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Resumo:
O presente artigo tem o objetivo de tecer algumas reflexões acerca do direito fundamental de acesso à justiça, tratando o asssunto sob uma ótica transdisciplinar, buscando para tanto, o auxílio de doutrinadores consagrados que debruçaram sobre o tema
Texto enviado ao JurisWay em 21/11/2009.
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REFLEXÕES ACERCA DO CONCEITO DE ACESSO À JUSTIÇA
O direito de acesso à Justiça pode ser identificado como sendo um tema de fundamental importância em um país como o Brasil alicerçado em profundas desigualdades sociais. Tais desigualdades por não serem objeto de efetiva preocupação dos governantes competentes para a solução deste problema, deságuam muitas vezes no Poder Judiciário e daí a necessidade da constante luta pela implementação deste direito e o aperfeiçoamento de seus mecanismos de efetivação.
A compreensão exata deste tema não é matéria afeita apenas ao Direito, mas também a outras ciências que podem dar sua colaboração e por isto, deve, necessariamente, ser estudado por diversas áreas do conhecimento e quanto maior o número de estudiosos a debruçarem-se sobre essa problemática, maior será a contribuição na solução dessa grande demanda que ainda assola a sociedade brasileira.
Como preleciona Kazuo Watanabe,
“todos os obstáculos à efetiva realização do direito [acesso à justiça] devem ser corretamente enfrentados, seja em sede de Ciência Política e de Direito Constitucional, na concepção de novas e inovadoras estruturas do Estado e de organização mais adequada ao Judiciário, como também na área da Ciência Processual, para a reformulação de institutos e categorias processuais e concepções de novas alternativas e novas técnicas de solução dos conflitos” [i].
Pode-se afirmar que na segunda metade do século XX, o Direito Processual, enquanto ciência e prática sofreu uma profunda mudança no que concerne ao seu objeto. Tal transformação vai desde sua definitiva afirmação epistemológica até a renovação constante e acentuada dos seus dogmas.
“A problemática do acesso à justiça, embora já se fizesse sentir no começo desse século, somente se fez perceber com mais intensidade no pós-guerra, até porque o direito de acesso à justiça, com a consagração constitucional dos chamados novos direitos, passou a ser fundamental para a própria garantia desses direitos” [ii].
Assim é que, nos anos 70, juristas do mundo inteiro, destacando-se M. Cappelletti e B. Garth empenharam-se na tarefa de identificar as razões pelas quais os processos judiciais apresentavam custos tão elevados e decisões ineficazes, em razão mesmo do excessivo tempo das demandas, provocando na sociedade o descrédito na função jurisdicional do Estado.
Retomou-se nessa época a discussão sobre a questão do acesso à justiça que, como foi bem colocado pelos autores acima citados,
“é [um tema] reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico, o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individualmente e socialmente justos” [iii].
Desde então, no plano nacional, vários autores também passaram a discutir e ainda discutem amplamente o tema e diversas tentativas de sistematização conceitual foram levadas adiante buscando entender de forma científica os diversos matizes que o referido direito pode apresentar.
No entendimento de Carreira Alvim, acesso à Justiça
“compreende o acesso aos órgãos encarregados de ministrá-la, instrumentalizados de acordo com a nossa geografia social, e também um sistema processual adequado à veiculação das demandas, com procedimentos compatíveis com a cultura nacional, bem assim com a representação (em juízo) a cargo das próprias partes, nas ações individuais, e de entes exponenciais, nas ações coletivas, com assistência judiciária aos necessitados, e um sistema recursal que não transforme o processo numa busca interminável de justiça, tornando o direito da parte mais um fato virtual do que uma realidade social”[iv].
Horácio W. Rodrigues, citado pelo próprio Carreira Alvim preleciona que o termo acesso à justiça é bastante vago e pode ter dois sentidos, sendo que
“o primeiro, atribuindo ao significante justiça o mesmo sentido e conteúdo que Poder Judiciário, torna sinônimas as expressões acesso à Justiça e Poder Judiciário; o segundo, partindo de uma visão axiológica da expressão Justiça, compreende o acesso a ela como o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano. E conclui que esse último, por ser mais amplo, engloba no seu significado o primeiro” [v].
Desta forma, estabelecido o pressuposto segundo o qual o direito ao acesso à justiça deve ser uma preocupação central da Ciência do Direito e de outras disciplinas científicas Cappelletti e Garth sugerem que
“os juristas precisam, agora, reconhecer que as técnicas processuais servem a funções sociais; que as cortes não são a única forma de solução de conflitos a ser considerada e que qualquer regulação processual, inclusive a criação ou o encorajamento de alternativas ao sistema judiciário formal tem um efeito importante sobre a forma como opera a lei substantiva – com que freqüência ela é executada, em benefício de quem e com que impacto social. O acesso não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido, é o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos da moderna ciência jurídica[vi].
Ou seja, a partir destas considerações, podes-se afirmar que “a temática do acesso à justiça constitui a visão metodológica do processualista que realmente considera a perspectiva constitucional. É que o tema do acesso à justiça trabalha a teoria do processo a partir da idéia de democracia social. O acesso á justiça é o rótulo da teoria processual preocupada com a questão da justiça social, justamente posta pela democracia social”[vii].
Segundo nos assevera Marinoni,
“podemos dizer que o acesso à Justiça é o tema-ponte a interligar o processo civil com a justiça social. Tal perspectiva, porém, traz à tona, ainda, a desmitificação da neutralidade ideológica do juiz e do processualista. O juiz e o processualista, se um dia realmente se pensaram ideologicamente neutros, mentiram a si mesmos, pois a afirmação da neutralidade já é uma opção ideológica do mais denso valor, a aceitar e a reproduzir o status quo” [viii].
Uma vez feitas essas considerações, pode-se concluir que o tema do acesso à justiça, a despeito de estar na pauta de discussão há décadas nas academias e pela doutrina, ainda muito tem que a caminhar no que concerne à sua praxis social. Tal fato pode ser explicado ao constatar-se que a efetivação deste direito depende, para além do Direito, de outras esferas de ação humana (sobretudo a política), e, principalmente, da mudança de mentalidade de todos os operadores do Direito.
Referências bibliográficas:
GRINOVER, Ada P., DINAMARCO, Candido R., WATANABE, Kazuo (org). Participação e Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988.
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 2º Ed., São Paulo: Malheiros, 1996.
CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça.Tradução Ellem Gracie Northfleet, Porto Alegre: Sérgio Antonio Editor, 1988.
ALVIM, J. E Carreira. Justiça: acesso e descesso. Jus Navegandi, Teresina, a.7, n.65, mai. 2003. Disponível em: http://www.jus.com.br.
[i] GRINOVER, Ada P., DINAMARCO, Candido R., WATANABE, Kazuo (org). Participação e Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988. p. 135.
[ii] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 2º ed, São Paulo: Malheiros, 1996, p. 21.
[iii] CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça.Tradução Ellem Gracie Northfleet, Porto Alegre: Sérgio Antonio Editor, 1988, p. 8.
[iv] ALVIM, J.E Carreira. Justiça: Acesso e Descesso. Jus Navegandi, Teresina, a.7, n.65, mai. 2003. Disponível em: http://www.jus.com.br, p. 1.
[v] Ibid.
[vi] Ob. cit., p. 12/13.
[vii] MARINONI, Ob. cit., p. 2.
[viii] Ob. cit., p. 22.