantia fundamental, independentemente do pagamento de taxa.

            Segundo Hely Lopes Meirelles[28] representação administrativa:

 

...é a denuncia formal e assinada de irregularidades internas ou de abuso de poder na prática de atos da Administração, feita por quem quer que seja à autoridade competente para conhecer e coibir a ilegalidade apontada. O direito de representar tem assento constitucional e é incondicionado, imprescritível e independe do pagamento de taxas (CF, art. 5º, XXXIV, “a”). Pode ser exercitado por qualquer pessoa, a qualquer tempo e em quaisquer circunstâncias: vale como informação de ilegalidades a serem conhecidas e corrigidas pelos meios que a Administração reputar convenientes. Como não se exige qualquer interesse do representante para exercitar o direito público de representação, não se vincula o signatário da denúncia ao procedimento a que der causa, mas poderá ser responsabilizado civil e criminalmente por quem for lesado pela falsidade da imputação.

  

            Como se vê, trata-se a representação de um direito público subjetivo, livre de qualquer condição para o seu exercício, não estando sujeito ao manto da prescrição e isento do pagamento de qualquer taxa.

            A representação administrativa tem como objetivo denunciar à autoridade administrativa competente qualquer ilegalidade ou abuso de poder praticado no âmbito da Administração, sendo que à Autoridade que recebe a representação cabe adotar o procedimento que entender cabível para conhecer e coibir a ilegalidade ou o abuso apontado.

            Importante observar que, uma vez conhecida a representação administrativa o representante, ou seja, aquele que a subscreveu, não estará vinculado ao procedimento que a autoridade processante adotar para apuração dos fatos, entretanto, responsabiliza-se o denunciante por danos causados e até

por crime, caso reste comprovada a falsidade da denúncia.

 

 

3.5.2 RECLAMAÇÃO

 

 

            A reclamação administrativa, de acordo com Meirelles[29]...é a oposição expressa a atos da Administração que afetem direitos ou interesses legítimos do administrado.

            Como se vê, diferentemente do que ocorre com a representação administrativa, na reclamação aquele que a subscreve deve demonstrar que o ato impugnado lhe atinge diretamente, causando-lhe lesões de ordem pessoal ou patrimonial.

            Outra diferença verificada quando compara-se a reclamação com a representação, é que na primeira há prazo prescricional. O Decreto 20.910 de 06 de janeiro de 1.932, que regula a prescrição qüinqüenal, estabelece em seu artigo 6º que não existindo outra previsão em lei o prazo para exercer o direito de reclamação prescrevem em 01 (um) ano a contar da data em que o ato ou fato lesivo ocorreu.

            Entretanto, embora este prazo seja peremptório, isto é, não passível de dilação, modernamente tem-se conhecido e acolhido reclamações intempestivas quando a ilegalidade do ato é notória, conforme assevera Meirelles[30]:

 

O prazo fixado para a reclamação administrativa é fatal e peremptório para o administrado, o que autoriza a Administração a não tomar conhecimento do pedido se formulado extemporaneamente. Mas nada impede que a Administração conheça e acolha a pretensão do reclamante ainda que manifestada fora do prazo, desde que se convença da procedência da reclamação e não haja ocorrido a prescrição da ação judicial cabível. Essa atitude administrativa é plenamente justificada pelo interesse recíproco do Poder Público e do particular em obviar um pleito judicial que conduziria ao mesmo resultado da decisão interna da Administração. Além disso, se a reclamação aponta uma ilegalidade ou um erro na conduta Administrativa, é dever do administrador público corrigi-lo o quanto antes, através de anulação ou revogação do ato ilegítimo ou inconveniente. Daí por que a doutrina tem aconselhado o conhecimento e provimento da reclamação extemporânea quando é manifesto o direito reclamado.

 

            Outrossim, há que se destacar que quando a reclamação administrativa é interposta para atacar apuração de dívida da Fazenda Pública para com o particular, terá a mesma o condão de suspender o prazo prescricional até final decisão, consoante o disposto no artigo 4º, do Decreto 20.910/32.

 

 

3.5.3 PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO

 

 

            Outra espécie de recurso administrativo em sentido amplo é o pedido de reconsideração e consiste na possibilidade de se requerer à própria autoridade que expediu o ato administrativo que o invalide ou o modifique, conforme ensina o Mestre Hely Lopes Meirelles[31]:

 

...pedido de reconsideração é a solicitação da parte dirigida à mesma autoridade que expediu o ato, para que o invalide ou o modifique nos termos da pretensão do requerente. Deferido ou indeferido, total ou parcialmente, não admite novo pedido, nem possibilita nova modificação pela autoridade que já reapreciou o ato.

 

 

            Como se vê, o direito ao pedido de reconsideração pode ser exercido uma única vez, sendo importante observar que o Decreto nº 20.848 de 23.12.1931 prevê que se não houver outro prazo previsto em lei específica o prazo para realizar o pedido de reconsideração é de um a contar da data da decisão administrativa, de sorte que a sua interposição não suspende a fluência do prazo prescricional, bem como não interrompe os prazos para a interposição de recursos hierárquicos.

            Outro exemplo de norma que prevê o pedido de reconsideração é a Lei nº 9.784/99, que em seu artigo 56, § 1º, estabelece que o recurso administrativo será interposto perante a autoridade que proferiu a decisão, que por sua vez, no prazo de 05 (cinco) dias, se não reconsiderar a decisão, encaminhará o recurso à autoridade superior. Verifica-se em tal dispositivo, uma modalidade não propriamente dita de pedido de reconsideração, vez que é consequência da interposição de um recurso hierárquico.

 

 

3.5.4 RECURSOS HIERÁRQUICOS

 

 

            Em se tratando de recurso hierárquico, tem-se a acepção estrita de recurso, uma vez que, conforme assevera Meirelles[32]:

 

...recursos hierárquicos são todos aqueles pedidos que as partes dirigem à instância superior da própria Administração, propiciando o reexame do ato inferior sob todos os seus aspectos. Podem ter efeito devolutivo e suspensivo, ou simplesmente devolutivo, que é a regra; o efeito excepcional suspensivo há de ser concedido expressamente em lei ou regulamento ou no despacho de recebimento do recurso.

 

            Portanto, toda vez que houver a interposição de um recurso dirigido à instância administrativa superior à que proferiu a decisão ou praticou o ato administrativo, ter-se-á um recurso administrativo hierárquico.

            Como já se analisou anteriormente, os recursos hierárquicos podem ser recebidos nos efeitos devolutivo e suspensivo, porém, este é exceção à regra e para se atribuído deve fundamentar-se em expressa autorização legal ou regulamentar.

            Segundo, Hely Lopes Meirelles a interposição de recursos hierárquicos deve observar os prazos que a lei prevê, sob pena de preclusão administrativa, ou seja, tratam-se de prazos fatais e peremptórios.

            Nesse sentido, é o disposto no artigo 63, I, da Lei nº 9.784/99 que estabelece como causa de não conhecimento do recurso administrativo a sua interposição extemporânea.

            Importante observar que, ante a inexistência de um Código de Direito Administrativo no ordenamento jurídico brasileiro, a tramitação do recurso hierárquico varia de acordo com o ramo da Administração, vez que cada órgão da Administração pode regulamentar o trâmite dos processos administrativos de sua competência, respeitando os Princípios Constitucionais.

            Como regra geral, adota-se a instrumentalidade prevista na Lei nº 9.784/99 que dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da Administração federal. Referida, lei assevera que a interposição de recurso administrativo se dá independentemente da prestação de caução, porém, ressalva a possibilidade de que lei formal venha a exigir, consoante o disposto em seu artigo 56, § 2º.

            Os recursos hierárquicos classificam-se em recursos hierárquicos próprios e recursos hierárquicos impróprios, a seguir verificar-se-á cada um deles.

 

 

3.5.4.1 RECURSOS HIERÁRQUICOS PRÓPRIOS

 

 

            Por recurso hierárquico próprio entende-se o recurso que a parte interpõe perante a autoridade ou instância administrativa superior à que proferiu a decisão administrativa ou praticou o ato impugnado.

            Nesse sentido, é a lição de Hely Lopes Meirelles[33]:

 

Recurso hierárquico próprio é o que a parte dirige à autoridade ou instância superior do mesmo órgão administrativo, pleiteando a revisão do ato recorrido. Este recurso é consectário da hierarquia e da gradação de jurisdição que se estabelece normalmente entre autoridades e entre uma instância administrativa e sua imediata; por isso mesmo, pode ser interposto ainda que nenhuma norma o institua expressamente, porque, como já se disse, nosso ordenamento jurídico-constitucional não admite decisões únicas e irrecorríveis.

 

             Denota-se, da lição acima, que recurso hierárquico próprio trata-se do recurso voluntário, ou seja, que emana da vontade da parte que o interpõe, depende, portanto, de provocação.

            Tal recurso administrativo é cabível em todos os casos, ainda que não haja expressa previsão em lei, uma vez que possui fundamento principiológico na Constituição Federal de 1.988, vale dizer o seu cabimento decorre, não só da estrutura da Administração Pública, que por natureza é hierarquicamente dividida, mas também do Estado Democrático de Direito instituído pela atual Carta Magna, conforme assevera Meirelles[34]:

 

Os recursos administrativos são um corolário do Estado de Direito e uma prerrogativa de todo administrado ou servidor atingido por qualquer ato da Administração. Inconcebível é a decisão administrativa única e irrecorrível, porque isto contraria a índole democrática de todo julgamento que possa ferir direitos individuais e afronta o princípio constitucional da ampla defesa, que pressupõe mais de um grau de jurisdição.

  

            Como se vê, o Estado de Direito pressupõe a possibilidade de interposição de recurso administrativo porque nele não se admite o arbítrio do administrador, de toda sorte que admitir a existência de decisão ou ato administrativo irrecorrível é dar azo à uma decisão que pode ser fruto do arbítrio de um, e no interesse de um.

            Embora já mencionado anteriormente, insta observar que no recurso hierárquico próprio o julgador tem total liberdade para decidir, podendo reformar o ato recorrido de determinada forma ainda que não tenha sido objeto de pedido, pode ainda o julgador agravar a situação do recorrente, conforme prescreve Hely Lopes Meirelles[35]:

 

Como já salientado, neste recurso a Administração tem ampla liberdade decisória, podendo reformar o ato recorrido além do pedido ou, mesmo, agravar a situação do recorrente (reformatio in pejus). Esse poder deflui dos próprios caracteres da hierarquia e de sua finalidade corretiva de atos inferiores ilegítimos ou inconvenientes, que cheguem por qualquer via ao conhecimento da autoridade superior antes de se tornarem definitivos e imodificáveis segundo as regras pertinentes do Direito Público, ou seja, antes da preclusão administrativa. No entretanto, em face dos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal (cf. art. 5º, LV, da CF), como já destacado, antes de decisão eventualmente mais gravosa, deve a autoridade apontar os seus motivos e dar ao recorrente oportunidade para apresentar alegações, como, por sinal, prevê o parágrafo único do art. 64 da Lei 9.784/99.

  

            Portanto, depreende-se que caso o julgador do recurso administrativo hierárquico próprio pretenda decidir de forma que agrave mais a situação do recorrente, deve antes apresentar os seus motivos e dar a oportunidade da parte prejudicada apresentar alegações, a exemplo do determinado na Lei nº 9.784/99.

 

 

3.5.4.2 RECURSOS HIERÁRQUICOS IMPRÓPRIOS

 

 

            Os recursos hierárquicos impróprios são aqueles interpostos perante à autoridade administrativa outra que não a pertencente ao órgão que preferiu a decisão ou praticou o ato administrativo impugnado, conforme explica Hely Lopes Meirelles[36]:

 

Recurso hierárquico impróprio é o que a parte dirige a autoridade ou órgão estranho à repartição que expediu o ato recorrido, mas com competência julgadora expressa, como ocorre com os tribunais administrativos e com os chefes do Executivo federal, estadual e municipal. Esse recurso só é admissível quando estabelecido por norma legal que indique as condições de sua utilização, a autoridade ou órgão incumbido do julgamento e os casos em que tem cabimento.

  

            Denota-se que ao contrário do que ocorre com o recurso hierárquico próprio, o cabimento do recurso hierárquico impróprio depende de expressa regulamentação legal, ou seja, não depende apenas de mera previsão, mas também da indicação em lei da autoridade ou órgão competente para conhecer e julgar o reclame, das condições de admissibilidade, e os casos específicos em que tem lugar.

            Embora o julgador não esteja hierarquicamente relacionado à repartição que proferiu a decisão recorrida ou o ato impugnado, pertence à Administração Pública e por esta razão tem plena liberdade de julgamento, aplicando-se as mesmas regras do julgamento de um recurso hierárquico próprio.

            Esse tipo de recurso, segundo Meirelles[37], é bastante utilizado nas autarquias e empresas estatais, tendo lugar como instância final o recurso dirigido ao titular do Ministério ou da Secretaria de Estado a que estão vinculados a autarquia ou empresa estatal.

            Importante frisar que a interposição de recurso hierárquico impróprio se dá perante autoridade não subordinada à repartição que proferiu a decisão, mas pertencente ao mesmo Poder, não se admitindo a interposição de recurso à autoridade de outro Poder, sob pena de violação do Princípio da Separação dos Poderes que prega a independência e harmonia entre os mesmos.

            A respeito do recurso hierárquico impróprio, importante observar o Decreto Lei nº 200/67 que dispõe sobre a organização da Administração Federal, sendo que em seu artigo 19, estabelece que todos os órgãos da Administração Federal, direta e indireta, esta subordinada ao Ministro de Estado competente.

            Desta forma, tem-se o Ministro como chefe dos órgãos que lhe são vinculados, de sorte que havendo lei ou regimento interno que preveja a interposição de recurso hierárquico impróprio será o Ministro quem terá competência para conhecer e julgar tal espécie de recurso em última instância, salvo as matérias de competência do Presidente da República, que será quem decidirá em última instância administrativa.

  

 

4 PRINCÍPIOS DE DIREITO

 

 

            Antes de se analisar os princípios no direito e sua importância no ordenamento jurídico, importante esclarecer em que acepção o termo (princípio) se mostra relevante para o direito, uma vez que de acordo com José Afonso da Silva[38]:

 

A palavra princípio é equívoca. Aparece com sentidos diversos. Apresenta a acepção de começo, de início. Norma de princípio (ou disposição de princípio), por exemplo, significa norma que contém o início ou esquema de um órgão, entidade ou de programa, como são as normas de princípio institutivo e as de princípio programático. Não é nesse sentido que se acha a palavra princípios da expressão princípios fundamentais do Título I da Constituição. Princípio aí exprime a noção de “mandamento nuclear de um sistema”.

 

            Como se vê, o conceito de princípio que interessa para o direito é aquele que remete à idéia de mandamento nuclear de um sistema. Assim sendo, tem-se que o princípio proporciona a compreensão do sistema, vez que todo o mais gira em torno dele.

            Nesse sentido, é a lição do Professor Carlos Ari Sundfeld[39]:

 

Pela própria circunstância de propiciar a compreensão global de um sistema, a identificação dos princípios é o meio mais eficaz para distingui-lo de outros sistemas. Se quisermos saber a diferença entre os sistemas “guarnição militar” e “Parlamento Nacional”, teremos necessariamente de conhecer os princípios que regulam cada um deles. A guarnição militar se rege pelo princípio da hierarquia, ao passo que o Parlamento se governa pelo princípio da independência dos parlamentares (que votam de acordo com suas convicções pessoais, não devendo obediência às determinações de qualquer hierarca). A propósito, é o fato de se organizarem por princípios opostos que permite afirmar a distinção entre os sistemas “Parlamento Nacional” e “guarnição militar”.

 

            Depreende-se da lição acima que para conhecer um sistema, e até mesmo para distingui-lo de outros, há necessariamente que se conhecer os princípios que os regem.

No direito, afirma-se a existência de uma grande divisão entre direito público e direito privado, justamente em razão da existência de princípios específicos que distinguem o direito nestes dois grandes sistemas.

 

 

4.1 OS PRINCÍPIOS COMO PARTE DO ORDENAMENTO

 

 

            Os princípios de direito não servem apenas para distinguir os ramos do direito em público e privado, mas são ferramentas das mais importantes para a solução de conflitos.

            Nesse sentido é a lição de Carlos Ari Sundfeld[40]:

 

As afirmações até aqui feitas mostram como, à semelhança de outras ciências, a ciência jurídica só pode ser construída a partir da enunciação dos princípios. Mas, para o profissional do direito, a necessidade de conhecer os princípios jurídicos não é só esta. Sua identificação não é apenas valioso auxílio do ato de conhecimento. O jurista não se debruça sobre o direito com fins lúdicos, mas essencialmente práticos. O que pretende com seu trabalho é determinar que normas se aplicam a que situações da vida. E os princípios são verdadeiras normas jurídicas; logo, devem ser tomados em consideração para a solução de problemas jurídicos concretos.

  

            Como se vê, os princípios de direito fazem parte do ordenamento jurídico, isto é do conjunto de normas e regras que vigem no sistema brasileiro, e devem ser utilizados para a aplicação do direito na solução de casos concretos.

            Para melhor entendimento, é imprescindível que se estabeleça uma distinção entre duas espécies de normas, as regras e os princípios.

Sundfeld[41] as diferencia através da sábia comparação entre o disposto no artigo 151, do Código Penal, norma incriminadora, que traz uma regra, qual seja, a de que devassar o conteúdo de correspondência fechada endereçada a outrem, sujeita o infrator à pena de detenção de um a seis meses, e por outro lado assevera que o disposto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1.988, traz um princípio quando prescreve que todos são iguais perante a lei.

Portanto, os princípios, assim como as regras, estão por vezes inseridos em normas constitucionais ou infraconstitucionais.

Nesse mesmo sentido, é a lição de Jesús Gonzáles Pérez citado por Sundfeld[42]:

 

...os princípios jurídicos (...) têm em si valor normativo; constituem a própria realidade jurídica. Em relação à ciência do direito, constituem seu objeto. Existem independentemente de sua formulação; são aplicáveis ainda que a ciência os desconheça. A missão da ciência com relação aos mesmos não é outra senão a de sua apreensão. E a ciência será mais ou menos perfeita, segundo logre ou não sua determinação. Porque se o ordenamento jurídico constitui o objeto da ciência do direito positivo, esse conhecimento não será completo enquanto não se alcance a determinação dos princípios que o informam.

  

            Depreende-se da lição acima, que os princípios são as mais importantes normas existentes no ordenamento jurídico, são eles que dão lógica ao sistema, de forma que eles existem e surtem efeitos ainda que os juristas não o tenham identificado.

 

 

4.2 IMPORTÂNCIA DOS PRINCÍPIOS NO DIREITO PÚBLICO

 

 

            Como já visto, os princípios são de extrema importância para qualquer sistema, uma vez que constituem o seu mandamento nuclear dando sentido lógico ao todo, tendo sido observado que fazem parte do ordenamento jurídico e constituem as mais importantes normas.

            Porém, comparando o direito privado com o direito público vislumbra-se que os princípios apresentam uma maior importância para o direito público. Isto porque, diferentemente do que acontece com os ramos do direito privado, no direito público não há uma codificação de normas, existindo inúmeras leis esparsas que regem determinadas matérias.

            A codificação dá as normas um sentido lógico, sendo que no direito público ante a ausência de um Código Administrativo, os princípios se apresentam como ferramenta imprescindível para uma construção hermenêutica das diversas normas espalhadas no ordenamento jurídico.

            Nesse sentido, é a lição de Carlos Ari Sundfeld[43]:

 

As normas de direito privado estão contidas, em sua maioria, nos Códigos (Civil, Comercial, Trabalhista). Neles, as regras são dispostas de modo ordenado e buscam regular exaustivamente os assuntos de que tratam. Os princípios do direito privado frequentemente estão concretizados em regras específicas. Daí a desnecessidade, muitas vezes, de se socorrer dos princípios para resolver questão de direito privado: a regra contida no Código já contém a solução que resultaria da aplicação do princípio à hipótese. Mas o direito público – com as possíveis exceções dos Códigos Penal e Processual – é formado, inclusive em virtude de sua juventude, por legislação totalmente esparsa, produzida sem método. Disso resulta uma (aparente) desordem, solúvel apenas com a consideração dos princípios. Eles é que permitem ao aplicador organizar mentalmente as regras e extrair soluções coerentes com o ordenamento globalmente considerado.

  

            Conforme se observa da lição acima, o conhecimento dos princípios gerais de direito é imprescindível para a aplicação do direito público, vez que em razão da não codificação das regras deste ramo do direito há muitas lacunas nas leis, não permitindo uma correta compreensão do seu sentido lógico.

 

 

4.3 UTILIDADE DOS PRINCÍPIOS

 

 

            Como corolário de todo o já exposto, os princípios se apresentam aos aplicadores do direito com duas funções primordiais, a de determinar a correta interpretação das regras e a de proporcional o preenchimento das lacunas legais, conforme muito bem explica o professor Carlos Ari Sundfeld[44]:

 

Na aplicação do direito – isto é, na edição de leis, na produção de atos administrativos, na solução judicial dos litígios etc. – os princípios cumprem duas funções: determinam a adequada interpretação das regras e permitem a colmatação de suas lacunas (integração).  

  

            Mais adiante, o mesmo autor, relata que com relação a função dos princípios na interpretação das regras deve-se observar que quando a interpretação de determinada regra se mostrar contrária, explícita ou implicitamente, com algum princípio ela é errônea, da mesma fora, quando dada regra apresentar duas possíveis interpretações deve-se privilegiar aquela que mais se compatibiliza com um princípio, e por fim, quando uma regra tiver descrita de modo a permitir uma interpretação mais extensa ou mais restrita que o princípio, deve-se permitir tal flexibilização como modo de ajustar a o alcance da regra com o do princípio[45].

            No tocante à função de colmatação das lacunas das leis, imperioso observar que a aplicação dos princípios gerais do direito decorre de disposição expressa contida na Lei de Introdução ao Código Civil, que na verdade é aplicável a qualquer ramo do direito, onde em seu artigo 4º estabelece que na ausência de lei específica que regule determinada matéria o juiz decidira o caso concreto de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

            Segundo Sundfeld[46]:

 

...para saber da possibilidade de aplicar analogicamente uma regra a hipótese distinta da que tem em mira, é fundamental considerar os princípios. O cabimento da analogia depende da similitude de situações (a tratada pela lei e a por ela olvidada) e esta só existe quando o princípio realizado pela regra é também aplicável à situação não regulada. A integração por analogia implica a aplicação, à hipótese não versada pela lei, do princípio embutido na regra que se vai transpor. Assim, a utilização da analogia é um meio abreviado de preencher a lacuna através dos princípios.

  

            Como se vê, embora a Lei de Introdução ao Código Civil determine que se resolvam as omissões legais através da aplicação, primeiro da analogia e depois dos costumes e por fim dos princípios gerais de direito, para a correta aplicação da analogia é necessário o respeito aos princípios, ou seja, somente terá lugar a aplicação de uma norma por analogia se à situação não regrada for aplicável o princípio que inspira a norma que se quer emprestar para a solução do caso.

            Da mesma forma, é de se concluir que para a resolução de conflito, cujo fato não seja regrado em lei, através dos costumes há que se observar os princípios. Portanto, imperioso verificar se a aplicação do costume não contraria algum princípio maior.

            Conclui-se, assim, que a utilização dos princípios é indispensável para a solução de casos em que lei seja omissa.

 

 

4.4 PRINCÍPIOS EXPLÍCITOS E IMPLÍCITOS

 

 

            Os princípios jurídicos se apresentam no ordenamento jurídico, ou de forma expressa, isto é, inseridos no texto de uma norma, ou de forma implícita, ou seja, camuflados no meio do ordenamento jurídico cabendo aos aplicadores do direito desvenda-los.

            Exemplo clássico de princípio expresso pode ser encontrado no caput do artigo 37, da Constituição Federal de 1.988, que condiciona a atuação da administração pública à obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

            Já os princípios implícitos possuem inúmeros exemplos, tanto na Constituição Federal de 1.988 como em leis esparsas. Pode-se citar como exemplo o Princípio da Separação dos Poderes que transborda do artigo 2º, da Constituição Federal de 1.988 quando preceitua que são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Não se observa do texto do referido artigo o termo ‘Princípio da Separação dos Poderes’, porém, das disposições contidas vislumbra-se tal princípio.

            Portanto, os princípios, todos eles, estão inseridos no ordenamento jurídico, seja de forma expressa ou implícita, mesmo que ainda não identificados.

            Nesse sentido, importante observar a lição de Carlos Ari Sundfeld[47]:

 

Fundamental notar que todos os princípios, inclusive os implícitos, têm sede direta no ordenamento jurídico. Não cabe ao jurista inventar os “seus princípios”, isto é, aqueles que gostaria de ver consagrados; o que faz, em relação aos princípios jurídicos implícitos, é saca-los do ordenamento, não inseri-los nele.

 

 

            No mesmo sentido é a lição de Eros Grau[48], que assevera:

 

Os princípios gerais do direito são, assim, efetivamente descobertos no interior de determinado ordenamento. E o são justamente porque neste mesmo ordenamento – isto é, no interior dele – já se encontravam, em estado de latência. Não se trata portanto, de princípios que o aplicador do direito ou intérprete possa resgatar fora do ordenamento, em uma ordem suprapositiva ou no Direito Natural. Insista-se: eles não são descobertos em um ideal de ‘direito justo’ ou em uma ‘idéia de direito’. (...) Trata-se, pelo contrário – e neste passo desejo referir explicitamente os princípios descobertos no seio de uma Constituição -, não de princípios declarados (porque anteriores a ela) pela Constituição, mas sim de princípios que, embora nela não expressamente enunciados, no seu bojo estão inseridos.

 

 

            Como se vê, os princípios implícitos, ou seja, aqueles não enunciados expressamente em determinada regra, não são por ela declaradas, vez que sua existência é anterior à ela e nela esta contido.

            Considerando que os princípios de direito não são criados pelo aplicadores de direito, mas sim por eles descobertos ao se debruçar sobre o ordenamento, bem como que os princípios implícitos estão contidos nas regras, é árdua a tarefa do jurista em identificar os princípios implícitos, tendo em vista que tal tarefa exige o conhecimento do ordenamento como um todo.

            Sudfeld ressalta, ainda, que não basta saber da existência dos princípios, o que facilmente se constata nas obras doutrinárias, mas é fundamental saber maneja-los em harmonia com o conjunto de regras que vigoram no país, atribuindo o peso ideal de cada princípio à cada caso concreto.

            Nesse sentido, brilhante a lição de Eros Grau[49]:

 

Isso significa que, em cada caso, armam-se diversos jogos de princípios, de sorte que diversas soluções e decisões, em diversos casos, podem ser alcançadas, umas privilegiando a decisividade de certo princípio, outras a recusando. Cada conjunção ou jogo de princípios será informada por determinações da mais variada ordem: é necessário insistir, neste ponto, em que o fenômeno jurídico não é uma questão científica, porém uma questão política e, de outra parte, a aplicação do direito é uma prudência e não uma ciência.

 

 

            Como se vê, para a aplicação do direito, não basta o conhecimento da existência do princípio, mas há que saber operá-lo atribuindo-lhe valor maior ou menor conforme o caso concreto, e diante até mesmo de outros princípios que se contrapõem.

  

 

5 PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO RECURSO ADMINISTRATIVO

 

 

            Uma vez analisado os sistemas administrativos, e identificado que no ordenamento jurídico brasileiro o sistema administrativo adotado para controle dos atos da Administração Pública é o judicial, o que não impede a existência da jurisdição administrativa com o conhecimento e julgamento de processos administrativos, por órgãos administrativos que se dividem hierarquicamente, porém, sem a eficácia de coisa julgada, e destacados o conceito de recurso administrativo e suas espécies, bem como após uma breve análise dos princípios de direito, cabe salientar quais são os princípios aplicáveis ao recurso administrativo no direito brasileiro.

            Inúmeros são os princípios que inspiram o recurso administrativo no direito brasileiro e que de alguma forma lhe são aplicáveis, razão pela qual não se faz possível que se esgote o tema, apenas que se destaque alguns deles.

 

 

5.1 PRINCÍPIO DO CONTROLE HIERÁRQUICO

 

 

            O princípio do controle hierárquico deve ser o primeiro citado e analisado, uma vez que é este o princípio inspirador e que fundamenta o recurso administrativo, isto é, com base neste princípio é que se pode afirmar o cabimento do recurso administrativo hierárquico próprio, conforme afirma Hely Lopes Meirelles[50]:

 

 

Este recurso é consectário da hierarquia e da gradação de jurisdição que se estabelece normalmente entre autoridades e entre uma instância administrativa e sua imediata; por isso mesmo, pode ser interposto ainda que nenhuma norma o institua expressamente, porque, como já se disse, nosso ordenamento jurídico constitucional não admite decisões únicas e irrecorríveis. Além disso, o recurso hierárquico próprio compatibiliza-se com o princípio do controle hierárquico, hoje consagrado como um dos cânones da reforma administrativa federal (Dec.-lei 200/67, arts. 6º, V, e 13).

 

             Como se vê, a possibilidade de se interpor um recurso administrativo perante a autoridade hierarquicamente superior à que proferiu a decisão ou praticou determinado ato administrativo, independe de previsão legal, uma vez que tal possibilidade emana de um princípio de direito, o do controle hierárquico.

            Isto porque, a Constituição Federal de 1.988 ao instituir o Estado Democrático de Direito como regime político, trouxe implicitamente, diversos princípios de direito dentre eles o do controle hierárquico. É corolário do Estado Democrático de Direito que a Administração Pública se organize hierarquicamente daí porque uma das funções do Presidente da República é a de Chefe de Estado, sendo o mais alto cargo da Administração Pública Federal.

            Assim sendo, uma vez organizada a Administração Pública de forma hierárquica, para o bom andamento do serviço público, é a intrínseco o Princípio do Controle Hierárquico permitindo ao particular ou ao servidor prejudicado por uma decisão ou ato administrativo que apresente um reclame à autoridade imediatamente superior, é o cerne do recurso administrativo hierárquico próprio.

 

 

5.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADADE

 

 

            Outro princípio basilar do recurso administrativo é o da legalidade. O princípio da legalidade encontra duas nuances na Constituição Federal de 1.988, há o princípio implícito que se extrai do disposto no artigo 5º, II, que estatui que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, e há o princípio da legalidade expresso no artigo 37, caput, que condiciona a atuação da Administração Pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes da União à observância deste princípio.

            É o mesmo princípio, o da legalidade, porém com aplicações diferentes conforme for o seu destinatário.

            Assim sendo, o princípio da legalidade esculpido no artigo 5º, II, da Constituição Federal de 1.988 é voltado para os particulares, e assevera que a eles é permitido tudo até que se encontre uma lei que o proíba, ou não faça nada se quiser, salvo se a lei o obrigar. Por outro lado, o princípio da legalidade expresso no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1.988, é voltado para a Administração Pública, e determina que esta somente poderá fazer alguma coisa se houver lei que autorize, toda a atividade administrativa deve estar devidamente ancorada na lei.

            O princípio da legalidade que interessa ao caso é aquele como norma de Direito Público, isto é, preceito que norteia a relação da Administração Público com os administrados e daquela com os seus servidores.

            A respeito do princípio da legalidade, enquanto norma destinada à Administração Pública, muito bem explica o saudoso Hely Lopes Meirelles[51]:

 

A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e à exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. É o que diz o inc. I do parágrafo único do art. 2º da Lei 9.784/99. Com isso fica evidente que, além da atuação conforme à lei, a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos.

  

            Como se vê, a atuação da administração está condicionada não só à lei, mas também aos princípios de direito administrativo.

            Portanto, a aplicação do princípio da legalidade ao recurso administrativo consiste na idéia de que para a sua interposição há de existir previsão em lei.

            Como já analisado anteriormente, os recursos em sentido amplo, ou seja, qualquer meio hábil de impugnar uma decisão ou ato administrativo, possuem previsão em lei ou na própria Constituição Federal de 1.988, como é o caso da representação administrativa.

            Certo é que anteriormente afirmou-se que a interposição de recurso administrativo hierárquico próprio não depende de previsão expressa em lei ou ato regulamentar, porém, a sua interposição não deixa de observar o princípio da legalidade, uma vez que tal recurso está embasado no princípio do controle hierárquico, analisado há pouco.

            Portanto, tem-se que todas as espécies de recursos administrativos, sejam em sentido amplo como em sentido estrito, tem seu cabimento condicionado ao princípio da legalidade, seja em razão da previsão em lei ou ato normativo ou em razão de outro princípio de direito público.

            Importante ressaltar que a aplicação do princípio da legalidade ao recurso administrativo, não está apenas na sua previsão em lei ou princípio, mas em razão deste princípio, a autoridade ou órgão administrativo imbuído da competência para conhecer e julgar o recurso, ao proferir uma decisão deve pautar-se na lei, em atendimento ao princípio da legalidade. Como se observa da lição acima destacada, se a decisão proferida no recurso administrativo for contrária a lei, será inválida.

 

 

5.3 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

 

 

            O princípio da publicidade, constitui garantia fundamental dos indivíduos, vez que emana do disposto no artigo 5º, LX, da Constituição Federal de 1.988 que assegura que a lei somente poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou interesse social exigir. Referida norma se amolda mais à publicidade dos processos judiciais, razão pela qual o artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1.988, expressamente condiciona a atuação administrativa à observância ao princípio da publicidade.

            Segundo Hely Lopes Meirelles[52]:

 

Publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos. Daí por que as leis, atos e contratos administrativos que produzem consequências jurídicas fora dos órgãos que os emitem exigem publicidade para adquirirem validade universal, isto é, perante as partes e terceiros.

 

           

            Como se vê, o princípio da publicidade, em síntese, consiste na exigência de tornar público o ato administrativo para que produza efeitos fora do âmbito da administração.

            Portanto, todo ato administrativo que deva produzir efeitos sobre terceiros estranhos ao órgão que o praticou, deve ser oficialmente publicado, ressalvando-se os atos afetos a segurança nacional, investigações policiais ou interesses superiores da Administração, os quais devem ser mantidos em sigilo, consoante o disposto na Lei nº 8.159/91.

            Mais adiante, Meirelles[53] analisa a publicidade como princípio de direito administrativo, asseverando que:

 

A publicidade, como princípio de administração pública (CF, art. 37, caput), abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como, também, de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes. Essa publicidade atinge, assim, os atos concluídos e em formação, os processos em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamento das licitações e os contratos com quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos competentes. Tudo isso é papel ou documento público que pode ser examinado na repartição por qualquer interessado, e dele pode obter certidão ou fotocópia autenticada para os fins constitucionais.

  

            Depreende-se da lição acima, que o mandamento que se extrai do princípio da publicidade, previsto expressamente na Constituição Federal de 1.988, no capítulo dedicado à Administração Púbica, abrange toda a atividade administrativa.

            Desta forma, facilmente se vislumbra que a aplicação do princípio da publicidade nos recursos administrativos incide em três momentos distintos, antes de sua interposição, quando de sua interposição e após a interposição.

            Relaciona-se o princípio da publicidade com o recurso administrativo, antes de sua interposição, vez que é através da publicação que o ato ou decisão administrativa passa a surtir efeito atingindo interesses de terceiros, dando início ao prazo recursal.

            Da mesma forma, como já analisado anteriormente, quando se expôs a possibilidade de intervenção de terceiros, quando da interposição de recurso administrativo deve-se intimar os interessados para se manifestarem, e também, deve-se dar publicidade a interposição do recurso administrativo para que se possibilite o exercício do contraditório.

            Como observado na lição acima transcrita, após a interposição do recurso administrativo, quando da prolação de uma decisão deve ser dada a devida publicidade, propiciando o conhecimento dos interessados, e dando início ao prazo recursal para impugnação perante autoridade ou órgão superior, ou ainda, se em última instância administrativa para dar início a contagem do prazo prescricional da ação que visa a impugnar a decisão junto ao Poder Judiciário.

            Importante mencionar que a publicidade, nem sempre significa publicar o ato ou a decisão no Diário Oficial, principalmente quando se trata aplicação do princípio da publicidade ao recurso administrativo, tem-se que a publicidade consiste na intimação da parte que figura no processo administrativo, conforme ensina Meirelles[54]:

 

No tocante ao processo administrativo, a Lei 9.748/99 determina a intimação do interessado para ciência da decisão ou efetivação de diligências, podendo ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza de sua ciência, só se permitindo a publicação oficial no caso de interessado indeterminado, desconhecido ou com domicílio indefinido (art. 26 e seus §§ 3º e 4º).

  

            Portanto, nem sempre a publicidade é feita através de publicação no Diário Oficial, porém, importante destacar que quando a lei determina que a publicidade seja cumprida através de publicação oficial, deve-se observar que não se trata de qualquer veículo de comunicação, mas há de ser feita a publicação por órgão oficial da Administração, isto é, o Diário Oficial ou jornais contratados pela Administração para veicular publicações oficiais, sendo que a notícia do ato em jornais particulares, televisão ou rádio, não surtem efeitos jurídicos.

 

 

5.4 PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO

 

 

            O princípio da motivação está implícito na Constituição Federal de 1.988, e decorre do Estado Democrático de Direito, conforme assevera Hely Lopes Meirelles[55]:

 

O princípio da motivação dos atos administrativos, após a Constituição Federal de 1.988, está inserido no nosso regime político. É, assim, uma exigência do Direito Público e da legalidade governamental. Do Estado absolutista, em que preponderava a vontade pessoal do monarca com força de lei – “quod principi placuit legis habet vigorem” -, evoluímos para o Estado de Direito, ondo só importa a vontade das normas jurídicas. Nos Estados modernos já não existe a autoridade pessoal do governante, senão a autoridade impessoal da lei. A igualdade de todos perante a lei e a submissão de todos somente à lei constituem os dois cânones fundamentais dos Estados de Direito. A nossa Constituição consagrou tais princípios em termos inequívocos ao declarar que “todos são iguais perante a lei” (art. 5º, caput) e que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II).

  

            Como se vê, não é possível apontar que o princípio da motivação está implícito em um determinado dispositivo Constitucional, como ocorre com os princípios da legalidade e da publicidade.

            O princípio da motivação está implícito na Constituição Federal de 1.988, uma vez que é inerente ao regime político que referida Carta Política institui, isto é, o Estado Democrático de Direito, que tem como princípios norteadores o da igualdade e o da legalidade.

            De acordo com Meirelles[56]:

 

Pela motivação o administrador público justifica sua ação administrativa, indicando os fatos (pressupostos de fato) que ensejam o ato e os preceitos jurídicos (pressupostos de direito) que autorizam sua prática. Claro está que em certos atos administrativos oriundos do poder discricionário a justificação será dispensável, bastando apenas evidenciar a competência para o exercício desse poder e a conformação do ato com o interesse público, que é pressuposto de toda atividade administrativa. Em outros atos administrativos, porém, que afetam o interesse individual do administrado, a motivação é obrigatória, para o exame de sua legalidade, finalidade e moralidade administrativa. A motivação é ainda obrigatória para assegurar a garantia da ampla defesa e do contraditório prevista no art. 5º, LV, da CF de 1988. Assim, sempre que for indispensável para o exercício da ampla defesa e do contraditório, a motivação será constitucionalmente obrigatória.           

  

            Depreende-se da lição acima, que o princípio da motivação consiste na obrigação do administrador, sempre que praticar um ato vinculado ou proferir uma decisão administrativa que afete interesses individuais, apresentar os motivos, os fato ocorridos, que ensejaram na pratica do ato ou fundamentam a decisão, bem como indicar os dispositivos legais que autorizam a pratica do ato ou decisão, isto é, deve apresentar os pressupostos de fato e de direito.

            Desta forma, vislumbra-se que o princípio da motivação tem o condão de assegurar a observância a outros princípios de direito, como o da finalidade, moralidade, ampla defesa e contraditório, mas principalmente o da legalidade.

Isto porque, se vigora o princípio da legalidade, sob o aspecto de que o particular não é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei e a Administração Púbica somente pode atuar se previsão em lei houver, por corolário quando da pratica de qualquer ato administrativo (inclusive uma decisão) deve o administrador apresentar qual foi a conduta do particular ou omissão sua, e qual a lei que prescreve a impossibilidade de tal conduta ou a obrigação de agir, deve ainda apresentar qual a lei que autoriza ele, administrador, a interferir na conduta do particular.

Portanto, o princípio da motivação é instrumento que assegura o controle da legalidade, com a motivação é possível averiguar se a Administração Pública aplicou corretamente a lei, ou se age amparada em lei ou ato normativo.

Nesse sentido, é a lição de Florivaldo Dutra de Araújo[57]:

 

É através dessa motivação e das provas trazidas aos autos pelas partes que o Judiciário poderá verificar a conformidade ou não dos atos administrativos com a sua regulação, seja ela direta, indireta ou inversa. Também por ela deverá demonstrar o administrador a adequação à realidade fática e ao princípio da boa administração do conteúdo atribuído no ato aos conceitos jurídicos indeterminados expressos pela norma.

  

            O controle citado pelo doutrinador, não há que ser necessariamente realizado pelo Poder Judiciário, podendo ser exercido pela própria Administração Pública, através da interposição de recurso administrativo, daí a aplicação do princípio da motivação ao recurso administrativo.

            O princípio da motivação aplica-se aos recursos administrativos, tanto antes de sua interposição como após a sua interposição.

            Ora, é em razão do princípio da motivação que se conhece os fundamentos de fato e de direito do ato ou decisão administrativa, subsidiando o interessado na interposição de recurso administrativo para impugnar o ato ou a decisão. Se não houvesse a motivação do ato ou da decisão, não haveriam razões a serem apresentadas no recurso administrativo.

            Da mesma forma, ao julgar o recurso administrativo deve o administrador obediência ao princípio da motivação, apresentando os pressupostos de fato que o levaram a dar provimento ou negar provimento ao recurso, bem como indicar os dispositivos legais em se funda a sua decisão.

            O princípio da motivação encontra previsão expressa na Lei nº 9.784/99 que regula o processo administrativo em âmbito federal, conforme assevera Meirelles[58]:

 

Assim, na esfera federal, a referida Lei 9.784/99, diz que a Administração Pública obedecerá, dentre outros, ao princípio da motivação (art. 1º). No processo e nos atos administrativos a motivação é atendida com a “indicação dos pressupostos de fato e de direito” que determinarem a decisão ou o ato (parágrafo único do art. 1º e art. 50). A motivação “deve ser explícita, clara e congruente” (§ 1º do art. 50). Assim, se não permitir o seu devido entendimento, a motivação não atenderá aos seus fins, podendo acarretar a nulidade do ato. Permite expressamente a chamada motivação aliunde, já admitida pela jurisprudência, que consiste em declaração de “concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato” (§ 1º do art. 50).

  

            Como se vê, a Lei nº 9.784/99 trata exaustivamente do princípio da motivação, prevendo ainda os casos em que será obrigatória (art. 50, I a VIII), merecendo destacar, porém, a motivação aliunde objeto de contradições doutrinarias e jurisprudências, agora admitida expressamente por lei.

 

 

5.5 OUTROS PRINCÌPIOS

 

 

            Por fim, há que se destacar outros princípios que de alguma forma são aplicáveis ao recurso administrativo, citando como exemplo, dentre outros: o da ampla defesa e do contraditório que com a Constituição Federal de 1.988 passou a ser aplicado a qualquer processo administrativo, e não só nos processos punitivos em que há um acusado; o princípio da eficiência, no que diz respeito a uma célere e correta atuação da administração pública ao julgar um recurso administrativo; o princípio da finalidade, no sentido de que a decisão proferida em um recurso administrativo deve visar a finalidade essencial da lei, que é e deve ser sempre o interesse público; o princípio da moralidade, determinando que as decisões proferidas pela Administração sejam prolatadas com boa-fé.

 

 

6 CONCLUSÃO

 

 

            Cuidou a presente pesquisa dos princípios aplicáveis ao recurso administrativo no direito brasileiro, que constitui meio de impugnar ato ou decisão administrativa, exercendo verdadeiro controle interno dos atos do Estado.

            Posto isto, a presente pesquisa teve como objetivos, identificar qual o sistema administrativo, para o controle da legalidade dos atos do Estado, foi adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro; analisar o conceito de recurso administrativo; identificar as principais regrar que orientam o procedimento do recurso administrativo; analisar as espécies de recurso administrativo existentes no ordenamento jurídico brasileiro; analisar o conceito de princípio de direito; identificar qual a sua importância para o direito público; analisar as suas funções primordiais; e identificar e analisar quais os principais princípios são aplicáveis ao recurso administrativo no direito brasileiro.

            Desta forma, constatou-se que o sistema administrativo, atualmente denominado de sistema de controle jurisdicional, adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, é o sistema judiciário, também denominado de sistema de jurisdição única, que originou-se na Inglaterra e consiste na apreciação pelo Poder Judiciário das questões afetas à Administração Pública, sem no entanto excluir da Administração Pública a função jurisdicional, que permanece sem, no entanto, possui eficácia de coisa julgada.

            Pôde-se levantar que o recurso administrativo pode ser conceituado sob dois sentidos, o sentido amplo e em sentido estrito. Em sentido amplo, observou-se que recurso administrativo é todo meio apto a impugnar um ato ou uma decisão administrativa, e em sentido estrito caracteriza-se pelo pedido elaborado pela parte e dirigido à instância superior da Administração, visando o reexame do ato ou da decisão administrativa.

            Verificou-se que são espécies de recurso administrativo, em sentido amplo, a representação, a reclamação e o pedido de reconsideração, e são espécies de recurso administrativo, em sentido estrito, o recurso hierárquico próprio e o recurso hierárquico impróprio.

            Pôde-se estabelecer que os princípios de direito são normas que integram o ordenamento jurídico, e permitem a sua compreensão com um todo, dando-lhe sentido lógico. Analisou-se que os princípios têm importância imprescindível para a compreensão do Direito Público, uma vez que não existe um Código de Direito Administrativo que organiza estruturalmente as regras, mas são inúmeras leis esparsas o que ocasiona muitas lacunas, que só podem se preenchidas com a aplicação dos princípios jurídicos. Analisou-se as funções dos princípios que são de orientar o aplicador do direito na árdua tarefa de interpretar as regras jurídicas, e a função de preencher as omissões legais.

            Identificou-se, ainda, que o princípio do controle hierárquico é norma inspiradora e fundamental da possibilidade de interposição de recurso administrativo hierárquico próprio. Pôde-se observar, também, que dentre outros, os princípios da legalidade, da publicidade e da motivação, são aplicáveis aos recursos administrativos.

            Trouxe a pesquisa diversos aspectos que colaboram para a formação dos aplicadores do direito, tais como a compreensão dos sistemas administrativos existentes, e qual o adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, bem como demonstrou a necessidade de se saber como aplicar os princípios de direito para a correta interpretação das leis e solução dos casos concretos.

            Colaborou para a formação, na medida em que, proporcionou o aprendizado da realização de pesquisa científica, fundamental para os aplicadores do direito na vida prática para a elaboração de peças e pareceres.  

 

REFERÊNCIAS

  

Associação brasileira de Normas Técnicas. NBR 6023: informação e documentação: referências: elaboração. Rio de Janeiro, 2002.

______. NBR 6024: informação e documentação: numeração progressiva das seções de um documento escrito: apresentação. Rio de Janeiro, 2003.

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RONZANI, Dwight Cerqueira. Direito Administrativo: teoria, casos e questões para curso de direito administrativo e preparação para provas e concursos públicos. 1 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2000.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.



[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 52

[2] Idem

[3] FAGUNDES, Seabra. apud MEIRELLES, Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. p. 52

[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 53

[5] Idem

[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 53

[7] RONZANI, Dwight Cerqueira. Direito Administrativo: teoria, casos e questões para curso de direito administrativo e preparação para provas e concursos públicos. 1 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2000. p.14

[8] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. p. 54

[9] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. pp. 55/56

[10] Idem. p. 56

[11] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 56

[12] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 57

[13] RONZANI, Dwight Cerqueira. Direito Administrativo: teoria, casos e questões para curso de direito administrativo e preparação para provas e concursos públicos. 1 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2000. p.15

[14] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. pp. 57/58

[15] OLIVEIRA, Cláudio Brandão. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Impetus, 2002. p. 20

[16] ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Motivação e Controle do Ato Administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 1992. p. 135

[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 647

[18] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 647

[19] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 648

[20] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 649

[21] OLIVEIRA, Cláudio Brandão de. Manual de Direito Administrativo. p. 307

[22] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 649

[23] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 649

[24] OLIVEIRA, Cláudio Brandão de. Manual de Direito Administrativo. p. 307

[25] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 650

[26] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 651

[27] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 651

[28] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 651

[29] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 651

[30] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. pp. 651/652

[31] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 652

[32] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 652

[33] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 653

[34] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 647

[35] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 654

[36] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 654

[37] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 654

[38] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 91

[39] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 144

[40] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. p. 145

[41] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. p. 145

[42] PÉREZ, Jesús Gonzáles. apud SUDFELD, Carlos Ari. Elementos de Direito Público. p. 146

[43] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. p. 147

[44] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. pp. 147/148

[45] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. p. 148

[46] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. p. 148

[47] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. p. 149

[48] GRAU, Eros. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 – Interpretação e Crítica. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. pp. 117/118

[49] GRAU, Eros. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 – Interpretação e Crítica. p. 101

[50] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. pp. 653/654

[51] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. pp. 87/88

[52] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 93

[53] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. pp. 94/95

[54] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 95

[55] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. pp. 97/98

[56] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 99

[57] ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Motivação e Controle do Ato Administrativo. p. 131

[58] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 100

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Comentários e Opiniões

1) Bruno (02/10/2010 às 13:05:53) IP: 187.89.154.160
Ótimo o conteúdo.


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