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RESPONSABILIDADE DO MÉDICO


Autoria:

Nilton De Lima


Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Izabela Hendrix - Belo Horizonte, MG.

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Resumo:

Trata-se de um trabalho em que se discute a responsabilidade civil dos médicos, sobretudo consubstanciada por erro médico e por conseguinte a responsabilidade solidária das clínicas e hospitais. Faz-se alusão ao código de ética dos médicos.

Texto enviado ao JurisWay em 05/04/2016.



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RESPONSABILIDADE DOS MÉDICOS

 

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

 

 A Medicina  é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza. O alvo de toda a atenção do médico  é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. Para exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.

 

 Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina, bem como pelo prestígio e bom conceito da profissão.

 

Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente.

 

 O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.

 

 O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.

 

 O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.

 

 A Medicina não pode, em nenhuma circunstância ou forma, ser exercida como comércio.

 

 O trabalho do médico não pode ser explorado por terceiros com objetivos de lucro, finalidade política ou religiosa.

 

 O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei.

 

 O médico empenhar-se-á pela melhor adequação do trabalho ao ser humano, pela eliminação e pelo controle dos riscos à saúde inerentes às atividades laborais.

 

 O médico comunicará às autoridades competentes quaisquer formas de deterioração do ecossistema, prejudiciais à saúde e à vida.

 

O médico empenhar-se-á em melhorar os padrões dos serviços médicos e em assumir sua responsabilidade em relação à saúde pública, à educação sanitária e à legislação referente à saúde.

 

 O médico será solidário com os movimentos de defesa da dignidade profissional, seja por remuneração digna e justa, seja por condições de trabalho compatíveis com o exercício ético-profissional da Medicina e seu aprimoramento técnico-científico.

 

 Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para o estabelecimento do diagnóstico e da execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente.

 

 As relações do médico com os demais profissionais devem basear-se no respeito mútuo, na liberdade e na independência de cada um, buscando sempre o interesse e o bem-estar do paciente.

 

O médico terá, para com os colegas, respeito, consideração e solidariedade, sem se eximir de denunciar atos que contrariem os postulados éticos.

 

O médico se responsabilizará, em caráter pessoal e nunca presumido, pelos seus atos profissionais, resultantes de relação particular de confiança e executados com diligência, competência e prudência.

 

A natureza personalíssima da atuação profissional do médico não caracteriza relação de consumo.

 

 No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.

 

Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.

 

Quando envolvido na produção de conhecimento científico, o médico agirá com isenção e independência, visando ao maior benefício para os pacientes e a sociedade.

 

Sempre que participar de pesquisas envolvendo seres humanos ou qualquer animal, o médico respeitará as normas éticas nacionais, bem como protegerá a vulnerabilidade dos sujeitos da pesquisa.

 

Na aplicação dos conhecimentos criados pelas novas tecnologias, considerando-se suas repercussões tanto nas gerações presentes quanto nas futuras, o médico zelará para que as pessoas não sejam discriminadas por nenhuma razão vinculada a herança genética, protegendo-as em sua dignidade, identidade e integridade.

 

É vedado ao médico:

 

Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência, a responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida.

 

O médico poderá delegar a outros profissionais atos ou atribuições exclusivos da profissão médica.

 

 Deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente.

 

 Deixar de assumir a responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que solicitado ou consentido pelo paciente ou por seu representante legal.

 

 Assumir responsabilidade por ato médico que não praticou ou do qual não participou.

 

 Atribuir seus insucessos a terceiros e a circunstâncias ocasionais, exceto nos casos em que isso possa ser devidamente comprovado.

 

 Deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, expondo a risco a vida de pacientes, mesmo respaldado por decisão majoritária da categoria.

 

 Afastar-se de suas atividades profissionais, mesmo temporariamente, sem deixar outro médico encarregado do atendimento de seus pacientes internados ou em estado grave.

 

 Deixar de comparecer a plantão em horário preestabelecido ou abandoná-lo sem a presença de substituto, salvo por justo impedimento.

 

 Na ausência de médico plantonista substituto, a direção técnica do estabelecimento de saúde deve providenciar a substituição.

 

Acumpliciar-se com os que exercem ilegalmente a Medicina ou com profissionais ou instituições médicas nas quais se pratiquem atos ilícitos.

 

Receitar, atestar ou emitir laudos de forma secreta ou ilegível, sem a devida identificação de seu número de registro no Conselho Regional de Medicina da sua jurisdição, bem como assinar em branco folhas de receituários, atestados, laudos ou quaisquer outros documentos médicos.

 

Deixar de esclarecer o trabalhador sobre as condições de trabalho que ponham em risco sua saúde, devendo comunicar o fato aos empregadores responsáveis.

 

 Se o fato persistir, é dever do médico comunicar o ocorrido às autoridades competentes e ao Conselho Regional de Medicina.

 

 Deixar de esclarecer o paciente sobre as determinantes sociais, ambientais ou profissionais de sua doença.

 

 Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no País.

 

 Descumprir legislação específica nos casos de transplantes de órgãos ou de tecidos, esterilização, fecundação artificial, abortamento, manipulação ou terapia genética.

 

No caso de procriação medicamente assistida, a fertilização não deve conduzir sistematicamente à ocorrência de embriões supranumerários.

 

O médico não deve realizar a procriação medicamente assistida com nenhum dos seguintes objetivos:

 

criar seres humanos geneticamente modificados;

 

criar embriões para investigação;

 

criar embriões com finalidades de escolha de sexo, eugenia ou para originar híbridos ou quimeras. (monstro fabuloso)

 

 Praticar procedimento de procriação medicamente assistida sem que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo.

 

 Intervir sobre o genoma humano com vista à sua modificação, exceto na terapia gênica, excluindo-se qualquer ação em células germinativas que resulte na modificação genética da descendência.

 

Deixar de cumprir, salvo por motivo justo, as normas emanadas dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina e de atender às suas requisições administrativas, intimações ou notificações no prazo determinado

 

Desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los.

 

 Deixar de assegurar, quando investido em cargo ou função de direção, os direitos dos médicos e as demais condições adequadas para o desempenho ético-profissional da Medicina.

 

Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade. Deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação pertinente.

 

RESPONSABILIDADE POR ERRO DE DIAGNÓSTICO

 

Os médicos, como regra à exceção, normalmente, dos cirurgiões plásticos estéticos e anestesistas, têm obrigação de meio para com seus pacientes. Ou seja, o médico não se obriga a um resultado (a cura), mas de utilizar os melhores meios para atingir o resultado desejado pelo paciente. Submete-se o médico, por isso, à chamada responsabilidade subjetiva: só indenizará o paciente pelo resultado indesejado se tiver agido com culpa (imperícia, negligência ou imprudência) ou dolo (intenção de causar dano).

 

Na maioria das vezes, os médicos para chegar a um diagnóstico  se valem dos serviços de laboratórios de exames, que analisam o corpo e o organismo do paciente sem exercer atividade médica, sem obrigatoriamente apontar resultado conclusivo acerca de uma enfermidade.

 

O diagnóstico realizado pelo médico, com ou sem suporte em exame laboratorial, até pode ser errado, mas, se o for por culpa do profissional, haverá dever de indenizar, se da conduta resultar dano ao paciente.

 

Fazer o diagnóstico é determinar a doença e suas causas. O diagnóstico labora, pois, para a definição do tratamento da enfermidade, o que reclama do médico a adoção dos meios necessários para a realização perfeita da tarefa. O profissional deverá se valer, por exemplo, do exame clínico, da melhor técnica disponível, da arguição do paciente, da interpretação dos dados coletados e de exames complementares.

 

A culpa pelo erro de diagnóstico ocorre quando o médico não observa o estado da ciência e os deveres de atenção e precaução, configurando uma falha manifestamente grosseira. Isso ocorre quando o profissional abre mão de ferramentas investigativas consagradas como aplicáveis ao caso sob exame ou quando fere princípios científicos básicos. Contudo, ao submeter o paciente a exames sabidamente desnecessários ou inúteis, o médico poderá responder pelo eventual sofrimento imposto ao enfermo.

 

Não se pode negar, porém, que hoje com a enorme gama de recursos técnicos e exames disponíveis há grande rigor na avaliação da culpa do médico pelo erro de diagnóstico. Seguramente, escapa da responsabilização o profissional precavido e que relega a margem de erro às limitações da própria Medicina. Mas, obviamente, não se pode exigir do médico o impossível, quando o paciente não tem condições financeiras de arcar com despesas de exames, como costuma acontecer com os que recorrem à precária saúde pública.

 

Por outro lado, o reconhecimento da culpa do médico pelo erro de diagnóstico é uma tarefa difícil, mesmo em uma ação judicial em que é realizada perícia técnica, porque o ser humano é falível e cada paciente possui características próprias (e se submete a condições particulares).

 

Quando culposo o erro de diagnóstico, o médico responde civilmente pelos danos decorrentes do tratamento indevido da moléstia ou do atraso na aplicação da terapêutica correta. Porém, é possível ao médico retificar o diagnóstico e evitar o dano antes que aconteça, hipótese em que não haverá responsabilidade civil.

 

Os danos decorrentes do erro de diagnóstico podem ser morais (angústia, dor, sofrimento etc.), estéticos (deformações ou perda de beleza) ou patrimoniais (despesas, perdas salariais etc.), com cuja condenação deverá o médico arcar se a sua culpa e o nexo de causalidade forem demonstrados, em Juízo, pela vítima.

 

E, ainda de forma incipiente, começam a surgir casos de indenização pela perda de uma chance, teoria francesa segundo a qual o médico pelo erro no diagnóstico sponde por inviabilizar a cura de uma doença. É o caso, por exemplo, do não diagnóstico de um câncer de fácil constatação e que só vem a ser descoberto muito tempo depois, quando as chances de cura já quase se esvaíram.

 

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO PLÁSTICO

 

Todos nós ouvimos (ou vamos ouvir) dizer que em se tratando de intervenções médicas-cirúrgicas (ou mesmo clínico), a obrigação assumida pelo médico seria de meios, posto que objeto do contrato estabelecido com o paciente não é a cura assegurada, mas sim o compromisso do profissional no sentido de uma prestação de cuidados preciosos e em consonância com a ciência médica na busca pela cura.
Essa, ao menos é a defesa apresentada por 100% dos médicos que são demandados na justiça quando o paciente busca ressarcimento em virtude do chamado“erromédico”.
Por incrível que possa parecer esta tese te guarida em nossa Justiça, sendo certo que somente em casos extremos é que o profissional é condenado ao pagamento de indenização pelos danos originados ao paciente.
Assim também ocorre (ou ocorria) com os cirurgiões plásticos. Estes os quais, segundo pesquisa recente feita pelo Conselho Regional de Medicina – CRM, em sua grande maioria, sequer são especialistas na área, mas mesmo assim, podem e, de fato, operam muitas pessoas que buscam a beleza imposta pela sociedade através das chamadas cirurgias estéticas.
Segundo José Yoshikazu Tariki, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, a título de curiosidade (e alerta) nos processos de cirurgia plástica 94% dos médicos demandados não possuíam especialização na área. Em 2008 foram realizadas 629 mil operações.
Essa defesa, contudo, pode estar com os dias contados.
De fato, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em determinado julgamento  manteve decisão que condenou cirurgião plástico mineiro a pagar indenização a paciente que obteve resultados adversos em cirurgias de abdominoplastia e mamoplastia a que se submeteu.
A ação foi proposta em outubro de 2004 pela paciente a qual exigia reparação por danos materiais, morais e estéticos que lhe teriam sido ocasionados através dos procedimentos cirúrgicos em questão. Sustentou a autora que o fracassado procedimento plástico-cirúrgico lhe rendera uma necrose com sofrimento cutâneo de 10x4cm, abdômen deformado, umbigo e seios “feios e desiguais”. Asseverou, ainda, que abalada emocionalmente, em conseqüência do desastroso resultado da cirurgia, bem pelo abandono e ofensas morais dirigidas pelo cirurgião réu, foi internada em clínica especializada, para tratamento psiquiátrico, pelo prazo de 104 dias.
Em Segunda Instância, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais – TJMG (hoje extinto) condenou o médico a pagar a paciente todas as despesas e verbas honorárias despendidas com os sucessivos médicos, bem como ao pagamento de indenização no valor de 200 salários mínimos, a título de reparação por dano moral.
Na decisão do TJMG, mantida e muito bem fundamentada pelos Ministros do STJ, entendeu-se que no caso da cirurgia plástica a tese de obrigação de meios não pode ter lugar, pois, no caso, “o médico se compromete com o paciente a alcançar um determinado resultado”. Nesta hipótese, concluem os Ministros, “o que se tem é uma obrigação de resultados e não de meios”.
É bem verdade que já há tempos esta tese é defendida, sendo um de seus grandes defensores o Ministro do Supremo Tribunal Federal – STF Carlos Alberto Menezes Direito, o qual, inclusive, escreveu obra a respeito.
Com a decisão citada abre-se, agora, importante precedente no Direito Brasileiro e, quiçá possa também ter um reflexo positivo para a população, pois, uma vez “doendo no bolso” os índices dos erros certamente tenderão a cair.

 

RESPONSABILIDADE DO ANESTESISTA

 

No recurso especial advindo de ação de indenização por danos materiais e morais por erro do anestesista durante cirurgia plástica, a tese vencedora inaugurada pelo Min. Luis Felipe Salomão estabeleceu que, incontroversa, nos autos, a culpa do anestesista pelo erro médico, o que acarretou danos irreversíveis à paciente (hoje vive em estado vegetativo), essa culpa, durante a realização do ato cirúrgico, estende-se ao cirurgião chefe, que responde solidariamente com quem diretamente lhe está subordinado. Aponta que cabe ao cirurgião chefe a escolha dos profissionais que participam da sua equipe, podendo até se recusar a trabalhar com especialistas que não sejam de sua confiança. Consequentemente, explica que, no caso de equipes médicas formadas para realização de uma determinada intervenção cirúrgica, o cirurgião chefe, que realiza o procedimento principal, responde pelos atos de todos os participantes por ele escolhidos e subordinados a ele, independentemente da especialização, nos termos do art.  932, III, do CC/2002 c/c com os arts. 25, § 1º, e 34 do CDC. Também ressalta que, uma vez caracterizada a culpa do médico que atua em determinado serviço disponibilizado por estabelecimento de saúde (art. 14, § 4º, do CDC), responde a clínica de forma objetiva e solidária pelos danos decorrentes do defeito no serviço prestado (art. 14, § 1º, do CDC). Destaca ainda que, em relação à responsabilidade da clínica no caso dos autos, não se aplica precedente da Segunda Seção (REsp 908.359-SC, DJe 17/12/2008) sobre a exclusão da responsabilidade dos hospitais por prestação de serviços defeituosos realizados por profissionais que nele atuam sem vínculo de emprego ou subordinação, apenas utilizando suas instalações para procedimentos cirúrgicos. Na espécie, o contrato de prestação de serviço foi firmado entre a autora, a clínica e o cirurgião, que é sócio majoritário da sociedade jurídica, sendo os danos decorrentes da prestação defeituosa do serviço contratado com a empresa, por isso responde solidariamente a clínica. Com esse entendimento, a Turma, por maioria, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento, condenando os recorridos, a clínica e o cirurgião, a pagar danos morais no valor de R$ 100.000,00, acrescidos de juros a partir do evento danoso e correção monetária a partir dessa data e a pagar os danos materiais, que devem ser apurados em liquidação de sentença por arbitramento, além de honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação. Note-se que o anestesista não foi parte integrante da lide. A tese vencida defendida pelo Min. João Otávio de Noronha, o Relator originário, consiste em que, diante do desenvolvimento das especialidades médicas, não se pode atribuir ao cirurgião chefe a responsabilidade por tudo que ocorre na sala de cirurgia, especialmente quando comprovado, como no caso, que as complicações deram-se por erro exclusivo do anestesista, em relação às quais não competia ao cirurgião intervir, e também afasta a responsabilidade solidária do cirurgião chefe, porquanto não se pode atribuir responsabilidade solidária pela escolha de anestesista de renome e qualificado. Por outro lado, o Min. Aldir Passarinho Junior acompanhou a divergência com ressalvas quanto à tese da responsabilidade do cirurgião chefe em relação ao anestesista, pois depende de cada caso. Precedente citado: REsp 258.389-SP, DJ 22/8/2005. REsp 605.435-RJ, Rel. originário Min. João Otávio de Noronha, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/9/2009.

 

RESPONSABILIDADE DOS HOSPITAIS, CLÍNICAS E LABORATÓRIOS

 

Esse tema, a responsabilidade civil é extremamente feliz porque, de alguns anos para cá, a gente vem discutindo a responsabilidade civil e também a fixação do dano em relação aos atos praticados.
É realmente importante pelo seguinte: hoje, a sociedade organizada está muito atenta em relação ao que nós fazemos. Temos aí a existência dos Procons e das ONGs. No Rio de Janeiro, temos, por exemplo, uma associação de vítimas de erro médico, chamada ‘Vermes’, que não tem muitos critérios de avaliação, mas que, de qualquer maneira, é uma associação muito atenta em relação ao que fazemos.     

 

Há também a questão da cidadania, quer dizer, o médico é muito visado porque o paciente tem bastante noção daquilo que ocorre: está sempre cobrando mais.

 

E antes de jurídico é um fenômeno ético, já que é problema da responsabilidade no exercício profissional, no caso específico da Medicina. Então o prof. Miguel Kfouri Neto vai tratar da responsabilidade civil dos médicos e daqueles locais onde trabalham. Portanto, em hospitais, clínicas e laboratórios de análises e os critérios na fixação da indenização do dano material e dano moral.
É uma matéria que também não pode ser vista só sob o ponto de vista dogmático, da técnica do direito, mas numa dimensão um pouco mais abstrata e abrangente da teoria do Direito, na sua vertente ética e na justificação filosófica desse problema, que é a responsabilidade do médico. E, nesse sentido, o prof. Miguel Kfouri Neto tem grande talento.

 

Existem algumas teorias que chegaram ao Brasil provenientes de outros países, e que já vêm sendo utilizadas em alguns de nossos tribunais. É o caso da perda de uma oportunidade, que já há bastante tempo vem sendo utilizada aqui, agora com mais ênfase. É uma teoria que migrou do seu leito natural para a responsabilidade médica. Também as cargas probatórias dinâmicas, que se refletem incisivamente, como na teoria da perda de uma oportunidade, na questão do ônus da prova. E os senhores sabem que, em qualquer demanda judicial, a questão probatória é primordial.

No caso da responsabilidade médica, provar-se a culpa do médico, sua imperícia, imprudência, ou negligência é o ponto central de qualquer demanda indenizatória. Tudo aquilo que se reflita nessa repartição do ônus da prova é algo que interessa principalmente ao demandado, mas interessa no debate proposto, no confrontar das idéias. Algo que também vem ocorrendo no Brasil, principalmente depois de 90 e, mais incisivamente nos últimos cinco anos, é a questão da inversão do ônus da prova à luz do Código de Defesa do Consumidor, que pode se refletir também na apuração da responsabilidade médica dentro desse espectro.

Vamos passar para a primeira questão, relativa à liquidação, quando o advogado pede. Há um artigo no Código que determina que o pedido seja determinado. Acontece que, quando se trata de demanda indenizatória, desde o momento da sua propositura não se pode fixar o montante, a extensão do prejuízo. Às vezes, num caso de responsabilidade médica, entra o paciente, a vítima que está padecendo daqueles males eventualmente decorrentes do atendimento médico. Então, nesse caso, há um parágrafo num determinado artigo do Código, que admite que o advogado formule um pedido genérico: ele pede indenização e diz por que a pretende.

Acontece que, como esse pedido foi genérico, se não houver condições de se quantificar a demanda indenizatória daquele processo, o juiz não reunirá subsídios para avaliar qual a extensão do dano.
Vamos imaginar o caso da necessidade de uma seqüência de cirurgias reparadoras em que, até a sentença, ainda não havia se estabilizado a situação da vítima. Ainda havia a necessidade de enxertos, desbridamento e cirurgias reparadoras das mais diversas, prolongando-se após a sentença. Quanto irá custar isso?  Só apuraremos num outro processo, chamado de liquidação da sentença. Trata-se também de um processo de conhecimento, em que o juiz vai pesquisar o Direito. A vítima, que obteve a sentença condenatória, vai dizer ‘o juiz condenou, mas não disse quanto. Então, quero receber isso e aquilo.

Nessa outra demanda, a citação é feita na pessoa do advogado do médico, se o médico já foi condenado. Vai se verificar o quantum, a extensão da indenização. Só existem duas modalidades de liquidação de sentença, ou seja, por arbitramento ou por artigos. Só para os senhores terem uma idéia de como é a história desse arbitramento: no Paraná, houve um soldado da polícia que efetuou um disparo acidental contra o solo, com uma carabina, enquanto revistava um rapaz. Estava num trevo, na entrada de uma cidade onde vinha sendo reparado o asfalto, então havia muitas pedras espalhadas. Era o dia do 21º aniversário do rapaz.

Coincidentemente, uma lasca de pedra, ou quem sabe o fragmento no fundo, amputou o testículo do indivíduo.
Na demanda indenizatória, ele alegou danos materiais consistentes no pensionamento, porque, eventualmente, teria uma incapacidade parcial. Nos autos, ficou provado que não teve qualquer incapacidade, até mesmo porque, no transcurso da demanda, acabou se casando e teve filhos, sem qualquer problema. Afastou-se, então, esse reflexo material, que seria um eventual pensionamento.

Quanto ao dano moral, além daquelas brincadeiras pelo fato de ter perdido o testículo, ele também alegou o problema estético, o que é meio relativo. Alguém só vai ver isso durante uma relação mais íntima. A juíza julgou procedente a demanda indenizatória e disse: ‘o Estado tem que indenizar, porque foi um ato culposo de um agente do Estado, um policial’.  Quanto vai custar esse testículo? Remeto a liquidação desse dano moral por arbitramento.

Nesse caso, o juiz já se afastou um pouquinho daquilo que deve acontecer normalmente, porque é ele quem deve fixar o dano moral. O arbitramento é judicial, é dele próprio, durante a demanda, valendo-se dos subsídios que conseguiu coligir, proporcionados pelas partes. A Lei 9099 do Juizado Especial Cível tem sobre isso um parágrafo, artigo 38. Segundo ela, no sistema do juizado não pode haver sentença ilíquida: ainda que a parte formule um pedido genérico, o juiz é obrigado a proferir sentença líquida, determinando quantum.   
É a quantia certa do débito e só pode se abrir à execução quando se tem uma reunião de três elementos: liquidez, certeza e exeqüibilidade do título. Liquidez é essa quantia determinada; certeza é existência discutível e a exeqüibilidade vencida, o título tem que estar vencido. E é claro o fato de alguém se recusar a pagar pressupõe mora e, portanto, torna-se exigível aquela dívida.

Voltando ao caso da vítima do tiro. O juiz nomeou um árbitro que iria dizer quanto seria essa indenização pelo dano moral. Fixou-a em mais ou menos R$ 43 mil. O advogado do rapaz indicou um assistente técnico, que era uma professora da Universidade Federal do Paraná especialista em dano moral, que indicou R$ 203 mil. O Tribunal acabou fixando em R$ 130 mil. Como podem ver, essa liquidação não deveria ter ocorrido: o próprio juiz na sentença deveria ter dito de quanto seria esse dano moral.

O problema é que no nosso direito posto, ordenamento jurídico positivo, não existem balizas legais, não há um barema, uma tabela. Como há na França, por exemplo, onde podemos consultar uma tabela e verificar dentro de uma gradação da gravidade do dano, um dano moderado, ligeiro, bastante grave e, então, se estabelece um quantum. Na nossa Constituição, há, o artigo quinto, incisos cinco e dez, o qual fixa a irreparabilidade do dano moral, não estabelece nem a possibilidade de qualquer regulamentação nesse sentido. Não há lei ordinária que fixe, por exemplo, um piso e um teto.

É claro que, quanto ao dano material, não existem grandes problemas, esse é facilmente comprovado. Principalmente no tocante a assistência médico-hospitalar, despesas das mais diversas, viagens ou remédios necessários à recuperação do doente. Tudo isso é trazido aos autos, em forma de comprovantes.  O juiz, então, soma aquilo tudo e fala: ‘determino que se pague, à guisa dos danos materiais, pelas despesas efetivamente comprovadas’. A dificuldade surge quando se trata do dano moral e, principalmente, também do pensionamento. Estabelecer quantum se houve mortes, a respeito do qual a jurisprudência indica 2/3 daquilo que a vítima auferia, quando viva, pois entende que da pessoa despenderia 1/3 do seu próprio sustento. Quanto, então, corresponderiam os 2/3 e qual seria o montante dos salários desse pessoal?

 Posso citar como exemplo também um acidente com um barco inflável, em Foz do Iguaçu: num passeio do macuco safári, dois barcos se chocaram. Morreram seis pessoas, dentre as quais três portugueses, um casal e mais um engenheiro português que trabalhavam aqui em SP, numa empresa privada de energia elétrica, sendo que um deles era o diretor da empresa e recebia, segundo comprovação com declaração da empresa, algo ao redor de R$ 32 mil de salário. Os pensionamentos seriam ao redor de R$ 23 mil, os 2/3, e o advogado pediu antecipação da tutela, para que, desde o momento da propositura da demanda, o juiz já determinasse àquela empresa do safári pagamento do pensionamento. 

O juiz deferiu, mandou antecipar essa tutela.   
Houve um recurso e o tribunal entendeu que aquela comprovação não seria hábil para, num primeiro momento da demanda, comprovar exatamente quanto aquele cidadão ganhava. Porque só aquela declaração unilateral, sem comprovante oficial, não seria suficiente para que o juiz impusesse aquela obrigação do pensionamento.
E o autônomo? E o comissionado? E aquela pessoa que, de uma maneira ou de outra, não tem como comprovar exatamente a extensão de seus rendimentos? É preciso que o juiz saia pesquisando alguns detalhes, como os o fati definis, a escola particular, o carro, a casa, enfim, indícios que possam levá-lo a uma conclusão sobre o montante desses vencimentos, para efeito de fixação de pensionamento.

Ainda para facilitar a compreensão, vejam um caso interessante ocorrido em Curitiba. Uma menina de oito anos de idade estava com crises convulsivas, tendo sido levada pela mãe ao hospital. Foi atendida por pediatra e por um neurologista. Prepararam-na para uma tomografia e aplicaram-lhe Diazepan, que a deixou meio tonta. Nisso, a mãe obedeceu ao pedido da enfermeira para que todas as visitas saíssem, pois as crianças iriam tomar banho. Enquanto a primeira enfermeira saiu para buscar o lençol, outra colocou a menina na água. Que estava fervendo!  A paciente demorou a sentir dor porque se encontrava insensibilizada pelo efeito do remédio e acabou sofrendo queimaduras do terceiro grau, nos pés, nas pernas e nas nádegas.

Nesse tipo de caso, nem se discute a responsabilidade do hospital pelo ato do seu preposto.
Como se estabelece a responsabilidade de médico, hospital, clínica? Vou dar uma fórmula geral, usualmente aceita, a começar pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça. Caso que posso citar aos srs. O ministro Rui Gonzales de Aguiar Júnior, que foi desembargador do Rio Grande do Sul. É uma fórmula lógica: se o paciente procura o hospital e o hospital coloca à disposição do paciente o médico, vinculam-se hospital e médico. Se houver um dano decorrente daquele atendimento dispensado pelo médico àquele paciente, o hospital será responsável solidário.

Segundo: se o cliente procura o médico e este o leva para o hospital para atendimento, sem nenhuma espécie de vínculo e apenas fornecendo ao paciente os serviços de hotelaria, se não houver intervenção de nenhuma espécie do pessoal auxiliar do estabelecimento usando algum equipamento colocado à disposição, é o médico quem responde ao dano, se tiver sido provocado pelo equipamento. Essa posição tem encontrado alguma resistência.

Terceiro: se o dano é causado por prepostos do hospital ou se o médico guarda alguma relação de preposição com o hospital, vínculo de subordinação, há acórdãos que entendem, pela existência dessa subordinação, que hospital e médico estão no pólo passivo da demanda indenizatória. Os tribunais têm sido rigorosos, mesmo com aquele corpo clínico que se submete a determinadas imposições, normas, ou espécie de regimento interno.

A questão da clínica é meio complicada. Por exemplo, três médicos, ginecologistas e obstetras, montam uma clínica. Cada um tem consultório, secretária, sala de exames, instrumental, prestando serviços a planos de saúde e, eventualmente, a hospitais, que exigem que os recibos sejam emitidos por uma pessoa jurídica, justamente para afastar a questão de vínculo empregatício. Quando uma paciente dessa clínica é atendida no local ou levada pelo médico para atendimento no hospital, é evidente que a clínica e os outros dois sócios não têm, absolutamente, vinculação com aquele atendimento. Não há por que a pessoa jurídica responder: cada médico deve responder individualmente por sua eventual imperícia, imprudência ou negligência.

 Surge, então, outro problema, a tal da denunciação da lide. A lide é subsidiária: o paciente demanda em face do médico e em face do hospital, que se defende, dizendo que a culpa foi do médico, pedindo ao juiz que resolva a questão. O que eu ainda não disse é que o hospital, provada a culpa de seu preposto, seja enfermeiro, atendente, auxiliar ou médico, pode mais tarde se voltar contra o seu preposto, ou seja, cobrar dele aquilo que foi condenado a pagar.

Voltando ao caso da denunciação, o paciente não tem nada a ver com a lide subsidiária que se estabelece entre o hospital e o médico. Só quer a reparação do dano, em relação ao hospital. Mas, muitas vezes, há decisões que entendem que a responsabilidade do médico é subjetiva, enquanto que a do hospital é objetiva e que, portanto, não poderia haver essa denunciação. Seria indevida e incabível, pois se misturariam as aferições da responsabilidade. O objetivo do hospital e o subjetivo do médico. Não daria para baralhar essas condutas, visando à apuração da eventual responsabilidade.

Não tenham dúvidas: se ficar provado que o médico ou algum preposto do hospital agiu culposamente, o estabelecimento tem o direito de regressar contra esse seu preposto que agiu culposamente. Em linhas gerais, essa é a responsabilidade. Naquele caso da menininha, é claro que os pais dela nem mencionaram os médicos, porque estes, a bem da verdade, não tiveram participação alguma: medicaram e estavam à espera da tomografia. Quer dizer, quem agiu culposamente foram as enfermeiras, que são prepostas do hospital, empregadas, têm vinculo empregatício com o hospital.

O que nos interessa aqui é o dano. Qual foi a quantificação nesse caso? Essa menina teve necessidade de grandes enxertos, primeiro o debridamento das células mortas, aproximadamente oito anestesias gerais e os pés ficaram comprometidos de tal forma, que ela não nunca mais poderá andar normalmente. Terá que usar sapato dois números maior. Conforme o advogado colocou na petição, essas lesões estéticas impediriam a mocinha de ser manequim ou modelo. Só que pelo seu nível social – e o juiz disse isso na sentença – o normal seria exercer a função de caixa de supermercado, enfim, alguma outra posição mais humilde.

Na época, os pais pediram quinhentos milhões de cruzeiros pelos danos estéticos; uma pensão vitalícia para a menina correspondente a um salário mínimo a partir dos 14 anos e outra, para a mãe cuidar da filha, no valor de cinco salários mínimos, pois jamais poderia exercer outra função laborativa. O juiz determinou verbas separadas sobre o dano estético e o dano moral. Apesar de o dano estético ser espécie de dano moral, é uma espécie diferenciada, única. O dano estético é aquele que se manifesta de fora para dentro. E o dano moral, de dentro para fora. Intimamente, sinto a humilhação, o constrangimento, a dor, a dúvida, a incerteza e o desassossego. São sentimentos íntimos da minha personalidade. Por outro lado, o dano estético tem a ver com a minha relação com as demais pessoas.

O juiz estabeleceu um salário mínimo até a menina completar 25 anos, pelo fato de ela ter ficado prejudicada, estar sempre em tratamento e não poder trabalhar; meio salário mínimo para a mãe, desde a data do fato até a filha completar 14 anos. O dano estético e dano moral seriam remetidos à liquidação de sentença. Houve apelação do hospital e o tribunal manteve essa fixação. No dia cinco de setembro de 2001, sobreveio um acordo entre o hospital e os pais da vítima, e o estabelecimento concordou em pagar R$ 200 mil, R$ 100 mil pelo dano estético e R$ 100 mil pelos danos morais. O hospital se obrigou a assistência médica, psicológica e de fisioterapia enquanto a paciente necessitar, transporte para tratamento e internamento em quarto particular, se necessário. Evitou-se que o juiz, nessa demanda de liquidação, nomeasse agora um perito para averiguar quais foram os danos estéticos e suas irreparabilidades e fixasse a indenização.

Um outro caso bastante comentado, que corresponde à decisão do Superior Tribunal de Justiça, de julgar a Unimed responsável solidária por um determinado erro médico. Foi um parto cesariana em que foi esquecida gaze no ventre da paciente. Essa gaze apodreceu e foi retirada juntamente com parte do intestino, que também havia sido perfurado e acometido por uma infecção. Foi necessário fazer um desvio da massa fecal, exteriorizar esse tubo digestivo. Moral da história: o advogado pediu um milhão de dólares por danos morais, talvez influenciado por essas notícias todas dessas demandas indenizatórias nos Estados Unidos.

O juiz pediu pensão de cinco salários mínimos e indenização de cem salários mínimos para cobrir o atendimento médico; duzentos salários mínimos, pelo dano moral; 140 salários mínimos, pelos danos físicos e 140, pela incapacidade temporária. Somando-se, daria um total próximo a R$ 90 mil. O Tribunal de Minas Gerais manteve a condenação, e o STJ também não mexeu nesse valor. O STJ tem entendido que a quantificação do dano é matéria de Direito. Pode alterar depois apenas se entender exorbitante ou ínfimo o dano moral arbitrado pelo juiz. Não se pode esquecer que, para que haja recurso especial, obrigatoriamente, há que se exaurir as instâncias recursais inferiores até chegar a Brasília.

De modo geral, os Tribunais, principalmente os Tribunais do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e, às vezes, de Minas, exacerbam pouco. O Maranhão, por outro lado, tem fixado valores altamente expressivos, vultuosíssimos em matéria de dano moral.
Outro caso que eu mesmo julguei foi o da hérnia discal. Foi uma cirurgia de hérnia de disco, a laminectomia, que foi um êxito, sem problema algum. Só que, no pós-operatório imediato, o paciente se queixava de dores na ferida cirúrgica. Então o médico, muito bom, fez um tratamento conservador: antibioticoterapia e fisioterapia. Cerca de 30 dias após a cirurgia e já com onze sessões de fisioterapia e VHS sem alteração, nosso preclaro médico de Maringá não suspeitou de infecção. Não havia ciatalgia.

Não suportando as dores da ferida, o paciente veio para SP e foi operado. No olho clínico, o médico de São Paulo determinou que era infecção. Abriu e fez artrodese L4 e L5. O rapaz, que era mecânico de caminhões de corrida, quando voltou à Maringá pediu, à guisa de danos morais, mil salários mínimos; pensionamento, de US$ 5 mil pela redução da capacidade laborativa, fora o que ele gastou na cirurgia. Entendi que houve certo açodamento por parte dele, porque o perito disse que a conduta do médico foi correta: poderia adotar uma conduta invasiva ou fazer essa conduta conservadora como antibioticoterapia.

Outra coisa: para fazer essa artrodese o ortopedista aqui de São Paulo extraiu um pedaço de osso da bacia e soldou as duas vértebras. Mas, conforme coloquei na sentença, se estava infeccionado, como poderia colocar um pedaço de osso? Nesse contexto, julguei improcedente a demanda. Mesmo em relação ao hospital, porque o advogado demandou em face do hospital, invocando culpa e não responsabilidade objetiva pela infecção. Nossos tribunais têm sido rigorosíssimos com infecção hospitalar, excluindo a responsabilidade do hospital apenas se a infecção é preexistente ou endógena.

Isentei de responsabilidade o hospital, pois a culpa não ficou provada. Este ano foi julgado o recurso, e a alçada entendeu que a sentença tem razão: o médico não agiu com imperícia, imprudência ou negligência. Mas como a infecção existia e não foi diagnosticada em tempo, 300 salários mínimos por danos morais. A operação não teve que ser paga, pois não se mostrou necessária. E também não houve imperícia, imprudência ou negligência do médico. O Paraná, com essa história de esquecimento de gaze, deu cem salários mínimos – R$ 18 mil – enquanto que o Tribunal de Justiça Federal deu R$ 400 mil. 

Agora, sobre a questão do ônus da prova, que é ponto fundamental. Primeiro, a questão da perda de uma oportunidade. Vou dar um exemplo ocorrido na França e, depois, falarei sobre como vem acontecendo em nossos tribunais. Uma corte francesa foi a primeira a aplicar de maneira clara a teoria da perda de uma oportunidade, da responsabilidade médica. Uma pessoa com dores no punho passou por uma radiografia, mas o médico não observou no exame nada de anormal. Sete anos mais tarde, ao erguer um peso, o paciente sentiu fortes dores e moveu uma ação contra o médico.

Examinando as primeiras radiografias, o perito constatou que o punho estava fraturado, fato não percebido pelo primeiro médico. Concluiu, porém, pela ausência de nexo de causalidade entre o erro inicial já consolidado e o prejuízo final. A lesão haveria de ser atribuída menos ao erro diagnóstico e eventual falta de tratamento do que ao resultado de um novo acidente. Ou seja, não se tinha certeza de que, se o médico tivesse visto a fratura, não teria acontecido o acidente depois do peso que o cidadão acabou levantando. A corte deferiu reparação parcial ao paciente, com fundamento na perda de uma oportunidade pela não aplicação da terapia devida, naquela primeira vez.  
 
Aqui no Brasil: em fevereiro de 1993, no Rio Grande do Sul, o médico concedeu alta ao paciente, atendendo aos insistentes pedidos, apesar do estado febril que não recomendara a liberação. Comunicado posteriormente do agravamento do quadro, prescreveu sem ver o doente. O Tribunal de Justiça daquele Estado, através do desembargador Araquém de Assis, que é mérito-jurista, concluiu: o retardamento dos cuidados, se não provocou a doença fatal, tirou do paciente razoável oportunidade de sobreviver. A vítima também contribui na extensão do dano, insistindo na alta. Mas, ao motivar o julgado, o desembargador afirmou que ele, ao liberar o paciente e, conseqüentemente, retardar-lhe o ingresso na instituição hospitalar, fê-lo perder razoável oportunidade de sobreviver. O problema aí é quantificar.

Outro caso recente julgado em Curitiba: um cidadão, com fratura exposta do fêmur, deu entrada em um hospital de Curitiba domingo à tarde, e só foi operado às 18 horas do outro dia. Logo após a cirurgia, sofreu uma embolia gordurosa e morreu. Na petição inicial, o advogado alegou, com base em alguma literatura médica, que o retardamento, nessa situação de fratura exposta de osso grande do corpo, aumenta a possibilidade de embolia gordurosa. Como o retardamento hospitalar se fez em função de pagamento – deixar um cheque de caução, ou coisa parecida – o tribunal acabou entendendo que essa embolia gordurosa foi uma infelicidade que poderia acontecer em qualquer cirurgia. Não se comprovou que o retardamento, efetivamente, tivesse redundado no dano. Outro juiz conhecido na alçada acabou aplicando a teoria da perda de uma oportunidade, dizendo que o retardamento comprometeu uma oportunidade de sobrevivência da vitima.

Chega ao Brasil a teoria das cargas probatórias dinâmicas e é nesse momento que os médicos têm que ficar meio atentos. E os advogados, principalmente os que advogam para os médicos, mais ainda. O problema é que o ônus da prova aqui no Brasil é repartido da seguinte maneira: quem afirma o ato tem a obrigação de provar os fatos constitutivos do seu direito. Se eu afirmo que o médico é culpado, tenho que provar a culpa, porque o estatuto que vige no Brasil é da responsabilidade subjetiva do médico, calcada em imperícia, imprudência ou negligência. A prova fica a cargo da vítima, que tem que provar a imperícia, a imprudência ou a negligência do profissional.

Mas agora foi “importada” da Argentina e da Alemanha – eles têm até uma boa constituição doutrinária – a teoria sobre cargas probatórias dinâmicas. Em determinado momento, se tem dúvidas ao julgar, o juiz pode dizer ‘doutor, o senhor que prove a sua não-culpa. Vamos tornar dinâmico o encargo probatório. Isto é, a carga probatória passa da vítima para as suas costas. Senão, vou julgar procedente a demanda’. Isso vem sendo utilizado no Rio Grande do Sul, onde já houve uns três precedentes.

 Na questão do ônus da prova e nessa agudização do estatuto da culpa, considero que estamos querendo ser mais realistas que o Rei. Na União Européia, em 1994, houve uma proposta de diretiva, jungindo a responsabilidade do profissional médico, prestador de serviços na área de saúde, a essa responsabilidade objetiva. Colocaram essa diretiva para estudo, onde está até hoje.  A Associação Médica da Inglaterra e alguns outros organismos de países da União Européia se revelaram frontalmente contra isso.

No Brasil, acontece que a aplicação dessas teorias mais objetivistas, obrigação de meios, obrigação de resultados, está indo “para o vinagre”, porque o único reflexo prático dessa dicotomia é o ônus da prova. Na obrigação de meios, do ônus da prova se incumbe ao autor. Só que não tem como pretender obrigação de resultados. Os senhores sabem muito bem que os cirurgiões plásticos vêm tentando, a todo transe, dizer que a cirurgia deles se submete à mesma área das demais.

Quero deixar claro, como alerta e objeto para estudos por parte dos nossos preclaros médicos e advogados que se interessam pelo tema, que, a prosperar essas teorias objetivistas, acabará a obrigação de bens de resultados. Ou seja, o juiz, num determinado momento, vai tornar dinâmica a atribuição no encargo probatório. Isso é preocupante, porque no nosso sistema, por determinação legal, a responsabilidade do médico é subjetiva e vai ter que continuar assim, em função do quadro que verificamos na saúde pública do Brasil. Não podemos, de um momento para o outro, com tudo isso que temos aqui no Brasil, dizer: ‘O médico responde’.
Contarei o último caso, para deixar mais claro. Numa cirurgia de catarata, houve uma hemorragia expulsiva e a paciente perdeu a visão daquele olho.

O médico pesquisou na literatura e disse que o problema pode ocorrer num percentual de cirurgias, ninguém pode prever ou evitar. Aconteceu, aconteceu. Como aplicar um dano moral, por exemplo, nesse caso, levando-se em consideração que a paciente, de uns setenta e três anos, já tinha 20% de visão neste olho operado e no outro, já não enxergava nada? Dano moral seria o caso de alguém que tem visão perfeita? O juiz julgou improcedente a demanda e o tribunal manteve a decisão.
Comentando comigo, um colega nosso argumentou que, se o olho da mulher estava bom e ela ficou cega depois da cirurgia, o médico deve ter ‘aprontado’ alguma coisa. A minha opinião: cada organismo humano reage de maneira particular. Se nós sempre imputarmos responsabilidade ao médico, inviabilizaremos até a prática da própria Medicina. Os juizes, de um modo geral, têm ciência disso e as posições dos tribunais sobre a matéria são bastante cautelosas.
1) A questão da responsabilidade civil de médico, hospitais e laboratórios se encarta dentro daquilo que poderíamos chamar de direitos disponíveis. São questões patrimoniais, é a indenização entre pessoas capazes, o paciente e o médico. Pode essa matéria ser objeto de arbitramento extrajudicial com base na Lei de Arbitragem? (No Brasil hoje há a lei de Arbitragem, que permite que as questões patrimoniais possam ser discutidas fora do Judiciário)

Na época da sanção dessa lei de arbitragem, tive notícia de que, aqui em São Paulo, existiria uma Câmara justamente para arbitrar questões envolvendo a atividade médica. Então, não vejo problemas, restrições ou qualquer óbice legal à instituição da arbitragem em relação a essas demandas indenizatórias que envolvem médicos. Em alguns países, há notícias de hospitais que mantêm um comitê que agiria como árbitro desses danos. Na Suécia, por exemplo, antes de recorrer ao Judiciário, verifica-se qual seria a extensão do dano e se, efetivamente, houve culpa médica, em função da existência de um seguro que o hospital paga, o médico paga e o próprio paciente paga. Portanto, se ele faria jus ou não àquela indenização e de quanto seria. É óbvio que, a qualquer momento, o paciente pode recorrer ao Judiciário. Mas a medida reduziu em 90 % o número de demandas envolvendo a atividade médica.

2) Também sobre o dano moral, ou dano material, mas, especialmente o dano moral. A quantificação pecuniária da reparação patrimonial, quer seja judicial ou extrajudicial, assenta-se em critérios estritamente subjetivos, isto é, arbitrários? Na hipótese afirmativa, isso não viola o princípio do Estado de Direito, segundo o qual é vedado ao Poder Judiciário e também aos árbitros criar critérios de solução de litígios, sem fundamento direto da lei? (Principio da separação dos poderes)

Quanto ao subjetivismo exagerado na fixação do dano moral, é óbvio que o juiz não faz isso, em exercício do seu arbítrio. É o tal do prudente arbítrio. Há elementos que, de certa forma, balizam a quantificação do dano moral. Em primeiro lugar, vem a própria gravidade. O juiz tem dez orientações para fixar o dano moral. Deve verificar, por exemplo, a situação socioeconômica do ofendido e do ofensor e fixar um teto prudente. Não pode fixar uma indenização absolutamente desvinculada da realidade socioeconômica do país em que vive. O dano moral não pode ser uma forma de enriquecimento, mas não pode ser tão ínfimo que se transforme num achincalhe, numa espécie de ofensa à pessoa que sofreu. Por isso mesmo, entendo que o STJ estabelece essa possibilidade de intervir, quando a fixação se faz de modo arbitrário.

3) Relativo também ao dano moral e ao dano material, abrangendo efetivamente o dano material, pode o Conselho Regional de Medicina, no exercício de suas atribuições fiscalizadoras, arbitrar o dano moral e também o dano material a pedido das partes, ou fixar unilateralmente, no exercício das suas funções, vinculando as partes? Qual a força jurídica dessas decisões?     
Havia aqui um comitê de arbitragem. Confesso que não estudei mais detidamente essa lei de arbitragem, porque é o tipo de lei que tem aplicação um tanto quanto restrita, apesar de brilhantes construções teóricas. Quanto a uma arbitragem coativa compulsória do CRM, parece-me que não há lei que autorize. Então, a um primeiro ímpeto de vista, essa eventual arbitragem apenas por iniciativa do CRM não seria permitida, a menos que se instaurasse de acordo com a lei de arbitragem.

1) O novo código civil abriga a teoria do risco. Qual é o impacto na avaliação da responsabilidade civil do médico? Qual o impacto do Código de Defesa do Consumidor, que manda apurar a responsabilidade civil do profissional mediante culpa?

Recebi o anteprojeto do Código Civil e dei uma olhada ligeira e não vi qualquer alteração no estatuto da culpa em relação ao profissional liberal, salvo melhor juízo. Confesso que não me aprofundei. A minha sugestão lege ferenda era no sentido de se inserir no Código Civil um capítulo sobre responsabilidade médica, que não poderia ser tratada em conjunto com as demais formas de responsabilidade, pois há determinados detalhes específicos da área. Seria uma forma de se deixar clara a questão do caso fortuito ou da força maior, além da questão da iatrogenia.

Por esse exame rápido que fiz, o único detalhe que me chamou a atenção foi a redução do lapso prescricional, que hoje é de vinte anos, para três anos.  Menos até que o Código de Defesa do Consumidor, correspondente a cinco anos, em relação ao hospital. A teoria do risco é uma exacerbação da responsabilidade objetiva. A teoria do risco que vige aqui no Brasil, por exemplo, vê no risco administrativo, a responsabilidade civil do Estado. Se um preposto do Estado causou mal a alguém, ou um dano advém dos serviços prestados, não se perquire culpa do agente público. O Estado responde e acabou a história. Só se exime quando provar culpa exclusiva da vitima ou caso fortuito ou força maior, ou alguma culpa de terceiro que arrede o nexo causal.
Se o risco for integral, é o seguinte caso: se alguém está andando na rua e torce o pé, pelo fato de estar utilizando um logradouro público, uma via pública, uma rua, o Estado tem que indenizar. Essa é ainda uma exacerbação. Onde está se aplicando a teoria do risco? Na questão de infecção hospitalar. Se acontecer a infecção dentro do hospital o indivíduo pode dizer ‘eu estava bom, cheguei lá e sobreveio a infecção’. Responde, então, o hospital. Há uns dois ou três acórdãos que já esposaram essa teoria.

2) Há diferenciação entre estabelecer qual a responsabilidade do hospital, quanto a público ou privado?

Existe um acórdão de um Tribunal Regional Federal, que diz que o SUS é o sucessor do INAMPS. Então, se o hospital está credenciado, e de um certo modo, exercendo uma atividade delegada pelo poder público, responde o Estado, seja a União, Estado ou Município. Em caso de hospital público, sempre responderá o Estado. Por exemplo, um hospital ligado à Universidade Federal do Paraná, de Clínicas, responde a União. E, nesse caso, a demanda em face do hospital deriva do artigo 37, parágrafo sexto da Constituição, sobre teoria do risco administrativo. Sem sombra de dúvidas, é exatamente essa a solução na questão dos hospitais públicos. Responde mesmo o ente público, a pessoa jurídica de direito público interno, que mantém aquela instituição hospitalar.

3) Nós médicos sempre defendemos que o exercício da Medicina é uma obrigação de meios, independente da especialidade. No entanto, um número cada vez maior de exames laboratoriais é realizado de forma totalmente automatizada. No caso de tais exames, não se caracterizaria a obrigação de resultados?

De modo geral, laboratório é obrigação de resultado. Todo o exame, mesmo os radiológicos, como radiologia, ultra-sonografia, ressonância magnética e tomografia computadorizada, num primeiro momento se caracteriza na obrigação de resultados. Se houver, por exemplo, um dano recorrente do resultado errôneo, equivocado, responderá o laboratório objetivamente.

E é obvio que, sendo o laboratório a pessoa jurídica prestadora de serviços, responde ao Código de Defesa do Consumidor. Se houver um dano, como a questão mais comum, que é um resultado errado sobre um HIV positivo, não há dúvidas: o laboratório responderá. Os senhores não pensem que essa obrigação de meios se aplica indiscriminadamente a essas especialidades. É o caso do médico que, no ultra-som, verificou a existência de um só feto e era gravidez gemelar. Ele deve explicar como aconteceu.

4) O que o senhor acha sobre o consentimento informado? No que minimiza a culpa, por resultado insatisfatório, o fato de esclarecer ao paciente os riscos de insucesso?  Isso deve ser documentado?

Nesse trabalho que eu fiz agora, abri um capítulo longo sobre consentimento informado. Também foi publicada recentemente em Coimbra, Portugal, uma tese sobre o tema. Há um problema quanto ao termo, que gera uma interpretação meio equivocada. Consentimento informado não é um salvo-conduto para o médico: não é porque ele o obteve que não vai ser demandado. Não é também, de modo algum, um estímulo para que o paciente obtenha alguma espécie de indenização.

Primeiro temos que verificar se, efetivamente, o dano adveio daquela informação mal-prestada. A informação tem que ser leal, clara, e mais completa possível. Só que acontece, por exemplo, o seguinte: alguém se submete a uma cirurgia de hérnia inguinal e o médico não avisa que pode haver uma complicação, que é a atrofia do testículo, ou até coisa pior, e o paciente se submete à cirurgia e ela advém, nesse caso, por que o consentimento informado obriga à indenização? Porque, se ele soubesse do que aconteceria, não teria se submetido à cirurgia?
Qual é o exemplo mais freqüente dessa história de consentimento informado? Laqueadura tubária. Essa tal de salpingotrepcia bilateral. No Mato Grosso do Sul, o CRM condenou o médico, e a Justiça determinou em R$ 180.000,00 a indenização por danos morais, porque ele não pôde comprovar que efetuou a laqueadura atendendo ao pedido da paciente. Esse tipo de consentimento informado é uma discussão amplíssima, que daria tema para um simpósio. Tem que haver uma ligação entre a ausência da obtenção do consentimento e o dano para que haja a responsabilidade civil.

5) Qual é o entendimento que Vossa Excelência tem sobre o texto do artigo 15 do novo Código Civil, que amplia a autonomia do paciente e reduz a autonomia do médico? Será necessária a produção documental para todos os procedimentos?
Sou adepto da obtenção do consentimento informado. Mas que ela seja absolutamente compatível com a natureza do atendimento. Há uma autora americana que relata a história de um neurologista americano que mandou um rapaz que iria ser submetido a uma neurocirurgia copiar, a mão, sete páginas de um compêndio médico, para dizer que estava ciente de todas as possíveis complicações. É evidente o exagero. Também sobre esses consentimentos excessivamente genéricos, há pacientes que vão ao hospital se internar e devem ler três laudas. Isso aí vira um contrato de adesão e, então, temos que tomar cuidado.
A existência pura e simples do termo do consentimento informado não exculpa. Se o médico agir com imperícia, imprudência ou negligência, pode ter dez termos de consentimento informado, que vai responder. Por que é importante? É importante para que o médico cumpra o Código de Ética que diz ‘esclareça o seu paciente, explique, fale, obtenha o seu consentimento’.

6) Vossa Excelência defende o seguro médico de responsabilidade civil. Se for compulsório será um tributo, e a Constituição veda tributos para uma determinada classe profissional. Diante disso, Vossa Excelência seria favorável ao seguro para todos os profissionais? Ou acredita que só o médico deva arcar com tal seguro?
Na minha dissertação de Mestrado sobre responsabilidade civil do médico abri um pedacinho sobre seguro médico, tema que ampliei no meu trabalho mais recente, citando até um artigo da Dra. Regina Parizi sobre seguro, publicado no jornal ‘O Estado de S. Paulo’ na época em que ela era conselheira do CFM. O artigo desestimulava o médico a esses seguros médicos. Na opinião pessoal dela, vão ocasionar o surgimento de um público cativo. Eu não tenho dúvida. Mas acho o seguinte: é meio irreversível. Tenho conversado com muitos médicos que têm consultórios ou clínicas movimentadas e eles dizem que contrataram, pois são baratinhos. 
Acredito que aqui no Brasil devemos ter muita cautela quanto ao seguro. Quer me parecer que se houvesse o estabelecimento do seguro de responsabilidade civil e profissional e médicos que livremente quisessem contratar um, o ideal seria que uma cooperativa de serviço médico como a Unimed, por exemplo, a própria AMB e os próprios Conselhos Regionais estabelecessem um sistema, um mutualismo que funcionasse como um seguro.

7
) Algumas categorias profissionais como jornalistas e funcionários de companhias aéreas têm teto para pagamento de danos. O que o senhor pensa a respeito da categoria médica? Nós somos uma categoria que tem cada vez menos ganhos, pois somos submetidos a convênios, SUS, etc.

A idéia é boa, de lege ferenda, a fixação de um teto prudente. Os Estados Unidos estão tentando estabelecer um teto, pela forma com que disparou o montante dessas indenizações, pulando de cerca de US$ 250 mil em 1985, para R$ 1.250 milhão, em 1991. Um projeto visando estabelecer um teto já tramitava no Congresso americano no governo Clinton. Não vejo inconveniente num teto prudente, já que os nossos tribunais, de um modo geral, são conservadores. Serviria para evitar essa disparidade que verificamos hoje: indenizações às vezes pequenas e ínfimas e indenizações milionárias.

 

 

 

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO DENTISTA

 

 

 

Para que haja a configuração da responsabilidade é necessária a comprovação de elementos caracterizadores da responsabilidade civil, os quais são: ação (comitiva ou omissiva), dano (moral ou patrimonial) e o nexo de causalidade entre este e aquele.

 

            No caso, para que o Cirurgião dentista posse vir a ser responsabilizado juridicamente por fato danoso a um paciente, deve ser tal ato imbuído dos três requisitos acima citados.

 

            Considerando que, a responsabilidade do Cirurgião dentista é subjetiva, isto é, para que se comprove tal responsabilidade é necessário a caracterização da culpa, sendo esta latu e stricto sensu, compreendendo aquela o dolo e esta a imprudência, negligência e imperícia. O paciente não comprovando culpa por parte do cirurgião dentista, não há como responsabilizar o profissional, se o mesmo, inclusive, demonstrar que agiu de acordo com os procedimentos técnicos recomendados.

 

                        Vale ressaltar que a, a prestação dos serviços odontológicos, se dá de forma contratual, isto é, pela responsabilidade contratual, sendo dividida em obrigação de meio e de resultado, ambas aplicadas à prática da odontologia, onde esta se configura pelo fato de que, além do esforço necessário, o devedor se obriga a atingir determinado resultado útil de sua atividade, e aquela pela obrigação assumida pelo devedor de, pura e simplesmente, empregar determinados maiôs, objetivando um resultado sem, contudo, se vincular a obtê-lo.

 

            O reconhecimento do tipo de obrigação assumida pelo profissional da odontologia revela-se útil e importante na medida em que será ou não o profissional cobrado pelo procedimento utilizado e pelo objetivo a ser alcançado.

 

            O critério da responsabilidade dos profissionais da saúde, notadamente do cirurgião-dentista, será regido em ultima instância, por quatro princípios fundamentais da Bioética, os quais cercarão todas as possíveis situações profissionais comissivas ou omissivas, de infringência dos preceitos.

 

            A regulamentação da profissão de cirurgião-dentista no Brasil é regida pela Lei 5.081/66. Neste bojo normativo específico, as infrações das normas regulamentadoras da profissão acarretam sanções que serão aplicadas pelo órgão de classe, após regular processo administrativo, em conformidade com a gravidade da infração. 

 

            No dado momento em que o paciente adentra o consultório de um profissional da odontologia, com o fim de ser submetido a tratamento, está estabelecido um contrato tácito entre ambos. Esse contrato, a princípio, não é escrito mas, decorre da simples relação profissional-paciente. Há, portanto, uma responsabilidade contratual, de natureza civil.

 

            Contudo, existem algumas situações em que a responsabilidade civil do cirurgião-dentista não resulta, nem admite qualquer tipo de contrato. É o caso, por exemplo, do atendimento de emergência, quando o paciente trazido em uma ambulância desde o local do sinistro, em como, e tem que ser submetido a uma intervenção cirúrgica buço-maxilo-facial, ele não tem condições de escolher o profissional e, estabelecer um liame opcional e muito menos assinar qualquer tipo de contrato. Porém, o profissional não se eximirá da responsabilidade, teremos então um caso de responsabilidade extracontratual, ou aquiliana.

 

            O ponto fundamental de tal discussão, referente a responsabilidade ser contratual ou extracontratual do cirurgiã-dentista, sobre a obrigação de indenização, está na natureza da obrigação que o profissional assumira, se de meio ou de resultado.

 

            Na obrigação de meio, fica obrigado que o profissional se compromete a pôr todos os conhecimentos de que dispõe ao serviço de seu paciente (usar de todos os meios ao seu alcance), pois por mais capaz que seja não tem condições de garantir a restituição integral de um paciente.

 

            Já na obrigação de resultado, a maioria dos Doutrinadores e Tribunais, já tem como consenso, quanto a dentística estética, a ortodontia e a prótese, como sendo obrigações de resultado, pois pouco importa se houve ou não culpa do profissional, o que realmente importa é se o resultado foi alcançado.

 

             A melhor proteção para um profissional da odontologia contra qualquer tipo de ação indenizatória, é melhorar sua formação, técnica e manualidade, e não fazer seguros, pois procedendo de tal forma, estará assinando uma confissão tácita de sua insegurança profissional.

 

            É sabido que o dano ao paciente pode ocorrer até mesmo quando o cirurgião-dentista age o mais corretamente possível, mas se ele registrou todos os seu procedimentos de forma correta e honesta, e se seguiu os ditames da boa técnica e do estado atual do conhecimento, não haverá ação, tão pouco perito que não corrobore os fatos e dê lastro para um ganho de causa.

 

A RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO

 

A base do exercício profissional do advogado é o mandato. É por meio dele que o cliente “contrata” o causídico e que se estabelece entre ambos uma relação de confiança e representação. No dizer de Carlos Roberto Gonçalves:

 

O mandato é uma das formas de contrato previstas no Código Civil. O mandato judicial impõe responsabilidade de natureza contratual do advogado perante seus clientes.

 

A responsabilidade do advogado se assemelha à do médico, pois não assume a obrigação de sair vitorioso na causa. As obrigações decorrentes do exercício da advocacia são de meio e não de resultado. Suas obrigações contratuais, de modo geral, consistem em defender as partes em juízo e dar-lhes conselhos profissionais. O que cabe ao advogado é representar o cliente em juízo, defendendo da melhor forma possível os interesses que este lhe confiou. Se tais obrigações são de meio, conforme salientado, basta que sejam executadas com a diligência requerida, para que não se lhe possa imputar nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa.

 

A responsabilidade do advogado, na área litigiosa, é uma obrigação de meio. Nesse diapasão, assemelha-se à responsabilidade do médico [...] O advogado está obrigado a usar de sua diligência e capacidade profissional na defesa da causa, mas não se obriga pelo resultado, que sempre é falível e sujeita às vicissitudes intrínsecas ao processo. Sua negligência ou imperícia pode traduzir-se de várias formas. A ineficiência de sua atuação deve ser apurada no caso concreto. O que se repreende é o erro grosseiro, inescusável no profissional. Isto se aplica a qualquer ramo profissional.

 

Assim, tem-se que o advogado só responderá pelos danos efetivamente causados ao cliente em decorrência de negligência na sua atuação. Não é o mero fato de não ganhar uma causa que dará azo à reparação pelos supostos danos suportados pelo constituinte. Assim apregoa Venosa:

 

O advogado que por comprovada negligência não cumpre as obrigações assumidas em contrato de mandato judicial deixa de prescrever o direito de seu constituinte a perceber prestações devidas com o dever de indenizar o dano causado em face de sua conduta culposa.

 

Neste sentido, ressalte-se que o art. 32 do Estatuto da Advocacia dispõe que o advogado é responsável por dolo ou culpa no exercício profissional. Assim, conclui-se que o advogado não se vincula a uma obrigação de resultado, ressalvados os casos onde o mesmo é contratado para elaborar contratos ou minuta de uma escritura pública, ou ainda quando assume uma responsabilidade de ofício de uma “atividade administrativa típica de despachante burocrático”.

 

Só responde o advogado nos atos cometidos por ele no exercício da sua função por erros de fato e de direito. Em se tratando de erros de direito necessita-se que estes tenham um cunho de gravidade elevada para que seja atribuída a responsabilidade civil indenizatória ao advogado. Dentre os erros graves pode-se destacar: a desatenção à jurisprudência corrente; o desconhecimento do texto expresso de lei de aplicação freqüente ou cabível no caso; além da interpretação abertamente absurda.

 

 

 

Conforme acima salientado, o art. 32 do Estatuto da Advocacia prevê que o advogado é responsável por dolo ou culpa no exercício profissional. Assim, tem-se que o advogado é o “primeiro juiz” da causa. Ao propor uma ação, deverá   em primeiro lugar considerar as possibilidades de êxito da demanda e, conseqüentemente, escolher o procedimento adequado para o caso. Atualmente, todavia, percebe-se que o ajuizamento de ações inviáveis ou pelo procedimento indevido não é de todo uma exceção. As causas devem ser perquiridas, pois tais ações levam prejuízo aos clientes, afogam o Judiciário e depõem contra a própria classe profissional.

 

Como resultado dessa má escolha de procedimento ou desatenção do advogado no ajuizamento da ação, pode o outorgante tornar-se sucumbente mesmo que esteja ele com o “melhor direito”. Como conseqüência desse caso é justo que o profissional incompetente seja responsabilizado pelos prejuízos oriundos da demanda para com o seu cliente.

 

Outro erro considerado de cunho grave é a perda de prazos, seja para resposta ou para contestação, visto que há previsão legal para que o advogado não os ignore. Mesmo que haja alguma indefinição acerca de qual o prazo, o advogado deverá sempre optar pela que traga menor prejuízo ao cliente, conforme assevera Carlos Roberto Gonçalves: ”Na dúvida entre o prazo maior e o prazo menor, deve a medida judicial ser tomada no prazo menor, para não deixar nenhuma possibilidade de prejuízo ao cliente.”

 

Já destacou-se que as obrigações do advogado são de meio e não de resultado. A doutrina é uníssona nesse sentido, como regra. Há, contudo, uma parcela da atuação advocatícia que, em princípio são caracterizadas como obrigações de resultado. Isto se dá, repise-se, quando um advogado aceita patrocinar uma causa, e através desta é elaborado um contrato ou uma escritura, ele assume o compromisso, em tese, de chegar a um determinado resultado.

 

Deve-se atribuir responsabilidade de indenização do advogado nos casos em que ele comete erros graves que provocam prejuízos ao seu cliente. Tal gravidade é analisada de acordo com o caso em questão. Pode-se citar alguns erros específicos, como: perda de prazos de contestação e de resposta; uso de um remédio processual de forma inadequada na demanda; se o advogado vai contra a letra da lei; entre outros.

 

Em suma, o advogado deve responder pelos erros de fato e de direito cometidos durante a sua atuação no caso. Todavia, nos casos onde o advogado atua com cautela e prudência mas mesmo assim não se sagra vitorioso na ação, mesmo assim lhe são devidos os honorários, visto que ele cumpriu com sua obrigação.  Também neste caso não há que se falar em reparação ao cliente, devido à aplicação empreendida pelo advogado, que sempre atua na obrigação de zelar pela resolução da demanda. Há diversas decisões no sentido de que sejam pagos os honorários advocatícios caso o advogado atue com prudência e diligência no processo, mesmo que não seja vencedor da lide.

 

Apesar de todos esses casos, ainda assim a desídia pode ser considerada como a falta mais grave a ensejar a responsabilidade do advogado, seja na prescrição de direitos, perda de prazos para contestar ou para recorrer, seja na propositura da ação.

 

                              INVIOLABILIDADE NO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA

 

Dada a importância da profissão do advogado a Constituição Federal expressamente menciona a indispensabilidade do advogado à Administração da Justiça e, com o fim de assegurar que essa justiça aconteça, dentro dos limites do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, é assegurado ao advogado sua inviolabilidade no exercício da advocacia. Assim, nos dizeres de Silva (2004, p. 582):

 

       A inviolabilidade do advogado, prevista no art. 133, não é absoluta. Ao contrário, ela só o ampara em relação aos seus atos e manifestações no exercício da profissão, e assim mesmo, nos termos da lei. Equivoca-se quem pensa que a inviolabilidade é privilégio do profissional. Na verdade, é uma proteção do cliente que confia a ele documentos e confissões de esfera íntima, de natureza conflitiva e, não raro, objeto de reivindicação e até de agressiva cobiça alheia, que precisam ser resguardados e protegidos de maneira qualificada.

 

Sendo o advogado indispensável à Administração da justiça e pessoa imprescindível ao Estado Democrático de Direito tem assegurado a exceção aos seus atos e manifestações previstos tanto na Constituição Federal (art. 133) quanto na Lei 8.906/94 (art. 2º, § 3º), lei esta que disciplina a classe de advogados no Brasil. Contudo esta inviolabilidade não é absoluta, pois está restrita aos limites da lei.

 

Para Pasold (2001, p. 70) a inviolabilidade da advocacia se apresenta sob duas restrições: a primeira diz respeito a sua totalidade, já que somente abrange atos e manifestações do advogado no exercício da profissão, limitando-se à prática da advocacia; a segunda trata da limitação que é imposta por lei, seja ela em sentido genérico (estabelecida por dispositivos jurídicos de ordem civil, penal, administrativo, tributário, etc.) ou específico (aqueles estabelecidos na Lei 8.906/94).

 

Com o fim de se assegurar ao profissional da advocacia maior amplitude para exercer seu munus público o legislador o amparou, então, com a inviolabilidade, impondo limites jurídicos à inviolabilidade no exercício da advocacia, quais sejam: a boa-fé; a pertinência, técnica ou temática, e a proporcionalidade.

 

Para que se possam beneficiar da inviolabilidade é necessário que os advogados atuem de forma a assegurar a boa-fé, que é fundamental no que diz respeito à um preceito constitucional insculpido no artigo 1º, a dignidade da pessoa humana.

 

Boa-fé está diretamente ligada à intenção das pessoas na prática de determinados atos, nenhum ato pode desrespeitar a dignidade da pessoa humana, devendo os atos serem praticados de maneira adequada, sem fraude, sem intenção de prejudicar qualquer pessoa, com honestidade.

 

O princípio da boa-fé é apresentado pela doutrina sob duas formas: a objetiva e a subjetiva. Reale (2003, p.3) distingue a boa-fé objetiva da subjetiva dizendo que esta última corresponde a uma atitude psicológica, é uma decisão de vontade da parte que opta por agir ou não em conformidade com o direito; aquela, por sua vez, deve ser entendida como modelo de conduta que impõe diretrizes no trato negocial, em suas palavras:

 

Em primeiro lugar, importa registrar que a boa-fé apresenta dupla faceta, a objetiva e a subjetiva. Esta última – vigorante, v.g., em matéria de direitos reais e casamento putativo – corresponde, fundamentalmente, a uma atitude psicológica, isto é, uma decisão da vontade, denotando o convencimento individual da parte de obrar em conformidade com o direito. Já a boa-fé objetiva apresenta-se como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal. Tal conduta impõe diretrizes ao agir no tráfico negocial, devendo-se ter em conta, como lembra Judith Martins Costa, “a consideração para com os interesses do alter, visto como membro do conjunto social que é juridicamente tutelado”. Desse ponto de vista, podemos afirmar que a boa-fé objetiva se qualifica como normativa de comportamento leal. A conduta, segundo a boa-fé objetiva, é assim entendida como noção sinônima de “honestidade pública”.

 

Dessa mesma forma, afirma Cruz (2008, p.1):

 

 A “boa-fé subjetiva” é elemento do suporte fático de alguns fatos jurídicos; é fato, portanto. A boa-fé objetiva é uma norma de conduta: impõe e proíbe condutas, além de criar situações jurídicas ativas e passivas.

 

 De qualquer sorte, a boa-fé exige que a pessoa, quer em juízo, quer fora dele, tenha sua conduta examinada dentro de um conjunto concreto de circunstâncias em cada caso, não podendo o juiz dizer quem age ou não com boa-fé sem colher elementos suficientes a comprovar o ato, nos dizeres de Mamede (2003, p. 86):

 

A aplicação da regra, todavia, exige do jurista redobrado cuidado e virtude exegética (bonus iudex), evitando erros que podem produzir efeitos nefastos sobre a pessoa. Esses erros podem manifestar-se tanto na investigação subjetiva, quanto na investigação objetiva do ato. No plano subjetivo, é fundamental que a afirmação de ilicitude do ato jurídico por má-fé seja cuidadosa, arrolando elementos que suficientemente comprovem a assertiva, tal qual exigido pelo artigo 93, IX, da Constituição Federal. É preciso não cair no vício da opinião, não deixar-se levar pelo império do achismo irresponsável. Deve-se cuidar para que o exame da finalidade do agir jurídico seja cauteloso, calçando-se em elementos concretos que permitam descortinar a intencionalidade de forma mais segura possível, impedindo que a aplicação da lei seja instrumento de injustiça.

 

A fim de se assegura com maior eficácia a justiça, além de estar pautado na boa-fé o advogado deve atuar de forma pertinente com a causa que trabalha. A pertinência exigida é de dois tipos: técnica e temática.

 

A pertinência técnica está relacionada ao efetivo exercício da advocacia, em outras palavras, significa dizer que os atos ou manifestações praticados pelo advogado deve estar diretamente relacionado com a causa que ele trabalha. A pertinência temática, por sua vez, relaciona-se com o ato ou argumento versado. Mamede (2003, p. 87-90) distingue os dois tipos de pertinência em função relação com a forma ou meio e objeto da demanda, assim diz:

 

Por pertinência técnica tem-se a adequação do meio aos fins a que, pretensamente, se destinaria o ato ou manifestação.

 

Como se não bastasse a necessidade de pertinência técnica, faz-se necessário, ainda, haver pertinência temática, vale dizer, que o ato ou argumento manejado, não obstante guarde pertinência de forma e meio, esteja efetivamente relacionado com o objeto da demanda, ou seja, com a causa do que se pede e o que é discutido no feito.

 

Dessa maneira, não pode o advogado querer beneficiar-se da inviolabilidade quando debate sua causa na rua ou na imprensa (pertinência técnica) ou, ainda, quando alega algo que não está em discussão ou ofende o juiz da causa. Nesse ínterim decisão do Tribunal de Ética de Santa Catarina:

 

Advogado. Inviolabilidade e Imunidade Judiciária. Limites. (art.133 da Constituição Federal e § 2° do art. 7°, do Estatuto da Advocacia e da OAB Lei 8.906/94). A invocação da imunidade constitucional e a deferida no próprio estatuto é submetida aos limites da lei. O advogado que utiliza linguagem excessiva e desnecessária, fora dos limites razoáveis da discussão da causa e da defesa de direitos, fere as regras deontológicas. Perpetração de ofensa de ordem pessoal ou moral. Impropriedade dos termos através de expressões truculentas e ofensivas. Ferimento do dever de urbanidade. Cometida a infração ética. Decisão por maioria de votos. (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 2002a).

 

Além da boa-fé e da pertinência, técnica e temática, é necessário que o advogado haja com certa proporcionalidade nos seus atos e manifestações, pois os excessos podem caracterizar uma ofensa, nos dizeres de Mamede (2003, p. 90):

 

A narrativa de fatos pertinentes à demanda, ainda que negativa à reputação, à dignidade ou ao decoro, não constituirá delito se construída adequadamente, no plano da discussão jurídica.

 

Neste sentido recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

 

DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. IMPUTAÇÃO, EM PEÇA PROCESUAL, DOS CRIMES DE PREVARICAÇÃO E ABUSO DE AUTORIDADE AO JUIZ. ADVOGADO. INVIOLABILIDADE. LIMITES. - O advogado goza de uma situação jurídica de liberdade, necessária à sua função combativa contra quem quer que viole o ordenamento jurídico, inclusive quando age em detrimento das decisões e normas emanadas do próprio Estado, sem que seja legítima ou legal qualquer possibilidade de perseguição, tanto na esfera penal quanto na civil. - Esta inviolabilidade, contudo, não é absoluta. O art. 133 da CF recepcionou e incorporou o art. 142, I, do CP, e, de conseqüência, situou a inviolabilidade no campo da injúria e da difamação, não alcançando a calúnia. - Porém, também esta regra não é absoluta. Se as alegações imputadas de caluniosas estiverem no contexto da defesa dos interesses e direitos do constituinte em juízo, havendo boa-fé, evidencia-se a ausência de dolo, razão pela qual não há crime, tampouco responsabilidade civil por danos morais. - Na espécie, constata-se que inexistiu imputação direta de crime ao Juiz. As afirmações surgiram no encadeamento de idéias da peça recursal, com o claro intuito de reforçar a alegação de que o Juiz vinha desrespeitando decisão do Tribunal, fato esse que, se confirmado, implicaria inclusive no provimento do recurso. Tratou-se, se tanto, de forma impolida de expressão, mas que constitui excesso admissível no cotidiano forense. Recurso conhecido e provido (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 2008.)

 

De toda sorte, temos que deixar claro que a inviolabilidade assegurada aos advogados está limitada aos seus atos e manifestações e à lei. Além de estar em conformidade com a lei os atos e manifestações devem ser praticados com boa-fé, pertinência e proporcionalidade, sob pena de não se aplicar á esse profissional a regra da inviolabilidade.

 

 INVIOLABILIDADE DOS ESCRITÓRIOS E DAS COMUNICAÇÕES

 

 O advogado não é inviolável apenas por seus atos e manifestações, tem também assegurado seu escritório e suas comunicações. Essa inviolabilidade do escritório e de comunicações é fundamental para garantia do sigilo profissional e da liberdade profissional.

 

A Constituição Federal prevê entre os direitos fundamentais a inviolabilidade de domicílio e de comunicações (CF, art. 5º, inc. XI e XII), com o fim de assegurar a liberdade individual e privacidade de cada cidadão, não seria menos cuidadosa ao assegurar para o advogado a inviolabilidade de seu escritório e comunicações, já que este é o principal agente na construção da cidadania, por isso em seu artigo 133 o coloca como indispensável à administração da justiça e inviolável por seus atos e manifestações.

 

Além de inviolável por seus atos e manifestações, como previsto constitucionalmente, o advogado, segundo a Lei 8.906/94 em seu artigo 7º, inciso II, é inviolável em seu escritório, ou local de trabalho, estendendo-se essa inviolabilidade aos seus arquivos e dados, correspondências e comunicações telefônicas ou afins.

 

Ressalte-se aqui que a referida Lei 8.906/94 sofreu recente alteração no dispositivo que trata da inviolabilidade dos escritórios e comunicações, sendo que para melhor compreensão do tema essas alterações serão apresentadas posteriormente, por hora temos que compreender o significado das expressões escritórios ou local de trabalho e comunicações.

 

Quando a lei prevê a inviolabilidade do local de trabalho, garante-se a inviolabilidade de qualquer ambiente em que o advogado esteja a trabalhar, Mamede (2003, p. 193) assim explica à esse respeito:

 

É preciso estar atento para o alcance da previsão. Quando o legislador fala em escritório ou local de trabalho, cria uma referência ampla: não interessa qual seja o local onde o advogado trabalhe, ele é considerado inviolável. Pode ser todo um prédio, um andar, uma sala ou um conjunto de salas, um ambiente em sua casa ou em casa alheia ou, até, ambientes ou locais que estejam localizados em prédios de empresas ou outros clientes. Dessa maneira, se o advogado tem uma sala na empresa para a qual trabalhe (como autônomo ou como empregado), essa sala é inviolável, se o advogado tem uma única e singela mesa, disposta no escritório ou em qualquer outro lugar pertencente a outrem, seja ou não seu cliente, essa mesa é inviolável.

 

 E, na mesma página, continua ensinando sobre a inviolabilidade dos arquivos e dados do advogado, que devem ser invioláveis onde quer que ele se encontre:

 

 considerando  que o legislador ainda se referiu à inviolabilidade de seus arquivos e dados, estarão eles acobertados pela regra em todo e qualquer ambiente e situação que se encontrem. Pode-se, conseqüentemente, compor um sem-números de situações: a pasta ou bolsa onde são carregados seus documentos e anotações, o carro onde estes são transportados, sua casa ou de parentes (desde que ali trabalhe ou guarde qualquer elemento de trabalho), entre outras tantas.

 

A garantia constitucional e legal da inviolabilidade de arquivos e dados abrange, inclusive, o computador utilizado pelo advogado para trabalhar. E, segundo o texto de redação da Lei 8.906/94, prevê-se ainda a inviolabilidade “de suas correspondências e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins”, com a finalidade de se ter maior liberdade na defesa da cidadania. Nesse sentido, comentário de Busato (2006, p. 19):

 

 É o direito do cliente que está em pauta, quando se exige, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, que se respeite a inviolabilidade do local de trabalho do advogado, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas e afins, salvo em caso de busca ou apreensão determinadas por magistrado.

 

 

 

Com a nova redação dada pela Lei 11.767, de 07 de agosto de 2008, o artigo 7º, inciso II do Estatuto da Advocacia, assegura-se ao advogado não apenas a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, mas de forma clara, prevê a inviolabilidade “de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática (mensagens via e-mail), desde que relativas ao exercício da advocacia”.

 

Essa nova redação não deixa margens à possíveis violações que podiam ser feitas em razão de omissão na norma estatutária, restringindo a permissão da quebra da inviolabilidade quando se tratar de busca e apreensão cujo objetivo seja apreender elementos de prova de um suposto crime cometido pelo próprio advogado ou com a participação dele.

 

Assim, nos parágrafos 6º e 7º da Lei 11.767/08 aborda-se as possibilidades de quebra da inviolabilidade e a forma de cumprimento do mandado de busca e apreensão:

 

L. 8.906/94, art. 7º, § 6º - Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.

 

L. 8.906/94, art. 7º, § 7º - A ressalva constante do § 6o deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.

 

Antes dessa nova redação o que se previa era apenas a necessidade de busca e apreensão determinada por magistrado, sem ter, inclusive, o cumprimento do mandado que ser acompanhado por representante da OAB, esse poder atribuído ao magistrado enfraquecia a inviolabilidade do advogado igualando-a a de qualquer outro domicílio (CF, art. 5º, XI) ou comunicação (CF, art. 5º, XII), que é relativa, ou seja, para ser quebrada basta que o juiz a autorize.

 

O que distinguia a inviolabilidade dos escritórios de advocacia e dos domicílios ou comunicações era o bem tutelado: na inviolabilidade dos domicílios o que se quer proteger é o direito de propriedade, nas comunicações é a liberdade individual e a privacidade de cada cidadão, enquanto que na inviolabilidade dos escritórios de advocacia o que se previa era o resguardo do sigilo profissional e a liberdade de defesa. Assim, explica Lopes (2008, p. 1):

 

 É que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/94) dispunha (antes de viger a Lei 11.767/08) ser inviolável o local de trabalho do advogado, até que um magistrado não autorizasse a busca e apreensão no local (art. 7º, II). Esse poder atribuído ao juiz enfraquecia a inviolabilidade do local e o igualava a qualquer outro domicílio (CF, art. 5º, XI), cuja inviolabilidade é relativa.

 

Muito embora a inviolabilidade dos escritórios de advocacia e dos domicílios em geral fosse a mesma (pois violáveis por decisão judicial), as essências dessa quase blindagem eram e continuam sendo distintas. Enquanto que a inviolabilidade dos domicílios em geral visa resguardar o direito de propriedade, a inviolabilidade dos escritórios de advocacia visa assegurar a liberdade de defesa e do sigilo profissional do advogado, muito embora a inviolabilidade antes prevista não prestasse a isso

 

Esse tipo de busca e apreensão era muito genérica e deixava margens à invasão de dados sigilosos de clientes que nada tinham a ver com o objeto da demanda investigada, pois a decisão judicial não delimitava as situações em que essa inviolabilidade poderia ocorrer, muito menos quais os objetos ou documentos poderiam ser apreendidos. Portanto essa inviolabilidade prevista no inciso II do artigo 7º do Estatuto em nada garantia a liberdade de defesa e do sigilo profissional do advogado, pois autorizava-se a busca de provas para incriminar o cliente investigado e, conseqüentemente, outros clientes que nada tinham a ver com a investigação tinham seus documentos ou objetos também violados.

 

Lopes (2008, p. 1-2) explica que situações como essas demonstravam a existência de falha na norma que afrontavam não apenas o direito a liberdade de defesa e do sigilo profissional, mas também a imagem do próprio advogado, já “que na visão dos maus informados, ele era o investigado, quando na verdade, através dele se investigava outrem”.

 

Por fim, vale ressaltar que com a redação da nova lei, os juízes não poderão autorizar violações aos escritórios de advocacias, bem como aos instrumentos de trabalho do advogado (incluindo as comunicações telefônicas e afins), sem que o investigado seja o próprio advogado e para garantir ainda mais, quando a busca e apreensão for decretada não poderá divulgar informações dos clientes, sob pena de se considerar ilícita a prova. Dessa forma, os postulados constitucionais da ampla defesa e da indispensabilidade do advogado à administração da justiça estão garantidos de forma mais eficaz.

 

SIGILO PROFISSIONAL NA ADVOCACIA

 

 Discorrido sobre o instituto da inviolabilidade, resta estudar o sigilo profissional do advogado, outro instituto muito importante no dia-a-dia do advogado que deve sempre ser respeitado.

 

Neste capítulo vamos especificar o sigilo profissional, definindo e conceituando o termo, entendendo as determinações éticas do sigilo e os casos em que se excepciona a regra para se permitir que esse sigilo possa ser quebrado.

 

 4.1      DEFINIÇÃO E CONCEITO

 

O “segredo” de modo geral é entendido como aquilo que se quer ocultar, conseqüentemente, tudo aquilo que é notório, de conhecimento público ou não tiver caráter oculto não pode ser considerado segredo.

 

Carlos (2004, p. 2) explica que o conceito legal de segredo se compõe pelo elemento fático e normativo e os ilustra da seguinte forma:

 

O primeiro traduz-se na circunstância de dever tratar-se de facto(s) desconhecido(s) da generalidade das pessoas e que, conseqüentemente, não seja(m), sem mais, acessíveis a qualquer um.

 

O segundo significa que, a coberto do segredo, estão factos em relação aos quais a pessoa a quem respeitem tenha um interesse objectivamente fundado na sua reserva.

 

Assim, o segredo profissional somente existe quando o que se quer ocultar não é notório e tão pouco de conhecimento público, devendo o transmitente ou terceiro ter interesse na sua confidencialidade.

 

O dever de guardar segredo, existente entre as diversas classes profissionais do mundo, significa sigilo profissional. Exemplo claro de sigilo profissional está entre os médicos que têm em seu Código Deontológico da Ordem dos Médicos (CDOM) no Capítulo V do Título II vários dispositivos que tratam do assunto, a destacar o artigo 68 que aborda no âmbito do segredo profissional a preservação da intimidade de pessoas, evitando prejuízo ou dano à integridade moral destas. Abrange, o dever de sigilo, todos os fatos que tenha chegado ao conhecimento do médico no exercício de seu trabalho, ou em função dele, existindo obrigação de segredo quer o serviço solicitado tenha, ou não, sido prestado e quer seja, ou não, remunerado. Saliente-se que o dever de sigilo profissional do médico está restrito à necessidade de preservação da intimidade do paciente, não podendo ser utilizado como meio de ocultar informações necessárias à procedimentos investigatórios que pretendam apurar a prática de crime

 

Outro ramo onde comumente nos depaRamos com o dever de sigilo é a contabilidade. Os contadores estão obrigados à manter segredo sobre o que souberem em razão do exercício profissional lícito, conforme disposição do inciso II do artigo 2º do Código de Ética do Contabilista (CEC):

 

Sá (2008, p. 2), ao comentar o assunto diz que o trabalho do contador se pauta na confiança e isto exige sigilo, “trata-se de uma condição de respeito humano, de dignidade do ser”. Ressalte-se que o resguardo do interesse do cliente não significa conivência para o errado e nem conluio para a fraude.

 

Já na advocacia, o sigilo profissional é um dever deontológico fundamental ao qual o advogado se obriga, constituindo ponto essencial de sua atividade e condição de plena dignidade, Carlin (2005, p. 167) assim o define:

 

 Podemos definir segredo como sendo tudo que o cliente manifesta ao advogado em tom de confidência e que deve sempre ser resguardado para que o profissional possa gerar uma segurança indispensável ao seu cliente e deva ter nele a certeza de que seus segredos estarão a salvo de divulgação em qualquer situação.

 

Dessa forma, sendo a relação entre cliente e advogado pautada na confiança que um deposita no outro, não se pode conceber o patrocínio de qualquer causa sem esse pressuposto. Carlos (2004, p. 3) a esse respeito, sabiamente, coloca que “o segredo é o ‘preço’ que o Advogado tem de pagar pela confiança que nele é depositada pelo cliente”.

 

Mamede (2003, p. 361) explica que o sigilo é inerente à profissão do advogado, assim como os médicos, os psicólogos, os químicos e tantos outros profissionais estão obrigados à guardar segredo, o advogado também está. O ilustre doutrinador ainda elucida que o advogado deve preservar toda a informação que adquirir em razão de seu ofício, ainda que em depoimento judicial (CED, art. 26).

 

Desse modo, o segredo profissional do advogado se refere aos fatos dos quais toma conhecimento ou às confidências que lhes são feitas no exercício de sua profissão. Sendo também obrigado a guardar segredo quanto aos documentos que lhes são confinados e ao que sabe através do conteúdo dos mesmos. Assim preleciona o referido autor:

 

 

 

Esse dever [de sigilo] alcança tanto os fatos que tenham sido narrados pelo cliente para o profissional, como também por expressa disposição do artigo 27, parágrafo único do Código de Ética, “as comunicações epistolares entre advogado e cliente”. Deve-se acrescentar, por óbvio, todo e qualquer elemento que tenha sido confiado ao causídico e cuja divulgação exponha a intimidade do cliente, sem a autorização deste: fitas cassete, fitas de vídeo, documentos, etc. (MAMEDE, 2003, p. 362)

 

Com isso, temos que a simples presença física do cliente no escritório do advogado enseja o dever de sigilo profissional, não dependendo de pedido expresso pelo cliente, pois, sempre que a natureza dos fatos não for de notório conhecimento e tenha relevância, o advogado está obrigado a guardar segredo. Nos dizeres de Carlos (2004, p. 3):

 

O segredo pode ter a sua génese na vontade do depositante, ou, na própria natureza do facto confiado. Significa isto que em determinadas situações, a existência da obrigação de guardar segredo não depende do pedido de confidência expressamente formulado pelo cliente ao Advogado. Mesmo que este pedido não haja sido formulado, o Advogado está obrigado a guardar segredo, sempre que a natureza dos factos revelados assim o justifique. Aliás, note-se, o sigilo principia logo pelo “facto” da simples presença física do cliente no escritório do Advogado.

 

Essa obrigação de guardar segredo não está limitada a um determinado período, se prolongando no tempo de forma indefinida, conforme preleciona o doutrinador Mamede (2003, p. 362):

 

Não há dever de sigilo apenas na Constancia da prestação do serviço. Ao contrario, prolonga-se no tempo, indefinidamente, assim como prolonga-se no espaço: o que se ouviu, em virtude da condição de advogado (o que não se limita às conversas com o cliente ou constituinte) deve ser preservado.

 

E vai além da obrigação para com o cliente ou constituinte, estendendo-se à outras confidências feitas por adversários, colegas ou terceira pessoa:

 

Esta obrigação é vinculativa DURANTE e DEPOIS do patrocínio, ou da prestação dos serviços requerida e estende-se às confidências dos clientes, às do adversário, às dos colegas, às que resultam de entrevistas para conciliar ou negociar, às de terceiras pessoas, desde que feitas ao Advogado NO EXERCÍCIO DA SUA PROFISSÃO, bem como aos documentos confidenciais ou íntimos confiados ao Advogado. (RIBEIRO, 2003)

 

A natureza da jurídica do sigilo profissional, nessa seara, transcende um dever de natureza puramente contratual (estabelecido entre cliente e advogado), assumindo natureza pública, já que representa uma obrigação que atinge o cliente, outros advogados, a Ordem e a comunidade como um todo: “trata-se de um manifesto interesse público, diretamente ligado à função de Advogado como servidor da Justiça” (CARLOS, 2004, p. 4)

 

O sigilo profissional, enquanto preceito de natureza pública, é regulamentado pela Constituição Federal (art. 5º, inc. XII e XIV), pelo Código Civil (art. 144) e Processo Civil (art. 363), pelo Código Penal (art. 154), pelo Estatuto da OAB (art. 34), entre outros ordenamentos.

 

O dispositivo constitucional trata do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e afins, excepcionando-se a comunicação telefônica que pode ser violada se fundada em ordem judicial para investigação criminal ou instrução processual penal. Nesse dispositivo (CRFB, art. 5º, XII) o legislador resguarda a liberdade de manifestação do pensamento e o direito à intimidade do indivíduo. Nos dizeres de Silva (2004, p. 436):

 

Trata-se de garantia constitucional que visa assegurar o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas (art. 5º, XII), que são meios de comunicação interindividual, formas de manifestação do pensamento de pessoa a pessoa, que entram no conceito mais amplo de liberdade de pensamento em geral (art. 5º, IV). Garantia também do sigilo das comunicações de dados pessoais, a fim de proteger a esfera intima do indivíduo.

 

Além de resguardar a liberdade de manifestação do pensamento e o proteger a esfera íntima da pessoa, a Constituição no artigo 5º, inciso XIV, também enumera como sendo inviolável o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional, como meio da se assegurar a liberdade de informação. Silva (2004, p. 245) explica que, nesse caso, a intenção do legislador é resguardar o direito do jornalista ou comunicador social de não informar a fonte da notícia divulgada.

 

E a Constituição resguarda, ainda, o segredo profissional, obrigando quem exerce uma profissão regulamentada a guardar segredo com fidelidade (MONRREAL apud SILVA, 2004, p. 207).

 

O Código Civil e o Código de Processo Civil também abordam o segredo profissional, desobrigando os profissionais, vinculados ao sigilo, de depor sobre os fatos dos quais deva manter segredo, inclusive, podendo abster-se da apresentação de documentos ou coisas em juízo.

 

No Brasil não existe uma relação de profissões que estão vinculadas ao dever de sigilo, porém todas as que estão devem respeitar o disposto no artigo 154 do Código Penal, sob pena de serem responsabilizadas pelos danos causados advindos dessa revelação.

 

O Estatuto da OAB também garante o respeito ao sigilo profissional, através da inviolabilidade profissional consagrada no art. 7º, inciso II do Estatuto, do direito de conferência com qualquer cliente, conforme disposição do art. 7º, inciso III, e do direito de recusar-se a testemunhar em qualquer processo no qual interfira (art. 7º, XIX), constituindo infração disciplinar a violação, sem justa causa, do mesmo (EAOAB, art. 34). Ribeiro (2003) à esse respeito diz:

 

O assunto é largamente regulamentado no Estatuto da Advocacia e da OAB, que garante o respeito pelo sigilo profissional: inviolabilidade do escritório ou local de trabalho, de correspondência e comunicações, direito de conferenciar com qualquer cliente pessoal e reservadamente, mesmo se detidos ou presos ou mesmo se considerados “incomunicáveis” e a recusa de testemunhar, em processo no qual intervenha e sobre fatos relacionados com cliente ou ex-cliente, mesmo que com o consentimento do próprio, ou ainda sobre qualquer fato que considere profissionalmente sigiloso.

 

À semelhança do Direito Penal, também aqui a violação do sigilo profissional, consubstancia infração punível: (Art. 34) Constitui infração disciplinar violar, sem justa causa, sigilo profissional; (EOAB).

 

Dessa forma, constituindo o sigilo uma prerrogativa inerente à profissão, ela deve ser entendida, não como uma vantagem, mas como uma garantia de ordem pública que está, acima de tudo, ligada ao direito de ampla defesa de qualquer cidadão.

 

       AS DETERMINAÇÕES ÉTICAS DO SIGILO PROFISSIONAL

 

 Enquanto norma garantidora da amplitude de defesa o sigilo profissional trás em seu bojo algumas determinações éticas que devem ser estudadas, mas para tanto é necessário compreendermos o significado da palavra ética.

 

Ética são os princípios que guiam a conduta humana, é uma palavra de origem grega, “ethos”, e significa “modo de ser” ou “caráter”. Deve, portanto, ser pensada como o reflexo de atos da consciência, envolve a convicção e a vontade de quem age. Marilena Chaui (1999, apud KREMER, 2002, p. 14) ao definir ética diz que:

 

Para que haja conduta ética é preciso que exista o agente consciente, isto é, aquele que conhece a diferença entre o bem e o mal, certo e errado, permitido e proibido, virtude e vício. A consciência moral não só conhece tais diferenças, mas também reconhece-se como capaz de julgar o valor dos atos e das condutas e de agir em conformidade com os valores morais, sendo por isso responsáveis por suas ações e seus sentimentos e pelas conseqüências do que faz e sente. Consciência e responsabilidade são condições indispensáveis a vida ética.

 

Quando agimos conscientemente de forma correta, ou de acordo com o que a sociedade espera de nós estamos agindo de maneira ética, mas quando agimos de modo errado, ou contra os costumes da sociedade (ou comunidade), somos anti-éticos e, por isso, podemos ser punidos. É nesse contexto que surge a ética profissional, ou seja, o modo de ser, a conduta que os profissionais devem manter em relação ao desempenho de suas atividades.

 

Segundo De Plácido e Silva (1996, apud KREMER, 2002, p. 15) a expressão ética profissional é usada:

 

Para indicar a soma de deveres, que estabelece a norma de conduta do profissional no desempenho de suas atividades e em suas relações com o cliente e todas as demais pessoas com quem possa ter trato [...]. Em regra, ética profissional é fundada no complexo de normas, estabelecidas pelos usos e costumes, mas pode ser instituída pelos órgãos a que se defere autoridade para dirigir e fiscalizar a profissão.

 

Estas regras, normalmente, fazem recomendações de natureza moral, com o fim de levar os profissionais a agirem em conformidade com os princípios morais, e isso se dá através da deontologia.

 

A palavra deontologia vem do grego “Deon” ou “Deontos” e significa “o que fazer” e “Logos” que significa “tratado”, assim, “deontologia” pode ser traduzida como a “Ciência dos Tratados” (PINTO, 2006).

 

Nos dizeres de Costa (2003 apud PINTO, 2006) deontologia pode ser definida como sendo um conjunto de normas jurídicas onde a maioria tem conteúdo ético e regulam o exercício de determinada profissão.

 

A deontologia, segundo Carlin (ano, p. 43), é institucional e inerente à profissão:

 

Ela opera, por excelência, no campo profissional. Requer normas reagrupadas em textos, estatutos ou códigos, exigindo em seu estudo, noções de disciplina, falta e sanção, entendidas, coletivamente, posto que destinadas ao conjunto da profissão. Não raro ela se acha utilizada para designar ética profissional ou a moral no exercício de uma profissão, resultando da reflexão dos profissionais sobre sua prática. Mesmo quando impulsionada pelos poderes públicos, é uma autodisciplina.

 

Podemos, então, dizer que deontologia abrange as regras que regulam o exercício das profissões. E, no caso do advogado, deontologia pode ser entendida como o conteúdo de regras contidas no Código de Ética, onde se encontram as normas jurídicas reguladoras da conduta dos profissionais dessa área.

 

O sigilo profissional é um poder/dever deontológico fundamental, pois está entre as regras do Código de Ética e o seu descumprimento pode trazer graves e irreparáveis prejuízos aos seus constituintes.

 

Constitui poder o sigilo profissional, porque cabe somente aos advogados a avaliação e decisão de quebra desse sigilo, e é entendido como um dever porque constitui uma obrigação onde o interesse social está acima do interesse privado. Fernandes (2004 apud CARDELLA, 2005, p.  86) esclarece que os advogados são os únicos juízes da necessidade de violação do sigilo. Assim, conforme entendimento de Ramos (2001, p. 371):

 

A avaliação, pois, da justa causa, para fins de justificar a violação do sigilo profissional, implica na análise subjetiva de inúmeras possibilidades, todas elas lastreadas pelos princípios morais vigentes, o que exige do intérprete redobrada cautela. De modo geral, a justa causa é encontrada sempre que, no caso particular, o interesse social se destaca acima do interesse privado. E esta regra se justifica exatamente pela natureza pública da função desempenhada pelo advogado, que antes de tudo tem compromisso inarredável para com o interesse social.

 

Ser fiel ao cliente é um dever do advogado e, por isso, o Código de Ética lhe dá animus de direito, podendo o advogado invocar sigilo profissional ao recusar-se a prestar testemunho, conforme disposição do artigo 26 do CED[7].

 

Não se pode esquecer que a relação cliente/advogado é baseada na confiabilidade estabelecida e essa confiança, com certeza, deixa de existir quando há quebra do sigilo profissional, ainda que não traga prejuízos para qualquer das partes, a confiança estabelecida não mais se restituirá com a quebra do sigilo, além disso, tal atitude pode trazer desprestígio à classe.

 

O Ministro Cesar Asfor Rocha a esse respeito se pronunciou:

 

O sigilo profissional é exigência fundamental da vida social que se deve ser respeitado como princípio de ordem pública, por isso mesmo que o Poder Judiciário não dispõe de força cogente para impor a sua revelação, salvo na hipótese de existir específica norma de lei formal autorizando a possibilidade de sua quebra, o que não se verifica na espécie. O interesse público do sigilo profissional decorre do fato de se constituir em um elemento essencial à existência e à dignidade de certas categorias, e à necessidade de se tutelar a confiança nelas depositada, sem o que seria inviável o desempenho de suas funções, bem como por se revelar em uma exigência da vida e da paz social. (BRASIL, 1998)

 

Ademais, a constituição em seu artigo 5º, inciso LXIII diz que o indiciado, ou o acusado não pode ser compelido a fazer prova contra si mesmo. Tem, portanto, o direito de permanecer calado. Essa regra não seria válida se o advogado fosse obrigado a trazer elementos para a condenação de seu constituinte, quebrando a garantia constitucional do silêncio, podendo ainda criar um clima de desconfiança entre a parte e seu procurador, o que acaba por violar uma garantia constitucional de ampla defesa (MAMEDE, 2003, p. 231).

 

O sigilo profissional não abarca apenas o poder, que abrange suas determinações éticas, mas também inclui deveres, quais serão discutidos à seguir.

 

      DEVER DO SIGILO

 

 O dever de guardar sigilo é algo antigo nas profissões. A referência mais próxima e clássica é o juramento de Hipócrates, o maior médico da Antigüidade, que jurou conservar em segredo o que no exercício da profissão ou durante a vida tomasse conhecimento e esse juramento, feito por Hipócrates, se estendeu aos advogados no direito romano.

 

Esse dever de guardar sigilo ressurgiu posteriormente no Código Penal Francês de 1890, que dispunha em seu artigo 378 sobre o caráter punitivo de quem violasse o dever de guardar segredo no exercício da profissão. Outros Códigos, seguindo essa mesma linha de raciocínio, também passaram a tipificar penalmente a violação do segredo, como o espanhol (1822), o toscano (1853), sardo (1859), chegando até os tempos modernos com a inserção deste instituto no Código de Procedimento Civil da República do Chile (Dec. 2004/76, art. 360, I); Código Processo Civil e Comercial da Nação, da Argentina (Lei 17.454/67, art. 444); bem como no Paraguai, no art. 335 do Código Processual Civil.

 

No Brasil, a violação do segredo surge nas Ordenações Filipinas, onde se previam como crime lesa-majestade a violação de correspondências. E, posteriormente, o Código Criminal do Império tipificava criminalmente a revelação de segredo por funcionário. Contudo, só em 1890 o Código Penal em seu artigo 192 trazendo maior abrangência ao tema, abarca a violação do segredo profissional como crime de direitos individuais.

 

Atualmente o dever de sigilo está contemplado, em nosso ordenamento jurídico, nos artigos 154 e 325 do Código Penal, no novo Código Civil Brasileiro, em seu artigo 229, no Código de Processo Civil, nos artigos 347, 363 e 406.

 

Aos profissionais da advocacia o dever de sigilo está expresso no corpo do texto do artigo 26 e 27 do Código de Ética:

 

CEDOAB, Art. 26 - O advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte.

 

CEDOAB, Art. 27 - As confidências feitas ao advogado pelo cliente podem ser utilizadas nos limites da necessidade da defesa, desde que autorizado aquele pelo constituinte.

 

Parágrafo único. Presumem-se confidenciais as comunicações epistolares entre advogado e cliente, as quais não podem ser reveladas a terceiros.

 

E diante da importância da não violação do sigilo, sem as devidas causas justificadoras, o Estatuto da OAB, transformou a possibilidade de desrespeito à essa norma em infração disciplinar (art. 34, VII) passível de censura (art. 36, I).

 

Deve, portanto, o advogado manter sigilo sobre os fatos que toma conhecimento em razão de sua profissão, seja esse conhecimento obtido através de confidências feitas pelo cliente, ou através de documentos, ou por terceiros. Desde que a informação interesse à causa que foi confiada pelo cliente, deve ser preservada em nome do sigilo profissional (RAMOS, 2001, p. 369).

 

O dever de guardar sigilo deve compreender qualquer demanda, seja ela judiciária, civil ou administrativa. Devendo respeitar, inclusive, o sigilo da simples consulta, assessoria ou qualquer outra informação que toma conhecimento por ser advogado. Nos dizeres do doutrinador Mamede (2003, p. 232):

 

Não se deve compreender por demanda apenas a representação judicial; o sigilo abarca toda e qualquer representação, judiciária, civil ou administrativa. Mesmo na prestação de serviços advocatícios no plano das relações privadas, negociais, está abarcada pelo poder/dever de guardar sigilo, a justificar-se a prerrogativa de recusar-se a depor.

 

Ou como ensina Ribeiro (2003) a obrigação de sigilo abrange tudo que o advogado tomar conhecimento no exercício de sua profissão e nenhuma autoridade (ou qualquer outra pessoa) poderá isentá-lo de cumprir essa obrigação.

 

A obrigação de manter sigilo sobre tudo que coletar durante o exercício da profissão, não se dá somente durante a prestação do serviço, se prolongando no tempo e no espaço, e não se restringe às confidências feitas ao advogado pelo cliente, mas abrange também as confidências dos outros profissionais e até de documentos entregues ao advogado. Nas palavras de Ribeiro (2003):

 

Esta obrigação é vinculativa DURANTE e DEPOIS do patrocínio, ou da prestação dos serviços requerida e estende-se às confidências dos clientes, às do adversário, às dos colegas, às que resultam de entrevistas para conciliar ou negociar, às de terceiras pessoas -- desde que feitas ao Advogado NO EXERCÍCIO DA SUA PROFISSÃO -- bem como aos documentos confidenciais ou íntimos confiados ao Advogado.

 

Essa obrigação de guardar sigilo sobre as informações de clientes não se limita ao profissional, mas estende-se aos colaboradores e empregados do que, em razão da função que ocupam, tomam conhecimento dos fatos, podendo em caso de violação, com dolo ou culpa grave, ser o empregado despedido por justa causa. Além disso, estende-se também aos advogados substabelecidos e a terceiros que tomem conhecimento do fato (RIBEIRO, 2003, v.11, ano9).

 

O dever de sigilo é tão imponente em seu conteúdo que abarca até mesmo depoimentos relativos à parte adversa quando envolver conflito de interesses, conforme decisão do Tribunal de Ética de São Paulo:

 

CONFLITO DE INTERESSES ENTRE CLIENTES – SUPERVENIÊNCIA. Sobrevindo conflito de interesses entre clientes, o advogado, com prudência e discernimento, deve renunciar a um dos mandatos, na forma do art. 18 do Código de Ética e Disciplina. Obrigação de manter o sigilo profissional sobre fatos e circunstâncias da causa, sob pena de sanções éticas. Precedentes.(ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 2008).

 

Guardar segredo não depende de expresso pedido do cliente, devendo, sempre que a natureza dos fatos não for de notório conhecimento e tenha relevância, ser resguardado pelo advogado. Para Carlos (2004, p. 3):

 

O segredo pode ter a sua gênese na vontade do depositante, ou, na própria natureza do fato confiado. Significa isto que em determinadas situações, a existência da obrigação de guardar segredo não depende do pedido de confidência expressamente formulado pelo cliente ao Advogado. Mesmo que este pedido não haja sido formulado, o Advogado está obrigado a guardar segredo, sempre que a natureza dos fatos revelados assim o justifique. Aliás, note-se, o sigilo principia logo pelo “fato” da simples presença física do cliente no escritório do Advogado

 

O sigilo profissional é, pois, um dever ético e disciplinar que implica sanções aos que o descumprem. Dentro das regras que determinam o sigilo profissional, existem as exceções que possibilitam sua violação de forma a não constituir infração ética e disciplinar, quais serão estudadas no próximo tópico.

 

      CASOS EXCEPCIONAIS

 

O artigo 34 do Estatuto da Advocacia em seu inciso VII prevê como infração disciplinar a violação, sem justa causa, do sigilo profissional, dessa forma, incorre em infração disciplinar o advogado que viole o dever de manter reservadas para si tudo quanto vier a saber de seu cliente.

 

A justa causa justificadora da violação do sigilo profissional implica, segundo Ramos (2001, p. 371), na análise subjetivas de inúmeras possibilidades todas elas lastreadas pelos princípios morais vigentes, o que exige do intérprete redobrada cautela.

 

De modo geral a justa causa é encontrada sempre que, no caso em particular, o interesse social se destaca acima do interesse privado. E esta regra se justifica exatamente pela natureza pública da função desempenhada pelo advogado, que antes de tudo tem o compromisso inarredável para com o interesse social.

 

Sendo assim, algumas situações admitem a quebra da obrigação de preservar o sigilo profissional, em razão da justa causa ou do estado de necessidade. Devendo essa avaliação e decisão resultar da consciência profissional do advogado.

 

Caracteriza-se a justa causa excepcionada no tipo disciplinar as hipóteses previstas no Código de Ética, artigos 25 e 27, quais sejam: grave ameaça à vida e à honra de terceiro, ou diante de afronta do advogado pelo cliente, ou, ainda, diante de confidências feitas pelo cliente ao advogado que possam ser utilizadas como defesa.

 

A grave ameaça ao direito à vida e à honra é abordada sabiamente por Serrano ( 1953 apud RAMOS, 2001, p. 371) ao explicar que se alguém pode perecer para não revelar um segredo profissional, se pode manchar sua honra ao decidir manter a inviolabilidade, ou se por silenciar uma confidência toda uma sociedade corre risco, impõem-se a quebra de sigilo; advertindo que pertence ao foro íntimo do profissional, “sem possibilidade de coação externa”, a decisão pela quebra ou não do sigilo.

 

Igualmente se justifica a violação pelo fato do advogado ser afrontado pelo cliente onde se vê obrigado, em defesa própria, a revelar segredo que aquele lhe confiou; sendo que neste caso o segredo revelado deve guardar relações com a causa havida entre procurador e constituinte. Neste sentido já decidiu o Tribunal de Ética de São Paulo:

 

SIGILO PROFISSIONAL - QUEBRA POR ADVOGADO, EM CAUSA PRÓPRIA, PARA SUA DEFESA, NA PROPOSITURA DE AÇÃO TRABALHISTA CONTRA EX-EMPREGADOR. A quebra de sigilo é possível, de forma excepcional, por justa causa (art. 34, VII, do Estatuto da Ordem) e em defesa própria, porém sempre restrito ao interesse da causa. O advogado não pode transmitir informações que recebeu, em sigilo profissional, para o benefício de terceiros ou para fazer denúncias, sob pena de quebra do sigilo profissional, que consiste em dever profissional. Desaconselhável, no caso, a advocacia em causa própria. Inteligência do artigo 25 do Código de Ética. (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 2003).

 

Segundo o doutrinador Mamede (2003, p. 362) outra possibilidade de violação do sigilo profissional são as confidências feitas ao advogado pelo cliente que podem ser utilizadas para composição de defesa, desde que absolutamente necessárias, devendo para tanto existir autorização do constituinte:

 

Por fim, as confidências feitas ao advogado pelo cliente podem ser utilizadas para a composição da defesa, desde que absolutamente necessárias, havendo imperiosa necessidade de autorização do constituinte (artigo 27). De todo recomendável, por certo, que o profissional colha tal autorização por escrito, garantindo, assim, prova inequívoca a justificar seu ato (grifo meu).

 

 

 

Advirta-se ainda que a violação do dever de preservar o sigilo pode decorrer da obrigação de depor, já que o sigilo que acoberta o advogado quando é chamado para prestar depoimento não é absoluto, nos dizeres de Cardella (2005, p. 167):

 

O artigo 26 do CED considera dever do advogado guardar sigilo sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo quando autorizado ou até mesmo solicitado pelo próprio constituinte, devendo, porém, o advogado sempre atender o chamamento judicial, mas diante do magistrado recusar-se a depor.

 

Por fim, ressalte-se que a quebra do sigilo fora dos limites legais caracteriza infração disciplinar punível com censura e, eventualmente, multa. Além disso, é considerada crime punível com detenção de seis meses a dois anos, ou multa; e ilícito civil pelo qual o advogado é obrigado à indenizar os danos econômicos e morais decorrentes de seu comportamento.

 

PERDA DE UMA CHANCE

 

 Da natureza da perda de uma chance: dano emergente, lucro cessante e dano moral.
Não é mansa e pacífica na doutrina pátria o entendimento da perda de uma chance como dano certo e determinado, pois insistem ainda alguns autores em não admitir a cisão entre a possibilidade de ganho ou de se evitar um prejuízo com o resultado final.
Para os adeptos da corrente tradicional, como inexiste possibilidade de se determinar qual seria o resultado final, não se cogita em dano pela perda da chance, pois esta recai na seara do dano hipotético, eventual.
Afigura-se-nos equivocada a afirmativa de vincular a chance perdida com o eventual resultado final. Acentua-se que a oportunidade de ganho ou de se evitar um prejuízo, por si só, já é incorporada no patrimônio jurídico do indivíduo, sendo assim, a sua violação ensejará indenização.
Pode-se dizer, com toda a convicção que a chance não pode ser analisada como a perda de um resultado favorável, mas sim como a perda da possibilidade de angariar aquela vantagem.
Vale dizer ainda, que além da indenização material, a vitima pode vir a sofrer o dano imaterial.
Por derradeiro, observa-se no que tange as chances perdidas, apesar das diversas tipificações estipuladas - seja como dano emergente, lucro cessante ou até mesmo dano moral –, torna-se possibilitada a interpretação de que, havendo uma oportunidade perdida, desde que séria e real, ela integrará o patrimônio da vítima, possuindo valor econômico, e, assim, podendo ser indenizada.
4. Reparação total dos danos e a proteção da vítima pela perda da chance

 

Além de ser um princípio basilar da cláusula geral de responsabilidade civil, destaca-se no ordenamento jurídico pátrio um segundo dogma basilar: o da proteção integral dos danos.
É uma derivação do mandamento constitucional, como se depreende da leitura do artigo 5°, incisos V e X da Constituição da Republica Federativa do Brasil. Logo, salienta-se que a busca incessante da reparação de danos, como dogma constitucional, abraça também as hipóteses das chances perdidas.

 

Vale dizer que não existe, nenhuma norma expressa quanto à reparação da perda de uma chance. Porém, sob judice do princípio da reparação integral dos danos, a vítima não poderá suportar os prejuízos, mesmo que provenientes da perda da oportunidade de obter uma vantagem.

 

Por fim, cumpre observar que dentro da evolução dos conceitos e elementos da responsabilidade civil, a teoria da perte d’une chance encaixa-se satisfatoriamente, pois também tem por fundamento a reparação dos prejuízos que outrora não se admitia, seja porque a análise era vinculada estritamente à conduta culposa, seja pela não utilização das melhores técnicas para a avaliação do dano.

5.Considerações Finais

 


No direito brasileiro, o instituto da responsabilidade civil passou e ainda é alcançado por inúmeras modificações e reformulações, principalmente no que se refere aos seus requisitos ou elementos indispensáveis.
Em dias atuais, o objetivo da justiça e o anseio da reparação integral dos prejuízos sofridos pelo lesado levaram a doutrina e a jurisprudência pátrias a criarem mecanismos e artifícios, juridicamente respaldados, para aumentar as possibilidades de reparação efetiva dos danos.
Dentro desses mecanismos, surgiu a corrente jurisprudencial e doutrinária calcada na reparação dos danos decorrentes da perda de uma chance.
De início, inúmeras críticas e restrições foram impostas à responsabilidade civil por perda de chance. Defendiam os opositores que se tratava de possibilidade de indenização de dano hipotético, eventual.
 Não concordamos com tais argumentos. Primeiramente ressalta-se que não se trata de indenização sobre a vantagem não alcançada. Pois como o futuro é incerto, não há meios idôneos para provar qual seria o resultado final. Em outro giro, porém no mesmo sentido, mesmo que fosse retirado o ato ilícito da cadeia dos fatos que antecederam o resultado final, jamais poderia este ser demonstrado.
Assim, na teoria da perda de uma chance, o que se pretende não é a vantagem não obtida, mas sim a perda da oportunidade de obter um benefício (a vantagem) ou de evitar um prejuízo.
Vale ressaltar, todavia, que a oportunidade de angariar um benefício ou evitar um prejuízo, a chance perdida deverá ser sempre séria e real.
Outro ponto a ser destacado, é quanto o valor da indenização, pois, não havendo dispositivos legais acerca da matéria, deverá o juiz sentenciante pautar-se em um juízo de probabilidade para a aferição do montante da oportunidade perdida. Logo, deverá valer-se o magistrado do resultado final esperado, para que dele, possa extrair hipoteticamente o valor da perda da chance.
Resta finalmente lembrar, que a perda da chance não significa lucro cessante, a despeito de julgados e doutrinadores que defendem essa tese. Vale lembrar, que o lucro cessante é o prejuízo futuro almejado pela vítima; é a proteção do patrimônio futuro do lesado, devendo ser sempre provado durante a ação indenizatória.
Nesse ensejo, atenta-se que a perda da chance, por sua vez, como dano material que é, também deverá ser provada. Contudo, trata-se da demonstração da perda da oportunidade de se obter de uma vantagem ou de se evitar um prejuízo.
Salienta-se ainda, que é cabível a indenização pela perda de uma chance combinada com a indenização pelo dano moral causado.
Conclusivamente, cabe ressaltar, que para subsistir o dever de indenizar devem estar presentes os seguintes requisitos: uma conduta (ação ou omissão); um dano, caracterizado pela perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo (e não pela vantagem perdida, em si, porque é hipotética); e um nexo de causalidade entre os primeiros.

 

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