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GENOCÍDIO NA RUPTURA DOS DIREITOS HUMANOS


Autoria:

Laíse Rodrigues Dos Santos


Estudante do Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão - UEMA

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Resumo:

O presente artigo tem como objetivo principal identificar o genocídio como elemento de ruptura aos direitos humanos e fundamentais presentes nos tratados do qual o Brasil é signatário, em sua atual conjuntura, fazendo uma análise crítica e histórica

Texto enviado ao JurisWay em 30/05/2018.

Última edição/atualização em 03/06/2018.



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GENOCÍDIO NA RUPTURA DOS DIREITOS HUMANOS

 

Bianca Lima França

Gilzanna da Silva Freire

Jéssica de Jesus Ribeiro Teixeira

Jéssica de Pinho Silva

Laíse Rodrigues Dos Santos

Luana Ely Morgado Serra

Prof. Ma. Luíza Oliveira

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA

Bacharelado em Direito – Direitos Humanos

 

 

RESUMO

 

O presente artigo tem como objetivo principal identificar o genocídio como elemento de ruptura aos direitos humanos e fundamentais presentes nos tratados do qual o Brasil é signatário, em sua atual conjuntura, fazendo uma análise crítica, histórica e jurisprudencial com referência no caso Lund. vs. Brasil e a sentença prolatada pela Comissão Interamericana de Direitos humanos e a o conflito da lei de anistia julgada procedente em uma ADPF.

 

Palavras-chave: Genocídio; Direitos Humanos; Diretos Fundamentais

 

1 TEMA

Genocídio: breve análise acerca dos fatores que suscitaram sua discussão, bem como a atual conjuntura a que se está inserido.


2 PROBLEMA CENTRAL

A Segunda Guerra Mundial é um dos marcos históricos mais importantes. O início da internacionalização dos Direitos Humanos se deu no pós-guerra despertado pelas atrocidades do nazismo com o genocídio do povo judeu, na Alemanha. O genocídio, porém, só foi tipificado como crime internacional pela Convenção pela Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, em 1948. O mundo assisti, ainda hoje, o extermínio de grupos em razão da nacionalidade, etnia, raça ou religião. Nesse contexto de intolerância, faz necessário entender o processo histórico em que se seu o processo de internacionalização dos Direitos Humanos. Nesse sentido: Diante do genocídio, qual a importância de um sistema de proteção internacional dos Direitos Humanos?   


3 JUSTIFICATIVA

O tema abordado faz-se relevante, pois o genocídio demonstra-se um dos crimes mais praticados no âmbito internacional, consistindo na destruição e desrespeito a grupos nacionais, raciais ou religiosos. Ou seja, o dano causado por este crime não alcança um só indivíduo, mas um povo, erradicando-o, não só demograficamente, mas simbolicamente, quando atingindo a cultura, as tradições, a sua língua etc. É necessário destacar o papel da Assembleia Geral da ONU ao apresentar-se como instituição que viria a identificar o problema do genocídio no período da II Guerra Mundial e no contexto jurídico e histórico do Tribunal de Nuremberg.

 Deve-se destacar que o Tribunal de Nuremberg e a consideração do Genocídio como crime universal pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 11 de Dezembro de 1946, foi um marco para a ordem jurídica internacional, trazendo consequências significativas aos Estados-nações, ao reconhecer que este crime trouxe grandes perdas à humanidade. O julgamento de Nuremberg contribuiu para a suplantação de normas ultrapassadas do direito internacional clássico, construindo um Direito Internacional mais concreto, que destaca a responsabilização do indivíduo no plano internacional, mostrando que os direitos e deveres ultrapassam as fronteiras dos Estados em que as pessoas estão inseridas, sendo, portanto o direito de todos os homens, ou Direitos Humanos.

É notável também que dentro deste tema se encontra o caso de Lund, em que o Brasil recebeu três decisões desfavoráveis da Corte Interamericana em relação aos fatos ocorridos na Guerrilha do Araguaia, determinando obrigações aos Três Poderes da República pelos crimes de genocídio cometidos na ditadura militar. Constata-se que mesmo com o fim da Ditadura, ainda restavam resquícios da violência e da intolerância da época, sendo de grande importância este julgamento para o contexto jurídico, principalmente no que diz respeito aos Direitos Humanos no Brasil.


4 OBJETIVO GERAL

Abordar aspectos relevantes do genocídio sob enfoque humanitário e como a corte internacional e o direito brasileiro agem acerca deste fenômeno.


5 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Apresentar conceitos essenciais, assim como os aspectos históricos e culturais relevantes sobre genocídio;

- Analisar a atual abordagem acerca do crime de genocídio sob o prisma do direito humanitário no cenário nacional e internacional;

- Expor episódios emblemáticos sobre o assunto, como o tribunal de Nuremberg e o caso Lund.


6        CONCEITO E CONTEXTO HISTÓRICO DO GENOCÍDIO

Em virtude das atrocidades ocorridas na Alemanha nazista e seus reflexos sobre o mundo contemporâneo, surge em 1944, o conceito de Genocídio, cunhado por Raphael Lemkin, a partir da junção do grego genos (tribo, raça) e do latin caedere (massacrar, matar). (BORGES, 2009).

No art. II da convenção para prevenção e repressão do crime de genocídio, baseada no conceito cunhado por Lemkin, define genocídio como sendo: “(...) atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional étnico, racial ou religioso (...)”. (BORGES, 2019).

Apesar de a palavra genocídio surgir apenas no século XX, trata-se de um fenômeno que remonta o histórico dos conflitos entre povos, um exemplo disso, foram os conflitos entre cristãos e mulçumanos, povos este que se digladiavam por motivos étnicos, religiosos ou culturais (AMARAL, 2015). Diante das atrocidades ocorridas nas duas Grandes Guerras Mundiais, foi necessária a criação de tribunais internacionais para punir os crimes ocorridos durante esse período (crimes de guerra, genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de agressão). O primeiro tribunal a ser criado foi o tribunal de Nuremberg, porém, não usou a expressão genocídio para tipificar tais crimes. Somente em 1946, a Assembleia Geral das Nações Unidas passou a utilizar termo “genocídio” cunhado por Raphael Lemkin. E em 1948 foi aprovada a Convenção para prevenção e repressão do crime de Genocídio, entrando em vigor internacional em 12 de janeiro de 1951. (RAMOS, 2014).


6.1. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Os Direitos Humanos sofreram um processo de internacionalização que teve início no pós-guerra como resposta às atrocidades cometidas pelo regime Nazista da Era Hilter, na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial, com a celebração do Acordo de Londres em 1945 que estabeleceu o Tribunal Militar Internacional (TMI) que ficou conhecido como Julgamento/ tribunal de Nuremberg para julgar os crimes do nazismo (PIOVESAN, 2013).

O costume internacional foi o fundamento básico utilizado, no tribunal de Nuremberg, para condenação dos réus pelas atrocidades cometidas na Alemanha Nazista de Hilter. O costume, conforme estabelecido no art. 6 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, é fonte do Direito internacional cuja existência depende de alguns elementos: a aceitação como lei na ordem internacional; a concordância dos Estados (desde que seja um número significativo de países); e a continuidade da prática costumeira por tempo considerável (PIOVESAN, 2013).

Segundo Flávia Piovesan, o Tribunal de Nuremberg consolida a ideia que a soberania estatal não é absoluta, ou seja, que existe um limite à soberania nacional a qual deve estar sujeita aos direitos humanos; além disso, o tribunal consolidou o entendimento que tanto os Estados quanto os indivíduos podem ser sujeitos de Direito Internacional (2013). 

O tribunal de Nuremberg foi um dos tribunais precursores que levaram a criação de um Tribunal Penal Internacional. O tribunal de Nuremberg não julgo o crime de genocídio, este somente foi tipificado como crime internacional em 1948, com a Convenção pela Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio. Esta Convenção previu a instalação de um tribunal internacional, de uma Corte Penal Internacional, que somente em 1998, na Conferência de Roma, foi criado o Tribunal Penal Internacional (TPI) ou como ficou conhecido o “Estatuto de Roma” (RAMOS, 2016).

O TPI é um tribunal independente, com personalidade jurídica própria, de caráter permanente e com sede em Haia, na Holanda. O TPI restringe-se ao julgamento de crimes jus cogens, aqueles que ofendem os valores da comunidade internacional, tal como o crime de genocídio que está disposto nos arts. 5 e 6 do Estatuto de Roma – que entrou em vigor em 2002 (RAMOS, 2016).


6.2 ANÁLISE DA CONVENÇÃO PARA A PREVENÇÃO E A REPRESSÃO DO CRIME DE GENOCÍDIO

O crime de Genocídio, segundo o que se entende na Convenção no seu artigo 2º, consiste em cometer atos de assassinato, causar lesões graves, física ou mental, expor pessoas a condições degradantes, impedir o nascimento ou obstacularizar a perpetuação de determinado grupo social ou étnico. Foi considerado crime pela ONU na Assembleia Geral das Nações Unidas em 9 de dezembro de 1948 a partir da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Esta tem dezenove artigos, apresentando o Genocídio como crime dos povos. Neste, os Estados Contratantes se comprometem em preveni-lo e puni-lo (RAMOS, 2014).

O crime de Genocídio exige dolo específico de destruir, em todo ou em parte, o grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Não são punidos somente os que comentem, mas também os governantes, funcionários e particulares que incitam ou tem cumplicidade com a prática. A tentativa do crime é considerada válida. Na punição, leva-se em conta a Eficácia Horizontal dos Direitos Humanos. Por meio da Convenção, os Estados que são Partes do acordo estão comprometidos em adotar nos seus territórios medidas legislativas para o combate do Genocídio. (RAMOS, 2014).


6.3 GENOCÍDIO NO DIREITO BRASILEIRO

No sistema jurídico brasileiro há repressão ao crime de genocídio em nível constitucional e infraconstitucional. Em âmbito constitucional, é estabelecido em seu art. 3º como objetivo da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos de forma equitativa, independente da etnia, raça ou religião.  No art. 4º é determinado o repúdio às práticas de racismo e genocídio, ademais sendo consagrado esse objetivo e princípio constitucional como direito fundamental, assim como a imprescritibilidade dos crimes dessa natureza conforme o art. 5º, incisos XLI e XLII da CF/88.

A Constituição de 1988 recepcionou a Lei nº 2889/1956 que define e pune o crime de genocídio, tipificando penas e condutas tais como:

Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo; Será punido: Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a; Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b; Com as penas do art. 270, no caso da letra c; Com as penas do art. 125, no caso da letra d; Com as penas do art. 148, no caso da letra e.

O crime de genocídio tem como objetividade jurídica a proteção da vida em comum dos grupos de homens. Seu sujeito ativo e passivo são respectivamente, o homem e qualquer pessoa que pertença a um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

O tipo subjetivo do genocídio é sempre o dolo, acompanhado de um fim específico de agir, pois sem a intenção de exterminar um grupo no todo ou em parte, não haverá genocídio, podendo ser configurado um homicídio ou lesão corporal.

A Competência nacional para julgamento deste crime é da justiça federal, conforme pautando no art. 109, V-A, par. 5º da CRFB/8854 e em precedentes do STJ55 e do STF56.

Um marco histórico na jurisprudência brasileira foi a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do massacre dos índios Yanomamis, conhecido como “Massacre de Haximu”. O caso ocorreu em 1993, onde diversos indígenas foram mutilados por garimpeiros próximos a divisa do Brasil com a Venezuela. O plenário proferiu a decisão em 2006 e sustentou a ocorrência do crime de genocídio, mantendo a condenação de 19 e 20 anos de prisão, anteriormente proferida pela Justiça Federal de Boa Vista.


6.4 A OBRIGAÇÃO DOS ESTADOS NA PEVENÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME DE GENOCÍDIO EM SEU TERRITÓRIO

Perante o  direito  internacional, um Estado é considerado  responsável  quando  ele  comete  um  ato  transgredindo  esse  direito.  Assim o fato gerador da responsabilidade estatal é o  ato  ilícito  internacional. Para que  este  se configure, é necessário que uma conduta - ação ou omissão- seja atribuível ao  Estado  em  virtude  do  direito  internacional,  e  que ela constitua  uma violação de uma obrigação internacional do Estado (ANDRADE, 2007).

Recentemente, o reconhecimento das obrigações “erga omnes” revolucionou o direito da responsabilidade estatal, ultrapassando as dimensões da sua concepção clássica fundamentada na relação bilateral. Agora há a possibilidade de envolvimento de todos os estados, haja vista a importância coletiva dos bens tutelados. Os exemplos desse tipo  de obrigação muitas vezes correspondem a normas de jus cogens, enquadra-se nesse contexto a proibição dos atos de agressão e genocídio (ANDRADE, 2007).

O regime de prevenção em matéria de genocídio, está regulado pela Convenção para a Prevenção e Repressão do crime de genocídio de 1948. A Convenção faz parte do conjunto de proteção do direito das minorias visto que o seu objetivo é proteger grupos nacionais, étnicos, raciais ou religiosos da ameaça do genocídio (BORGES, 2015).

A obrigação por parte dos Estados na prevenção da prática de genocídio em seu território não foi estabelecida explícitamente na Convenção de Genocídio, porém, o Estado tem o dever de prevenir sua prática e criar medidas punitivas bem mais que Estados terceiros (BORGES, 2011), pois as convenções internacionais ainda possuem caráter suplementar.

Assim, segundo Borges (2011, p.13)

A ideia de uma responsabilidade estatal já não suscita dúvidas nas ordens jurídicas internas e internacionais. Mas a possibilidade de uma responsabilidade penal levanta muitas controvérsias e discussões, porque quando um acto ilícito do Estado é qualificado de crime, não provoca as mesmas consequências do que os actos praticados pelos indivíduos. De facto, no caso de haver responsabilidade penal por parte do Estado, seriam todos os indivíduos do próprio Estado a ter que assumir as consequências dos actos de apenas alguns, o que não seria coerente nem justo. Os debates sobre uma responsabilidade penal estatal estão presentes no projecto sobre a responsabilidade dos Estados da Comissão de Direito Internacional que não quis qualificar os actos de “crimes” e preferiu qualificá-los de “violações graves de obrigações impostas por normas imperativas de Direito internacional geral”, para evitar as críticas feitas pela introdução desse termo na primeira leitura e a falta de clareza.

 

6.5 CASO GOMES LUND E OUTROS VERSUS ESTADO BRASILEIRO ("A GUERRILHA DO ARAGUAIA")

            A guerrilha do Araguaia ocorreu por volta de 1966, quando cerca de 70 militantes, a maioria do Partido Comunista do Brasil (PC do B), se dirigiram para a região localizada ao Sul do Estado do Pará, conhecida como região do Rio Araguaia e seus objetivos consistiam em promover uma revolução contra a ditadura e organizar um local de base inicial de trabalho onde não houvesse assistência do poder público. Acreditavam estes que a revolução só teria efeitos concretos se fosse realizada em um local rural.

Antes do início da deflagração prática da “Guerrilha”, a própria luta armada, ainda mesmo durante sua preparação nos anos de 1970 a 1973, com plena vigência da ditadura militar, existiram cerca de 06 operações militares realizadas pelo Exército, Marinha e Aeronáutica do Brasil, com objetivos de reprimir o movimento, agiam através de “operações” no local. Metade dos integrantes da chamada “Guerrilha do Araguaia”, que sequer foi posta em prática, foram executados quando estavam sob a tutela do poder público, quando estavam sob custódia dos militares, por ordem expressa do Presidente da República General Médici. A população não obteve conhecimento da existência da citada “Guerrilha”, já que as operações militares foram realizadas de maneira oculta para sociedade, e para imprensa, até o final do ano de 1973, todos haviam sido mortos pelos órgãos de repressão do governo militar no Brasil à época.

Com a Lei de Anistia em vigor no Brasil em 1979, os familiares dos guerrilheiros desaparecidos, começaram a procurar por seus entes queridos, porém somente dois corpos foram localizados até a atualidade, o corpo de Maria Lúcia Petit, morta em junho de 1972 numa emboscada, em que seus restos mortais foram identificados em 1996 e o outro corpo localizado, o de Bergson Gurjão. Em 1982 os familiares dos desparecidos na região do Araguaia ingressaram com uma Ação Civil contra o Estado Brasileiro (União) para saber sobre o paradeiro de seus entes, sem que tenham obtido êxito quanto a este pedido. Em suma, os requerimentos internos jamais tiveram a atenção que mereciam por parte do Estado Brasileiro.

Após quase vinte e dois anos de vigência da Constituição Federal de 1988, a Ordem dos Advogados do Brasil protocolou perante o STF uma arguição de descumprimento de Preceito Fundamental de número 153, questionando a anistia irrestrita, ampla e geral para os representantes do Estado que cometeram crimes durantes os anos da ditadura militar.

Em 29.04.2010, o STF rejeitou o pedido da OAB para rever a lei de anistia e para não perdoar os agentes do Estado que cometeram crimes durante a ditadura militar:

“STF é contra revisão da Lei da Anistia por sete votos a dois. “Só o homem perdoa, só uma sociedade superior qualificada pela consciência dos mais elevados sentimentos de humanidade é capaz de perdoar. Porque só uma sociedade que, por ter grandeza, é maior do que os seus inimigos é capaz de sobreviver.” A afirmação é do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, último a votar no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153) em que a Corte rejeitou o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por uma revisão na Lei da Anistia (Lei nº 6683/79). A Ordem pretendia que a Suprema Corte anulasse o perdão dado aos representantes do Estado (policiais e militares) acusados de praticar atos de tortura durante o regime militar. O caso foi julgado improcedente por 7 votos a 2.(...)”

 

Após alguns meses, mais exatamente em 24 de novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil a investigar os crimes contra os direitos humanos ocorridos durante os anos da ditadura militar, tais como sequestros, desaparecimentos forçados e torturas. E mais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos – órgão jurisdicional internacional – considerou nula a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal na arguição de descumprimento de preceito fundamental número 153, com relação ao indeferimento da revisão da lei de anistia. Essa celeuma criou um embate entre a decisão do STF e da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A Comissão Interamericana depois de relatar tudo, submeteu à apreciação da Corte Interamericana esclarecendo que os fatos são de competência do sistema regional de proteção aos direitos humanos, pois as violações ao Pacto São José da Costa Rica persistiram ao longo dos anos – como os desaparecimentos forçados – mesmo após a ratificação do Brasil à Convenção Americana de Direitos Humanos.

André de Carvalho Ramos sintetiza bem esse dualismo entre a decisão do STF e a sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso Gomes Lund e outros dizendo que se trata de um “truque de ilusionismo”, pois o Brasil assumiu obrigações internacionais para a proteção dos direitos humanos, porém descumpriu o que havia prometido proteger e no final, o STF disse que está cumprindo com o Pacto de São José da Costa Rica, mas de acordo com a interpretação interna.

A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou ao Brasil que investigue os crimes praticados durante o período da ditadura militar, principalmente pelas mortes e desaparecimentos forçados de corpos. A criação da Comissão Nacional da Verdade encontrou guarida após a decisão do STF na arguição de descumprimento de preceito fundamental 153 e da sentença dada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e outros versus Brasil. Esse organismo temporário queria esclarecer os crimes contra os direitos humanos praticados pelo Estado Brasileiro durante os anos de 1946 e 1988, mas principalmente, nos anos da ditadura militar brasileira (1964 a 1985).

Para tanto, a Comissão Nacional da Verdade deveria investigar arquivos guardados sob o sigilo do Estado e que até hoje não haviam sido revelados. Deve ser registrado que muitos destes documentos foram destruídos durante a Operação Limpeza, perpetrada no final da Guerrilha do Araguaia. A Comissão Nacional da Verdade foi proposta pelo 3º Programa Nacional de Direitos Humanos em conjunto com as propostas sugeridas pela Décima Primeira Conferência Nacional de Direitos Humanos. Tais propostas foram levadas ao conhecimento do então presidente da república – Luiz Inácio Lula da Silva.

 

 

 

 

7        BIBLIOGRAFIA

ABELHA, Manuel João Ferreira. Genocídio e limpeza étnica: Uma mesma concepção, realidades diferentes? 2013. 65 f. Dissertação (Mestrado em Direito Internacional Criminal). Universidade Católica Potuguesa, Lisboa. 2013.

AMARAL, Margarete Padilha. Genocídio: a agressão aos direitos humanos e o direito internacional. Disponível em: http://tcconline.utp.br/media/tcc/2015/09/GENOCIDIO-A-AGRESSAO-AOS-DIREITOS-HUMANOS-E-O-DIREITO-INTERNACIONAL.pdf. Acesso em: 09 nov. 2016.

ANDRADE, Isabela Piacentini de. Responsabilidade internacional do Estado por violação do jus cogens. Disponível em:< http://revistas.ufpr.br/dint/article/view/8389/6693>. Acesso 06 nov. 2016.

BRASIL. Cria a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República. Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011. Brasília, 2011.

BORGES, Corine Figueiredo. A prevenção do Crime de Genocídio. Disponível em: . Acesso 07 nov. 2016.

CAMPOS, Paula Drumond Rangel. O crime internacional de genocídio: uma análise da efetivamente da convenção de 1948 no direito internacional. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2015.

Crime de Genocídio. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sobreStfCooperacaoInternacional/anexo/Respostas_Venice_Forum/3Port.pdf>. Acesso em 09 de novembro de 2016.

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) VS. Brasil. Disponível em: < http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf>. Acesso em: 14 nov. 2016. p. 97. 

FILHO, João Luiz de Azevedo. Genocídio. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/nuremberg/genocidio_oquee.htm>. Acesso em 09 de novembro de 2016.

GOMES Adilson. Massacre de Haximu: O julgamento do crime de genocídio no Brasil. Disponível em:<http://agnfilho.jusbrasil.com.br/artigos/188942679/massacre-haximu-o-julgamento-do-crime-de-genocidio-no-brasil>. Acesso em 15 de Nov. 2016.

LEI DO GENOCÍDIO- Lei 2889/56, de 1 de outubro de 1956. Disponível em: <http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/104072/lei-do-genocidio-lei-2889-56>. Acesso em 07 de novembro de 2016.

ONU. Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. Disponível em   apoio/legislacao/segurancapublica/convenca....crime_genocidio.pdf > Acesso em 9 de novembro de 2016.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. ed.2. São Paulo: Saraiva, 2014.

SCHULZE, Clenio Jair. Anistia, Araguaia e Comissão da Verdade. Revista Jus Navegandi, Teresina, ano 17, n. 3214, 19 de abril de 2012. Disponível em www.jus.com.br/artigos/21551. Acesso em 06 nov. 2016

 
 

 

 

APÊNDICE

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS CASO GOMES LUND E

OUTROS (“GUERRILHA DO ARAGUAIA”) VS. BRASIL

SENTENÇA DE 24 DE NOVEMBRO DE 2010

a)     Que a demanda se referia à responsabilidade do Estado Brasileiro pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de cerca de 90 (noventa) pessoas, entre militantes do  PC do B e camponeses,  na “Guerrilha do Araguaia”, tudo resultado de operações militares, patrocinadas e realizadas pelo governo brasileiro, entre os anos de 1972 e 1975, a fim de aniquilar os integrantes retromencionados.

b)     As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil.

c)     O Estado é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos nos artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o artigo 1.1 desse instrumento, em prejuízo das pessoas indicadas no parágrafo 125 da presente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 101 a 125 da mesma.

d)     O Estado descumpriu a obrigação de adequar seu direito interno à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, contida em seu artigo 2, em relação aos artigos 8.1, 25 e 1.1 do mesmo instrumento, como consequência da interpretação e aplicação que foi dada à Lei de Anistia a respeito de graves violações de direitos humanos. Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos artigos 1.1 e 2 desse instrumento, pela falta de investigação dos fatos do presente caso, bem como pela falta de julgamento e sanção dos responsáveis, em prejuízo dos familiares das pessoas desaparecidas e da pessoa executada, indicados nos parágrafos 180 e 181 da presente Sentença, nos termos dos parágrafos 137 a 182 da mesma.

e)     O Estado é responsável pela violação do direito à liberdade de pensamento e de expressão consagrado no artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com os artigos 1.1, 8.1 e 25 desse instrumento, pela afetação do direito a buscar e a receber informação, bem como do direito de conhecer a verdade sobre o ocorrido. Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais estabelecidos no artigo 8.1 da Convenção Americana, em relação com os artigos 1.1 e 13.1 do mesmo instrumento, por exceder o prazo razoável da Ação Ordinária, todo o anterior em prejuízo dos familiares indicados nos parágrafos 212, 213 e 225 da presente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 196 a 225 desta mesma decisão.

f)      O Estado é responsável pela violação do direito à integridade pessoal, consagrado no artigo 5.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o artigo 1.1 desse mesmo instrumento, em prejuízo dos familiares indicados nos parágrafos 243 e 244 da presente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 235 a 244 desta mesma decisão.

Desse modo, foi determinado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao condenar o Estado Brasileiro, que esse cumprisse, em relação aos aspectos penais, as seguintes determinações:

I.  O Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 256 e 257 da presente Sentença.

  II. O Estado deve realizar todos os esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 261 a 263 da presente sentença.

III. O Estado deve oferecer o tratamento médico e psicológico ou psiquiátrico que as vítimas requeiram e, se for o caso, pagar o montante estabelecido, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 267 a 269 da presente Sentença.

IV. O Estado deve realizar as publicações ordenadas, em conformidade com o estabelecido no parágrafo 273 da presente Sentença.

V. O Estado deve realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional a respeito dos fatos do presente caso, em conformidade com o estabelecido no parágrafo 277 da presente Sentença.

VI. O Estado deve continuar com as ações desenvolvidas em matéria de capacitação e implementar, em um prazo razoável, um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos, dirigido a todos os níveis hierárquicos das Forças Armadas, em conformidade com o estabelecido no parágrafo 283 da presente Sentença.

 VII. O Estado deve adotar, em um prazo razoável, as medidas que sejam necessárias para tipificar o delito de desaparecimento forçado de pessoas em conformidade com os parâmetros interamericanos, nos termos do estabelecido no parágrafo 287 da presente Sentença. Enquanto cumpre com esta medida, o Estado deve adotar todas aquelas ações que garantam o efetivo julgamento, e se for o caso, a punição em relação aos fatos constitutivos de desaparecimento forçado através dos mecanismos existentes no direito interno. VIII.          O Estado deve continuar desenvolvendo as iniciativas de busca, sistematização e publicação de toda a informação sobre a Guerrilha do Araguaia, assim como da informação relativa a violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar, garantindo o acesso à mesma nos termos do parágrafo 292 da presente Sentença.

   Por fim, foi asseverado que a “Corte supervisará o cumprimento integral desta Sentença, no exercício de suas atribuições e em cumprimento de seus deveres, em conformidade ao estabelecido na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, e dará por concluído o presente caso uma vez que o Estado tenha dado cabal cumprimento ao disposto na mesma. Dentro do prazo de um ano, a partir de sua notificação, o Estado deverá apresentar ao Tribunal um informe sobre as medidas adotadas para o seu cumprimento”.

 

 

 

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