Estabelece a Constituição Federal em seu artigo 226, §3º que, Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. É indispensável destacar propedeuticamente que o Estado Democrático de Direito tem por objetivo, dentre outros, a busca pela igualdade de direitos, com a ressalva, já bastante conhecida, de igualar os desiguais na medida em que estes se desigualam.
Posto isto, a facilidade aludida pela Carta Magna para a conversão da união estável em casamento deve ser o norte a orientar toda redação infraconstitucional, sob pena de confronto aos ditames da Lei Maior.
Ora, o que se busca é justamente garantir a efetividade do princípio da igualdade no âmbito familiar, para que o direito patrimonial dos seus membros seja amplamente garantido.
Nesse aspecto, é salutar esclarecer que nenhum regime pode se sobrepor a outro a fim de garantir mais direitos do que o necessário aos anseios sociais de justiça e de pacificação dos conflitos.
Dessa forma, nem a união estável, nem o casamento, nem qualquer outra questão atinente à família podem conter regras diferenciadoras capazes de impedir a formalização das relações jurídicas ordenadas pelo Estado.
A esse respeito veja-se a redação do § 6º, do artigo 227, da CF/88 que aduz:
§ 5º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Pois bem, feitas tais considerações é pertinente que voltemos ao tema ao qual se cinge este estudo, para evidenciarmos ou não, se o regime de sucessão de bens na união estável produz embaraços à formalização do casamento estimulado pela Constituição Federal.
Sem embargos, vejamos as diferenças existentes em ambas as situações ensejadoras da sucessão de bens entre marido e mulher, para então confrontarmos tais dispositivos com o comando constitucional do artigo 226, § 3º.
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
[...]
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
O primeiro passo para entendermos a questão é ter em mente que na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725 CC/02).
Ora, da leitura dos artigos acima enumerados, e dos seus incisos, vê-se que o legislador, em sede de sucessão de bens, deferiu ao companheiro ou à companheira, mais direitos do que ao cônjuge sob os efeitos do casamento civil.
Tomemos como exemplo um caso prático para podermos explicitar melhor nosso entendimento.
Suponha que uma pessoa, casada sob o regime de comunhão parcial de bens, concorra com os descendentes a sucessão dos bens deixados pelo
de cujus. Após receber a meação, a mesma só terá direito à herança, se o autor não houver deixado bens particulares, caso contrário, será automaticamente excluída da sucessão.
A contrario sensu, se o regime fosse o da união estável, além da meação, o companheiro ou companheira participaria sem nenhum embargo da sucessão dos bens adquiridos onerosamente na vigência da referida união, independentemente de haver o
de cujus deixado ou não, bens particulares. Neste caso, apenas se excluiria da herança os bens particulares, prosseguindo a sucessão normalmente com os bens adquiridos onerosamente.
Ora, nada há que possa justificar tal diferenciação feita pelo legislador infraconstitucional, principalmente por se aplicar à união estável, no silêncio dos companheiros, o regime de comunhão parcial de bens. A esse respeito, a Excelentíssima ministra do STJ, Nancy Andrighi se pronunciou na Medida Cautelar nº 14.509:
"[...] A Lei não pode estabelecer uma situação em que seja mais vantajoso não se casar. Isso contraria todo o sistema estabelecido pelo Código Civil. [...] Numa situação como a dos autos, em lugar de se buscarem a igualdade, as normas do art. 1.790 e 1.829 do CC/16 (sic), acabam por aprofundar a diferença entre casamento e união estável, contrariando diretamente a idéia de proteger a união informal e de fomentar a sua formalização pelo casamento”.
Não resta, conforme amplamente apresentado aqui, qualquer dúvida quanto à contrariedade do regime de sucessão de bens na união estável, ao preceito constitucional que busca facilitar sua conversão em casamento.
Expurgar do ordenamento jurídico tal diferenciação, é medida que deve ser buscada de imediato por toda a sociedade e pelas autoridades judiciárias, tendo em vista o comando constitucional que visa formalizar a união estável, favorecendo assim inúmeros casais que vivem na informalidade.
Entretanto, a prevalecer a redação do artigo 1.790 do CC/02, teremos inevitavelmente uma procura cada vez menor pela instituição do casamento, já que o direito de sucessão se mostra mais vantajoso quando existe a união estável.
Nenhuma lei pois, ou nenhum regime, pode embaraçar a conversão da união estável em casamento.
Esta é a orientação da Constituição Federal!