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ANÁLISE DA EXTENSÃO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI


Autoria:

Crismara Lucena Santos


Doutoranda pela Universidade Autônoma de Lisboa.Especialista em Penal e Processo Penal pela UNIASSELVI. Bacharel em Direito pela UEPB.

Resumo:

A principal indagação que esse trabalho pretende trazer é se o latrocínio deve ou não ser julgado pelo Tribunal do Júri, e quais seriam as conseqüências dessa mudança legislativa.

Texto enviado ao JurisWay em 08/07/2013.



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1  ANÁLISE DA EXTENSÃO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI

 

1.1  A extensão da competência do Tribunal do Júri na visão jurídica atual

 

A competência do Tribunal do Júri no nosso ordenamento jurídico é considerada como “reduzida”, sendo, como já dito, restrita aos crimes dolosos contra a vida. Todavia, não há proibição da ampliação do rol de crimes que poderão ser apreciados pelo Tribunal do Júri. Por meio de norma infraconstitucional, pode-se expandir a competência, atingindo, pois, crime não elencando. 

 Essa ideia de ampliar a competência é acolhida pelo preceito de que na constituição, o legislador não pretendeu limitar a competência material do júri, deixando assim, em aberto essa possibilidade. O legislador infraconstitucional, aplicando o poder constituinte derivado, pode ampliá-la para infrações diversas dos crimes dolosos contra a vida.

Isso significa que, a competência de julgar os crimes dolosos contra a vida, não pode ser retirada do júri por qualquer norma infraconstitucional, já que a mesma já foi assegurada pelo poder constituinte originário.

Os doutrinadores passam a considerar uma possível ampliação dessa competência, a ponto de cogitarem em alguns casos mais “ambiciosos”, que essa extensão alcançasse outros tipos de delito, não só os do CP, como também estendê-la à esfera cível.

Releva-se o fato de que não será permitido suprimir a jurisdição do Tribunal do Júri por meio de EC, já que é cláusula pétrea. O que não indica que não possa haver a “flexão” a mesma, desde que permitida pela CF. (NUCCI, 2007, p.578)

Existem raras exceções, como os casos específicos onde o agente pratica um crime contra a vida e não será julgado pelo Tribunal do Júri. Caso o Presidente da República pratique um homicídio, será julgado pelo STF. (Art. 52, II, CF)

“Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: no concurso entre a competência do Júri, e a de outro órgão da jurisdição, prevalece a competência do júri.” (Art. 78, CPP)

Avalia-se que nada impede que o Tribunal do Júri julgue outro crime que não exclusivamente os contra vida. Em um caso aonde o agente vem a constranger uma determinada pessoa e posteriormente pratica homicídio contra a mesma, deverá ser julgado pelo Tribunal do Júri. Porém, nota-se que tal interpretação varia de juiz para juiz.

A discussão sobre a ampliação da competência tem também acolhimento por parte dos juristas. “Acredito que esse tipo de julgamento deveria até abranger outros crimes. É democrático, conta com a participação popular e aumenta o sentido de cidadania”, diz o promotor Eduardo Rheingantz, do Primeiro Tribunal do Júri de São Paulo. (SEABRA, 2008)

Por esse e outros tantos comentários do meio jurídico, surgem idéias para que a extensão da competência do Tribunal do Júri alcance outros crimes, principalmente aqueles que se tem o resultado morte.

Lesão corporal, omissão de socorro, maus-tratos, abandono de incapaz, rixa, extorsão mediante seqüestro, estupro, estupro do vulnerável, são alguns crimes que tem a modalidade qualificadora caso haja um resultado morte.

Pelo entendimento do STF, “A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição estadual.” (Súmula 721 – STF)

 

1.2 Julgamento do crime de latrocínio pelo Tribunal do Júri

                                                                                   

A extensão da competência do Tribunal do Júri é cogitada, como já dito anteriormente, para vários outros crimes. Contudo, o mais discutido, é que essa a proposta atinja aqueles crimes praticados dolosamente que tenham resultado morte, como é o caso do latrocínio.

A intenção de alguns legisladores é incluir, entre os crimes de competências do Tribunal do Júri, o julgamento de crimes que resultem, de forma dolosa, no evento morte. Há, por exemplo, crimes previstos pelo CP contra os costumes ou contra o patrimônio que abrangem também a conduta que leva ao extermínio da vida humana como uma das conseqüências da prática criminosa. (AGÊNCIA SENADO, 2011)

Um PL 779/07, do deputado Celso Russomanno (PP-SP), desdobra a competência do Tribunal do Júri aos crimes dolosos que resultem em morte da vítima. O deputado esclarece que:

Os crimes dolosos previstos em outros capítulos do Código Penal não podem ser julgados pelo júri, mesmo que ocorra, de forma intencional, a morte da vítima. O latrocínio, por exemplo, no qual a interpretação jurídica entende que o delito em questão não é o homicídio, mas um crime contra o patrimônio, com o agravamento da pena em razão da morte. Acho que a interpretação jurisprudencial despreza por inteiro o objeto jurídico vida, o primeiro na escala de valores atribuída pelo art. 5º da Constituição. Com isso, há valorização de bens jurídicos secundários, como o patrimônio. (RUSSOMANO, 2008)

 

A tese do deputado é no mínimo razoável. É importante refletirmos sobre o fato de que a vida é imensamente mais importante do que o patrimônio, e de certa forma, classificando o latrocínio como crime contra o patrimônio, os papéis ficam invertidos.

Não se fala aqui, que o homicídio esteja sendo desconsiderado, mas que ele, de certa forma, se encontra em patamar inferior a prática do roubo. Se do exagero da violência praticada com o fim se obter a coisa alheia, a vítima vem a falecer, desconsiderar-se-ia em parte, pois, o valor ou a prática da subtração.

O criador do PL 779/2007, insiste ainda que a competência do Júri se trata de competência mínima e não exclusiva. O legislador constituinte pretendeu que o bem 'vida' fosse integralmente de responsabilidade do Júri, isto é, sem qualquer restrição do ponto de vista jurisprudencial ou doutrinário. A proposta apresentada vai ampliar a participação popular na aplicação da Justiça Penal, exercendo diretamente o poder que do próprio povo emana, conforme determina o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal. (RUSSOMANO, 2008)

Seguido o mesmo raciocínio, do legislador, alguns autores como Mota Filho, esclarece o assunto:

Outros crimes complexos que tenham como resultado morte não serão julgados pelo júri, como, por exemplo, o latrocínio (art. 157, § 3º, do CP), que é crime doloso contra o patrimônio (...). Vale acrescentar que o texto constitucional não proíbe que uma alteração da legislação ordinária transfira outros delitos para o Tribunal Popular, o que seria interessante, (...). O que o dispositivo proíbe é retirar do júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.” (MOTTA FILHO, 2008, p. 104)

 

Outro deputado, Gusman Filho, reforça a tese do colega, enfatizando que outros delitos podem ser objeto de julgamento pelo juízo monocrático, o que por certo despertaria no cidadão maior sentido de responsabilidade ao ser escolhido para julgar outros crimes com resultado morte, e, que leva a sociedade a se revoltar contra o Poder Judiciário, se tornando justo que ela também possa participar, cooperando para a ampliação de julgamentos pelo Tribunal Popular do Júri. (GUSMAN, 2008)

Por outro lado, defendendo pela manutenção da competência restritiva para julgar os crimes dolosos contra a vida, os conservadores tentam justificar, afirmando que “a intenção do legislador constituinte era proteger o bem jurídico ‘vida’, delegando-lhe a competência para processamento integralmente ao Tribunal do Júri, de forma a ampliar a participação popular na administração da Justiça Penal”. (MADEIRA, 2008)

O entendimento do STJ do estado de São Paulo é de que, ainda que reconhecida hipótese de desclassificação imprópria (o júri desclassifica o crime para outro da competência do juiz singular), o juiz presidente do Tribunal do Júri não pode julgar o latrocínio se na decisão de pronúncia não se mencionou a subtração. (HC 125.069 - STJ/SP).

O jurista e cientista criminal Luíz Flávio Gomes, justifica que “o latrocínio tem como seu principal objetivo macular o patrimônio da vítima, para tanto, o criminoso pode ferir e até matar. A morte é conseqüência, não objetivo. Por esta razão, o ordenamento deixa a cargo do juiz singular o julgamento”. (GOMES, 2008)

O Min. Jorge Mussi, defensor da não extensão da competência do Tribunal do Júri para julgar o crime de latrocínio, reafirma que a desclassificação imprópria invocada pelo presidente do Tribunal do Júri pode ser aceita como justificação para a sentença, pois, mesmo assim, decorreria a necessária alteração da competência com renovação do julgamento pelo juiz competente, mediante as garantias de ampla defesa e contraditório prévio. Tendo em vista que, na descrição da pronúncia não está manifesta a conduta latrocida, não se considera a hipótese de possível prorrogação da competência do Tribunal do Júri. (MUSSI, 2008)

Nota-se que ambos os argumentos expostos são extremamente sólidos, e mais importante tem embasamento jurídico. Ganha força nessa disputa, quem é a favor da extensão da competência, uma vez que a mais alta instância do Poder Judiciário brasileiro é, tacitamente, contra. E, acompanhando o STF, grande parte da doutrina.

A justificativa dada por alguns é a de que se a competência do Tribunal do Júri for ampliada para o julgamento do latrocínio, também deverá ser para outros crimes, já citados, que também podem resultar em morte. Sendo assim, ficaria inviável tanta modificação e alteração.

Mesmo assim, a corrente que defende a extensão, contestando essa tese, diz ser necessário que determinados crimes, principalmente o latrocínio, passem pela apreciação do Júri, devido sua gravidade, e até mesmo alta taxa de incidência.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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