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A RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO DA SAÚDE: MEDICAMENTOS EXPERIMENTAIS PARA "CURA DO CÂNCER"


Autoria:

Gabriel Ferreira Barbosa


Estudante da Academia de Direito na Universidade UNDB.

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Resumo:

A pesquisa ora apresentada tem como objetivo discutir como e se existe responsabilização civil para o profissional médico que vier a indicar o uso de medicamentos experimentais para cura do câncer.

Texto enviado ao JurisWay em 28/05/2019.

Última edição/atualização em 02/06/2019.



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A RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO DA SAÚDE: MEDICAMENTOS EXPERIMENTAIS PARA "CURA DO CÂNCER"

 

 Gabriel Ferreira Barbosa

José Murilo Duailibe

 

Sumário: Introdução. 2 A Responsabilidade Civil Médica. 3 O uso de medicamentos experimentais. 4 A aplicação da responsabilidade civil ao médico diante o uso de medicamentos experimentais no tratamento do câncer.  Conclusão. Referências.

 

 

 

Palavras-chave: Responsabilidade civil médica; Saúde; Medicamentos experimentais; Tratamento de câncer;

 

INTRODUÇÃO

Cada vez mais na Justiça Brasileira, aumentam-se os casos de demandas que envolvem responsabilidade hospitalar e médica. Os fatos que ocasionam tal aumento de demandas relacionadas à responsabilidade no âmbito da saúde são diversos, como, por exemplo, o aumento da procura por serviços médicos, a má qualidade das instituições de ensino que formam estes profissionais, e, também, a maior facilidade, com o passar dos tempos, de acesso à Justiça.

Diante desses casos, sabido que a Medicina é uma profissão de risco à sociedade, assim como, cabe afirmar, que é uma arte, arte esta que não tem, assim como as demais artes, grau certo de eficiência em todos os tratamentos possíveis. Ou seja, mesmo que a Medicina esteja em constante avanço, sabe-se que esta não detém “a cura para todas as doenças”.

 Contudo, em alguns casos, pacientes, diante de doenças de alto risco às suas vidas, como o câncer, por exemplo, se veem com poucas e incertas alternativas de tratamento para suas patologias. No caso do tratamento oncológico, recentemente, veio à tona nos noticiários, a possível descoberta da “pílula do câncer”, no caso, resultado de uma pesquisa iniciada pelo professor Gilberto Orivaldo Chierice, que levou mais de duas décadas para sua conclusão.

Diante de diversas pesquisas e estudos no âmbito da saúde, é ampla a discussão acerca da efetividade de medicamentos e técnicas experimentais para o tratamento do câncer. Ou seja, não se sabe se tais medicamentos, assim como a “pílula do câncer” funcionam, de fato, ou não.

A pesquisa aqui apresentada, que fora desenvolvida através de pesquisas documentais, bibliográficas e exploratórias, tenta promover, então, o fomento a debates no meio acadêmico e social a respeito da responsabilização civil ou não, de profissionais da área médica que realizam ou permitem a utilização em pacientes oncológicos, de métodos e medicamentos experimentais, quanto ao que se refere à regulamentação estatal e/ou internacional sobre os experimentos.

A compreensão de um processo que pode gerar a responsabilização civil diante a ocorrência de danos muitas vezes de impossível reparação, ou ainda diante à arguição de perda de uma chance, aliado ao temor das sociedades modernas entorno do câncer, que possibilitou variadas discussões a respeito do uso e liberação ou não do medicamento intitulado de “fosfoetanolamina sintética”, por exemplo, tornou o tema muito instigante, fazendo-nos, portanto, desejar a produção do trabalho.

Sendo assim, sabendo-se do constante avanço da ciência e da Medicina no que tange a possíveis tratamentos para diversas doenças crônicas, cabem, convenientemente, os seguintes questionamentos: deve se responsabilizar civilmente o profissional médico pela aplicação de técnicas e medicamentos experimentais de tratamento oncológico?

 

2 A Responsabilidade Civil Médica

A ordem jurídica, na sociedade civil, tem como objetivo, a proteção do lícito e a repressão do ilícito, como bem dispõe Sergio Cavalieri Filho (2007), acrescentando, ainda, o autor, que, para atingir tal objetivo, devem ser estabelecidos deveres positivos e negativos. Ou seja, deveres de fazer ou dar alguma coisa, e de não fazer ou tolerar alguma coisa.

Diante do descrito fenômeno da ordem jurídica, surge a responsabilidade civil. Esta, por sua vez, fundamenta-se no fato de que “ninguém pode lesar direito ou interesse de outrem” (OLIVEIRA, 2008), objetivando o reestabelecimento de um equilíbrio moral e patrimonial violado pelo dano (DINIZ, 2014). Ou seja, quando, determinado sujeito não cumpre com os deveres estabelecidos pela ordem jurídica, lesando interesse ou direito de outrem, este sofrerá uma sanção, neste caso, a responsabilidade sobre o dano causado.

A autora Maria Helena Diniz (2014) coaduna com a afirmação de que a responsabilidade funciona como uma sanção, neste caso, como uma “consequência jurídica que o não cumprimento de um dever produz em relação ao obrigado” (DINIZ, 2014).

O instituto da responsabilidade civil encontra fundamentação jurídica no disposto nos Artigos 186 e 927 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (BRASIL, Código Civil, 2002); “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” (BRASIL, 2002).  E, a partir destas disposições, percebe-se que há quatro pressupostos para que exista a responsabilidade civil: o fato, a culpa do agente, o nexo de causalidade e o dano causado a terceiro (SILVA, 2010).

A ação ou omissão que são referidos no caput do Art. 186, para Deborah Christina Gomes Da Silva (2010), corresponde ao comportamento de uma pessoa. A culpa do agente independe se a ação foi com intenção (dolo) ou sem intenção de lesionar. O dano é o resultado do ato ilícito praticado pelo agente. E o nexo de causalidade é a presença de alguma relação entre a causa e o efeito.

A responsabilidade civil existe quando um dever primário, ou seja, uma obrigação não é cumprida, como dito por Deborah Christina Gomes Da Silva (2010):

 

A responsabilidade civil surge quando uma obrigação não se cumpre, obrigação esta que pode nascer da vontade dos indivíduos estabelecido num contrato ou da lei. Este descumprimento obrigacional gera um dano, ou seja, a responsabilidade civil é o dever de indenizar um dano.

Assim como pode derivar de outros âmbitos, a responsabilidade civil também pode derivar de danos no exercício da profissão. A depender da profissão a ser exercida, algumas peculiaridades acabam por distinguir o tratamento jurídico dado aos casos que envolvem responsabilidade civil, como no caso dos médicos, por exemplo. A Medicina, como dito por Silvio de Salvo Venosa (2007), socializou-se e dispersou-se, fazendo com que a relação entre o médico e paciente se tornasse uma relação profissional, onde se tem o tratamento médico, atualmente, alcançado pelos princípios do Código de Defesa do Consumidor (VENOSA, 2007). Nesta relação, “o médico obriga-se a empregar toda a técnica, diligência e perícia, seus conhecimentos, da melhor forma, [...] na tentativa de cura, lenitivo ou minoração dos males do paciente” (VENOSA, 2007).

A obrigação médica é alvo de discussão no que diz respeito à sua natureza jurídica. Porém, nesta discussão, a resposta não é única, uma vez que a depender da área de atuação, a obrigação médica será de resultado ou de meio. Nas atividades de busca da melhora do paciente, como o tratamento oncológico, por exemplo, a cura, ou seja, o resultado, não pode ser garantido (OLIVEIRA, 2008), logo se trata de uma obrigação de meio, por garantir o uso dos meios e técnicas com honradez e perspicácia (VENOSA, 2007).

Contudo, em alguns casos, excedendo a regra de obrigação de meio, o médico assume obrigação de resultado, como nos casos de “cirurgia plástica e em procedimentos técnicos de exame laboratorial e outros, tais como radiografias, tomografias, ressonância magnética etc.” (VENOSA, 2007).

Além da discussão acerca da natureza da obrigação médica, também se discute sobre a natureza da responsabilidade civil do médico: se é contratual ou extracontratual. Visto que a natureza contratual tem origem numa relação propriamente contratual, quando o inadimplemento de uma obrigação do contrato gera a responsabilidade de indenizar as perdas e danos, enquanto que na extracontratual, a responsabilidade não deriva de contrato e sim de infração ao dever de conduta indicado no Art. 927 do Código Civil (GONÇALVES, 2012).

Para Maria Helena Diniz (2014), a natureza da responsabilidade médica é contratual, por mais que o Código Civil tenha regulado a responsabilidade médica no capítulo referente aos atos ilícitos. Segundo a doutrinadora, o caráter contratual da responsabilidade medica é nítido, pois a responsabilidade, excepcionalmente, será de natureza delitual quando o médico “cometer um ilícito penal ou violar normas regulamentares da profissão” (DINIZ, 2014).

 

3 O Uso de Medicamentos e Tratamentos Experimentais.

Com os constantes e acelerados avanços da medicina, a ciência que estuda o corpo humano em seus mais minuciosos detalhes promove, a partir de novas e renovadas pesquisas de modo constante, a ampliação da gama de possibilidades existentes para o tratamento de patologias de diferentes graus. E assim não deixaria de ser com o câncer.

Para além dos tratamentos e medicamentos reconhecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, há outra infinidade deles que devem passar por rigorosos processos de avaliação, que, diante a velocidade em que surgem, aliado à cautela necessária para as avaliações, demoram para ser, enfim, aprovados e postos em veiculação comercial e de distribuição ou não. De acordo com a própria ANVISA, para ver-se apto a ser comercializado, um medicamento novo precisa ter seu dossiê de registro analisado em três etapas, quais seriam: farmacotécnica, análise de eficácia, e análise de segurança (GEPEC, 2005). Logo, os medicamentos que não passarem por essa análise e incorporação pela ANVISA, mas que possuem pesquisas e/ou estão em fase de testes, são tidos apenas como medicamentos experimentais.

Nesse ponto, o uso de medicamentos experimentais, portanto, significa utilizar medicamentos não reconhecidos pela agência reguladora (ANVISA), ou seja, utilizar medicamentos que não passaram por todas essas etapas de avaliações e análises, mas que em determinados casos, podem ser avidamente desejados na esperança de cura para patologias como o câncer, por exemplo.

Nestes termos, a utilização destes medicamentos experimentais irá depender da livre vontade do paciente de utilizá-lo, considerando sua autonomia; da cautela médica em prescrever tratamento alternativo ou mesmo permitir sua realização; e da própria figura do Estado, que pode afastar desde logo qualquer permissão do uso de certos medicamentos e tratamentos, caso verifique a presença de algum dos tipos penais específicos presentes na ordem jurídica, como o Charlatanismo ou o Curandeirismo, previstos nos Arts. 283 e 284, respectivamente, do Código Penal (BRASIL, 1940), às sombras do caso.

A prescrição médica de qualquer medicamento entendido como experimental, implica numa série de cuidados, posto que ao utilizar medicamentos não regulamentados, o paciente priva-se de utilizar aqueles já devidamente testados e aprovados pela Agência Reguladora brasileira, podendo ser o profissional responsabilizado tanto civil como até criminalmente, se comprovado danos por culpa do médico (CAVALIERI FILHO) ou mesmo perda de uma chance real de cura do paciente, caso o tratamento convencional/regulado fosse utilizado.

Contudo, existem casos que, a despeito da própria vedação ou inércia médica quanto a indicação de um medicamento experimental, alguns pacientes, no exercício de direitos constitucionalmente garantidos como o direito à liberdade, onde “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, Art. 5º, II), o direito à intimidade e vida privada, que segundo o texto constitucional, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas [...]” (BRASIL, Art. 5º, X), diante a exposição a uma doença como o câncer, acabam ancorando suas expectativas até em medicamentos que não possuem eficácia cientificamente comprovada.

Isto pois, o câncer é uma doença crônica, que atualmente assusta demasiadamente quem é atingido, uma vez que representa a segunda causa de morte no Brasil, tendo causado, em 2010, cerca de 178.990 (cento e setenta e oito mil, novecentos e noventa) óbitos reconhecidamente por esta patologia (ALMEIDA et. al. 2012, p. 02). Em 2005, o Ministério da Saúde criou a Portaria de nº 2.439, que versava sobre a Política Nacional de Atenção Oncológica, que tem como objetivos:

Alcançar a melhoria da qualidade do serviço prestado, oferecendo assistência especializada e integral. Tal assistência compreende: diagnóstico, cirurgia oncológica, radioterapia, quimioterapia, medidas de suporte, reabilitação e cuidados paliativos (ALMEIDA et. al. 2012, p. 02).

 

Entretanto, em 2013, a Portaria nº 2.439 fora revogada pela Portaria nº 874, que buscava melhorar e ampliar o combate ao câncer, instituindo a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer no âmbito do SUS, com objetivos traçados no seu Art. 2º de

Redução da mortalidade e da incapacidade causadas por esta doença e ainda a possibilidade de diminuir a incidência de alguns tipos de câncer, bem como contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos usuários com câncer, por meio de ações de promoção, prevenção, detecção precoce, tratamento oportuno e cuidados paliativos (BRASIL, Art. 2º, 2013).

 

Essas políticas demonstram que cuidados com o tratamento da doença são necessários, e que há uma preocupação nacional com o tratamento sério e eficaz do câncer. Deste modo, o uso de medicamentos experimentais, não regulamentos pela ANVISA, seja pela indicação médica ou pela livre iniciativa e vontade dos pacientes, é assunto tratado com muita cautela, posto que em tais situações, a autonomia da vontade do paciente e a atuação médica, podem ir de encontro ao Código de Ética Médica, gerando a possibilidade de surgimento de novas demandas judiciais.

 

4 A aplicação da responsabilidade civil ao médico diante o uso de medicamentos experimentais no tratamento do câncer.

O dano é entendido como um dos pressupostos da responsabilidade civil, sendo necessário seu acometimento para a imputação da obrigação de ressarci-lo (DINIZ, 2014). Como ensina o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (2012), “sem a prova do dano ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano pode ser patrimonial (material) ou extrapatrimonial (moral), ou seja, sem repercussão na órbita financeira do lesado”.

 Deste modo, necessário é a demonstração do dano para a existência de qualquer obrigação na esfera da responsabilização civil. Nos casos em que se tratar de responsabilidade profissional, mais especificamente ao que concerne às responsabilidades dos médicos, o que ocorre é que, como dito em capítulo acima, a maioria das vezes possuem uma obrigação meio para com seus pacientes, logo, não é garantido o resultado final positivo, e na medida em que se o tratamento não surtir o efeito esperado, não se pode falar de inadimplemento contratual, salvo se demonstrada culpa do profissional, (CAVALIERI FILHO, 2014). Assim, a comprovação do dano, tão importante para a responsabilização civil, é ainda mais difícil do que comumente já é.

A Medicina, como sabido, encontra-se em constante avanço no que diz respeito ao desenvolvimento de novas técnicas, porém, neste âmbito, assim como nas demais profissões, há uma regulamentação sobre as formas de seu exercício, funcionando como possíveis limitações a tal exercício, como por exemplo, as técnicas autorizadas e que já possuem comprovação da eficiência para que se exerça na profissão, sendo estas regulamentadas pelos órgãos competentes, como o Ministério da Saúde, Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Conselho Federal de Medicina.

Como dito em capítulo alhures, o câncer é doença crônica e que, pelo alto índice de mortalidade, acaba por despertar nos pacientes portadores de tal patologia e em seus familiares, sensações de medo, de insegurança quanto a como encontrar a cura efetiva para sua doença ou daquele ente familiar que se tem afeto, de modo a muitas vezes irem por conta própria em busca de todo e qualquer tratamento que possibilitem a cura. Tratamentos como a ingestão da “pílula do câncer” (fosfoetalonamina sintética), a utilização da imunoterapia, do THC da cannabis sativa, são alguns exemplos de tratamentos experimentais que são procurados, para além dos tratamentos e medicamentos regulados, como a quimioterapia, por exemplo.

Essa busca autônoma do paciente por um tratamento experimental perpassa pela esfera da sua liberdade pessoal, da sua autonomia em dispor de um tratamento que lhe contempla, o que é constitucionalmente previsto no Art. 5º, II (BRASIL, 1988) que dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Logo, todo e qualquer tratamento não proibido por lei e que o paciente queira usar, em tese, deve ser usado sem incorrer em maiores problemas, visto que esta é uma iniciativa própria daquele que está com a patologia.

No entanto, mesmo considerando a autonomia do paciente que busca o método experimental, há a possibilidade de médicos responderem civilmente se, ainda que agindo com prudência, acompanhar a utilização de técnicas ou medicamentos novos e prescrever medicamentos experimentais, ainda que com o consentimento do paciente, sem aprovação do Ministério da Saúde e do Conselho Federal de Medicina se desta utilização ocorrer danos ou mesmo a morte do seu paciente (MACIEL, 2013).

Nestes casos, conseguindo comprovar a culpa do médico, que não é tarefa fácil, uma vez que os Tribunais são severos na exigência de provas, e por ser a matéria essencialmente técnica, exigindo inclusive provas periciais (CAVALIERI FILHO, 2014), pode haver a imputação de dano moral, caso comprovada a criação de expectativa de cura e posterior frustração dela; imputação de dano material, se o paciente comprovar os dispêndios financeiros para manutenção do tratamento, bem como a responsabilização por perda de uma chance, se restar comprovado que o paciente poderia dispor de outro tratamento ou medicamento devidamente regulamentado pelo Ministério da Saúde e pela ANVISA.

A despeito desse posicionamento, há também correntes que defendem outro ponto de vista, que não anula o acima apresentado, mas com entendimentos um tanto quanto diversos. É o que explica a autora Micaela Aparecida Pasa Romero (2009) ao dizer que, em um processo de deliberação conjunta entre médico e paciente, abre-se o processo de consentimento informado, que deve estar ausente de vício e, por obvio, munido de certeza de todos os percalços do tratamento.

O consentimento informado refere-se especificamente a “anuência de uma pessoa a um procedimento médico diagnóstico, terapêutico ou a participação em pesquisa após informações de possíveis benefícios, riscos e outras consequências” (ROMERO, 2009). É a confirmação da autonomia pessoal.

Pela natureza consumerista dessa relação, imperioso é que incida o Código de Defesa do Consumidor. Desse modo, o Art. 6º, III do CDC (BRASIL, 1990) é categórico ao dispor que:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor.

[...]

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

 

Ou seja, é necessário que o médico, ainda que não prescrevendo diretamente o produto ou tratamento, mesmo diante de uma iniciativa do paciente de buscar por esse experimento, precisa garantir o direito a informação do consumidor (paciente), de modo a deixar claro todas as especificações do artigo acima colacionado, principalmente ao que se refere aos riscos. Não havendo clara disponibilidade de informações, o consentimento informado passa a estar comprometido, podendo haver indenização, como explica o trecho abaixo da autora Micaela Aparecida Pasa Romero (2009):

Uma vez estabelecido o nexo de causalidade entre o defeito na prestação de serviço, ou o vício do serviço, por não ter havido informação, ou não ter sido ela suficiente, precisa, e o dano ocasionado ao paciente, surgirá o dever de indenizar por parte do médico que não cumpriu com o dever de obter o tal Consentimento, muitas vezes por não ter o profissional exata noção da importância dessa concordância do paciente, de quão indispensável é essa permissão, essa aceitação livre, voluntária emanada do enfermo, que é quem, tanto quanto possível, deve ser o senhor da sua vida e do seu destino, fazendo escolhas conscientes, uma vez esclarecido dos riscos e das circunstâncias da praxe médica, seja ela terapêutica, seja ela experimental, pois só dessa maneira vemos respeitada a autonomia e a dignidade da pessoa humana.

 

Nestes termos, assim como se percebe plenamente possível a indenização pela infringência do dever de informação, uma vez que o enfermo se encontra devidamente informado de todos os benefícios e riscos na utilização desses medicamentos experimentais, nada há que se falar em responsabilização civil, visto a ciência e o consentimento informado plenamente adequado.

Assim, apesar da liberdade de ação de que dispõe o médico, como bem dito por Fernando Maciel (2013), esta liberdade submete-se à adoção de comportamento, técnicas e condutas que sejam cientificamente comprovadas e que passem necessariamente, pela adequada regulamentação. Nos casos de tratamentos oncológicos, a ética da ação médica redobra, frente a seriedade da doença e dos grandes abalos não só físicos como emocionais aos quais os pacientes encontram-se submetidos, carecendo, portanto, de maior cautela médica, quando do surgimento de novas possibilidades de cura da patologia.

 

CONCLUSÃO

A pesquisa aqui apresentada buscou desenvolver o debate a respeito da possibilidade de responsabilização civil de profissionais da área médica que realizam ou permitem a utilização em pacientes oncológicos, de métodos e medicamentos experimentais, quanto ao que se refere à regulamentação estatal e/ou internacional sobre os experimentos. Neste contexto, partindo do conceito de responsabilidade civil, que consiste num dever de indenizar um dano, quando uma obrigação não se cumpre e gera um dano, pode se dizer que esta pode derivar, também, do exercício de determinadas profissões. Na Medicina não é diferente, o exercício desta, quando não correspondente ao cumprimento de obrigações primárias, pode causar danos, danos estes que geram responsabilidade civil.

A medicina é composta por diversas formas de tratamento para as patologias existentes. Vale ressaltar que estes tratamentos estão, com o avanço desta ciência e da tecnologia, em constante evolução, onde pode se constatar uma diversidade de tratamentos possíveis para diversas doenças. No caso do tratamento oncológico, devido à complexidade destas patologias, métodos experimentais surgem a todo o momento. Porém, deve se esclarecer que a Organização Mundial da Saúde, o Ministério da Saúde, o Conselho Federal de Medicina, entre outros órgãos competentes, são responsáveis por regulamentar as técnicas a serem utilizadas, bem como os tratamentos devem ser avalizados pela ANVISA. Neste caso, cabe aos profissionais do ramo seguir as normas e oferecer os tratamentos para as patologias oncológicas com observância às técnicas possíveis.

É sabido que os pacientes possuem a possibilidade de escolher sobre os tratamentos que querem se submeter. Porém, mesmo havendo a autonomia por parte do paciente, o Médico submete-se à adoção de comportamento, técnicas e condutas que sejam cientificamente comprovadas e que passem necessariamente, pela adequada regulamentação. Contudo, na insistência dos enfermos ao optar por tratamento experimental em detrimento de outro já regulado e indicado, cabe ao médico cientificá-lo de todos os detalhes, dos benefícios aos riscos, daquele tratamento, de modo a garantir o direito à informação do paciente, fundamental numa relação consumerista. Logo, mesmo diante da autonomia do paciente em optar por um tratamento experimental, pode haver a responsabilização civil de médicos.

Do exposto, se médicos, no exercício da sua profissão, indicarem o uso de medicamentos experimentais para tratamento de seus pacientes ou mesmo na escolha dos pacientes por estes tratamentos alternativos, não informa-lo corretamente sobre os detalhes do tratamento experimental, os resultados danosos comprovadamente ocasionados pela utilização destes medicamentos podem sim ser de responsabilidade do profissional, que deverá responder civilmente pelos danos a que der causa.

 

 

 

REFERÊNCIAS 

ALMEIDA, Karla Beatriz Barros de; ARAÚJO, Laura Filomena Santos de; BELLATO, Roseney; etal. Direito à saúde no tribunal de justiça: demanda por medicações em oncologia. Ceará, 2012. Disponível em: Acesso em 21 mar 2017.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm > Acesso em: 20 mar. 2017

 

_______. Lei nº 8.078 de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, 1990. Disponível em: Acesso em: 19 maio de 2017.

 

_______. Decreto-Lei nº 2.848/1940 – Código Penal. Disponível em: Acesso em 21 mar. 2017.

 

_______. Portaria nº 874 de 2013 - Institui a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Ministério da Saúde. Brasília, 2013. Disponível em: acesso em 09 abr. 2017

 

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. Ed. São Paulo: Atlas, 2014.

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Responsabilidade Civil. v. 7. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

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