A personalização da pessoa jurídica foi uma forma encontrada para incentivar novas iniciativas econômicas, principalmente no que se refere à realização de negócios mais arriscados, que muitas vezes demandam maiores investimentos, mas almejam maiores resultados.
Por meio deste instrumento, passa a sociedade empresária a contrair obrigações próprias e independentes e mesmo possuir um patrimônio totalmente desvinculado do de seus sócios, que, dependendo do tipo societário adotado, não terão seus bens pessoais afetados em decorrência da falha de determinado empreendimento.
É um instituto jurídico louvável, pois proporciona o surgimento de novos empregos, fortalece a economia e dá origem a grandes fontes tributárias, sem mencionar os inúmeros benefícios previdenciários que ajudará a custear.
Por certo não foram poucos os que utilizaram-se do referido instrumento legal para criar fraudes e realizar atividades ilícitas. Cabe ao jurista encontrar formas para evitá-las de modo a preservar este benefício tão necessário à todos.
A doutrina, jurisprudência e a legislação solidificaram a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em casos de confusão patrimonial ou caracterização de fraude contra credores, o que chamam de Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica.
Por meio dela, em sua acepção mais reconhecida pela doutrina, ocorrendo os atos reputados fraudulentos, o patrimônio pessoal dos sócios poderá sim ser atingido, vindo a responder pelas obrigações contraídas pela sociedade, cabendo desta forma à parte que pleiteia a desconsideração comprovar a ocorrência da fraude.
Sabe-se que grande parte dos ônus dos mais variados empreendimentos decorre de dívidas tributárias que se originam por imposição legal do Estado pelo mero fato de se realizar as atividades inerentes à empresa, como a prestação de um serviço, ou mesmo comercialização de determinado produto e transporte de mercadorias.
De fato os encargos tributários já iniciam antes mesmo do retorno financeiro da atividade, em face das inúmeras taxas que devem ser custeadas meio que “às cegas” pelo empreendedor quando do início de sua empresa.
Em decorrência disto, não pode ser diferente o tratamento da personalidade jurídica em matéria tributária, sob pena de perder significância e funcionalidade o instituto da personalização das sociedades empresárias.
Recentemente ao tratar do tema e pacificando o posicionamento sobre assuntos de relevância em matéria tributária, o STJ passou de forma expressa a reconhecer que o mero descumprimento de obrigação tributária não pode implicar na afetação do patrimônio do sócio administrador, o que fez com a edição da súmula n° 430, de teor abaixo transcrito:
“Súmula 430: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”
De fato, o próprio Código Tributário Nacional já vinha caminhando neste sentido, ao afirmar em seu Art. 135 ser possível a afetação de patrimônio dos sócios, ou mesmo de administradores, mas sendo necessário para isto que ocorresse a violação de contrato social ou estatutos, que deveria ser comprovado pela Fazenda Pública quando requerida a desconsideração da personalidade jurídica.
Caso comprovada, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é perfeitamente aceitável e legal, já que não se pode privilegiar com tal benefício um empresário que utiliza-se de meios ardilosos para a consecução de fins ilícitos (estes sempre contrários ao pretendido pela sociedade).
Apesar disto, o que vinha ocorrendo em alguns julgados era a imediata aplicação da desconsideração da personalidade jurídica ao perceber-se o simples descumprimento de obrigação tributária, para a direta afetação do patrimônio dos sócios administradores, sem que restasse sequer ventilado nos autos do processo a ocorrência da necessária fraude.
Tal atitude implica em claro desrespeito ao que afirmava a legislação, contrariando princípios inclusive constitucionais, como o do Devido Processo Legal, ou mesmo o da Legalidade, sob o corriqueiro argumento da maior importância do interesse público do que o privado.
Passa-se a enxergar o empresário como um ente essencialmente ilícito, que teria contribuído de forma dolosa e ardilosa para a destruição de seu próprio empreendimento, com o intuito exclusivo de prejudicar o fisco e os demais credores, o que na grande maioria dos casos não reflete a realidade.
Não se está aqui tentando retirar o valor da primazia do interesse público sobre o privado, uma vez que é indispensável da mesma forma para a aplicação mais perfeita do direito. O que não se pode de fato é cometer irregularidades tamanhas baseando-se neste princípio, sendo uma clara arbitrariedade a que vinham sendo acometidos muitos empresários de boa fé e que não conseguiram conduzir seus negócios da forma pretendida.
O fato é que a partir desta nova súmula instituída pelo STJ os empresários passam a ter em suas mãos mais um argumento que lhe estimule a reunir novas forças e construir um novo empreendimento que vai resultar em benefícios diretos ou indiretos para todo o país.
O passo dado pelo STJ ao pacificar seu entendimento na súmula 430 merece aplauso e deverá ser observado pelos operadores do direito, para regular realização da justiça.