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A IMPORTÂNCIA DA LEGITIMIDADE NO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANO.


Autoria:

Tatiana Do Carmo Sant''anna


Estudante de Direito do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM. Possui graduação em Serviço Social pela UFRJ e pós-graduação em Relações Internacionais pela Universidade Cândido Mendes.

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Resumo:

O objetivo deste artigo é analisar o motivo para o Brasil incentivar mecanismos de legitimidade, como o envolvimento da sociedade civil, no processo de integração sul-americano.

Texto enviado ao JurisWay em 16/07/2017.



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A IMPORTÂNCIA DA LEGITIMIDADE NO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANO.

Tatiana do Carmo Sant’Anna

Resumo

A projeção do Brasil no cenário internacional tem aumentado. A sua importância e relevância como ator internacional é crescente. No entanto, a região geográfica, na qual está inserido, deve ser levada em consideração para alcançar o papel que deseja assumir no contexto internacional. O objetivo deste artigo é analisar o motivo para o Brasil incentivar mecanismos de legitimidade, como o envolvimento da sociedade civil, no processo de integração sul-americano.

Palavras-chave: legitimidade; integração; liderança; sociedade civil; América do Sul.

1 – Introdução

O Brasil tem aumentado a sua projeção no cenário internacional. Um ator que busca participação com autonomia e atuação pragmática sem atitudes de subserviência, de conformismo e de confrontações gratuitas ou ideológicas (Velasco Júnior, 2011). O País, como potência média – que, segundo Jordaan (apud Malamud, 2009) é um estado que não é grande e nem pequeno em termos de poder, capacidade e influência internacionais e que demonstra propensão em promover coesão e estabilidade no sistema internacional, ou, segundo Keohane (apud Malamud, 2009) é um estado cujos líderes o consideram incapaz de atuar sozinho de forma efetiva, mas que é capaz de influenciar o sistema em um grupo pequeno ou por intermédio de uma instituição internacional - e sem excedente de poder, prioriza os foros multilaterais como meio de garantir a legitimidade de seus pleitos, buscando também a democratização desses foros e a redução de assimetrias internacionais.

O país assume, então, uma identidade ao mesmo tempo reivindicatória e reformista, essencial para fazer avançar temas caros aos países em desenvolvimento e para a redução das assimetrias internacionais. (Velasco Júnior, 2011, p. 21)

Segundo Hurrell (2009), existem mudanças profundas em curso na sociedade internacional. Para ele uma nova raison de système estaria em desenvolvimento e mudaria e substituiria a antiga noção de raison d’État, uma vez que “novos tipos de lógica sistêmica têm ganhado força a ponto de enredar e aprisionar até mesmo os mais poderosos” (Hurrell, 2009, p. 18). O eixo da economia mundial também está modificando, visto que se desloca dos países centrais para os emergentes e a Política Externa brasileira está atenta a essas transformações e procura redesenhar a geografia política, econômica e comercial a favor do desenvolvimento do Brasil (Simões, 2011). O Governo brasileiro articula-se com diferentes atores internacionais conforme o seu interesse nacional. A integração com a América do Sul é interessante ao Brasil por questões de defesa, de comércio, de infraestrutura e energia, entre outros. Destarte percebe-se a importância da integração com a América do Sul. No entanto, é importante perceber que o Brasil sofre um estigma de imperialista na região e isso pode afetar a relação com os demais países e a resistência destes em aceitar o Brasil como líder pode interferir na legitimidade e credibilidade do nosso país na busca de seus pleitos, como, por exemplo, um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU).

(...) tentativas de conquistar um papel global podem facilmente estimular animosidade ou ao menos suscitar a preocupação de vizinhos regionais. Isto tem sido particularmente evidente nas reações de países das respectivas regiões às tentativas da Índia e do Brasil de obter assentos permanentes no CSNU e ao papel regional mais firme do Brasil na América do Sul de maneira geral. (Hurrell, 2009, p. 24)

Um aspecto, então, a ser ressaltado é a busca da legitimidade na integração sul-americana.

Um país pode reivindicar status de grande potência, mas a participação neste grupo depende do reconhecimento por parte de outros: não só das outras grandes potências, mas também dos países menores e mais fracos dispostos a aceitar a legitimidade e autoridade daqueles no topo da hierarquia internacional. (Hurrell, 2009, p. 15)

O objetivo deste artigo é analisar a importância para o Brasil de ter mecanismos de legitimidade na integração regional.

 

2- Integração na América do Sul

Antes de analisar a integração na América do Sul, precisa-se, primeiramente, compreender o que é uma integração regional. Segundo Pasquino (apud Ramos, 2008), a integração seria a superação das divisões e rupturas entre membros de uma organização. Para Saraiva (2010), a integração seria uma ação voluntária de um Estado em assumir compromissos ou ceder parte da soberania a partir de um tratado. Já Afonso da Silva (apud Ramos, 2008) compreende que a inserção em um tipo de comunidade não quer dizer perder soberania, mas assumir uma nova forma de soberania, que é compartilhada comunitariamente. “Na verdade, antes de redução de soberania, temos uma expansão das soberanias particulares, tem-se, para cada um dos Estados-membros, uma soberania expandida.” (Silva apud Ramos, 2008, p. 18). Ramos(2008) cita Salmon para explicar integração:

a organização internacional de integração é uma organização caracterizada por uma transferência de competências, de poderes, de faculdades e de funções estatais a órgãos comuns distintos dos Estados. Tal transferência implica, nessa linha, na maioria dos casos, na tomada de decisão por métodos majoritários. As organizações internacionais voltadas para a integração justamente buscam o cumprimento de suas normas, distribuição de recursos e orientação dos membros aos seus objetivos comuns. (Salmon apud Ramos, 2008, p. 16)

A clássica definição de Bela Balassa, desenvolvida nos anos 60, durante o início dos processos de integração, era mais voltada para definir e conceituar uma integração econômica e era dividida em quatro categorias: livre comércio – as tarifas e restrições não-tarifários seriam eliminadas na relação comercial entre os membros associados; união aduaneira – além de já ser uma zona de livre comércio, os Estados membros adotariam uma tarifa externa comum para os bens importados de outros Estados; mercado comum- além da união aduaneira, existiria a livre circulação de fatores de produção; e união econômica – já atingida a etapa de mercado comum, seria acrescida de uma coordenação da política econômica e estabelecimento de uma moeda única (Saraiva, 2010 e Ramos, 2008).

Já nos anos 70/80, com a evolução do processo de integração europeu, surgem algumas abordagens para tentar explicar a coexistência das dimensões supranacional ,dimensão que está acima dos Estados membros, e intergovernamental, dimensão cujas decisões são tomadas a partir do interesse dos Estados soberanos.

Nos anos 90, a integração regional toma um novo impulso com o intento de melhor inserir as economias nacionais no sistema econômico internacional. Esse modelo ficou conhecido como “regionalismo aberto” ou “novo regionalismo”, cujas características eram:

medidas orientadas para a obtenção de uma economia de mercado mais aberta; expectativa de articulação entre os países com vistas a construir uma economia de escala que possa competir em melhores condições na economia internacional; e a defesa de regimes democráticos pluralistas ocidentais. O novo regionalismo significou a contraparte do liberalismo nos processos de integração regional e orientou as análises das experiências sul-americanas neste período.” (Saraiva, 2010, p. 4).

Durante os anos 2000, no contexto da América do Sul, algumas condições básicas desse modelo são postas em xeque: os resultados esperados com a abertura das economias nacionais não foram alcançados; o processo de integração regional com caráter comercialista foi dando espaço a preferências mais cooperativas; a dificuldade em criar uma economia regional de escala por causa dos obstáculos postos por agentes econômicos nacionais e pelo caráter defensivo dos países, etc. (Saraiva, 2010)

O processo atual da integração sul-americana não tem contornos precisos e não limita-se às clássicas abordagens de integração. Até as iniciativas mais tradicionais de integração - mais voltadas à ideia de integração econômica, com uma perspectiva mais comercialista, como o Mercado Comum do Sul (Mercosul) - cedem a novos modelosde integração mais cooperativa (Saraiva, 2010).

 

2.1- Da rivalidade à amizade

Um dado a ser levado em consideração é que o processo de integração entre os países da América do Sul é relativamente recente. Segundo Simões (2011), durante a época colonial e boa parte da história dos países já independentes, predominava a estratégia de divide et imperia, assim a fragmentação, muitas vezes estimuladas por países de fora da América do Sul, vigorava na região. A ideia perpetuada de que não haveria lógica em unir-se com países tão frágeis quanto si próprio, pois, assim, não permitiria alcançar o desenvolvimento, gerava algumas vezes concorrência entre eles por atenção de algum país no exterior.

Essa descrição corresponde, grosso modo, a um traço estrutural das relações internacionais desde o período colonial até muito recentemente. Ainda hoje lutamos para superar resquícios do velho esquema mental, para neutralizar a colonização das mentes e espíritos, de modo a abrir uma nova avenida que possa gerar desenvolvimento autêntico, baseado nas reais necessidades e interesses das regiões e povos historicamente marginalizados. Dito de outro modo, nosso principal desafio hoje, como parte do mundo em desenvolvimento, e apesar de todas as diferenças culturais e particularidades que possam existir entre os países que compartilham essa condição, é produzir uma ruptura com os padrões de dominação do passado, transformando interesses objetivos compartilhados em ação coletiva para a transformação da ordem internacional no sentido da multipolaridade, única forma de assegurar o estabelecimento de regras globais mais justas e democráticas, nos campos político e econômico e justiça social.”(Simões, 2011, p. 21)

Para Simões (2011) essa lógica de competição explica, em grande parte, a carência de rodovias, ferrovias, túneis e conexões marítimas e aéreas entre os países da região. Explica também o porquê, até muito recentemente, não havia programas de cooperação nas áreas de defesa, segurança e combate ao narcotráfico. “Se o vizinho é visto como competidor ou rival, a desconfiança exige limitar os contatos, criar barreiras para contê-los.” (Simões, 2011, p. 23). A lógica de rivalidade só foi superada quando houve a percepção de que os países ganhariam mais juntos do que separados e o maior exemplo disso é a relação do Brasil com a Argentina.

O fator que explica a ruptura com o passado de rivalidade e a busca de um futuro de amizade e integração é a democracia. Apenas quando as sociedades civis puderam expressar-se livremente e passaram a influir sobre os destinos de seus respectivos países foi possível deixar de lado vetustos preconceitos derivados de uma geopolítica míope.(Simões, 2011, PP. 23 e 24)

Como dito anteriormente, a ordem internacional está em mudança e a preocupação brasileira com a integração sul-americana corresponde ao interesse nacional a médio e longo prazo. Pode-se pensar na importância da América do Sul por diferentes ângulos. No sentido econômico, Simões (2011) afirma que tem aumentado o comércio com a região e que a presença de empresas brasileiras nos países sul-americanos é crescente. Além do mais, o autor cita que “Em 2009, o índice de bens industrializados nas exportações brasileiras para a região alcançou cerca de 90% - vendemos, na nossa vizinhança, bens de alto valor agregado.” (Idem, 2011, p. 16). Um dado importante diante do contexto atual de risco de reprimarização da economia devido ao alto valor de commodities e, consequentemente, ao aumento da exportação de bens agrícolas e minerais em detrimento de bens industriais. Simões (2011) também comenta que as vantagens não são somente para o Brasil, mas também para os demais países da América do Sul, pois o Brasil importa produtos sul-americanos, dinamizando, assim, suas economias e também financia, por meio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), projetos de infraestrutura, como a construção de estradas, hidrelétricas, aeroportos e petroquímicas.

A América do Sul possui grande quantidade de recursos naturais. Nela encontra-se uma das maiores reservas energéticas do mundo, se contar com o petróleo, gás, carvão, potencial hidrelétrico, capacidade de aproveitamento das energias solar e eólica e a possibilidade futura no setor de biocombustíveis (Garcia, 2010). É necessário pensar, então, em uma conectividade física, em uma integração energética e complementaridade produtiva. Em relação à integração energética, ela seria fundamental, pois apesar do potencial energético da região, muitos países sofrem com os “apagões”, que são ruins para a economia e para o cotidiano da população (Garcia, 2010).

No âmbito da Segurança, a integração também é importante para que a região resolva seus problemas sem interferência externa. A União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) possui um Conselho de Defesa que busca a interação das Forças Armadas dos países sul-americanos “sobre a base do respeito à soberania nacional, da transparência, da construção de confiança e da cooperação científica e tecnológica.” (Garcia, 2010, p. 304)

O Brasil busca os foros multilaterais para tratar de assuntos de interesse global, sempre preocupado em reformar as instituições internacionais para que elas tenham maior representatividade e legitimidade. A integração com outros países, inclusive os da região sul-americana, pode ser um meio para agregar poder e fomentar uma coalizão regional a fim de facilitar as negociações internacionais (Velasco Junior, 2011 e Hurrell, 2009). Pensadores de visão mais progressista defendem a dimensão política da integração. Para eles, a integração regional seria uma forma de fortalecer a posição da América do Sul no concerto das nações. Eles defendem que a integração deva ter como base uma identidade comum, com ênfase na participação da sociedade civil e no fortalecimento da parte institucional (Saraiva, 2010).

Os processos de integração, nos quais o Brasil está inserido exclusivamente no âmbito da América do Sul, são o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Existem outros processos que envolvem outros países da América Latina e do Caribe e também processo sul-americano no qual o Brasil não participa, como a Comunidade Andina.

O Mercosul resultou do Tratado de Assunção, assinado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai em 26 de março de 1991. O objetivo principal do bloco é a integração dos Estados-membros por meio da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos; do estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum; da adoção de uma política comercial comum; da coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais e da harmonização da legislação nas áreas pertinentes (Ministério das Relações Exteriores). Apesar do nome, o Mercado Comum do Sul é uma união aduaneira imperfeita, pois apesar de constituir uma união aduaneira, conforme a definição de Balassa, a livre circulação de bens não alcança todos os setores produtivos e existe uma lista de exceção à Tarifa Externa Comum, além de ocorrer a dupla cobrança desta entre os países do Bloco (Saraiva, 2010 e Ministério das Relações Exteriores).

A partir de 2007, são criados os primeiros projetos para a redução de assimetrias entre os países do Bloco, compreendendo projetos sociais como assentamento rural, saneamento básico e construção de moradia popular. Há também mecanismos de participação da sociedade civil, como as Cúpulas Sociais. O Parlamento do Mercosul (Parlasul) é uma tentativa de integração política e começou a funcionar efetivamente em 2008 e o Paraguai já elegeu seus representantes de forma direta, enquanto, no Brasil, a eleição direta dos representantes do Parlasul está prevista para começar em 2014 (Mercosul Social e Participativo – Construindo o Mercosul dos Povos com Democracia e Cidadania, 2010).

O outro processo de integração sul-americano que o Brasil está inserido é a UNASUL. Os passos para a sua criação começou em 2000 com a primeira reunião de Chefes de Estado e de Governo na América do Sul e serviu para lançar a Iniciativa para a Integração de Infraestrutura Física da América do Sul (IIRSA). Em 2004, houve o lançamento da Comunidade Sul-americana de Nações (CASA) na cúpula de Cuzco. Em 2007, houve o lançamento da UNASUL em substituição a CASA. No ano de 2008 foi assinado o tratado constitutivo da UNASUL por todos os países sul-americanos, dando-lhe personalidade jurídica e definindo o quadro se sua ação (Saraiva, 2010 e Simões, 2011).

A Unasul busca o desenvolvimento de um espaço integrado nos âmbitos político, social, cultural, econômico, financeiro, ambiental e de infraestrutura. Sua meta é alcançar um desenvolvimento equitativo, harmônico e integral da América do Sul.

O objetivo declarado da UNASUL não é se tornar um bloco comercial no curto prazo, mas ampliar as possibilidades nas áreas de infraestrutura, investimentos e energia, além de outras possíveis, como segurança e defesa, políticas sociais, educação e saúde. O que se busca com a integração sul-americana é utilizar a proximidade física e os objetivos comuns – sobretudo os relacionados ao crescimento econômico e à justiça social – para potencializar os respectivos projetos nacionais de desenvolvimento, o que representa um rompimento com o paradigma histórico de buscar o desenvolvimento dando as costas para a própria região.” (Simões, 2011, p. 26)

3- O Brasil, a América do Sul e a questão da legitimidade

O Brasil deseja assumir um papel de líder na América do Sul, porém a região possui particularidades que precisam ser levadas em conta para que o País possa alcançar seu objetivo.

Primeiramente, o que significa ser líder? Para Malamud (2009), liderança é a capacidade de conseguir e influenciar seguidores e também de envolver os estados subordinados, de forma que apropriem os objetivos de seu líder como os seus próprios. Para Hirst (2010), a projeção brasileira sobre a América do Sul deve-se mais a sua condição de poder regional do que de líder regional.

Esta configuración no es consecuencia de un acto de negligencia - como muchas veces se insinúa en los círculos duros del poder internacional- sino de un equilibrio espontáneamente creado entre la ausencia de impulso por parte de las elites brasileñas y una mezcla de vacilación con suspicacia por parte de las clases dirigentes sudamericanas. (Hirst, 2010, p. 2)

Para Hirst (2010), outro fator que influencia é o desgaste da preeminência norte-americana na região:

También parece fundamental tener presente que por parte de la mayoría de los países de la región, sea cual fuere el tamaño de su territorio, población y economía, está fuera de discusión una sustitución de liderazgo. La fatiga casi generalizada frente a la desgastada preeminência norteamericana no se traduce en la identificación de un nuevo conductor. (Hirst, 2010, p. 2)

Malamud (2009) cita que os países sul-americanos vêem o Brasil de forma ambígua: um misto de um bem-vindo paymaster e um novo poder colonial.

Por esses fatores, Simões (2011) defende que a relação com os países sul-americanos deva ser de soma positiva, onde haja ganhos para todos e que a expansão capitalista brasileira na região deve evitar reações adversas para não nos prejudicar.

Muitas vezes a atitude brasileira diante da América do Sul – como sua conduta diante da nacionalização da Petrobras na Bolívia, a renegociação do Tratado de Itaipu com o Paraguai, entre outros - é mal compreendida em termos políticos. A grande imprensa nacional interpreta como “ingenuidade” e “idealismo”. Entretanto, devemos ter em mente as peculiaridades dessa região: a desconfiança das classes dirigentes sul-americanas em relação ao Brasil; o desgaste da preeminência norte-americana e a dificuldade de parte dos países sul-americanos em aceitar um novo condutor; percepção do Brasil como novo poder colonial. Diante disso, a atuação brasileira deve ser diferente da tradicional postura imperialista das potências tradicionais com a periferia. O poder brando – soft power, que segundo Nye (apud Malamud, 2009) é a capacidade em alcançar suas metas por meio da cooptação e atração, em vez dos instrumentos do hard power, como a utilização do poder econômico e militar para influenciar o comportamento e interesses de outros – deve prevalecer na relação com os demais países sul-americanos (Simões, 2011).

Ser duro com os fracos quase nunca é a maneira de defender nossos interesses de longo prazo. Ao contrário, corremos o risco de assumir um papel antipático que se voltará contra nossos próprios objetivos e aspirações. O exercício da diplomacia discreta, da solidariedade e de alguma generosidade não equivale à falta de firmeza na defesa do interesse nacional. Essa postura, ao contrário, é o que garante que nossos vizinhos tenham a consciência de que a relação com o Brasil, em particular nos campos econômico e comercial, é algo positivo que deve ser aprofundado. (Simões, 2011, p. 51)

Malamud (2009) constata que na América do Sul as guerras têm sido raras e os assuntos de high politics são mais retóricos do que físicos. Então, para o autor, na região “power is likely to have a softer meaning than elsewhere, and policy options may thus be framed differently.” (Malamud, 2009, p. 130)

A atitude brasileira não corresponde a pura bondade ou solidariedade, e sim, porque reconhece que, para consolidar seu desenvolvimento nacional e ampliar sua atuação nos temas globais, é necessária uma região forte, que consiga resolver seus próprios problemas, sem precisar das fórmulas prontas impostas de fora, que não conseguiram resolver as mazelas da região. Existe uma interdependência entre o projeto brasileiro de desenvolvimento nacional, a região que o País está inserido geograficamente e o perfil internacional de potência emergente que lhe é atribuído pela sua influência crescente no cenário internacional (Simões, 2011).

Não há como não ser afetado pela região, assim como não há como deixar de afetá-la pelas decisões aqui tomadas. Os problemas da região terão necessariamente repercussão no Brasil, que, por sua vez, terá dificuldades adicionais de lograr seus objetivos de desenvolvimento, bem-estar e prosperidade se os vizinhos mergulharem no caos, na violência, na pobreza e no desamparo. A interdependência impõe a busca de soluções conjuntas e políticas convergentes. (Simões, 2011, p. 50)

Para a integração sul-americana dar certo e para que o Brasil seja visto de uma maneira diferente por seus pares, é necessário envolver a sociedade para mudar a percepção do outro como ameaça e rival. “A legitimidade, chave para que a fragmentação dê lugar à integração, só pode ser obtida por meio de um processo que seja reconhecido como mais favorável aos interesses e aspirações das populações.” (Simões, 2011, p. 24).

O histórico de desconfiança e rivalidade deve ser superado com cautela, buscando os pontos de inserção. Um desses pontos é justamente os desafios e as dificuldades comuns que perpassam os países da América do Sul, como a pobreza; a miséria; a fome; a doença; a geração de desenvolvimento e renda; a dificuldade em incorporar tecnologia ao processo produtivo; as fontes de energia; o combate ao tráfico; o fortalecimento dos tecidos industriais na região e a necessidade de reforçar as instituições do Estado de Direito (Simões, 2011).

A legitimidade, então, deve ser imprescindível na busca da integração na América do Sul:

Esse empreendimento deve contribuir para o progressivo resgate da enorme dívida social sul-americana, favorecendo a realização de negócios e investimentos públicos e privados economicamente rentáveis, mas sem deixar de ser fator de distribuição de renda de fortalecimento das políticas sociais e de acesso das populações a condições dignas de vida. É a legitimidade decorrente do progresso social que tornará a integração um objetivo permanente de todos os países da região. Essa é a chave para alcançar uma região mais forte, capaz de resolver com eficiência seus próprios problemas e dotada de voz e influência nos grandes temas globais. Um Brasil que contribui para que a região avance no caminho da prosperidade e da justiça social reforça suas credenciais como fator de estabilidade e progresso no mundo. O êxito desse projeto ajudará a ampliar a capacidade do Brasil de projetar os mesmos valores e interesses que balizam nossa atuação regional no contexto mais amplo de luta por uma ordem internacional mais democrática e justa. (Simões, 2011, p. 36)

Um aspecto importante para a busca da legitimidade na integração é a construção de uma consciência e identidade comuns para a região sul-americana e também na formação de uma cultura e uma cidadania comunitária (Rivarola, 2010). Até mesmo para superar a visão do outro como ameaça e rival e, assim, romper com o padrão do passado e como Simões cita “superar resquícios do velho esquema mental, para neutralizar a colonização das mentes e espíritos” (Idem, 2011, p. 21).

Rivarola (2010) afirma que as velhas ideias-chave de nação, soberania, pátria, autonomia e independência ainda permeiam no imaginário social dos latino-americanos. Assim sendo, são necessárias políticas de aproximação entre os povos, além da existente entre seus governantes, para que aumente a confiança entre os povos e, assim, as possibilidades de integração regional, para que seja percebida como uma oportunidade e, não, como uma ameaça (Rivarola, 2010).

A dimensão cultural define as bases simbólicas sobre as quais construir um processo integrador, (Rivarola, 2010):

La legitimidad de un proyecto regional originalmente basado en estrategias mercadológicas requiere el aval de imaginarios colectivos, la inclusión de identidades sociales, el alimento de las diversidades, la aceptación de conflictos y consensos. Si los procesos culturales conforman principios configuradores de la cohesión social, ningún proyecto comunitario es pensable al margen de los argumentos cifrados que provee la cultura (Rivarola, 2010, p. 163).

Segundo Rivarola (2010) cultura é um conjunto de bens e fazeres simbólicos, redes de sentido que levam às sociedades se autocompreender e se legitimar; meios pelos quais elas se reconhecem e se diferenciam; os acervos patrimoniais, figuras, discursos coletivos e estilos de vida que permitem a população se imaginar, recordar e projetar o futuro. “Según esta acepción, las políticas y derechos culturales abarcan la identidad y la memoria, las creencias, los conceptos y las ideologías, los lenguajes, las costumbres y tradiciones, el patrimonio, etc.” (Rivarola, 2010, p. 164).

As políticas culturais devem ser incentivadas pelos Estados para criar uma identidade e uma cultura regional e permitir, assim, a aproximação dos povos. Além disso, os Estados também devem incentivar políticas educacionais, do ensino fundamental ao superior, para consolidar a construção da identidade e da cultura regional que permitam conhecer o outro, superar os obstáculos das diferenças, aprender a importância da integração regional, ter um ensino e uma formação cidadã que supere os limites nacionais e englobe os aspectos regionais (Rivarola, 2010).

 

4- Conclusão

O envolvimento da sociedade civil no processo de integração na América do Sul é mister para o Brasil aumentar a legitimidade não só na própria integração com os demais países, mas também nos seus pleitos internacionais, como a democratização dos foros mundiais, a redução das assimetrias, a busca de um assento permanente no CSNU, entre outros.

Ganhar legitimidade com o envolvimento da sociedade civil, com políticas setoriais que minimize a pobreza, o desemprego e as exclusões econômicas e sociais, ajudaria a superação da rivalidade, da visão do Brasil como novo poder colonial. Permitiria, também a redução de assimetrias na região e minimizaria conflitos potenciais.

Afonso da Silva (apud Ramos) diz que a integração propicia “uma expansão das soberanias particulares” e a integração com os países da América do Sul pode ser um meio para agregar poder e fomentar uma coalizão regional a fim de facilitar as negociações internacionais.

O grande deficit da União Europeia é no âmbito social, então, é necessário, como diz Rivarola (2010), que a população viva a integração em seu cotidiano e essa experiência tem de ser boa, para realmente dar legitimidade à integração. O processo de integração é recente e por isso as conquistas são lentas, mas é nessa etapa que é melhor incentivar políticas de construção de uma identidade e cultura regional para aproximação entre os povos e de políticas setoriais para superar as desigualdades econômicas e sociais. Assim, constrói-se um caminho para que a integração se amplie e se fortaleça no médio e longo prazo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GARCIA, Marco Aurélio. Recursos Naturais e conflitos na América do Sul. InJOBIM, N.; ETCHEGOYEN, S.W.; ALSINA, J.P. (Org.). Segurança Internacional: Perspectivas Brasileiras. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.

 

HIRST, Monica. Hacia la construcción de un proyecto sudamericano. La Nación, 06 nov. 2010. Disponível em

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HURRELL, Andrew. Os Brics e a Ordem Global. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2009. (Introdução).

 

MALAMUD, Andrés. Leadership without followers: the contested case for Brazilian power status. In MATINS, E.de R. e SARAIVA, M.G. (eds.). Brasil-União Européia-América do Sul. Anos 2010-2020. Rio de Janeiro, Fundação Konrad Adenauer, 2009, p.126-149.

 

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Mercosul. Disponível em . Acesso em 10/01/2012.

 

RIVAROLA, Milda. Latinoamérica, identidad e integración. InIntegração da América do Sul . Brasília: FUNAG, 2010.

 

SARAIVA, Miriam Gomes. Integração regional na América do Sul: processos em abertos. Análise de Conjuntura, n. 7, julho, 2010.

 

 

SERBIN, Andrés. A diplomacia cidadã na América Latina e no Caribe: uma atualização. Política Externa, vol. 18, n. 4, pp. 115-129, 2010.

 

SIMÕES, Antonio José Ferreira. Integração: sonho e realidade na América do Sul. Brasília: FUNAG, 2011.

 

VELASCO JÚNIOR, Paulo Afonso. Uma política externa fiel à sua tradição. Insight inteligência, n. 55, pp. 118-124, 2011.

 

 

 

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