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INOVAÇÕES DA LEI 11.689/08 NO TRIBUNAL DO JÚRI
Texto enviado ao JurisWay em 02/11/2013.
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Desde que a ofensa ao meio ambiente passou a ter previsão constitucional de responsabilização criminal, muito se discutiu a respeito da necessidade da intervenção penal para a tutela do bem jurídico em tela.
A discussão se desenvolve em torno do princípio da intervenção penal mínima. Tal princípio, de cunho liberal, sustenta que só se deve recorrer ao Direito Penal em casos extremos, haja vista ser essa é a “mais grave e violenta forma de intervenção do Estado na vida do cidadão, pois retira deste um de seus bens mais preciosos: a liberdade” [1].
Além de podar o delinquente do pleno exercício do direto à liberdade, o afetado pela norma penal fica estigmatizado na medida em que passa a se situar à margem da sociedade, restando prejudicada sua existência social.
É por este motivo que apenas sofrerá a incidência da norma incriminadora a conduta potencial ou efetivamente lesiva à bem jurídico de alta relevância, e desde que a adoção de tal medida constitua meio necessário e indispensável para a manutenção da ordem jurídica. Não sendo este o caso, dispensa-se a atuação penal.
Embora boa parte da doutrina reconheça a necessidade de tal intervenção, há quem sustente que os comportamentos lesivos ao meio ambiente deveriam ser corrigidos por outros meios que não o penal, tendo em vista seu caráter subsidiário.
Tal argumentação não se sustenta pelos seus próprios fundamentos, haja vista que a tutela penal do meio ambiente só passou a ter espaço no ordenamento jurídico brasileiro depois de fracassadas todas as medidas disponibilizadas para a proteção do patrimônio ecológico.
Por óbvio que condutas que não ofendam o valor fundamental do meio ambiente dispensam a atuação do Direito Penal. Tal afirmação depreende-se do princípio da insignificância, o qual aduz que a punição do fato típico dependerá da gravidade da ofensa aos bens jurídicos protegidos. Desse modo, apenas sofrerá os estigmas do Direito Penal a conduta que, de fato, demonstre a necessidade da intervenção penal para a proteção do bem jurídico ambiental.
Nesse sentido, transcreve-se aqui rico julgado, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, que acentua a importância da intervenção penal quando da efetividade do dano ao valor fundamental do meio ambiente, e critica a sua aplicação às condutas que não apresentam ofensividade ao meio ambiente, dando ênfase ao caráter subsidiário do Direito Penal.
DECISÃO: Trata-se de recurso de habeas corpus, com pedido de medida liminar, interposto por ADRIANO FONTANA CARVALHO, contra decisão da Sexta Turma Recursal de Lages-SC, que denegou a ordem no HC n° 27, impetrado em face de ato do Juízo da Vara Única de Santa Cecília-SC. O recorrente responde a ação penal pela prática da infração penal descrita no art. 50 da Lei n° 9.605/98, por ter efetuado o corte de duas árvores da espécie nativa Pinheiro brasileiro (Araucaria angustifolia). Alega que, no caso, a lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal seria insignificante, gerando a atipicidade da conduta e, conseqüentemente, a ausência de justa causa para a instauração do processo criminal. Em suas palavras, "a derrubada de duas árvores em nada afetará o equilíbrio ecológico do local onde estavam plantadas, até porque se encontravam isoladas no meio de uma lavoura, o que se dirá para o meio ambiente regional, o que não justifica a deflagração da ação penal". Cita precedentes desta Corte nos quais se considerou que o princípio da insignificância é fator de descaracterização da tipicidade penal. A Sexta Turma Recursal de Lages-SC denegou a ordem com o fundamento de que "o princípio da insignificância não se presta a afastar a tipicidade da infração penal e, sim, para atribuir exame valorativo do grau de lesividade da conduta" e que "este exame não pode ser feito no sumaríssimo procedimento de habeas corpus, no qual não se sopesa as provas até então colhidas" (fl. 57). O recorrente pede a concessão da medida liminar para que o curso da ação penal seja sobrestado até o julgamento final do recurso. Decido. Em exame sumário da controvérsia, constato a presença dos requisitos legais para a concessão da medida liminar. O art. 50 da Lei n° 9.605/98 prevê pena de detenção, de três meses a um ano, e multa, para quem "destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação". Como se pode constatar, a norma penal protege o valor fundamental do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, assegurado pelo art. 225 da Constituição da República. A finalidade do Direito Penal é justamente conferir uma proteção reforçada aos valores fundamentais compartilhados culturalmente pela sociedade. Além dos valores clássicos, como a vida, liberdade, integridade física, a honra e imagem, o patrimônio etc., o Direito Penal, a partir de meados do século XX, passou a cuidar também do meio ambiente, que ascendeu paulatinamente ao posto de valor supremo das sociedades contemporâneas, passando a compor o rol de direitos fundamentais ditos de 3ª geração incorporados nos textos constitucionais dos Estados Democráticos de Direito. Parece certo, por outro lado, que essa proteção pela via do Direito Penal justifica-se apenas em face de danos efetivos ou potenciais ao valor fundamental do meio ambiente; ou seja, a conduta somente pode ser tida como criminosa quando degrade ou no mínimo traga algum risco de degradação do equilíbrio ecológico das espécies e dos ecossistemas. Fora dessas hipóteses, o fato não deixa de ser relevante para o Direito. Porém, a responsabilização da conduta será objeto do Direito Administrativo ou do Direito Civil. O Direito Penal atua, especialmente no âmbito da proteção do meio ambiente, como ultima ratio, tendo caráter subsidiário em relação à responsabilização civil e administrativa de condutas ilegais. Esse é o sentido de um Direito Penal mínimo, que se preocupa apenas com os fatos que representam graves e reais lesões a bens e valores fundamentais da comunidade. No caso em questão, o recorrente, segundo consta do Termo Circunstanciado de Ocorrência Ambiental n° 59/ 5o PEL/CPMPA/2005 (fls. 17-21), "é responsável pelo corte seletivo de 2 (duas) árvores da espécie nativa Pinheiro brasileiro (Araucária angustifolia), em sua propriedade, sem autorização ou licença dos Órgãos Licenciadores competentes, federal e estadual, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA e Fundação do Meio Ambiente - FATMA, respectivamente; ou seja, desprovido de Plano de Corte Seletivo ou Autorização para Corte de Vegetação". Consta também do referido termo que o recorrente "assume total responsabilidade da execução do corte das árvores nativas, que determinou aos seus funcionários o corte dos pinheiros, para limpar e dar lugar no terreno para cultivo de milho e soja, conforme o Termo de Declaração acostado aos autos (...)". As circunstâncias do caso concreto levam-me a crer, neste primeiro contato com os autos, que o corte de dois pinheiros, de um conjunto de 7 outras árvores da mesma espécie, presentes no meio de uma lavoura de soja e milho e que, portanto, que não chegam a compor uma "floresta" (elemento normativo do tipo), não constitui fato relevante para o Direito Penal. Não há, em princípio, degradação ou risco de degradação de toda a flora que compõe o ecossistema local, objeto de especial preservação, o que torna ilegítima a intervenção do Poder Público por meio do Direito Penal. No caso, portanto, há que se realizar um juízo de ponderação entre o dano causado pelo agente e a pena que lhe será imposta como conseqüência da intervenção penal do Estado. A análise da questão, tendo em vista o princípio da proporcionalidade, pode justificar, dessa forma, a ilegitimidade da intervenção estatal por meio do processo penal. A jurisprudência desta Corte tem sido no sentido de que a insignificância da infração penal, que tenha o condão de descaracterizar materialmente o tipo, impõe o trancamento da ação penal por falta de justa causa (HC n° 84.412, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.11.2004; HC n° 83.526, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 7.5.2004). Ante o exposto, estando presente a plausibilidade jurídica do pedido e verificada a urgência da pretensão cautelar, ressalvado melhor juízo quando do julgamento do mérito, defiro o pedido de medida liminar para suspender o curso da ação penal instaurada contra o recorrente, em trâmite na Vara Única da Comarca de Santa Cecília-SC, até o julgamento final do presente recurso de habeas corpus. Comunique-se, com urgência. Publique-se. Dê-se vista dos autos à Procuradoria-Geral da República. Brasília, 05 de junho de 2006. Ministro GILMAR MENDES Relator (RHC 88880 MC, Rel. Min. GILMAR MENDES, julgado em 05/06/2006, publicado em DJ 09/06/2006 PP-00050, grifo nosso)
Ademais, parece leviano aduzir que um direito fundamental formalmente constitucional não possui relevância suficiente para ser protegido penalmente.
O meio ambiente foi erigido à categoria de direito fundamental devido à importância que este representa na qualidade de vida das gerações presentes e futuras. Trata-se de um bem jurídico de caráter supraindividual que possui abrangência de maior amplitude, de modo que sua ofensa afeta toda uma coletividade.
É justamente por seu caráter transindividual, aliás, que o direito ambiental está entre aqueles pertencentes aos direitos fundamentais de terceira geração, direitos estes cuja titularidade é difusa.
HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. (A)TIPICIDADE DA CONDUTA. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. MANDATOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO E MODELO EXIGENTE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS EM MATÉRIA PENAL. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA DESMUNICIADA. ORDEM DENEGADA. 1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. 1.1. Mandatos Constitucionais de Criminalização: A Constituição de 1988 contém um significativo elenco de normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas normas é possível identificar um mandato de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandatos constitucionais de criminalização, portanto, impõem ao legislador, para o seu devido cumprimento, o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. 1.2. Modelo exigente de controle de constitucionalidade das leis em matéria penal, baseado em níveis de intensidade: Podem ser distinguidos 3 (três) níveis ou graus de intensidade do controle de constitucionalidade de leis penais, consoante as diretrizes elaboradas pela doutrina e jurisprudência constitucional alemã: a) controle de evidência (Evidenzkontrolle); b) controle de sustentabilidade ou justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle); c) controle material de intensidade (intensivierten inhaltlichen Kontrolle). O Tribunal deve sempre levar em conta que a Constituição confere ao legislador amplas margens de ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e necessárias para a efetiva proteção desses bens. Porém, uma vez que se ateste que as medidas legislativas adotadas transbordam os limites impostos pela Constituição – o que poderá ser verificado com base no princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) –, deverá o Tribunal exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa, declarando a inconstitucionalidade de leis penais transgressoras de princípios constitucionais. 2. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. PORTE DE ARMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALDIADE. A Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) tipifica o porte de arma como crime de perigo abstrato. De acordo com a lei, constituem crimes as meras condutas de possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo. Nessa espécie de delito, o legislador penal não toma como pressuposto da criminalização a lesão ou o perigo de lesão concreta a determinado bem jurídico. Baseado em dados empíricos, o legislador seleciona grupos ou classes de ações que geralmente levam consigo o indesejado perigo ao bem jurídico. A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa ou a medida mais eficaz para a proteção de bens jurídico-penais supraindividuais ou de caráter coletivo, como, por exemplo, o meio ambiente, a saúde etc. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Apenas a atividade legislativa que, nessa hipótese, transborde os limites da proporcionalidade, poderá ser tachada de inconstitucional. 3. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA. Há, no contexto empírico legitimador da veiculação da norma, aparente lesividade da conduta, porquanto se tutela a segurança pública (art. 6º e 144, CF) e indiretamente a vida, a liberdade, a integridade física e psíquica do indivíduo etc. Há inequívoco interesse público e social na proscrição da conduta. É que a arma de fogo, diferentemente de outros objetos e artefatos (faca, vidro etc.) tem, inerente à sua natureza, a característica da lesividade. A danosidade é intrínseca ao objeto. A questão, portanto, de possíveis injustiças pontuais, de absoluta ausência de significado lesivo deve ser aferida concretamente e não em linha diretiva de ilegitimidade normativa. 4. ORDEM DENEGADA.
(HC 104410, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 06/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-062 DIVULG 26-03-2012 PUBLIC 27-03-2012 – grifo nosso)
Ante todo o exposto, plenamente justificável a atuação coercitiva do Direito Penal, haja vista a importância do bem que se busca proteger.
As medidas penais adotadas em defesa ao meio ambiente não fogem ao essencial para garantir o direito constitucionalmente assegurado ao meio ambiente equilibrado, estando em pleno acordo aos princípios basilares que justificam a intervenção penal.
A lei 9.605, conhecida como “lei dos crimes ambientais”, estabelece as sanções penais e administrativas às quais deverá se submeter todo aquele cuja conduta provocar lesão ao meio ambiente.
No que diz respeito à nomenclatura atribuída à lei 9.605, é de bom tom esclarecer que parte dos doutrinadores prefere denominá-la apenas “lei ambiental”, tendo em vista tratar-se de lei de natureza híbrida. Seu corpo normativo é composto por normas de natureza administrativa, penal e internacional.
Esta lei é constituída por oito capítulos, dispostos da seguinte forma: I. Disposições gerais; II. Da aplicação da pena; III. Da apreensão do produto e do instrumento de infração administrativa ou de crime; IV. Da ação e do processo penal; V. Dos crimes contra o meio ambiente; VI. Da infração administrativa e: VII. Da cooperação internacional para a preservação do meio ambiente.
Embora a lei em estudo trate também de questões alheias à matéria penal, não possui relevância para o tema proposto aprofundamento nas demais matérias que a lei incorpora em seu texto normativo, de modo que a analise feita se restringirá ao seu âmbito penal, mais especificamente ao artigo 32 da lei em comento.
O crime de maus tratos está tipificado no artigo 32 da lei 9.605/98[2], consolidado no capítulo VI, “dos crimes contra o meio ambiente”, seção I – dos crimes contra a fauna”, nos seguintes termos:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Como se pode perceber, embora o tipo penal do mencionado artigo seja popularmente conhecido como “crime de maus-tratos”, trata-se na verdade de infração de menor potencial ofensivo, haja vista ser a conduta apenada com detenção de três meses a um ano, aplicada cumulativamente com multa, a ser calculada segundo critérios do Código Penal (art. 49).
Ressalte-se, também, que o tipo objetivo é composto por diversas condutas, não sendo limitado apenas à pratica de maus-tratos, em que pese seja apenas dessa forma comumente denominado.
Classifica-se doutrinariamente como sendo crime comum, comissivo de ação múltipla, material, de dano e plurissubsistente. Qualquer um pode ser autor do crime em questão, e só pode ser praticado por conduta ativa, não sendo possível a configuração do crime por ato omissivo.
Crime material, pois exige a ocorrência de um resultado. O resultado material do crime é de dano[3], porquanto requer uma lesão ao bem jurídico tutelado, não bastando para sua configuração a mera exposição do animal ao perigo.
A doutrina não é pacífica no que diz respeito à admissão da tentativa. Parece mais correto o entendimento de que não se admite, à semelhança do delito de lesões corporais dolosas, conforme observa Luís Paulo Sirvinskas[4] ao tratar do assunto.
No §1º do artigo em estudo verifica-se a existência do elemento subjetivo do injusto, pois tal dispositivo exige que a atuação se dê para fins didáticos ou científicos. Nessa hipótese, presente também o elemento normativo, tendo em vista que apenas se caracteriza o crime quando existirem recursos alternativos. Não havendo recursos alternativos, não há que se falar na pratica do crime previsto no §1º.
O bem jurídico tutelado é o ambiente, tendo como objeto material o animal silvestre, doméstico, domesticado, nativo ou exótico.
Animais domésticos são aqueles que convivem harmoniosamente com o homem, enquanto o conjunto de animais domesticados é formado por espécies que são originariamente encontradas na natureza, mas adaptaram-se ao convívio com o ser humano, de modo a converterem-se em domésticos.
Nativos são os animais típicos de determinada região, enquanto exóticos são animais “provenientes de outro local que não aquele em que se encontram”[5]. Por fim, a definição do que vem a ser fauna silvestre encontra-se expressa no §3º do artigo 29 da lei 9.605/95, nos seguintes termos:
São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.
O tipo objetivo é praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir, mutilar e realizar experiência cruel eu dolorosa em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. O Decreto nº 24.645 de 1994 traz em seu artigo 3º a definição do que se considera por maus-tratos. Nicolao Dino de Castro e Costa Neto[6] diferencia o ato de maus-tratos do de abuso da seguinte forma:
Praticar ato de abuso significa exagerar nas atividades impostas ao animal, exigindo mais do que o nível suportado pelo espécime.
(...)
Maus tratos, dessa forma, diferenciam-se do abuso, porque aqueles se caracterizam pelo exagero nos meios utilizados, e este caracteriza-se pela privação da assistência, da alimentação, e pela imposição de perigo à vida e à saúde.
Ainda, traz as seguintes definição para os atos de ferir e mutilar:
Ferir é ofender fisicamente, quer por meio de instrumento contundente, quer cortante, quer perfuro-cortante ou ferfuro-contundente. Tal ação representa a correspondente para a fauna do delito de lesão corporal existente para o ser humano.
A mutilação representa a seção de parte do corpo do animal ou perda de um membro ou função
Antes do advento da lei 9.605, o crime de maus tratos era disciplinado pela Lei das Contravenções Penais[7], em seu artigo 64, com a seguinte redação:
Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:
Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis.
§ 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao publico, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.
§ 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público.
A questão era tratada com enorme desdém, pois não obstante a inexpressiva pena atribuída ao tipo, esta poderia ser substituída pela pena de multa. Com acerto, a nova lei alterou a cominação da pena prevista e aumentou a abrangência de seu tipo penal.
Observe-se que antes, de acordo com a disposição do art. 64 da lei de contravenções penais, a submissão de animais a experiências dolorosas para fins científicos ou didáticos somente era considerada parte do tipo penal se a experiência fosse realizada em local público, condição não mais existente com a atual redação.
Outra novidade introduzida pela lei dos crimes ambientais foi que a morte do animal submetido à pratica de maus tratos se tornou causa de aumento de pena.
A lei 9.605 trouxe grandes avanços no que diz respeito à defesa dos animais, sendo este o diploma que tratou da proteção à fauna com maior fidelidade ao texto republicano até o presente momento.
Embora o artigo 32 da referida lei esteja em consonância com a norma constitucional que veda expressamente a pratica de atos que submetam animais a crueldade[8], seu conteúdo punitivo ainda se mostra insatisfatório à proteção do bem jurídico em questão, visto que práticas de maus-tratos aos animais continuam ocorrendo de modo corriqueiro.
Em que pese grande parte da população reagir com repulsa a atos de crueldade contra animais e repudiar esse tipo de comportamento, ainda há uma parcela populacional que enxerga os componentes da fauna brasileira como meros objetos, cuja existência se justifica apenas quando ensejar alguma utilidade para o ser humano. Ressalte-se que a fauna é representada não somente por animais nativos e exóticos, mas também por animais domésticos e domesticados.
É nesse contexto de amesquinhamento da vida não-humana que se desenvolvem praticas tenebrosas de tortura animal, que de tão corriqueiras, são vistas por alguns com normalidade, e chega-se ao absurdo de propor que se trata de uma questão cultural, e que, portanto, não podem ser vedadas.
Além de condutas isoladas, como o notório caso da enfermeira que agrediu seu cachorro York Shire até que o mesmo viesse a óbito, são freqüentes os casos de exposição pública de práticas abusivas, como brigas de galo, rinhas de cães, tourada, farra do boi e rodeio, práticas estas que se caracterizam como sendo um verdadeiro show de horrores.
Contrariando o esdrúxulo argumento de que a vedação de crueldade contra os animais confronta o principio da livre manifestação cultural, o Ministro Celso de Mello proferiu o seguinte voto, em caso envolvendo brigas de galo.
E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - BRIGA DE GALOS (LEI FLUMINENSE Nº 2.895/98) - LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE, PERTINENTE A EXPOSIÇÕES E A COMPETIÇÕES ENTRE AVES DAS RAÇAS COMBATENTES, FAVORECE ESSA PRÁTICA CRIMINOSA - DIPLOMA LEGISLATIVO QUE ESTIMULA O COMETIMENTO DE ATOS DE CRUELDADE CONTRA GALOS DE BRIGA - CRIME AMBIENTAL (LEI Nº 9.605/98, ART. 32) - MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA FAUNA (CF, ART. 225, § 1º, VII) - DESCARACTERIZAÇÃO DA BRIGA DE GALO COMO MANIFESTAÇÃO CULTURAL - RECONHECIMENTO DA INCONSTITUIONALIDADE DA LEI ESTADUAL IMPUGNADA - AÇÃO DIRETA PROCEDENTE. LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE AUTORIZA A REALIZAÇÃO DE EXPOSIÇÕES E COMPETIÇÕES ENTRE AVES DAS RAÇAS COMBATENTES - NORMA QUE INSTITUCIONALIZA A PRÁTICA DE CRUELDADE CONTRA A FAUNA - INCONSTITUCIONALIDADE. - A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da “farra do boi” (RE 153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente folclórico. Precedentes. - A proteção jurídico-constitucional dispensada à fauna abrange tanto os animais silvestres quanto os domésticos ou domesticados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o texto da Lei Fundamental vedou, em cláusula genérica, qualquer forma de submissão de animais a atos de crueldade. - Essa especial tutela, que tem por fundamento legitimador a autoridade da Constituição da República, é motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida, não só a do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida, não fora a vedação constitucional, por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais, como os galos de briga (“gallus-gallus”). Magistério da doutrina. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. - Não se revela inepta a petição inicial, que, ao impugnar a validade constitucional de lei estadual, (a) indica, de forma adequada, a norma de parâmetro, cuja autoridade teria sido desrespeitada, (b) estabelece, de maneira clara, a relação de antagonismo entre essa legislação de menor positividade jurídica e o texto da Constituição da República, (c) fundamenta, de modo inteligível, as razões consubstanciadoras da pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo autor e (d) postula, com objetividade, o reconhecimento da procedência do pedido, com a conseqüente declaração de ilegitimidade constitucional da lei questionada em sede de controle normativo abstrato, delimitando, assim, o âmbito material do julgamento a ser proferido pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
(ADI 1856, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-02 PP-00275 RTJ VOL-00220- PP-00018 RT v. 101, n. 915, 2012, p. 379-413 - grifo nosso)
Utilizar como argumento para a justificação desse tipo de atrocidade o aspecto cultural é um despropósito. É justamente em decorrência da cultura humana que a prática de atos cruéis contra animais passou a ser vedada e sancionada.
Muitos autores entendem que a submissão de animais à crueldade é vedada para proteger, em primeiro plano, o próprio homem e sua saúde psíquica. Isso porque a idéia de ver um animal sofrendo por práticas de crueldade humana causa desconforto ao homem.
Seja qual for o motivo da previsão, o fato é que possui natureza constitucional e deve ser respeitada. Devido à relevância que assume, é necessário que se adote medidas capazes de efetivamente proteger o bem jurídico tutelado.
A lei de crimes ambientais não vem sendo suficiente para assegurar a vedação constitucionalmente prevista, de forma que se torna imprescindível maior rigorosidade no tratamento de delitos de ordem ambiental, bem como adoção de políticas publicas que visem a conscientização populacional.
[1]SMANIO, Gianpaolo Poggio. FABRETTI, Humberto Barrionuevo. Introdução ao Direito Penal – Criminologia, Princípios e Cidadania. São Paulo: Atlas.2010, p.155.
[2] BRASIL, Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
[3] Carlos Ernani Constantino entende que no caso do §1º pode-se falar também em crime de perigo (2002, pg. 123).
[4] SIRVINSKAS, Luis Paulo, Tutela Penal do Meio Ambiente. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2002, pg. 130.
[5] PRADO, Luiz Regis. Crimes Contra o Meio Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1998. pg.52.
[6] COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e; BELLO FILHO, Ney de Barros; COSTA, Flávio Dino de Castro e. Crimes e Infrações Administrativas - comentários à Lei nº 9.605/98. 2ª Ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2001, pg. 211/212.
[7] BRASIL, Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 - lei das Contravenções Penais.
[8] CF, Art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
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