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Análise da Lei nº 13.465/2017 quanto aos aspectos relacionados à regularização fundiária rural na Amazônia Legal


Autoria:

Henrique Michael Andreetta De Oliveira Matos De Morais


Perito Federal Agrário Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal do Ceará - UFC Especialista em Georreferenciamento de Imóveis Rurais pela UCDB MBA em Auditoria, Perícia e Gestão Ambiental pelo IPOG Acadêmico de Direito da Universidade de Brasília - UNB

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Resumo:

Este artigo se propõe a fazer uma breve análise da Lei nº 13.465/2017 quanto aos aspectos relacionados à regularização fundiária na Amazônia Legal.

Texto enviado ao JurisWay em 26/02/2018.

Última edição/atualização em 03/03/2018.



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* Artigo derivado de uma monografia de conclusão do curso de Direito na Universidade de Brasília - UNB.


Análise da Lei nº 13.465/2017 quanto aos aspectos relacionados à regularização fundiária rural na Amazônia Legal



1. Medida Provisória nº 759/2016, a precursora da Lei nº 13.465/2017


No dia 23 de dezembro de 2016, no Portal da Presidência da República, foi publicada a exposição de motivos da Medida Provisória nº 759, a qual disporia “sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal, institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União, e dá outras providências.”1 Todavia, o foco da nossa análise recairá sobre os aspectos mais importantes no que se refere a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal.

Na referida exposição de motivos é destacada a importância de legalizar a situação de núcleos familiares que exploram a terra e dela retiram seu sustento, com o intuito de conferir segurança jurídica. Embora esse enfoque remeta a agricultores familiares, a pequenas e médias propriedades, não se pode desconsiderar que a medida também visa a regularização de propriedades rurais maiores, produtoras de commodities.

É dado um destaque aos números alcançados após a edição da Lei nº 11.952/2009, e demonstra que esta inovação legislativa, proposta à época, viria no sentido de atualizar os instrumentos da política de regularização fundiária, tornando-a mais funcional e efetiva. Para isso propor-se-ía um novo rito procedimental para a concessão do título de domínio, com diferentes requisitos a serem preenchidos e atribuindo tal missão ao então Ministério do Desenvolvimento Agrário (por meio da SERFAL), retirando esta atribuição do INCRA. Essas são as principais alterações que a Lei nº 11952/2009 trouxe e que já foram elencadas no capítulo anterior.

Uma observação importante na exposição em debate é uma remissão a um trecho da exposição de motivos da Medida Provisória nº 458/2009 (convertida na Lei nº 11.952/2009), a qual afirma que “desde os anos oitenta as ações de destinação de terras pelo governo federal na Amazônia Legal foram interrompidas, intensificando um ambiente de instabilidade jurídica, propiciando a grilagem de terras, o acirramento dos conflitos agrários e o avanço do desmatamento.” É importante tal afirmação, pois esta confirma o que destacamos quando tratamos da  “fase áurea da ocupação das terras na amazônia” e das “últimas fases da ocupação da amazônia”, demonstrando que a década de 80 foi bastante importante quanto à políticas públicas voltadas para o fundiário da Amazônia Legal.

A importância de se promover a regularização fundiária em uma região que abarca cerca de 60% do território nacional é explicitada e destacada pelo prisma socioeconômico ao possibilitar a ocupação humana e a exploração sustentável dos recursos naturais; pelo prisma da preservação ambiental, já que ao não se ter governança sobre as terras da região, o resultado é o que vimos nas últimas décadas: ocupação desenfreada de terras públicas, aumento dos desmatamentos, extração ilegal de madeira e toda ordem de problemas decorrentes das incertezas que já debatemos neste trabalho.
    Observamos que o mote da então Medida Provisória é a continuidade do  reconhecimento jurídico das situações fáticas já existentes na região, mediante o preenchimento de requisitos legais já outrora elencados na Lei nº 11.952/2009, mas também com as inovações trazidos pela MP em comento e posterior lei de conversão, assim como a continuidade da  consolidação do direito de propriedade, qualificado pela sua função social.
             A exposição de motivos ainda traz os resultados alcançados pela SERFAL desde a sua criação, a partir da Lei nº 11.952/2009, e mostra alguns números que dão a dimensão do problema a ser resolvido e nos faz pensar, por meio de simples cálculos matemáticos, que podemos levar mais de meio século para cumprir a meta elencada, caso não haja incremento de pessoal no Programa Terra Legal e mais investimentos em tecnologia para agilizar processos. Para tal análise é importante colocar o próprio trecho da exposição de motivos, conforme segue:   


48. Desde a edição da referida Lei, foram destinados mais de 13 milhões de hectares de terras da União na região amazônica, incluídos milhares de títulos expedidos a agricultores rurais, destinação de áreas a unidades de conservação ambiental, reforma agrária e terras indígenas. Além disso foram identificadas e georreferenciadas mais de 140 mil ocupações rurais e tituladas mais de 400 áreas urbanas aos seus respectivos municípios, beneficiando mais de 250 mil famílias.
49. Para uma análise do impacto e da relevância de tal medida para a região, deve ser frisado que há 436 municípios na Amazônia Legal nos quais há glebas públicas federais devidamente arrecadadas e registradas em nome da União ou do Incra com a estimativa de pelo menos 160 mil áreas a serem regularizadas.
50. Apesar da evolução do programa, a meta de títulos a serem emitidos é muito mais ambiciosa, totalizando cerca de 200 mil. Estima-se que ainda há cerca de 40 milhões de hectares de terras da União a serem destinados, sendo que boa parte é ocupada há décadas por pequenos e médios agricultores. Nestas áreas é possível implantar uma política de regularização fundiária, reduzindo os conflitos e permitindo segurança jurídica, inserção produtiva e acesso às políticas públicas para aqueles que hoje as ocupam.
    51. O Programa Terra Legal já conta com 7 anos de existência, e é inegável o avanço que representou na gestão fundiária do patrimônio Amazônico. Mas ao longo desta caminhada, a vivência e evolução da política de regularização fundiária demonstrou a necessidade de alteração do quadro normativo, não apenas para alcançar as metas de titulação pretendidas com segurança jurídica, mas também no que pertine à análise dos títulos já emitidos pelo Incra anteriormente à Lei nº 11.952, de 2009, que representam cerca de 150 mil na região Amazônica. (grifos nossos)


Se considerarmos as metas acima elencadas (200 mil títulos), mas lembrarmos o que observamos no capítulo anterior que ocorreu a “emissão de 25.883 títulos em 7 anos (cerca de 3.697 títulos por ano e 123 títulos por mês para toda a Amazônia Legal)” percebemos que é possível que se leve mais de 50 anos para o cumprimento da referida meta. Todavia, se considerarmos a meta de análise dos títulos já emitidos pelo INCRA (cerca de 150 mil) anteriormente á Lei nº 11.952/2009, conforme o trecho final do texto supramencionado, veremos, sem grande rigor, que tais metas ambiciosas podem levar quase 100 anos para serem alcançadas.

Diante desse quadro, é mais do que necessário o que falamos anteriormente, o investimento em gestão de pessoal, realocando servidores, possivelmente ociosos devido ao baixo investimento em algumas políticas públicas, como por exemplo, a própria reforma agrária, para atividades como a da regularização fundiária, além de investimento em tecnologia visando à eficiência dos processos pertinentes à seara em discussão.

Por último, a exposição de motivos trata das principais alterações propostas com a finalidade de adequar o que outrora havia sido criticado quanto à Lei nº 11.952/2009 e que, no entender do governo, tornava algumas ações menos efetivas. São justamente essas principais mudanças os alvos das maiores críticas, as quais veremos a diante.  Vejamos os detalhes do texto:

  

55. Passou-se a definir uma tabela escalonada de valores a serem cobrados pela regularização fundiária das ocupações, que variam conforme o tamanho da área. O objetivo desta alteração é propiciar estabilidade, simplificação e uniformização na definição dos valores a serem cobrados, que passarão pelo crivo do Poder Legislativo.
56. Por sua vez, as cláusulas resolutivas dos títulos a serem doravante emitidos foram adaptadas à necessidade premente de uma verificação mais eficaz e factível quanto ao seu cumprimento, notadamente por meio de análise documental, mantida sua interface com as questões ambientais, trabalhistas e finalidade produtiva.

57. Facultou-se ainda ao interessado a possibilidade de efetuar o pagamento integral do título com base no valor médio da Planilha Referencial de Preçosapós três anos de carência, momento no qual, cumpridas todas as cláusulas e obrigações contratuais, poderá consolidar em suas mãos a propriedade plena. Esta alteração tem por bem compatibilizar o interesse público com a dinamicidade das relações econômicas, sem que isso represente prejuízo ao erário.
58. Também há proposta de mudança no procedimento de análise das condições resolutivas dos títulos emitidos pelos órgãos fundiários até o advento da Lei nº 11.952, de 2009. De acordo com dados fornecidos pelo Incra, foram expedidos mais de 150 mil títulos na região amazônica, com diferentes condições e cláusulas resolutivas. Essa situação gera insegurança jurídica na medida em que não há uma uniformização dos procedimentos para a verificação do cumprimento das cláusulas que foram estabelecidas nos mais de 17 tipos de instrumentos de titulação utilizados pelo Governo Federal antes da Lei 11.952 de 2009.
59. A proposta passa a prever a possibilidade de renegociação de títulos inadimplidos, desde que o beneficiário originário ainda esteja explorando a área, mediante comprovação de determinados requisitos e desde que não exista interesse social ou de utilidade pública no imóvel. Esta inovação propiciará a uniformização no tratamento desses títulos.


Então, em nome da estabilização jurídica das situações já de fato consolidadas há anos, de forma pacífica, é que a então MP segue para o seu trâmite no Congresso Nacional no dia 23/12/2016.

A Medida Provisória em comento, a exemplo do que aconteceu com a já mencionada MP nº 458/2009, também gerou repercussão negativa por parte de algumas entidades e organizações sociais. Foi objeto de questionamento o próprio regime de urgência (com fundamento no art. 62 da Constituição Federal) com o qual o texto foi tratado no seu trâmite no Congresso Nacional, assim como também foram questionados elementos que remetem ao que grifamos no texto supramencionado extraído da exposição de motivos da MP.

Demonstrando a importância da temática da regularização fundiária, tanto urbana quanto rural, e a quantidade de atores impactados com políticas públicas neste campo, temos o número expressivo de 732 emendas apresentadas ao texto original da Medida Provisória em comento. Não há como precisar quantas dessas emendas tratavam de modificações pertinentes a cada vertente de regularização fundiária (urbana e rural), mas o número é importante para dar a dimensão dos interesses, muitas vezes conflitantes, que permeiam essa temática. Também foram realizadas Audiências Públicas para debater o assunto. Todavia, praticamente nada do que foi debatido dentro de tais momentos de discussão foi levado para dentro da Medida Provisória2.

A proposta da Medida Provisória sofreu alterações no Congresso3. Quanto aos dispositivos relativos à regularização fundiária na Amazônia Legal, os quais estão elencados na Lei nº 11.952/2009, as principais mudanças foram as seguintes: inclusão da ampliação do limite temporal para comprovar o exercício da ocupação, qual seja, anterior a 22 de julho de 2008 ( art. 5º, IV do projeto do Congresso); inclusão de ampliação das áreas ocupadas passíveis de serem regularizadas, qual seja, área não superior a 2500 hectares (art. 6º, §1º do projeto do Congresso); inclusão de texto que especifica melhor qual tipo de demanda judicial que leva a áreas ocupadas serem impedidas de serem regularizadas e acrescenta as ressalvas para esse impedimento (art. 6º, §3º do projeto original); inclusão de critério de precificação e de desconto para a alienação do imóvel rural por parte do Poder Público (art. 12, §1º do projeto original e depois modificado pelo projeto do Congresso); inclusão de texto que acresce ao preço do imóvel para alienação os custos que o Poder Público teve quanto aos serviços topográficos, no caso de estes serem executados por aqueles (art. 12, §3º do projeto original); modificação do texto das cláusulas, sob condição resolutiva, que devem constar no termo de concessão de direito real de uso ou no título de domínio, com o fim de preservar a destinação agrária do imóvel, de ampliar a exigência de cumprimento da legislação ambiental e a diminuição da exigência da observância das disposições que regulam as relações de trabalho como um todo para, somente, a não exploração de mão de obra em condição análoga à escravidão (art. 15, I ao IV do projeto original); inclusão da possibilidade de extinção das cláusulas resolutivas na hipótese do beneficiário pagar integralmente o preço médio da área na forma que o Poder Público tem para precificar tal área, com a ressalva de serem cumpridas todas as condições resolutivas até a data do pagamento (art. 15, §2º do projeto do Congresso); inclusão da possibilidade de se comprovar o cumprimento das condições resolutivas por meio de juntada de documentação aos autos e a possibilidade de se fazer vistoria para o mesmo fim, caso a documentação juntada não seja suficiente para a comprovação em comento (art. 16, §1º e §2º do projeto do Congresso); inclusão de prazo máximo de doze meses  para a conclusão da análise do pedido de liberação das condições resolutivas (art. 16, §3º do projeto do Congresso); modificação do lapso temporal para a análise de descumprimentos das condições resolutivas visando a resolução de pleno direito do título de domínio ou do termo de concessão (art. 18, §1º do projeto original); inclusão de prazo de 5 anos contados a partir da entrada em vigor da MP em comento para requerer a renegociação do contrato firmado até 22/12/2016 com órgão fundiários federais (art. 19 do projeto original); supressão do cancelamento automático, independente de notificação, do título precário cujo imóvel tivesse sido objeto de alienação (art. 19 - A do projeto original).

O texto modificado seguiu para a Presidência da República e não foi vetado nenhum dispositivo que tratasse da regularização fundiária na Amazônia Legal. Dessa forma ficou instituída a Lei nº 13.465/2017, a qual, dentre outras disposições, tratou de modificar, conforme vimos, dispositivos da Lei nº 11.952/2009.

Sem grande rigor, a lei originada pela MP nº 759/2016 tratou de aumentar a área pública máxima (antes 1.500 e agora 2.500 hectares) possível de ser transferida, a sua propriedade, por meio de título definitivo ou termo de concessão, para pessoas físicas brasileiras que sejam ocupantes destas áreas, de forma mansa e pacífica, até 22 de julho de 2008, praticando cultura efetiva.

Para cumprir a possibilidade do aumento supramencionado, a lei tratou de continuar permitindo a doação de áreas de até um módulo fiscal4 e que áreas maiores que isso, com 2.500 hectares de área máxima, sejam objeto de alienação ou concessão real de uso, mantendo a desnecessidade de procedimento licitatório, mantendo o parcelamento do pagamento por até vinte anos com três de carência e com mais possibilidades de descontos para pagamento à vista. Para esse fim foram alteradas, também, a Lei nº 8666/93, a qual regula licitações e contratos da administração pública, além da Lei nº 6015/73, que dispõe sobre registros públicos.





2. Questionamentos específicos quanto ao teor da Lei nº 13.465/2017



2.1 O preço da terra


Um dos questionamentos mais importantes quanto ao que essa nova lei trouxe é sobre os preços que serão cobrados pela terra, pelo Programa Terra Legal, em virtude dos procedimentos de regularização fundiária na Amazônia Legal. Ainda na vigência dos dispositivos da Lei 11.952/2009 que tratavam do referido preço, os valores da terra praticados pelo referido programa já eram tratados como muito baixos, além de terem uma cobrança ineficiente, devido à falta de estrutura disponível para essa função5.

Uma auditoria do TCU, em 2014, com objetivo de avaliar a conformidade do Programa Terra Legal em todos os Estados da Amazônia Legal, além de apresentar outros resultados nem um pouco positivos, também observou que o valor de imóveis acima de 1  e até 4 módulos fiscais era muito inferior ao cobrado de lotes de assentamentos do INCRA, bem como os valores dos imóveis acima e 4 e até 15 módulos fiscais estavam inferiores ao valor de mercado e das planilhas referenciais de preço do INCRA.6

Mesmo diante desse quadro de questionamentos, as mudanças trazidas pela Lei 13.465/2017 reduzirão ainda mais o valor que já era baixo. Estima-se que esse subsídio pode provocar uma perda ao patrimônio público de 19 bilhões a 21 bilhões de reais. Esse valor seria decorrente da diferença entre o valor médio de mercado dos imóveis em processo de regularização e os preços a serem cobrados pelo governo7. Além desse impacto estimado, acredita-se que a combinação de preços baixos e o alargamento do prazo de ocupações passíveis de serem regularizadas podem configurar um grande estímulo para a ocupação de mais terras públicas devido a lucratividade que se pode auferir com a venda futura do imóvel rural.

As referidas diferenças de preços são tão expressivas que o Ministério Público Federal emitiu a Recomendação nº 01/2017, onde se preconiza o que segue:


  1. Ao Presidente do INCRA:


1) que não efetive a equiparação da planilha de preços referenciais para fins de titulação de projetos de assentamento, veiculada pela instrução normativa incra/p/nº 87/2017 como pauta de valores da terra nua para fins de titulação e regularização fundiária;
2) que proceda à revisão da instrução normativa INCRA/P/nº 87/2017, para alterar seu art. 1º, de modo a contemplar apenas a titulação de projetos de assentamento;
3) que observe na elaboração da pauta de valores da terra nua para fim de regularização fundiária a metodologia contida na Norma de Execução/INCRA/DT/nº. 112, de 12 de setembro 2014.


b) ao subsecretário do programa terra
legal:


1) que se abstenha de promover regularização fundiária, nos termos da Medida Provisória nº 759/2016 (convertida na lei nº 13.465/2017), em face da ausência normativa da pauta de valores de terra nua para fins de titulação e regularização fundiária8.


O artigo 40-A, da Lei nº 11.952/2009, incluído pela Lei nº 13.465/2017, amplia a utilização dos mesmos parâmetros relativos aos preços das terras para todo o território nacional, o que agrava ainda mais a preocupação descrita neste tópico.

Em razão, também, desses baixos preços, a Procuradoria-Geral da República propôs uma ADI9, protocolada no dia 31/10/2017, a qual pede a suspensão imediata da Lei nº 13.465/2017 e no que se refere ao assunto que neste tópico estamos tratando, merece destaque o seguinte argumento do então Procurador-Geral da República:


A aplicação da lei impugnada resultará em um dos maiores processos de perda de patrimônio público da história do Brasil, além de promover sensível aumento do quadro de concentração de terras nas mãos de poucos.


É possível que devido à fiscalização dos órgãos de controle e a vigilância do Ministério Público Federal quanto a esse assunto, é factível que não se avance na cobrança pela terra a ser regularizada com valores tão divergentes dos que já estavam sendo praticados pelo Programa Terra Legal após os questionamentos do TCU, já mencionados em momento anterior.



2.2 Incentivo a invasões, aumento do desmatamento e de conflitos agrários


Devido às modificações efetuadas pela Lei nº 13.465/2017 quanto ao aumento da área passível de ser regularizada, de 1.500 para 2.500 hectares; combinado com o um novo limite temporal para a comprovação da ocupação, de 1º de dezembro de 2004 para 22 de julho de 2008; combinado, ainda, com as modificações que levam aos preços baixos para a alienação dessas terras é possível que haja um consequente estímulo a mais invasões de terras públicas, um aumento do desmatamento devido à necessidade do ocupante demonstrar a prática de cultura efetiva (conforme art. 5º, III, da Lei 11.952/2009) e o avançar de iniciativas nesse sentido, da invasão de novas áreas, acabar gerando conflitos com, por exemplo, populações indígenas ou tradicionais cujos territórios ainda não tenham sido reconhecidos.

Em virtude disso, também merece ser mencionado um trecho da ADI mencionada no tópico anterior:


A Lei 13.465/2017, caso não suspensa liminarmente em sua integralidade, permitirá privatização em massa de bens públicos – e há notícias de atuação política para criação de mutirões objetivando acelerar a emissão de títulos – sem preocupação com essas políticas, o que consolidará situações irreversíveis, como elevação do número de mortes em razão de conflitos fundiários, aumento da concentração fundiária (por atender aos interesses do mercado imobiliário e de especuladores urbanos e rurais), além de conceder anistia a grileiros e desmatadores.


Claro que se a Administração Pública tivesse mais presente na Amazônia Legal seria possível que não ocorresse o que afirmamos ser possível ocorrer no parágrafo anterior. Entretanto, o que observamos é que nos últimos anos ocorreram sérios cortes orçamentários em diversos órgãos da Administração Pública, como por exemplo o IBAMA, o INCRA, que comprometeram seriamente as atividades das áreas fins desses órgãos. Por outro lado, não observamos nenhum investimento expressivo em pessoal e nem em tecnologia que possa tornar o trabalho de fiscalização até mais barato e mais eficiente.

Pode-se, com tecnologia, até demonstrar que um invasor desmatou, ocupou uma determinada área pública depois de 22 de julho de 2008 e, assim, evitar que esta área seja regularizada no nome desse invasor. Mas o impacto ambiental não foi evitado e a punição prevista no art. 20 da Lei nº 4.947/1966, de invasão de terra pública, cuja pena vai de 6 meses a 3 anos de detenção, combinado com os crimes ambientais decorrentes do desmatamento, parecem não ter eficácia para inibir tais iniciativas delituosas. Então, diante de tais informações, a preocupação manifestada quanto a essa temática é deveras compreensível.



2.3 Vistoria


Art. 16.  As condições resolutivas do título de domínio e do termo de concessão de uso somente serão liberadas após a verificação de seu cumprimento.               
§ 1o  O cumprimento do contrato deverá ser comprovado nos autos, por meio de juntada da documentação pertinente, nos termos estabelecidos em regulamento.    

§ 2o Caso a análise de que trata o § 1o não seja suficiente para atestar o cumprimento das condições resolutivas, deverá ser realizada vistoria.

§ 3o  A administração deverá, no prazo máximo de doze meses, contado da data do protocolo, concluir a análise do pedido de liberação das condições resolutivas.



O tema da vistoria e seu respectivos questionamentos vêm desde a edição da Lei nº 11.952/2009. Na época discutia-se que o dispositivo da lei, ao dispensar da vistoria áreas de até quatro módulos fiscais e permitir a análise de, somente, declaração do ocupante, dava azo à possibilidade de descrições faltas, a não verificação de possíveis conflitos na área e toda gama de incertezas possíveis trazidas por esta dispensa. Em razão disso

O dispositivo atual, descrito acima, torna a vistoria ainda menos obrigatória, o que abre ainda mais discussões a respeito do tema.

É possível fazer algumas verificações do cumprimento das cláusulas resolutivas por meio de análise documental10 e até mesmo análises remotas da área, para averiguar, por exemplo, o cumprimento do regular pagamento e do cumprimento da legislação ambiental. Entretanto, algumas verificações teriam mais eficácia se feitas presencialmente, a exemplo da constatação, no local, da existência de conflitos agrários, especialmente envolvendo terras ocupadas por comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas, assim como a constatação da existência de trabalho análogo ao de escravo.

A ADI já mencionada também ataca esse dispositivo, mas o faz de maneira bastante frágil ao afirmar que sem a realização da vistoria “o cumprimento da função ambiental do imóvel não poderá ser atestada”. Frágil, pois se verificarmos o que foi falado no parágrafo anterior, é possível verificar boa parte do cumprimento da legislação ambiental por meio de imagem de satélite, sem falar que no dispositivo que trata da cláusula resolutiva relativa ao respeito à legislação ambiental é dado especial destaque ao cumprimento do disposto no Capítulo VI da Lei nº 12.651/2012 que, grosso modo, é a realização do Cadastro Ambiental Rural, o qual é feito de forma remota.

Diante do que temos falado quanto às limitações do Programa Terra Legal para o bom cumprimento da sua missão institucional, especialmente quanto ao número reduzido de servidores frente à grande demanda por regularização de terras na Amazônia Legal, somado ao prazo estabelecido no §3º acima, é possível que a vistoria vire cada vez mais exceção, trazendo toda gama de riscos que disso decorre, principalmente quanto aos aspectos que não podem ser bem analisados por meio de documentos e de forma remota.

Conclusão


Analisamos a Lei nº 13.465/2017 quanto aos aspectos relacionados ao recorte que preferimos fazer neste documento, regularização fundiária na Amazônia Legal. Nesse momento observamos o descompasso entre as metas dessa regularização, dispostas na exposição de motivos da Medida Provisória nº 759/2016 que resultou na lei em comento, e os meios atuais que o Programa Terra Legal possui para cumprí-las. Diante, novamente, da frieza dos números, observamos que poderemos levar quase um século para cumprir tais metas.

No avançar da pesquisa, analisamos as principais alterações sofridas pela Medida Provisória nº 759/2016, no Congresso Nacional, e demos uma noção da dimensão do interesse que o tema levanta no nosso país ao relatar o número expressivo de 732 emendas parlamentares apresentadas ao texto original da referida Medida Provisória.

Por último, analisamos os principais questionamentos quanto ao teor trazido pela Lei nº 13.465/2017 e neste momento constatamos sérios problemas relacionados aos dispositivos que tratam da precificação das terras objeto de regularização, os quais podem gerar sérios danos aos cofres públicos ao colocar tais preços bem abaixo do preços praticados no mercado de terras. Constatamos, também, que existe a  possibilidade de dispositivos da referida lei se transformarem em incentivos à novas invasões de áreas públicas e toda a gama de consequências que advêm disso, como o  aumento do desmatamento e o incremento do número de conflitos agrários. Em suma, ainda vimos os questionamentos referentes à flexibilização que a lei deu para a realização das vistorias, as quais objetivam a verificação do cumprimento de algumas das condições resolutivas apostas nos títulos de domínio e nos termos de concessão de uso emitidos pelo Programa Terra Legal. Tal flexibilização pode levar, por exemplo, à ineficiência na observância de conflitos agrários, assim como na constatação da existência de trabalho análogo ao de escravo na terra objeto de regularização fundiária.

Por todo exposto, não é difícil perceber a magnitude do problema a ser enfrentado quanto a esta importante política pública que aqui tratamos. Todavia, de alguma forma, não muito bem vista pela maioria da literatura, o Programa Terra Legal segue o seu rumo aplicando os ditames das normas mais recentes. Mas, ainda, é importante percebermos que a boa governança agrária e a própria solução das questões fundiárias rurais vão além do próprio texto de lei. Pelo que vimos, parece ser mais um problema de qualidade na gestão de todo o processo do que do processo de produção legislativa.



____________________________________________________________

 

1Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016. Disponível em:<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2016/medidaprovisoria-759-22-dezembro-2016-784124-exposicaodemotivos-151740-pe.html.> Acesso em: 29 de novembro de 2017.


 

2Tal afirmação dá-se por análise fática, já que este acadêmico participou de todas as Audiências Públicas que trataram do tema, ocorridas no Congresso Nacional, e observou os resultados destas em termos de modificações na então MP.


 

3Quadro comparativo completo entre a Medida Provisória 759 e o Projeto de Conversão nº 12 de 2017. Disponível em <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=5302444&disposition=inline>. Acesso em 29 de novembro de 2017.


 

4O módulo fiscal varia de região para região e pode chegar a mais de 100 hectares na região em estudo.


 

5BRITO, B.; CARDOSO, D. Jr. Regularização fundiária no Pará: afinal qual é o
problema? Belém, PA: Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia -
Imazon, 2015.Disponível em: http://imazon.org.br/PDFimazon/Portugues/livros/REG_FUNDPARA_WEB.pdf. Acesso em: 29 de novembro de 2017.


 

6TCU. Tribunal de Contas da União. 2014. Acórdão 627/2015. Brasília-DF: TCU.


 

7BRITO, B. Nota Técnica sobre o impacto das novas regras de regularização fundiária na Amazônia. 2017. Disponível em: http://imazon.org.br/publicacoes/nota-tecnica-sobre-o-impacto-das-novas-regras-de-regularizacao-fundiaria-na-amazonia/. Acesso em: 01 de dezembro de 2017.

 

8A recomendação do MPF está disponível em:<http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/1_2017_Recomendacao_GT_Terras.pdf>. Acesso em 01 de dezembro de 2017.


 

9ADI nº 5.771. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/ADI5771regularizaofundiria.pdf. Acesso em: 01 de dezembro de 2017.


 

10BRITO, Brenda et al. Comentários sobre a Medida Provisória nº 759/2016. Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia.2017. Disponível em: http://imazon.org.br/PDFimazon/Portugues/outros/Comentarios_Medida%20Provis%C3%B3ria%20759_Imazon.pdf. Acesso em: 01 de dezembro de 2017.

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