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A (In)aplicabilidade retroativa da Novatio Legis in Mellius durante o período de Vacatio Legis - Breves comentários à Lei 12.850/13.


Autoria:

Vinicius Da Silva Rocha


Vinícius da Silva Rocha, graduando em Direito na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) - Campus Guaíba - RS. Estagiário na Promotoria de Justiça de Tapes - RS.

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Resumo:

Este artigo visa a delinear breves comentários acerca da possibilidade de aplicabilidade ou inaplicabilidade da Lex Mitior durante o período de Vacatio Legis, demonstrando a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca do tema.

Texto enviado ao JurisWay em 09/11/2013.

Última edição/atualização em 13/11/2013.



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 Sumário: 1. Introdução – 2. Extra-Atividade da Lei Penal – 3. Novatio Legis in Mellius - Apontamentos à Lei 12.850/13 – 4.  (In)aplicabilidade da novatio legis in mellius em vacatio legis – 5. Considerações Finais – 6. Referências.

 

Resumo: Este artigo visa a delinear breves comentários acerca da possibilidade de aplicabilidade ou inaplicabilidade da Lex Mitior durante o período de Vacatio Legis. Será demonstrada a divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a (in)aplicabilidade dos referidos institutos. A escolha do tema se deve ao fato da grande dificuldade encontrada pelos Estudiosos do Direito em esclarecer a possibilidade ou não de aplicar a lei mais benigna ao réu no período entre sua publicação e sua vigência.

 

Palavras-chaves: Extra-Atividade; (Ir)retroatividade; (in)aplicabilidade; divergência; Novatio Legis in Mellius; Vacatio legis; Lex mitior; Lei 12.850/13.

 

1.                        1.  Introdução:

 O ora artigo tem como objetivo demonstrar a divergência existente entre a aplicabilidade ou inaplicabilidade retroativa da lei mais benigna (Lex Mitior)ao réu durante o período de Vacatio Legis. Para isto, primeiramente, será estudado acerca da Extra-Atividade da Lei Penal, destacando a retroatividade. Após, será demonstrado à definição de Novatio Legis in Mellius frente à lei 12.850/13. Por fim, será demonstrada a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca do tema, esclarecendo a possibilidade ou não de aplicar a lei mais benéfica no momento em que esta é oficialmente publicada, não necessitando aguardar a vacatio legis.

Para o desenvolvimento do presente, foram realizadas pesquisas doutrinárias e jurisprudenciais, as quais serão analisadas no decorrer do trabalho.

 

2.                  2. Extra-Atividade da Lei Penal.

 Inicialmente, destaca-se que a lei penal ao ser revogada continua regulando os crimes ocorridos durante sua vigência, ou retroage para acolher aqueles que aconteceram anteriormente à sua entrada em vigor, desde que favoreça o réu, é o que se considera por extra-atividade da Lei Penal.

Desta maneira, ensina o renomado Procurador de Justiça, Dr. Rogério Creco, o qual afirma que:

 

“a lei penal, mesmo depois de revogada, tem capacidade para regular fatos ocorridos durante sua vigência ou retroagir para alcançar aqueles que aconteceram anteriormente à sua entrada em vigor. Essa possibilidade que é dada à lei penal para se movimentar no tempo chama-se extra-atividade”.[3]

 Com efeito, prevalece na Constituição Federal a ideia de que é absolutamente impossível a lei penal retroagir para, de qualquer modo, prejudicar o réu. Todavia, o referido texto magno trouxe, outrossim, uma exceção em tal instituto, qual seja a possibilidade de retroatividade in mellius, ou melhor, quando à lei vier para, de qualquer modo, favorecer o agente, esta será aplicada, conforme se depreende do inciso XL de seu art. 5º, in verbis.

 “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

 Então, como dito acima, chamamos de extra-atividade a atribuição conferida à norma penal de se locomover no tempo regulando fatos ocorridos durante sua validade, mesmo depois de ter sido revogada, ou de retroagir no tempo, tendo como objetivo regular situações ocorridas anteriormente à sua entrada em vigor, contudo, apenas em favor do réu.

Desse modo, observa-se que ao estudar acerca extra-atividade da lei penal, importante se faz mencionar que esta comporta duas espécies, quais sejam a ultra-atividade e a retroatividade.

A ultra-atividade (art. 3º do Código Penal) se dá quando a lei, depois de revogada, continua a regular situações que ocorreram em sua vigência, entretanto, a retroatividade seria a possibilidade cotejada ao direito material, bem como ao direito processual de retroagir no tempo para abraçar práticas incriminadoras ocorridas anteriormente à sua validade. Há de ser dito, ademais, que ambos os princípios só se aplicam em benefício do réu, como supramencionado.

Assim, a Extra-atividade da Lei Penal consiste na possibilidade de a lei revogada continuar regulando fatos que aconteceram durante sua validade, o que igualmente ocorre com o princípio da ultra-atividade, sendo esta diferente da retroatividade, eis que tal vetor dá a possibilidade da norma retroagir no tempo para açambarcar fatos antecedentes praticados à sua entrada em vigor, porém, ambas só se aplicam em pro reo.

 

3. Novatio Legis in Mellius – Apontamentos à Lei 12.850/13.

 

Nessa senda, quando a lei for posterior a norma antiga e mais benigna receberá o nome indicado neste item, significando ‘nova lei mais benéfica’, a qual não abolirá o tipo incriminador (abolitio criminis), mas modificará a norma, tornando, de algum modo, menos grave a conduta do réu, ou melhor, quando a nova lei trouxer causas de diminuição de pena, redução dos prazos prescricionais, instituição de minorantes, condicionamentos as ações penais à representação do ofendido e alteração no injusto penal de forma que favoreça o agente etc.

Desse modo, nota-se o advento da Lei 12.850/13[4], a qual está em vacatio legis até o dia 17.09.13, alterações e instituições na norma de direito material e processual e, assim, destaca-se alguns aspectos que beneficiarão o réu, senão, vejamos:

A primeira benignidade, referente à norma material, que a respectiva Lei traz, é a exigência da reunião de no mínimo 4 (quatro) pessoas para configurar  o delito de organização criminosa (art. 24 da lei 12.850/13), substituindo, então, o crime de bando ou quadrilha (art. 288 do CPB), que estabelecia a exigência de um número menor de integrantes, ou seja, a partir de 3 (três).

Já, no tocante à norma processual, o legislador, no art. 3º, inciso I, permitiu que em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo, a colaboração premida (art. 4º), onde acrescentou a redução da pena em até 2/3, concessão de perdão judicial (anistia), substituição por pena restritiva de direito e a possibilidade do Ministério Público de deixar de oferecer a denúncia, desde que o acusado colabore signitivamente com a investigação, processo criminal e, não seja o líder da organização criminosa.

Por fim, cumpre frisar que ficará prejudicado o § 1º do art. 159 do Código Repressor, considerando que a parte final do narrado parágrafo restará, digamos, ineficaz, pois a novel lei não fez menção acerca da alteração da qualificadora do parágrafo primeiro do referido artigo, restando, enfim, prejudicada.

Diante do exposto, constata-se que estamos perante uma Novatio Legis in Mellius, eis que a lei 12.850/13 traz consigo benignidades, tanto na parte material (art. 2º, CP) quanto na parte processual (art. 2º, CPP) que podem favorecer o réu e, como visto no item 2, favorecendo-o a norma tem poder retroativo conferido pela Constituição Federal.

 


4. (In)Aplicabilidade retroativa da Lex Mitior durante o período de Vacatio Legis

 

Neste roteiro, vale salientar, de início, a definição e função, segundo Guilherme de Souza Nucci,[5] de ‘Vacatio Legis, - “período de tempo estabelecido pelo legislador para que a sociedade tome conhecimento de uma determinada norma, após a sua publicação, antes de sua entrada em vigor”.

Dessa forma, a vacatio legis se define pelo período temporal entre a publicação e a entrada em vigor da lei, período este que é contemplado expressamente na norma para que a sociedade possa tomar conhecimento de seu conteúdo e sua vigência. Em regra, caso a própria lei não marque o dia de sua entrada em vigência, o período temporal é de, conforme o art. 1º do LICC, 45 (quarenta e cinco) dias após sua oficial publicação.

Pois bem. Após definido o referido instituto, passo a demonstrar a questão de haver ou não aplicabilidade retroativa da Lex Mitior em Vacatio Legis, uma vez que há muito vem sendo discutida a divergência doutrinária e jurisprudencial, merecendo, então, uma atenção especial.

Quanto à aplicação retroativa da Lex Mitior durante o período da Vacatio Legis, há, dentre aqueles que detêm a ideia que não há possibilidade de haver aplicabilidade e, nesse sentido, temos Fernando Capez, o qual expõe que ‘durante este período, a lei ainda não começou a propagar seus efeitos, logo, não pode ter eficácia imediata, nem retroativa, até porque é possível a sua revogação antes mesmo de entrar em vigor, [...]. Por essa razão, não haverá aplicação retroativa até a entrada em vigor da lei’.[6]

Também defende a inaplicabilidade retroativa da lei penal mais benévola no período da vacatio legis, utilizando a mesma linha de raciocínio, os renomados doutrinadores Davi André Costa Silva[7], Guilherme de Souza Nucci[8] e Celso Delmanto[9].

Nessa acepção, os doutrinadores que defendem a tese da inaplicabilidade asseveram, em síntese, que a lei em período de vacância ainda não está em vigor, razão pela qual a sociedade se encontra sob a regência da lei antiga e, assim, somente quando uma lei deixar de vigorar, outra lhe pode ocupar o espaço, produzindo seus respectivos efeitos, o que, por questão de lógica, depreende-se do inciso XL, art. 5º da Constituição.

Acerca da inaplicabilidade, já decidiu o Supremo Tribunal de Federal, cuja ementa segue abaixo:

 

"HABEAS CORPUS" - DELITO DE ESTUPRO PRATICADO CONTRA CRIANÇA DE TRÊS ANOS DE IDADE - CRIME HEDIONDO - ALEGADO ERRO NA DOSIMETRIA DA PENA - INOCORRÊNCIA - DECISÃO FUNDAMENTADA - INAPLICABILIDADE DO ART. 263 DA LEI Nº 8.069/90 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE)- VIGÊNCIA IMEDIATA DA LEI Nº 8.072/90 (LEI DOS CRIMES HEDIONDOS)- POSSIBILIDADE JURÍDICA DE REVOGAÇÃO, AINDA QUE TÁCITA, DE LEI QUE SE ACHA EM PERÍODO DE "VACATIO LEGIS" - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - PEDIDO INDEFERIDO. (STF - HC: 72435 SP , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 12/09/1995, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-152 DIVULG 13-08-2009 PUBLIC 14-08-2009 EMENT VOL-02369-04 PP-00801)”

 

Também já se manifestou o nosso Egrégio Tribunal de Justiça no (Habeas Corpus Nº 70042320606, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Julgado em 16/06/2011):

 

“HABEAS CORPUS. - Ao proferir sustentação oral nesta sessão de julgamento o impetrante pugnou, inovando o pedido inicial, pela aplicação das disposições da Lei 12.403/2011 ao caso examinado. O pedido não merece conhecimento por mais de um fundamento. Com efeito, a questão relativa à aplicação das disposições da Lei 12.403/2011 ao caso examinado não foi deduzida, nem enfrentada na origem, "o que inviabiliza o exame da matéria por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância." (passagem da ementa do HC 109187/ SC, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, julgado em 18/12/2008). Além disso, não podemos desconsiderar que a Lei 12.403/2011 ainda está em seu período de vacatio legis (60 dias após a publicação oficial - art. 3º da Lei), motivo pelo qual o paciente não pode ser, desde logo, beneficiado. -O ora paciente foi denunciado, juntamente como o acusado E. S. P., pelo cometimento, em tese, do delito tipificado no artigos 121, § 2º, incisos I e IV, combinado 14, inciso II e 69, todos do Código Penal. Na mesma oportunidade o Ministério Público requereu a decretação da prisão preventiva dos acusados. - Recebida a denúncia, a digna Magistrada deferiu o pedido, decretando a prisão preventiva dos acusados. - A decisão, assim, diferentemente do sustentado pelo impetrante, encontra-se fundamentada, tendo a digna Magistrada apontado para as peculiaridades do caso concreto. - As teses sustentadas pela defesa, de que estaria configurado crime impossível, ou presente a excludente da legítima defesa de terceiro, não podem ser examinadas nesta via, pois importaria em exame aprofundado da prova. - Em exame perfunctório, contudo, observam-se os informes prestados pela vítima. Há, ainda, as declarações do informante J.E.S.F.. –  A alegação de legítima defesa, assim, não é isenta de polêmica relevante. Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso. - Por fim, destacamos que já restou reconhecido pelas Turmas (5ª e 6ª) integrantes da 3ª Seção do egrégio Superior Tribunal de Justiça que: (I) "A primariedade, os bons antecedentes, além da residência fixa e do emprego definido não impedem a constrição cautelar quando esta se mostrar necessária. Inteligência desta Corte e do Pretório Excelso.

" (HC 24544/MG, relator Ministro Jorge Scartezzini, j. em 05/12/2002, 5ª Turma); (II) "A jurisprudência dos tribunais superiores é uníssona no sentido de que a primariedade, os bons antecedentes, e o fato do paciente ter residência fixa e emprego lícito, não são suficientes para afastar a custódia, mormente quando motivos outros a recomendam." (RHC 12438/SP, relator Ministro Hamilton Carvalhido, j. em 19/12/2002, 6ª Turma)”.

 

Peço licença para realçar o entendimento do Desembargador Federal Jhonsom Di Salvo do Tribunal Federal da 3º Região no (ACR: 5555 SP 2006.61.19.005555-0, Data de Julgamento: 09/10/2007, PRIMEIRA TURMA):

 

“[...] Impossibilidade de aplicação ao caso concreto da Lei nº 11.343/06 que, à época dos fatos, encontrava-se em vacatio legis, período no qual a lei nova hiberna, aguardando o dia de sua plena eficácia; ela existe, mas não é eficaz. A lei vigente só é vencida pela lei nova quando essa última começa a vigorar, o que ocorre (como foi expressamente dito no artigo 74 da Lei nº 11.343/06), em regra, 45 dias depois de oficialmente publicada (artigo 1º da LICC). [...]”

 

Logo se verifica que aqueles que defendem a inaplicabilidade da lei no período da vacatio legis, filiam-se na ideia que a lei em vacância não poderá retroagir, porque não é capaz de incidir, ou melhor, a lei existe, mas não incide, tem existência, mas não tem incidência e, desse modo, a lei anterior continua vigorando e recaindo aos fatos, até que finde a vacatio e comece a vigência da nova para que, efetivamente, seja válida e conhecida para toda a sociedade.

Todavia, como será analisado agora, alguns doutrinadores entendem pela possibilidade da aplicação retroativa da Lex Mitior durante o período de vacância.

Defendendo tal tese, já há muitos anos, o professor Raggi dizia que, citado por Nélson Hungria (Comentário ao Código Penal, 5.ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, p.119), “a lei em período de vacatio não deixa de ser lei posterior, devendo, pois, ser aplicada desde logo, se mais favorável ao réu”.

De longa data vimos que a épica doutrina se sustenta na possibilidade de aplicar a lei posterior mesmo durante o período de vacância, desde que seja mais benéfica ao réu, aplica-se de ofício. Sendo assim, prosseguiram nesta mesma linha, atualmente, os célebres ensinadores Alberto Silva Franco[10], César Roberto Bitencourt[11] e Ladislau Fernando Rohnelt[12], o qual relata, brilhantemente, seu entendimento quanto à aplicabilidade dos institutos analisados, lecionando que:

 

“A lei, não estando vigente, não tem força, em si mesma, para assumir o domínio dos fatos que acontecem enquanto se mantém adormecida. Mas a verdade é que ela já existe e, uma vez promulgada, torna-se executória. De outra parte, a Constituição quer e exige que a lei mais benéfica ao agente de crime retroaja sempre. Ora, se a lei já existe, o poder de incidir, que ela mesma se nega na vacatio, decorre, então da própria Constituição, que supre a falta da incidência pela necessidade de que se imponham suas normas imperativas de garantia do indivíduo. Aceitar que a lei retarde, com a vacatio, o benefício da descriminalização, por exemplo, é consentir que o legislador ordinário frustre os direitos constitucionais do indivíduo, e permitir que se continue punindo por fato que, no mundo das leis existentes, não é mais crime”.

 

Desta sorte, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça no seguinte aresto:

 

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 155, § 4º, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA MAJORANTE DO ROUBO COM CONCURSO DE AGENTES. IMPOSSIBILIDADE. PENA AQUÉM DO MÍNIMO. ATENUANTES. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ARTIGOS 30, 31 E 32, DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. FATO ANTERIOR AO INÍCIO DO PRAZO PARA A REGULARIZAÇÃO DA ARMA. I - A qualificadora do § 4º do art. 155 do CP não se confunde, em seus efeitos, com a majorante do § 2º do art. 157 do CP. II - A analogia pressupõe, para o seu uso, uma lacuna involuntária (art. 4º da LICC). III - A pena privativa de liberdade não pode ser fixada abaixo do mínimo legal com supedâneo em meras atenuantes (Precedentes e Súmula n.º 231 - STJ). IV - A Lei nº 10.826/03, em seus artigos 30 a 32, estipulou um prazo para que os possuidores de arma de fogo regularizassem sua situação ou entregassem a arma para a Polícia Federal. Dessa maneira, até que findasse tal prazo, que se iniciou em 23/12/2003 e que teve seu termo final prorrogado até 23/10/2005 (cf. Lei 11.191/2005), ninguém poderia ser processado por possuir arma de fogo. V - A nova lei, ao menos no que tange aos prazos dos artigos 30 a 32, que a doutrina chama de abolitio criminis temporária ou de vacatio legis indireta ou até mesmo de anistia, deve retroagir, uma vez que mais benéfica para o réu (APn nº 394/RN, Corte Especial, Rel. p/ Acórdão Min. José Delgado, j. 15/03/2006). VI - O período de indiferença penal (lex mitior), desvinculado para os casos ali ocorridos, dado o texto legal, alcança situações anteriores idênticas. A permissão ou oportunização da regularização funcionaria como incentivo e não como uma obrigação ou determinação vinculada. A incriminação (já, agora, com a novatio legis in peius) só vale para os fatos posteriores ao período da "suspensão". Recurso especial parcialmente provido. Habeas corpus concedido de ofício, para declarar extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva quanto ao crime de furto qualificado. (REsp 870536/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 22/05/2007, DJ 20/08/2007, p. 304)”

 

Destarte, veja-se que após décadas, tanto a doutrina como a jurisprudência, mantêm inalterado o entendimento de que deve haver aplicabilidade da lei mais benéfica mesmo durante o período de vacatio legis, se mais favorável ao réu, eis que deve ser evitado qualquer afronta ao direito constitucional do indivíduo.

Impende destacar, desse modo, que a retroatividade da lei benigna, como princípio constitucional que é, além de ser dotada de eficácia imediata (Art. 5º, §1º, CF[13]), não pode ser limitada, restringida ou encurtada ao seu alcance, devendo alcançar, por obvio, as normas que estiverem durante o período de vacatio legis.

Percebe-se, então, que o princípio constitucional da retroatividade in mellius não se restringe apenas sob a norma material, porquanto não deve ser limitado, posto que deve ser aplicado também ao direito processual (inciso XL, art. 5º, CF) e, dessa forma ensinou Cirino dos Santos, citado por Aury Lopes Jr. (Direito Processual Penal e sua conformidade Constitucional. 7ª.ed. vol.I. Ed. Lumen Juris: Rio de Janerio, 2011, p. 210) que “o gênero lei penal abrange as espécies de lei material e lei penal processual, regidas pelo mesmo princípio constitucional”.

Em vista disso, salienta-se que, como a nova norma benéfica abrange a lei material e penal processual, esta traz à baila também os princípios constitucionais da economia e celeridade processual tipificados no inciso LXXVIII, do Art. 5º da Constituição Federal[14], vez que o processo não precisará aguardar a entrada em vigor da lei para retroagir em benefício do réu, sendo alcançado seu objetivo (fim da lide) com extrema brevidade, evitando que ocorre prejuízo desnecessário ao acusado por não ter sido aplicada, de ofício, norma que o favoreça.

Neste âmbito, ressalta-se o entendimento da Corte Superior, quanto à aplicabilidade de ofício da norma processual penal em vacatio legis, sendo desnecessário aguardar sua entrada em vigor, pois, no caso infra, trata-se de princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa que são de eficácia imediata.

 

“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. APLICAÇÃO DA LEI N.º 11.689/08 EM PERÍODO DE VACATIO LEGIS. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. APRESENTAÇÃO EXTEMPORÂNEADO ROL DE TESTEMUNHAS QUE IRÃO DEPOR EM PLENÁRIO. INDEFERIMENTO.CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. PRECLUSÃO. ORDEM DENEGADA. 1. O Juízo processante não emanou ato contra legem ou desrespeitou a eficácia legal da legislação processual quando abriu prazo para a Defesa apresentar o rol de testemunhas que iriam depor em plenário durante a vacatio legis da Lei n.º 11.689/2008, que deu nova redação ao art. 422 do Código de Processo Penal. 2. Trata-se de simples ato preparatório para o julgamento a ser realizado pelo Tribunal do Júri que, obviamente, ocorreria em observância à nova sistemática processual. Desse modo, não seria razoável esperar a iminente entrada em vigor da nova legislação para dar prosseguimento a marcha processual, em nome de atender a simples formalismo. 3. Intimada a defesa a se manifestar nos termos do art. 422 do Código de Processo Penal o patrono do Paciente quedou-se silente. Não se pode, portanto, afirmar que o Juízo processante, ao indeferiro pedido de oitiva de testemunhas em plenário, cerceou o direito de defesa, pois, na hipótese, o que se tem é a preclusão consumativa  de um ato extemporaneamente praticado em razão da desídia da Defesa.Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso. 4. Ordem denegada. (STJ - HC: 153265 ES 2009/0221319-8, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 15/09/2011, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/10/2011)” [g.n]

 

No mesmo sentido, já decidiu o Ministro OG Fernando no (HC Nº 206.957 - MT (2011/0112052-3), Data de Julgamento: 28/06/2011, T6 - SEXTA TURMA), relatando que: “[...] O firmatário do presente mandamus argumenta que o constrangimento ilegal descrito na exordial decorre da falta de fundamentação da decisão que homologou a prisão em flagrante do paciente, ressaltando que, embora a Lei n. 12.403/2011, publicada em 04-05-2011, que altera vários dispositivos do Código de Processo Penal (inclusive o art. 310, caput), entre em vigor apenas após 60 (sessenta) dias, tratando-se de lei mais benéfica ao Réu, dispensa-se o aguardo do famigerado período de vacatio legis, devendo, então, a autoridade judicial aplicar seus efeitos a partir da publicação [...]”

 

Confirmando tal entendimento, colaciona-se a seguinte ementa do Supremo Tribunal Federal.

 

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ART. 14 DA LEI 6.368/76. LEI 10.409/2002. RITO PROCESSUAL. DEFESA PRÉVIA. VACATIO LEGIS. ART. 2º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I - As normas processuais têm aplicação imediata a partir da entrada em vigor da norma. II - Atos processuais, todavia, praticados segundo o rito vigente durante o período de vacatio legis da lei nova são plenamente válidos. Inteligência do art. 2º do Código de Processo Penal. III - Inexigibilidade, no caso, de observância do art. 38 da Lei 10.409/2002, pois a regra não vigia à época da prática do ato judicial. IV - Ordem denegada. (STF - HC: 91560 RJ , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 30/10/2007, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-147 DIVULG 22-11-2007 PUBLIC 23-11-2007 DJ 23-11-2007 PP-00080 EMENT VOL-02300-03 PP-00618 RJSP v. 55, n. 361, 2007, p. 173-175 LEXSTF v. 30, n. 353, 2008, p. 375-379)”

 

Por tais razões e, por questões constitucionais, aplica-se ao direito material e, consequentemente ao direito processual, de imediato, o princípio da retroatividade da lei mais benigna (art. 5, XL, CF), mesmo que a nova norma esteja em vacatio legis, pois tal princípio se encontra fundamentado constitucionalmente nas garantias fundamentais do indivíduo, o que deixa infundada a tese daqueles que entendem pela sua inaplicabilidade.

Vale mencionar, por fim, que, caso haja aplicabilidade da novel lei benévola, deve ser, primeiramente, analisado se o feito já foi ou não julgado em definitivo. Pois então. Caso a sentença condenatória tenha passado em julgado e não havendo mais possibilidade de recurso, a aplicação da lei mais favorável compete ao Juiz das Execuções Penais (art. 66, I, da Lei 7.210/84)[15]. Entretanto, se o processo ainda estiver em andamento quando se iniciar a lei nova mais benévola, caberá ao Juiz que nele oficiar, ou ao Tribunal, se houver recurso, aplicar a novel Lex.

 

 

5. Considerações Finais

 

Como se demonstrou no transcurso do presente trabalho, há uma divergência na doutrina e uma divergência nos Tribunais, quanto à possibilidade de haver aplicabilidade ou não dos institutos estudados acima.

Inicialmente, conclui-se que a vacatio legis é causa meramente informativa, pois se trata de período temporal para que a sociedade tome conhecimento de seu conteúdo, sua vigência, não tendo poder suficiente para enfraquecer a marcha processual, ou até mesmo, violar as ordens expressas na Constituição Federal.

Assim, a aplicação retroativa da lei benigna, mesmo durante o período de vacância, é medida que se impõe, não por questões lógicas e, sim, por questões constitucionais, posto que a retroatividade in mellius se encontra amparada constitucionalmente pelo art. 5º, XL, da Lei Maior.

Há de se demonstrar, destarte, a necessidade da aplicação retroativa da lei mais benéfica, desde sua oficial publicação: (a) para não violar princípios constitucionais fundamentais que resguardam os direitos do indivíduo, protegendo-o de qualquer injustiça praticada pelo Estado; (b) pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1, I, CF), o qual visa salvaguardar direitos alienáveis do cidadão, tais como liberdade, paz, justiça etc.

Da mesma forma, devem prevalecer os princípios constitucionais do processo penal, quais sejam celeridade e economia processual (art. 5º, XXXLIII, CF), para que não haja, ainda mais, constrangimento ilegal ao acusado pela demora conclusiva da persecução penal e, principalmente, pelo processo estar sendo regido por uma lei mais gravosa, sendo que há uma legislação posterior e mais benéfica (Lex Mitior) que favoreça o agente incriminado, mesmo que em vacatio legis.

Portanto, unindo tais alegações, urge os apontamentos exarados no item 3 do presente trabalho, acerca da Lei 12.850/13, a qual está em vacatio legis, que, neste momento, é um exemplo cristalino para haver a perfectibilização do princípio da retroatividade in mellius, posto que a referida legislação traz diversos benefícios aos agentes que estão sendo acusados e executados pela máquina Estatal, podendo, então, desde logo, ter a concreta possibilidade de retroação da lei benéfica.

Ante o exposto, visando respeitar os preceitos constitucionais supramencionados, apesar da divergência encontrada dentre os mais afamados estudiosos do direito, entendo pela aplicação retroativa da Novatio Legis in Mellius durante o período da Vacatio Legis, pois, assim, de fato, se estará concretizando a mais ampla Justiça, eis que tal aplicabilidade é um direito constitucional de qualquer indivíduo, inclusive, daqueles incriminados.



6. Referências Bibliograficas:

 

BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal – vol. I, Parte Geral, 15º Ed, Saraiva, 2010.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral, volume 1 – 7.ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2004;

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. – 14. ed. Rio de Janeiro: Impetrus, 2012;

 

DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 5. ed. Rio de Janeiro: ReNovar, 2000;

FRANCO, Alberto da Silva. Comentários ao Código Penal e sua jurisprudência, 1995. Ed., Saraiva, 2010;

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado – versão compacta – São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 2009;

 

ROHNELT, Ladislau Fernando. Apontamentos de Direito Penal./ organizado por Zuleika Pinto Costa Vargas. – Porto Alegre: Tribunal de Justiça do RS. Ed. Ajuris, 2011;

 

SILVA, Davi André Costa. Direito Penal: parte geral, série objetiva. - 3ª ed. ver. Atual. e ampl. – Porto Alegre: Verbo Jurídico.



[1] Acadêmico do Curso de Direito da ULBRA Guaíba – RS.

[2] Acadêmico do Curso de Direito da ULBRA Guaíba – RS.

[3] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. – 14. ed. Rio de Janeiro: Impetrus, 2012, p. 105.

[4] Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.

[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado – versão compacta – São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 2009, p. 45

[6] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral, volume 1 – 7.ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2004, p. 59.

[7] SILVA, Davi André Costa. Direito Penal: parte geral, série objetiva. - 3ª ed. ver. Atual. e ampl. – Porto Alegre: Verbo Jurídico, p. 163.

[8] NUCCI, Guilherme de Souza. Ob.cit. p. 47.

[9] DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 5. ed. Rio de Janeiro: ReNovar, 2000, p. 7.

[10] FRANCO, Alberto da Silva. Comentários ao Código Penal e sua jurisprudência, 1995, p.47.

[11] BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal – vol. I, Parte Geral, 15º Ed., Saraiva, 2010.

[12] Rohnelt, Ladislau Fernando. Apontamentos de Direito Penal./ organizado por Zuleika Pinto Costa Vargas. – Porto Alegre: Tribunal de Justiça do RS. Ed. Ajuris, 2011.

[13] CF/88 – Art. 5º, §1º.  As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

[14] CF/88 – Art.5º - LXXVIII. A todos no, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

[15] Lei 7.082/84 - Art. 66. Compete ao juiz da execução:

Inciso I. Aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o agente.

 

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