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Resumo:
Este artigo científico tem por objetivo apresentar um apanhado geral sobre a história de Gregório Fortunato e as entrelinhas de seu julgamento, bem como, fatos atípicos ocorridos durante todo o processo do chamado "Anjo Negro".
Texto enviado ao JurisWay em 01/04/2013.
Última edição/atualização em 04/04/2013.
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Por Diego Augusto Bayer
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Gregório Fortunato e a relação estreita com a família Vargas. 3. O Atentado contra Carlos Lacerda, os Inquéritos e o processo até a Pronúncia. 4. O julgamento de Gregório Fortunato perante o Tribunal do Júri. 5. Considerações Finais. 6. Referências Bibliográficas. 7. Anexos.
RESUMO
Este artigo teve como objetivo relatar em primeiro plano quem foi Gregório Fortunato e qual seu relacionamento com o então presidente Getúlio Vargas, para após, expor o atentado contra Carlos Lacerda assumido por Gregório e seu julgamento perante o Tribunal do Júri. A pesquisa exploratória e bibliográfica fez com que fosse possível demonstrar com documentos históricos toda a análise dos fatos e do julgamento na íntegra até a sentença. Ao final, apresentou-se algumas ponderações acerca da importância do então presidente Getúlio Vargas para o cometimento do atentado e a confiabilidade do presidente para com Gregório Fortunato.
Palavras-chave: Anjo Negro, Presidente Getúlio Vargas, Atentado, Carlos Lacerda, Julgamento.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O personagem principal, Gregório Fortunato, um negro, que nos anos de 1950 estava sempre ao lado do então presidente Getúlio Vargas, protegendo-o como um cão de guarda, o que lhe deu uma projeção histórica muito além do que poderia se imaginar de um simples segurança, que, ao tentar ir além, tramou o atentado ao jornalista Carlos Lacerda, que determinou a morte do Presidente e mudou o rumo da história brasileira.
Este negro, tendo sido ele ou não o arquiteto do atentado contra Carlos Lacerda, tornou-se uma peça fundamental no segundo governo de Getúlio Vargas, exercendo a função de chefe da guarda pessoal do atual presidente, tendo recebido inclusive o apelido de Anjo Negro. Carlos Lacerda, jornalista intitulado como “jornalista movido pelo capital estrangeiro”, atacava sem dó e piedade o governo de Getúlio Vargas, qual havia voltado ao poder em 1951 eleito e no braços do povo, após ter sido deposto em 1945 pelo golpe de Estado cometido após quinze longos anos a frente do Estado Brasileiro.
Ao final, instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), se veria que todos os ataques do jornalista Carlos Lacerda eram fundamentados e que vários membros de diferentes escalões do governo utilizavam-se dos recursos públicos como se próprios fossem. Desta forma, muitos concluem que o atentado cometido por Gregório Fortunato na verdade não teria sido arquitetado por este, mas sim, por membros do alto escalão qual o Anjo Negro indicou somente alguns, tendo deixado outros de lado e que, após ter sido condenado a prisão, foi executado por outro preso em episódio claro de “queima de arquivo” para que não viesse a informar quem realmente teria sido o mandante do crime.
A imagem de Gregório foi criada como se este fosse o único vilão da história, papel este, que o próprio Anjo Negro assumiu. Mas, em palavras ditas ao jornal “Ultima Hora” em 14 de dezembro de 1954, este disse, deixando a dúvida no ar sobre, se seria ou não o único vilão (LIMA, 1957, p. 13):
“É PRECISO HAVER CARÁTER
Essa gente limpa, tão limpa que continua mentindo contra um homem bom que morreu, essa gente diz que eu sou sujo e que os “gregórios” são uns sujos. Mas se eu tivesse feito a sujeira que os brancos limpos do Galeão queriam que eu fizesse, dizendo a mentira que eles queriam que eu dissesse contra o Presidente Vargas, agora todo este pessoal que está doido para arrebentar os “gregórios” estaria espalhando que eu era um santo. Botariam que eu não tinha culpa, que eu era um anjo e me chamariam até de branco. Se o senhor deseja ouvir mais coisa, entreviste meu advogado que eu não sei falar bonito”.
2. GREGÓRIO FORTUNATO E A RELAÇÃO ESTREITA COM FAMÍLIA VARGAS.
Gregório Fortunato nasceu na cidade de São Borja, no Rio Grande do Sul, a 24 de maio de 1900. Filho de escravos alforriados, Damião Fortunato e Anna de Bairros Fortunato, quando tinha 3 anos de idade, seus pais deixaram a charqueada e se tornaram empregados domésticos, na estância da família Chaves, parentes do Senador Pinheiro Machado. Anna e Damião lhe deram o nome de Francisco, em homenagem ao avô materno, mas os Chaves o batizaram como afilhado de São Gregório de Nazianzeno, um dos quatro maiores doutores da Igreja Ortodoxa Grega. Todavia, o registro de Gregório só foi feito em 02 de outubro de 1929.
Após a morte de seu pai (em virtude de uma chifrada de um boi xucro na fazenda dos Chaves), Anna foi cozinhar na estância de Santos Reis, em São Borja, para o general Manuel Nascimento Vargas. Na estância dos Vargas, Gregório fez de tudo: foi campeador, ajudava a carnear, rachava lenha, conserva cercas. Durante este período tornou-se colega de brincadeiras de Benjamim Vargas (Beijo), mostrava-se amigo de Protásio Vargas e Spártaco Vargas (Patáco), mas chamava Viriato Vargas de doutor, demonstrando a distância que os separava. Getúlio Vargas, quase sempre ficava em completa mudez, não participando das brincadeiras, sentado no seu canto lendo os livros que recebia de Buenos Aires.
Dona Cândida Francisca Dorneles Vargas, mulher do general, decidiu ajuda-lo ensinando-lhe as primeiras letras. Percebia que Gregório não desejava acabar a juventude na rotina da fazenda, desta forma, encaminhou-o ao coronel Deoclécio Dorneles Motta, qual era vice intendente de São Borja e comandante do Corpo de Polícia Municipal, qual tornou Gregório peão de pátio ou mandalete.
Gregório pouco ou nada sabia dos acontecimentos políticos que mobilizavam os gaúchos. Viriato, Protásio, Spártaco, Benjamim e Getúlio tiveram aulas com professores que vinham da cidade, sendo sempre Getúlio o mais aplicado, tendo posteriormente cursado a faculdade de Direito, em Porto Alegre, tornou-se jornalista, entrou para a polícia e como orador colocava-se acima dos melhores em São Borja. Nesta época que Gregório começou a entender a necessidade dos estudos. Sua mãe, ao tomar conhecimento de que Gregório tinha lutado, sigilosamente sob as ordens do coronel Deoclécio Motta, contra os rebeldes do Caverá, entrou em pânico e convenceu a Dona Cândida a pedir a baixa do soldado Gregório para que este voltasse para casa.
Ainda empolgado com os rebeldes, conheceu a bela mulata Maria Ozídia, com quem manteve um relacionamento, qual acabou ainda antes do nascimento do filho, que se chamaria Abel Oliveira. Em 1928, quando teve a criança, Maria Ozídia não sabia por onde Gregório andava, tendo alguns dito que este estava em Porto Alegre a procura de emprego e outros que foi visto em companhia de Benjamim Vargas na Argentina.
Após dois meses, quando voltou a estância, ao invés de procurar a reconciliação com Maria Ozídia, passou a namorar a linda morena Juracy Lencina, com quem veio a casar. No momento do casamento surgiu um problema, Gregório descobriu que os Chaves que o batizaram e prometeram registrá-lo não o fizeram, tendo este sido registrado somente em 02 de outubro de 1929. Com Juracy, a quem chamava de Cy, teve um casal de filhos. Aos 29 anos, Gregório Fortunato ainda era homem sem história pessoal. Tudo o que fazia vinculava-se aos Vargas. Quando saiu da Polícia, Gregório trabalhou com Viriato Vargas no escritório de advocacia, dando recados, entregando e recebendo encomendas.
Como havia sido demitido por Viriato dos trabalhos no escritório, Gregório redobrou seus esforços no sentido de estudar. Passava horas e horas enchendo as folhas do caderno, recebendo explicações sobre a História do Brasil por parte de Juracy. Paralelamente, Juracy lhe passava deveres de Matemática e lhe falava sobre a formação social e política do país. As aulas mais puxadas eram aos domingos e feriados, tendo Gregório inclusive deixado de frequentar bares e cabarés.
Neste interim, ocorreu a revolução de 1930, que teve início após a eleição de Júlio Prestes contra Getúlio Vargas e a morte do então “presidente” da Paraíba, João Pessoa, tendo sido deflagrada uma luta sangrenta que culminou com o impedimento da posse do eleito Júlio Prestes e a formação de um Governo Provisório, tendo Getúlio se tornado o Chefe do Governo. Logo que assumiu, Getúlio suspendeu as garantias constitucionais da Constituição de 1891, passando a governar por decretos, tendo inclusive dissolvido o Congresso Nacional do Brasil, os congressos estaduais e as câmaras municipais.
Os paulistas eram simpatizantes de Júlio Prestes e não aceitavam o governo de Getúlio Vargas. Em determinada situação, quatro estudantes paulistas que protestavam contra Getúlio Vargas foram assassinados, em 23 de maio 1932, por partidários de Getúlio Vargas, tendo sido deflagrada outra revolução, denominada Revolução Constitucionalista de 1932.
Em virtude desta revolução, Gregório foi chamado a uma reunião por Benjamim Vargas para discutir como combateriam a Revolução Constitucionalista, recebendo como missão de Beijo reunir o maior número de voluntários para formar o 14º CA para combater a Revolução Constitucionalista. Pode-se dizer que neste momento começa o laço mais estreito entre Gregório e os Vargas, passando a ser homem de confiança destes. Gregório possuía uma virtude especial, a fidelidade. Durante as futuras reuniões, Gregório ficou sabendo inclusive de um episódio tido como restrito na família, que fora o assassinato cometido por Viriato Vargas, Balthazar Patrício de Bem, Protásio Vargas e Getúlio Vargas, em uma briga com Carlos de Almeida Prado, qual veio a óbito.
A partir de Julho de 1932, Benjamim Vargas e sua tropa atuaram com distinção, na região de Campinas em São Paulo e depois na Serra da Mantiqueira em Minas Gerais, sob o comando geral do então coronel Eurico Gaspar Dutra. Seu ajudante mais eficiente, leal e destemido foi Gregório Fortunato, tendo o coronel, quando terminada a luta, dobrado-lhe o soldo e lhe nomeado tenente.
Após este fato, Gregório Fortunato passou a trabalhar quase que diretamente com Benjamin Vargas, o Beijo, primeiro, ajudando-o a procurar um jornalista que se escondia na Argentina e atacava o governo de Getúlio e toda a família Vargas através de folhetins. Depois, passou a trabalhar de investigador na polícia após ter pedido ajuda a Beijo para um emprego fixo. Por fim, não dando certo na polícia em face a problemas com seu chefe, que não admitia a relação próxima de Gregório com os Vargas, passou a ajudar Beijo nos contrabandos de carros que este realizava.
Importante ressaltar que Getúlio governou por decreto até 1934, quando o Congresso recém eleito aprovou a segunda constituição republicana e o confirmou no posto, por mais quatro anos. Em 1938, durante a preparação para as eleições presidenciais, Getúlio Vargas, na intenção de não deixar o poder por qual já estava por 8 anos, juntamente com os militares Eurico Gaspar Dutra e Góes Monteiro, articularam e deram início ao denominado “Plano Cohen”, que se tratava de escritos que “alegadamente” foram encontrados por militares e que continha planos de comunistas para atacar as entidades e instituições democráticas e o Governo Republicano.
Com base neste tal “Plano”, no dia 10 de novembro, decretando estado de sítio, com apoio do Exército, Igreja e dos intelectuais de direita, Getúlio Vargas deu início ao processo do golpe, fechando logo o Congresso e tornando extintos os partidos. Pela manhã assinava a nova Constituição e a tarde o ministro de Guerra a tornava pública. No dia 15 já não havia nenhuma instituição democrática de pé, tendo a ditadura de Getúlio se alastrado, com os soldados e suas máquinas de guerra nas ruas, toque de recolher, a censura à imprensa e a proibição de reuniões.
Getúlio, que era denominado “o pai dos pobres”, se deixou absorver pelo poder e perdeu o sentido de solidariedade humana. Chegou a prender amigos que já haviam o ajudado, lembrando o comportamento de seu irmão Viriato. O irmão caçula, Benjamin, acompanhava de perto toda a movimentação política. As medidas que vinha tomando confrontava os integralistas, que, comandados por Plínio Salgado e o general Euclides Figueiredo elaboraram um contra golpe, com o objetivo de matar Getúlio Vargas, Góes Monteiro, Gaspar Dutra e Filinto Muller, os “cabeças” da ditadura. No entanto, o plano elaborado por estes falhou, e apesar de terem trocado tiros frontalmente com Getúlio Vargas, este foi salvo por seu irmão Benjamin, que matou o grupo que atacava o presidente.
Logo após o fato, Benjamin pediu para que todos se retirassem do gabinete do irmão, e sozinho com o presidente, propôs a criação de uma guarda pessoal, que ele próprio dirigiria, composta apenas de gaúchos missioneiros que tivessem admiração por Getúlio. O irmão escutou as ponderações do irmão e determinou verba para a contratação da guarda pessoal. Mas do que depressa, Benjamin endereçou telegrama a Gregório Fortunato, para que este se dirigisse rapidamente para o Rio de Janeiro, pois o cargo que sempre lhe prometera estaria a sua disposição.
Gregório arrumou suas coisas e se dirigiu a capital federal, onde, em reunião com Benjamin, fora lhe explicado o objetivo da criação da guarda pessoal. Beijo solicitou que Gregório recrutasse um contingente de uns 30 homens, fortes, destemidos e bons atiradores e se deslocou de volta ao Rio Grande do Sul para recrutar os homens solicitados por Beijo.
Traz José Louzeiro em sua obra O Anjo da Fidelidade (2000, p. 190) que Gregório Fortunato, quando voltou a São Borja para recrutar os guardas pessoais de Getúlio fora visitar o general Manoel Nascimento Vargas e em discussão com Viriato Vargas, teria dito o seguinte: “Beijo é meu velho companheiro, Dr. Viriato. Tem hora que até esqueço da cor da pele e acho que ele é meu irmão. A gente se entende e se respeita. Se algum dia for preciso ser preso pra defender o lado dele, pois teja certo que vou puxar cadeia com a consciência tranquila”.
Antes do final do mês de fevereiro já estava o Gregório Fortunato de posse de uma lista de mais de 15 homens, tendo voltado ao Rio e ficado acertado com Benjamin que a GP (Guarda Pessoal) começaria a funcionar com 20 elementos, sendo os 15 relacionados pelo Nego e 5 indicados por Benjamin. A GP ia se formando e em janeiro de 1942 já contava com 32 componentes, todos liderados por Gregório Fortunato. Neste mesmo janeiro de 1942 os componentes da Guarda Pessoal entraram em ação, durante um comício realizado na Cinelândia por Getúlio Vargas, onde ao final dos trabalhos, cinco indivíduos foram capturados e entregues a polícia de Filinto Muller, sendo dois deles integralistas que portavam armas. Pela primeira vez, Gregório assumia o papel de Anjo Negro de Getúlio.
Sete meses depois, em um comício realizado em Volta Redonda, onde estava sendo construída a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), Getúlio fez um discurso para centenas de trabalhadores, estando Gregório colado no presidente. Quando, a tarde estava indo embora, num relance, Gregório percebeu o reluzir de uma arma na mão de uma pessoa com chapéu de feltro, meteu-se na frente de Vargas ao mesmo tempo que se ouvia o estampido da arma, tendo uma bala atingido o ombro esquerdo do Nego e Getúlio nada sofrido.
Gregório e seus comandados tiveram trabalho intenso a partir de 1942. No Palácio do Catete, Getúlio chamou o Nego, elogiou-o pelo trabalho que vinha fazendo e por ter salvo sua vida e lhe deu uma nova incumbência, a partir daquele momento, nenhum estranho entraria em seu gabinete sem passar por cuidadosa triagem, comunicando a todos os seus assessores a nova tarefa do Anjo Negro.
Em 18 de julho de 1945, quanto os soldados brasileiros retornaram vitoriosos da 2ª Guerra Mundial, Getúlio Vargas e sua equipe desfilaram em carro aberto, com os elementos da Guarda Pessoal, comandados por Gregório Fortunato. No entanto, começou o inferno astral de Getúlio Vargas, pois iniciou-se a pressão para uma mudança da ditadura getulista para um regime mais democrático. Nesta época também, iniciavam-se diversas críticas ao governo de Getúlio Vargas, muitas delas vindas de um jovem jornalista, na época com 29 anos, chamado Carlos Lacerda.
A fidelidade de Gregório a Getúlio era cada vez mais forte. Conta Louzeiro (2000, p.289-290) que em certa oportunidade, o Nego chegou a barrar inclusive a filha do presidente, Alzirinha, tendo o presidente dito a ele: “Gostei de ver. Quando se dá uma ordem é para ser cumprida. Principalmente pelos que são de casa!”.
Em meados de outubro de 1945 deu-se a ruptura de Getúlio com os militares que o mantinham no poder, ao ter decidido nomear seu irmão Benjamin como sendo o chefe de Polícia do Distrito Federal. Mediante a isto, os titulares da Marinha e da Aeronáutica se uniram aos comandantes do Exército e decidiram que Getúlio deveria renunciar.
Pouco depois da meia noite do dia 28 para 29 de outubro, após o palácio do Catete ser invadido pelos militares, Getúlio assinou a carta-renúncia. Getúlio acabou retornado a sua estância do Itu em São Borja no dia 31 de outubro. No dia 02 de dezembro aconteceriam as eleições, onde os candidatos mais fortes a presidência eram Eduardo Gomes, pela UDN, e Eurico Gaspar Dutra, pela coligação PSD-PTB. Os homens fortes de Eurico Gaspar Dutra demoraram quase um mês para conseguir o apoio do ex-presidente, tendo conseguido o apoio com base em ameaças de extradição e até de prisão.
Na eleição, o eleitorado demonstrou que continuava do lado de Vargas, tendo elegido Dutra com 55% dos votos contra 32% de Gomes. Getúlio se elegera senador por dois estados e deputado federal por outros sete, tendo sempre a seu lado seu irmão Benjamin e seu Anjo Gregório. De ditador se transformou em democrata e em 1950, aos 68 anos se lançou candidato a presidência, sendo eleito com 49% dos votos contra Eduardo Gomes, tomando posse em 1951. Benjamin Vargas foi incumbido de reorganizar a Guarda Pessoal, auxiliado por Gregório Fortunato, sendo que a equipe não deveria passar de 50 integrantes, mas terminou ficando com 83.
No entanto, este segundo Governo de Getúlio Vargas fora mais conturbado do que os 15 anos que passará no poder no primeiro governo. A imprensa iniciou uma guerra contra aquele que tinha sido o tirano do Estado Novo. Já nos primeiros meses de governo Vargas, Carlos Lacerda começou a bombardear o Palácio do Catete. Não havia um dia que não se lia críticas no jornal em relação ao trabalho de Getúlio. Getúlio aparecia em público o mínimo possível. Benjamin e Gregório eram responsáveis por selecionar e fazer uma triagem das pessoas que conversariam com o presidente, o que causou ciúmes em diversos membros do Governo.
3. O ATENTADO CONTRA CARLOS LACERDA, OS INQUÉRITOS E O PROCESSO ATÉ A PRONÚNCIA
Carlos Lacerda passou a aprofundar cada vez mais as acusações contra o presidente e o jornal a Tribuna da Imprensa liderava todas as críticas. Diversos assuntos particulares que somente membros da família tinham conhecimento por diversas vezes apareceram nos jornais oposicionistas.
Não se sabe por qual mandante, mas várias tentativas foram efetuadas por Alcino, Climério e Soares para perpetrar o crime, sem que houvesse êxito em nenhuma delas. Em certa oportunidade, Carlos Lacerda denunciou a existência de uma quadrilha formada dentro do Palácio do Catete, que vendia empregos, promoções e sucateava a frota de veículos do governo. Em decorrência dessas acusações, Danton Coelho, amigo e cúmplice de Lutero Vargas (filho caçula de Getúlio), juntou-se ao empresário Euvaldo Lodi e Mendes de Morais, a fim de definirem como iriam “calar” o incomodo jornalista, pois se sentiam prejudicados; Lodi era colocado como oportunista, Lutero Vargas como bêbado habitual e Mendes de Morais como desonesto.
Em virtude dessas acusações, recorreram ao Anjo Negro com o objetivo de que este se livrasse do “incômodo”. Louzeiro (2000, p. 382) traz que Gregório riu da proposta que lhe fizeram e jamais a aceitou. Já diversos outros historiadores, com mais fervor Claudio Lacerda (1994), trazem que Gregório sabia e inclusive foi o mandante e quem selecionou os executores e os preparou para o atentado. Mas tarde se verificaria que Gregório ou foi mesmo o mandante, ou assumiu para que pessoa próxima (leia-se Benjamin Vargas) não fosse responsabilizado por mais uma de suas trapalhadas, eis que este disse por diversas vezes que seria inclusive preso pelo amigo.
Fora requisitado a Gregório que deveria levantar informações acerca dos hábitos de Lacerda, seus negócios, posicionamento político, seus discursos e de quem recebia apoio. Para tal, fora designado Climério Euribes de Almeida. A partir do final do ano de 1953, Climério iniciou a investigação e passou a seguir a vida de Lacerda. Próximo as eleições, Climério convocou José Antônio Soares para o assassinato, qual, mediante promessa de pagamento, convocou Alcino João do Nascimento, qual já havia cometido um assassinato para Soares. Deste dia em diante os três sempre andaram em conjunto.
Acontece que, no dia 04 de agosto de 1954, Alcino e Climério, sem a companhia de Soares, vão até o Externato São José (hoje Colégio Marista), na rua Barão de Mesquita, na Tijuca. Lacerda, de terno branco, chegou e fez seu discurso. No entanto, havia uma multidão, e não foi possível concretizar o crime lá. Lacerda saí do Externato acompanhado do filho Sérgio e do major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz, qual fazia a segurança à paisana de Lacerda. Climério e Alcino seguiram em um taxi de um conhecido chamado Nélson Raimundo de Souza (que era também barbeiro no Palácio do Catete). Todos seguiram até a rua Toneleros, em Copacabana.
Conforme pode se verificar dos depoimentos no processo e na obra de Cláudio Lacerda (1994, p.121-127), verifica-se que o Studebacker dirigido por Nelson para na rua Paula Freitas, transversal da rua Toneleros, e ele fica aguardando com o motor em funcionamento. Climério e Alcino vão em direção à esquina da rua Hilário Gouveia, onde ficam conversando e percebem a chegada de um carro com três pessoas que para em frente ao Edifício Albervânia. Carlos Lacerda, seu filho Sérgio e o major Vaz descem do carro. Climério atravessa à rua e para na outra calçada da rua Hilário Gouveia. Alcino caminha pela calçada oposta até a frente do edifício de Lacerda a fim de verificar se era mesmo este.
Já era dia 05 de agosto de 1954, às 0 horas e 30 minutos. Neste momento, Alcino, com um chapéu desabado, usando jaquetão cinza abotoado, caminha pela calçada pelo outro lado da rua, atravessa a rua fumando um cigarro acesso. O major Vaz vai abrir a porta do carro para entrar. Alcino começa a atirar com uma Smith&Wesson, calibre 45, tendo acertado o Major Vaz com dois tiros. Neste momento Lacerda tenta atirar em direção ao Alcino, com seu Smith&Wesson, calibre 38, mas erra os tiros. Nesta troca de tiros com Alcino, acaba Lacerda ferido no pé. Neste ponto os historiadores também discordam, sendo que uma parte alega que o tiro acertado no pé de Lacerda foram disparado por Alcino, como outros alegam que, nunca ficou provado que o tiro partiu da arma de Alcino, sendo que poderia ter sido disparado pelo próprio Lacerda que tinha uma pontaria horrível.
Depois da troca de tiros, Alcino sai correndo e Lacerda e seu filho entram no prédio. Lacerda ainda volta e descarrega o revólver em direção a Alcino, não obtendo êxito. Climério já tinha fugido e ouvira os tiros de longe. Enquanto isso, o vigilante noturno Sálvio Romeiro estava a serviço rodando nas proximidades escutou os tiros e ao se aproximar do local, viu Alcino correndo. Ao gritar para ele parar, Alcino disparou em sua direção o acertando na perna esquerda, que, mesmo caído atirou em direção ao carro em fuga e o acertou e ainda, conseguiu anotar a placa. Alcino tentou se livrar da arma embrulhada em uma flanela na Baía da Guanabara, mas a arma não caiu na Baía, ficando na ponte. Alega-se ainda, que João Valente teria recebido certa quantia em dinheiro de Gregório para que fosse entregue a Climério, Alcino e Soares, ainda lhes transmitindo informações de como se livrar da perseguição policial que se iniciara.
Com a arma encontrada e a placa do carro, o reconhecimento se tornou fácil. Foram instaurados dois inquéritos, um Inquérito Policial Civil (IPC) e outro Inquérito Policial Militar (IPM), quais ocorreram paralelamente. O primeiro a se apresentar foi o motorista Nelson, que após vários interrogatórios, indicou no dia 08 de agosto o nome de Climério. Após Climério, chegou-se no segundo suspeito Alcino, preso no dia 13 de agosto e logo após, fora acusado Gregório Fortunato como o mandante do atentado, qual foi preso em 15 de agosto. No entanto, mais do que as acusações formuladas por Alcino contra Gregório Fortunato, pesaram as fichas diárias que o Nego escrevia, a fim de melhorar sua caligrafia, que demonstravam a relação dele com as pessoas que queriam a morte de Lacerda.
O IPM foi instalado pela Aeronáutica e controlado a partir da base aérea do Galeão. Conta em seu livro, o advogado de Gregório, Carlos de Araújo Lima (1957, volume II), que durante o período em que Gregório ficou preso no Galeão este jamais pode avistar-se ou falar livremente com Gregório, que havia o constituído como seu advogado. Fora praticada diversas torturas com este, para que confessa-se, mas em nenhuma delas obtiveram êxito. Gregório reclamava a seu advogado (Louzeiro, 2000, p. 397) que durante seus depoimentos eram feitas adulterações, sendo que este dizia uma coisa e era escrita outra.
No entanto, utilizando-se de subterfúgios ilícitos, conforme confessa Carlos Lacerda em livro intitulado Depoimento (1978), recebeu a sugestão de imprimir uma edição falsa de seu jornal para pressionar Gregório. No jornal, foi efetuado dois ou três gráficos, cujo manchete era: “Bejo Vargas foge para Montevidéu, abandonando seus amigos na hora do perigo. O irmão do Presidente da República fugiu para evitar ...”. Este exemplar foi colocado em cima de uma mesa na galeria do quartel para que Gregório pudesse ler o que estava escrito, quando desabou, admitindo sua participação, mas livrando Benjamin Vargas e Getúlio de qualquer acusação.
A partir do momento em que Gregório Fortunato assumiu o papel de “o grande culpado”, os nomes do General Mendes de Morais, Danton Coelho, deputado Euvaldo Lodi, Lutero Vargas (filho de Getúlio Vargas) e Benjamin Vargas, foram desaparecendo do noticiário. Em meio a este tumulto, ecoou um tiro de revólver e o País inteiro estremeceu. Getúlio Vargas havia se suicidado no dia 24 de agosto de 1954.
No dia 19 de setembro de 1954 foi encerrado o IPM, sendo entregue o relatório final sob a presidência do Coronel Adil de Oliveira, contendo um sumário de todas as investigações realizadas e de todos os depoimentos tomados. No dia 08 de outubro de 1954, o promotor Raul de Araújo Jorge ofereceu a denúncia contra Euvaldo Lodi, Ângelo Mendes de Morais, Gregório Fortunato, Climério Euribes de Almeida, José Antônio Soares, Alcino João do Nascimento, Nelson Raimundo de Souza, João Valente de Souza e Benjamin Dornelles Vargas, quais foram enquadrados por diversos crimes, tantos os autores materiais com os intelectuais.
As defesas prévias foram apresentadas seguindo basicamente a mesma linha uma da outra e muitas testemunhas foram arroladas (LACERDA, 1994, p.262-271 e LIMA, 1957, Vol. II). A defesa de Gregório Fortunato alegou a pressão moral do general Mendes de Morais e o Deputado Euvaldo Lodi, qual teriam convencido Gregório de que o presidente corria perigo de morte com a atuação do jornalista Carlos Lacerda, não tendo sido de sua cabeça que surgiram as ideias do crime.
A defesa prévia de Soares alegou entre diversas situações, que este acusado não teve participação nos fatos e que sofreu castigos físicos durante o Inquérito Policial Militar (IPM) para assinar uma pseudo-confissão. A defesa prévia de Alcino alegou a ilegalidade do IPM e que acreditava estar prestando relevantes serviços a nação e ao presidente Getúlio Vargas, uma vez que acompanhava a Guarda Presidencial e apenas revidou atirando em favor de Climério.
A defesa prévia de João Valente também criticou o IPM e disse que este não praticou qualquer crime. A defesa prévia de Nélson Raimundo alegou não existirem provas contra ele, bem como, que dirigia casualmente o veículo de que se utilizaram os demais denunciados, ignorando os propósitos daqueles. A defesa prévia de Climério utilizou os mesmos argumentos da defesa de Alcino, alegando a ilegalidade do IPM, bem como, que sofreu torturas durante os depoimentos para assumir fatos cujo jamais fora responsável.
Evandro Lins e Silva, advogado de Lodi e do General Mendes de Morais, conseguiu livrá-los de irem a julgamento. Lodi, por suas imunidades de parlamentar, pois era deputado federal. Mendes de Morais por ser general de quatro estrelas, e portanto, sendo militar, não deveria ser julgado por um tribunal civil por crime em que morrera um militar e o processo foi mandado arquivar pelo Supremo Tribunal Militar. A Benjamin Vargas restou uma denúncia por crime de favorecimento pessoal, mas foi impetrado habeas corpus perante o Tribunal de Justiça e este o excluiu do processo.
Foram arroladas no processo 38 testemunhas, sendo 10 convocadas pela acusação e 28 pela defesa. Após a oitiva das testemunhas, os réus foram pronunciados e encaminhados para julgamento perante o Tribunal do Júri, conforme segue (LIMA, 1957, p. 23-25):
“Vistos, etc.
Na noite de 4 para 5 de agôsto de 1954, em frente ao prédio nº 180 da Rua Toneleros, nesta cidade, o jornalista Carlos Lacerda, residente nesse prédio, foi vítima de disparos de arma de fogo, produzidos com o propósito de matá-lo, o que não se logrou em virtude de circunstâncias superiores à vontade dos que o visavam. Um oficial da Aeronáutica, Major Florentino Vaz, que o acompanhava, dispôs-se a defender o jornalista, sendo alvejado e morto, com arma de fogo, no mesmo instante.
Os assassinos, depois dêsse resultado, puseram-se em fuga, correndo na direção de um automóvel que os aguardava, nas proximidades. O vigilante municipal Sálvio Romeiro, tentou detê-los, sendo por isso, atingido por disparos de arma de fogo, com o mesmo propósito homicida, agora ligado à ideia de assegurar, com a fuga, a impunidade dos crimes consumados. Impossibilitado de prender os delinqüentes, cujo número ignorava, o vigilante alvejou o carro em que viajavam, tornando fácil posterior identificação.
Como o jornalista Carlos Lacerda desenvolvia intensa campanha contra os excessos do govêrno de então, concluiu-se que os crimes deviam ter índole política, surgindo em conseqüência, suspeitas de pessoas que gozavam da intimidade do Palácio do Catete. Por ser uma das vítimas oficial da Aeronáutica, seus colegas de farda, desconfiados da atuação da Polícia Civil, empenharam-se nas diligências tendentes a identificar e prender os criminosos, instaurando-se, sem demora, um inquérito policial militar, sob a orientação de um oficial aviador mais graduado que a vítima. Estranhou-se essa intervenção das fôrças militares, na apuração de um crime da alçada da Justiça comum, mas a verdade é que, contando os criminosos com a proteção do Catete, como se evidenciou mais tarde, a Polícia não podia, em razão de suas ligações com o gôverno e principalmente com um dos criminosos – Gregório Fortunato, - agir com a independência e a presteza que o caso reclamava. Esclarecida a ocorrência, neste inquérito, instaurou-se outro na Polícia Civil. Com base nesses inquéritos, o Ministério Público ofereceu denúncia contra o General Ângelo Mendes de Morais, como instigador; contra Gregório Fortunato, Climério Eurípedes de Almeida e José Antônio Soares, por terem ajustado e determinado a prática dos crimes; contra Alcino João do Nascimento, como autor material dos delitos; contra Nélson Raimundo de Sousa, por ter dado auxílio aos delinqüentes; contra Benjamin Dorneles Vargas e João Valente de Souza, pelo crime de favorecimento pessoal. Apresentando a denúncia, o Promotor requereu que se solicitasse licença à Câmara dos Deputados, para processar o Deputado Euvaldo Lodi, por delito igual ao que se atribuía ao General Mendes de Morais.
A denúncia foi recebida com exclusão do General Mendes de Morais, sob o fundamento de que, sendo militar uma das vítimas, a competência para seu julgamento seria da Justiça Militar.
Benjamin Vargas, por meio de habeas-corpus impetrado perante a douta Segunda Instância, também foi afastado da denúncia. Com relação com o Deputado Euvaldo Lodi, a Câmara dos Deputados, até o momento, nada decidiu em Plenário, sôbre o pedido de licença. Assim o rol dos acusados nestes autos, até esta datam se resume nos seguintes nomes: Gregório Fortunato, Climério Euribes de Almeida, José Antônio Soares, Alcindo João do Nascimento, Nélson Raimundo de Souza e João Valente de Souza.
Pelos interrogatórios dos réus, no que contêm de explícito e implícito, tanto nos dois inquéritos como em Juízo, e pelos depoimentos das testemunhas, evidenciou-se que Gregório Fortunato mandou matar o jornalista Carlos Lacerda, incumbindo-se dessa tarefa, de que resultaram outros delitos, todos entrosados na execução, Climério de Almeida e José Antônio Soares, aos quais se ligou Alcino João do Nascimento, que foi quem, assistido por Climério, fêz disparos de arma de fogo, com intenção homicida contra Carlos Lacerda, Florentino Vaz e Sálvio Romeiro, matando o segundo e ferindo os outros. Igualmente esclareceu que Nélson Raimundo de Souza prestou auxílio a Climério e Alcindo, levando-os ao local do crime, ciente da empreitada, na forma do art. 25 do Código Penal, e dando fuga, após a prática dos delitos, a Alcino.
Não há dúvida também, com base nos elementos de convicção, que João Valente de Souza consumou o crime de favorecimento, conduzindo dinheiro para que os criminosos fugissem à perseguição legal das autoridades.
Pelas tentativas de morte, qualificadas contra Carlos Lacerda e Sálvio Romeiro, e pelo homicídio igualmente qualificado do aviador Florentino Vaz, respondem os réus Gregório Fortunato, Climério Euribes de Almeida, José Antônio Soares, Alcindo João do Nascimento, Nélson Raimundo de Souza, - pelo de favorecimento responde João Valente de Sousa. No processo, foram observadas as formalidade legais. O auto de exame cadavérico se encontra a fls. 55, demonstrando que o aviador faleceu em conseqüência dos tiros que recebeu. A fls. 203 e 205 (1º volume), por meio de exames de corpo de delito, prova que o jornalista e o vigilante municipal sofreram ferimentos.
Tomadas as declarações dos réus, em Juízo, foram ouvidas oito testemunhas de acusação (4º volume) e nove de defesa (4º e 5º volumes). Em face do exposto, pronuncio os réus Gregório Fortunato, Climério Euribes de Almeida, José Antônio Soares, Alcindo João do Nascimento, Nélson Raimundo de Souza, na forma da denúncia, como incurso nas sanções dos arts. 121, §2º, incisos I e IV, combinado com o art. 12, nº II, e 121, §2º, inciso IV, combinado com o art. 12 nº II, e 121, §2º incisos I, IV e V, todos do Código Penal e combinados com o art. 25 do mesmo Código. Pronuncio, ainda, João Valente como incurso na sanção do art. 348 do Código Penal, a fim de que sejam julgados pelo Júri.
Lancem-se seus nomes no rol dos culpados.
Souza Neto”
Fora apresentado o Libelo Acusatório pelo promotor Raul Araújo Jorge e a Contrariedade ao libelo-crime acusatório pelos defensores dos acusados.
4. O JULGAMENTO DE GREGÓRIO FORTUNATO PERANTE O TRIBUNAL DO JÚRI
Antes do julgamento de Gregório Fortunato, foram julgados Alcino (04 de outubro de 1956) e Climério (08 de outubro de 1956). Alcino, foi quem recebeu a maior pena, sendo condenado a 33 anos de prisão, acumulados da seguinte forma: 19 anos pelo homicídio qualificado contra o major Vaz; 12 por tentativa de homicídio contra Lacerda e 2 anos pelo delito de lesões corporais contra Sálvio Romero. Climério recebeu a mesma pena. Após o julgamento de Gregório Fortunato, foram julgados Nelson (15 de outubro de 1956), Soares (18 de outubro de 1956) e João Valente (22 de outubro de 1956). Nélson, o motorista do taxi foi condenado a 11 anos. Soares, mesmo não tendo participado do atentado, foi condenado a 26 anos (12 pela tentativa de homicídio de Lacerda, porque possuía antecedentes criminais, outros 12 pela morte do major e 2 anos pelas lesões contra Sálvio Romero). Por fim, João Valente foi condenado a apenas 2 meses pela entrega do dinheiro e auxílio a fuga.
Após dois anos e dois meses do atentado, chegou então o dia 11 de outubro de 1956, data do julgamento de Gregório Fortunato, indigitado mandante do crime da rua Toneleros, qual teve inicio às 9h10min. A despeito da grande multidão que se acotovelava diante dos portões do Foro Criminal, o número de pessoas que ocupava as dependências do Tribunal não era muito grande, graças às providências tomadas pelo presidente Sousa Neto para limitar o público através da expedição de convites numerados, correspondendo essa numeração à das cadeiras existentes no salão. Como nos julgamentos anteriores desta sessão, o policiamento era abundante e de grande eficiência, feito por elementos da Polícia Militar, Guarda Judiciária e Guarda Civil. Mediante o sorteio, foram escolhidos os seguintes jurados para compor o conselho de sentença: Otávio Augusto Luiz Martins, Francisco Galloti Peixoto, Ragadásio Tovar, Pedro Henning Cardoso, Arthur da Mota Pereira, Sebastião Guimarães de Souza e Joaquim Teixeira Mendes.
Gregório Fortunato chegou ao Tribunal sob forte escolta da Polícia Militar. Mostrava-se bem disposto, parecia calmo e estava impecavelmente trajado com um costume de gabardine creme. Não assumiu a atitude humilde nem a postura cabisbaixa preferida pelos seus dois companheiros de empreitada que o antecederam no banco dos réus. Ao contrário, sentou-se com o busto ereto e a cabeça erguida. Portando-se com toda a naturalidade e desembaraço, como se estivesse num banco de bonde ou de jardim casualmente entre dois soldados. A acusação tem a mesma composição dos dois julgamentos anteriores, isto é, o promotor Araújo Jorge auxiliado pelo deputado Adauto Lucio Cardoso e pelo criminalista Hugo Baldessarini. A defesa está a cargo dos advogados Romeiro Neto e Carlos de Araújo Lima.
O Jornal Folha da Tarde, qual efetuou a cobertura de todo o julgamento, relatou no jornal publicado em 12 de outubro de 1956
“Gregório Fortunato ergueu-se com dignidade ao ser chamado para depor. Seu falar típico de gaúcho não era facilmente captado da bancada de Imprensa, mas num grande esforço íamos anotando as declarações do "anjo negro". Negou que houvesse mandado matar Carlos Lacerda para receber dinheiro.
Em suas declarações depois de ouvir a acusação de que havia colaborado para que outrem fizesse disparos contra o major Rubens Vaz, respondeu imediatamente: "Não é verdade! Não mandei isso! Não conhecia o major". E prosseguiu em suas declarações afirmando que fora instigado pelo general Mendes de Morais, o qual afirmara que a pregação de Carlos Lacerda vinha pondo em perigo o presidente Getúlio Vargas e poderia levar o país a guerra civil e que, portanto, cabia a ele, Gregório, conjurar esse perigo para salvar Getúlio e a nação. Pensou durante três dias sobre as palavras do general Mendes de Morais. Lodi também falou no assunto, declara Gregório, porém foi repelido porque falou em dinheiro. Disse que, não sendo assassino e tendo mulher e filhos, não mataria ninguém por dinheiro. Matou sim, porém "peleando". E acrescentou que não queria mentir, referindo então o episódio em que acusa coronel Adil de haver tentado matá-lo na Base Aérea porque se recusava a transferir a culpa do general Mendes de Morais para o presidente Vargas. Disse que o coronel sacou de um revolver para ameaçá-lo sendo obstado pelo coronel Scaffa, resultando daí a qualidade de "pai branco", que foi tão comentada.
Disse que o coronel João Adil de Oliveira, vendo que com ameaças não conseguia que Gregório acusasse Getúlio Vargas, tentou fazer com que ele acusasse qualquer pessoa da família Vargas ou que lhe fosse muito chegada, como o comandante Amaral Peixoto, o deputado Danton Coelho ou o sr. João Goulart, prometendo que modificaria tudo a seu favor se fizesse tal declaração. Ante suas negativas, afirma Gregório, o coronel Adil espumava de raiva.
Declarou que não conhecia Alcino antes de ir ao Galeão. Mas conhecia Soares e supõe fosse homem de bem e trabalhador. Quando no entanto, viu sua ficha no Galeão ficou apavorado. Declarou também que nunca foi processado. Não reconheceu a arma do crime.
Voltando a falar do general, disse textualmente: "Fui procurado pelo general Mendes de Morais no Rio Negro para que desse um jeito no jornalista Carlos Lacerda para evitar que o país caísse numa guerra civil. Nunca me passou pela cabeça mandar matar ninguém, mas o general me falou de tal maneira que acabei me convencendo que era preciso matar Carlos Lacerda. Falei com Climério, que fazia parte da guarda, e mandei que ele desse um jeito no jornalista. Climério aceitou e depois eu soube que ele chamou para ajudar Soares, Alcino e João do Nascimento"”.
Gregório seguiu seu depoimento dizendo que poucos dias antes do crime Mendes de Morais lhe dissera que já tinha outra pessoa para fazer o "serviço". Por isso, quando o delegado Brandão Filho lhe telefonou, informando-o do crime, pensou que tivesse sido praticado pelo homem mandado por Mendes de Morais. Nunca imaginou que a vítima de tudo viesse a ser o major Vaz. Disse que o deputado Euvaldo Lodi insistira dias antes do crime, dizendo que se ele, Gregório, não tivesse quem praticasse o crime, o próprio Lodi faria o serviço. Logo depois de reduzidas a termo as declarações do acusado, o juiz Sousa Neto iniciou a leitura do seu relatório, que se prolongou até às 17h40, em virtude do número de documentos cuja leitura foi pedida pela defesa.
Após, a palavra foi passada ao promotor Araújo Jorge, qual leu o libelo expresso em 15 itens, acusando Gregório Fortunato de haver contribuído de algum modo para que outrem fizesse disparos de arma de fogo contra o jornalista Carlos Lacerda na noite de 4 para 5 de agosto de 1954, de que resultaram ferimentos na pessoa do jornalista e do guarda municipal Sálvio Romeiro e a morte do major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz. Em seguida, o promotor disse que era chegado o ponto culminante do processo, não pelo reflexo que podem ter na opinião pública mas pela maior culpabilidade do réu. Voltou a falar na "cadeia de constrangimento" já aludida nos julgamentos anteriores e disse que os acusados constituíam um verdadeiro bloco de constrangidos. Dizendo, a seguir: "(...) vimos Alcino transferir sua culpa para Climério e este procurar transferir um pouco da sua pesada carga para Soares. Hoje vemos Gregório transferir para os ombros agaloados do sr. general Mendes de Morais a sua culpa. Veremos que esse "preto de alma branca" procura passar a culpa para os "brancos de alma preta". Assim habilmente conduzida, a defesa coloca a acusação em posição difícil, pois transferindo sucessivamente a culpa de cada um é ela diminuída".
O Promotor Araújo Jorge expôs em sua explanação que é verdade que o general está livre do processo, em virtude do pronunciamento do ex-senador Ivo de Aquino, que promoveu o arquivamento da denúncia do processo contra ele na justiça militar, mas que os defensores dos acusados do Atentado da Rua Toneleros esquecem que há o pronunciamento do Supremo Tribunal pelo qual os crimes contra o jornalista Carlos Lacerda e o guarda são crimes comuns e o cometido contra o major é crime militar, e que a defesa do General embargou a decisão do Supremo, porém, para honra do Brasil e do general acusado, a decisão será mantida porque se ele proclama sua inocência deve desejar um julgamento que ponha termo à acusação. O general, portanto, deverá ser julgado aqui mesmo neste tribunal. Após, passou a criticar o fato haver sido feita uma longa leitura de documentos a pedido da defesa, alegando ser uma afronta ao júri, dizendo que o único objetivo era cansar os jurados.
Durante a explanação da acusação, por duas vezes faltou luz nos plenários, sem o promotor se incomodar com tal situação. O Promotor prosseguia criticando o Ministro da Justiça da época, Tancredo Neves, por ter este alegado na época que o fato teria sido apenas um incidente de rua. Em suas palavras finais, rememorou os fatos que precederam o crime e as providências tomadas pelo general Caiado de Castro para que Gregório não conseguisse fugir.
O promotor ocupou quase todo o tempo reservado a acusação restando apenas 50 minutos para seus auxiliares. O advogado de acusação Hugo Baldessarini pouco pode falar, utilizando seu tempo para sair da tribuna, aproximar-se dos jurados e ler jurisprudência e trechos de filosofia do Direito Penal, que trazia condensados em pequenas fichas de cartão. Após, por 30 minutos, o advogado de acusação Adauto Lucio Cardoso falou da colaboração de Gregório e do incentivo por ele oferecido aos desfalecimentos de Climério, para que o crime fosse executado.
A defesa iniciou seu trabalho com o discurso pronunciado pelo advogado Carlos de Araújo Lima, que principiou dizendo (LIMA, 1957, p. 70):
"Lacerda não é brasileiro senão pelo nascimento, pois trata-se, apenas, de um Agente do Capital Estrangeiro, o mesmo que pretende submeter o Brasil ao seu domínio completo, tal como denunciou, no últimos momentos de vida, o Presidente Getúlio Vargas.
Carlos Lacerda é o CRIME. Suas campanhas contra a honra alheia levam ao crime. É o único responsável pelas agressões e atentados de que foi vítima e de que faz odubo para a sua correira e a sua propaganda eleitoral.”
Em seguida, disse que a acusação considerou a leitura dos autos como uma afronta ao Júri, mas que ela é uma necessidade processual, mesmo porque era preciso que se conhecessem os documentos em que a defesa iria se basear. Depois, citou a carta escrita por Dom Helder Câmara ao jornalista Carlos Lacerda, em que o prelado adverte, como amigo e conselheiro, contra o perigo de incidir no erro de colocar suas paixões acima dos interesses nacionais e lhe dizia que não se entristecesse quando recebesse notícia de atos acertados. Fazia-lhe ver o perigo do panfletismo, do jornalismo violento e perturbador.
Alegou ainda o advogado Carlos de Araújo Lima que o arquivo de Gregório fora divulgado de maneira unilateral e justificou a juntada de documentos que tornaram mais longa a leitura dos autos, pois visavam ao restabelecimento da verdade, apresentada de um só lado, como o que foi feito na apresentação de propostas indecorosas feitas a Gregório, sem que se publicassem as respostas que dera, repelindo-as. Alegou ainda, que o “sumiço” dos arquivos de Gregório, retirados de dentro de sua sala no Catete, foram propositais, pois poderiam inocentar o acusado, e que fora publicado na imprensa apenas o que interessava aos responsáveis pelo IPM.
Ainda nas suas explanações, o advogado Lima expôs que o responsável pelo IPM, Coronel Adil de Oliveira, era completamente racista e tentou de todas as maneiras acusar o homem “preto” que tinha se tornado peça importantíssima para o governo de Getúlio. Alega que os oficiais da aeronáutica não admitem um “preto” rico como se tornou Gregório. Às 23h30min a sessão foi suspensa para um ligeiro repouso. Na volta, assumiu a tribuna o também advogado de defesa Romeiro Neto. Este iniciou sua explanação repelindo energicamente a acusação que lhe havia feito o promotor público, de haver procedido com indignidade na defesa do acusado.
Alegou a sua qualidade de advogado militante do Tribunal do Júri há 30 anos e em todo esse longo percurso de tempo só recebera manifestações de apreço, não só de seus colegas de profissão como também dos mais brilhantes vultos da magistratura. Em seguida, passou a definir a sua tese, alegando o motivo relevante que levou Gregório a encomendar a Climério o assassínio do jornalista Carlos Lacerda. Disse que não podia deixar de ser, assim considerada a fidelidade de Gregório a pessoa do presidente Getulio Vargas e, no seu entender, própria segurança e base interna da nação.
Lacerda (1994, p. 290) traz que o advogado Romeiro Brito era a “vedete” do julgamento, uma vez que o advogado Carlos de Araújo Lima fez toda a explanação técnica e histórica, coube a Romeiro Brito a função de fazer um “teatro”, a ponto de fazer cara de choro cada vez que falava o nome de Getúlio. Foi uma defesa teoricamente política.
Na réplica, o promotor Araújo Jorge, procurou refutar as alegações da defesa, afirmando com veemência que Gregório praticou o crime por dinheiro, onde, na mesma linha fora as alegações dos advogados de acusação Hugo Baldessarini e Adauto Lucio Cardoso.
Na tréplica, o advogado Carlos de Araújo Lima fez uma explanação brilhante, expondo que Gregório não participou de qualquer preparação do crime, sendo que este fora, conforme o depoimento de Climério, arquitetado exclusivamente por este último, sem qualquer interferência de Gregório, sendo por diversas vezes aplaudido pelo público presente na sessão do Tribunal, tendo a necessidade de interferência do juiz Souza Neto por diversas vezes através de enérgicos toques de sineta, ameaçando inclusive de se evacuar a sessão para se manter a ordem.
Após, falou o advogado Romeiro Neto, qual fundamentou a inocência de Gregório quanto ao homicídio contra o major Vaz em virtude de ter sido praticado única e exclusivamente por Alcino para assegurar sua fuga, bem como, as lesões sofridas pelo guarda municipal Sálvio Romeiro, e que, caso houvesse qualquer culpa de Gregório, esta deveria ser exclusivamente quanto ao atentado contra Carlos Lacerda.
Após a tréplica, o juiz-presidente procedeu à leitura das conclusões e passou à formulação dos quesitos, recolhendo-se com os jurados à sala secreta, para deliberar, somente regressando ao salão do Júri às 5 horas da madrugada.
Na sala secreta, os sete jurados votaram da seguinte forma (LIMA, 1957, p. 176-178; LACERDA, 1994, p. 290-292):
1ª Série - Série sobre Carlos Lacerda:
1º) O réu, na noite de 4 para 5 de agosto de 1954, na Rua Toneleros, nº 180, concorreu, por mando, para que outrem fizesse disparo de arma de fogo contra Carlos Lacerda, causando-lhe lesão corporal?
Resposta – Sim, por 7x0.
2º) Com essa ação, iniciou-se a execução de um homicídio, que não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente?
Resposta – Sim, por 7x0.
3º) O réu agiu inspirado em motivo de relevante valor moral ou social?
Resposta – Não, por 6x1.
4º) O crime foi cometido mediante paga ou promessa de recompensa?
Resposta – Sim, por 4x3.
5º) O crime foi cometido mediante recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima?
Resposta – Sim, por 4x3.
6º) Há circunstâncias atenuantes?
Resposta – Não, por 4x3.
2º Série – Série sobre o Major Vaz
1º) No mesmo dia, hora e local, o réu, mandando matar Carlos Lacerda, concorreu para que outrem fizesse disparos de arma de fogo contra Rubens Florentino Vaz, causando-lhe a morte?
Resposta – Sim, por 6x1.
2º) O réu agiu por imprudência, imperícia ou negligência?
Resposta – Não, por 5x2.
3º) O crime foi cometido mediante paga ou promessa de recompensa?
Resposta – Não, por 6x1.
4º) O crime foi cometido mediante recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima?
Resposta – Sim, por 5x2.
5º) O crime foi cometido para garantir a execução ou assegurar a execução ou assegurar a impunidade do crime anterior?
Resposta – Sim, por 6x1.
6º) O réu quis participar de crime menos grave
Resposta – Sim, por 4x3
7º) Há circunstâncias atenuantes?
Resposta – Não, por 6x1.
3º Série – Série sobre o guarda Sálvio Romero
1º) No mesmo dia, hora e local, o réu, mandando matar Carlos Lacerda, concorreu para que outrem fizesse disparos de arma de fogo contra Sálvio Romero, causando-lhe lesão corporal?
Resposta – Sim, por 6x1.
2º) Com essa ação, iniciou-se a execução de um homicídio, que não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente?
Resposta – Não, por 5x2.
3º) Esse crime foi cometido para assegurar a impunidade dos crimes anteriores?
Resposta - Prejudicado
4º) Há circunstâncias atenuantes?
Resposta – Prejudicado.
Às 5 horas da madrugada do dia 12 de outubro de 1956, o juiz Sousa Neto, de pé, juntamente com todo o Tribunal e o público, anunciou a decisão do Conselho de Sentença, que considerava o réu Gregório Fortunato culpado de haver colaborado para que outrem fizesse disparos de armas de fogo contra o jornalista Carlos Lacerda, ferindo-o, e ao seu acompanhante, major Rubens Florentino Vaz, que veio a falecer em consequência destes ferimentos. Foi também o réu Gregório Fortunato considerado culpado pelas lesões físicas que o guarda municipal Sálvio Romeiro recebeu de João Alcino do Nascimento.
A totalidade dessas penas, como nos julgamentos anteriores, de Alcino e Climério, somava 33 anos de reclusão. Porém, o juiz, reconhecendo que a intenção do réu era a de colaborar para crime menos grave do que o afinal sucedido, reduziu em 8 anos o montante da condenação. Assim sendo, o juiz condenou Gregório Fortunato a 19 anos de reclusão pelo homicídio, dos quais diminuiu 8 anos, em virtude da dirimente de crime menos grave; a 12 anos, pela tentativa de homicídio contra Carlos Lacerda e, finalmente, a 2 anos, pelas lesões corporais causadas ao guarda municipal.
Sua pena foi comutada para 20 anos pelo presidente Juscelino Kubitschek e, depois, para 15 anos pelo presidente João Goulart. No entanto, após já ter cumprido 8 anos de sua pena, em 23 de outubro de 1962, Gregório Fortunato foi assassinado na penitenciária Frei Caneca, no Rio de Janeiro, pelo também detento Feliciano Emiliano Damas, o que é apontado por muitos como queima de arquivo, já que o "Anjo Negro" escrevera um caderno de anotações com suas memórias, cujo objetivo era a publicação de um livro com informações e verdades jamais ditas, tendo sido o único objeto de sua propriedade que desapareceu na prisão após sua morte.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme os estudos efetuados, verificou-se que durante os primeiros depoimentos, Alcino e Climério informaram que efetuaram o atentado a mando de Lutero Vargas, mas em seus depoimentos posteriores, nada mais constou sobre isto.
Lacerda (1994, p.303) traz que Lutero Vargas apesar de todas as provas e todas as testemunhas resolveu investigar por contra própria, tendo após suas pesquisas alegado ter descoberto uma conspiração contra Getúlio Vargas, eis que Alcino era capanga de Tenório Cavalcanti e fora contratado não para matar Lacerda, e sim o militar que o acompanhava, tendo para isso recebido muitos dólares. Depois Lutero iniciou dúvidas sobre o ferimento de Lacerda, pois a deputada Ivete Vargas teria uma testemunha, Fernando Aguinaga, qual em depoimento ao CPDOC/FGV informou que não havia ferimento nenhum no pé de Carlos Lacerda e que este caminhava normalmente.
Apesar de todos os relatos posteriores querendo indicar uma conspiração para derrubar Getúlio Vargas do poder, jamais se teve a certeza de quem teria sido o mandante. Apesar da confissão de Gregório Fortunato, sempre houve dúvidas e indícios de que este teria assumido a autoria para proteger amigos que sempre disse que jamais iria trair, tal qual Benjamin Vargas e até mesmo Lutero Vargas, preferindo tão somente, delatar o deputado Euvaldo Lodi e o general Mendes de Morais.
Verificou-se também, que os inquéritos realizados foram de grande parcialidade, bem como, afrontou por completo a Constituição ao impedir que o advogado de defesa Carlos de Araújo Lima tivesse oportunidade de conversar em particular com seu cliente Gregório. Não se saberá também o envolvimento de outros indivíduos em face ao “sumiço” dos arquivos pessoais de Gregório durante o Inquérito Policial Militar. Restará também a dúvida quanto aos motivos da morte de Gregório durante o cumprimento da pena, se fora mesmo queima de arquivo, ou se foi inveja de algum outro detento pela posição que Gregório ocupou durante os governos de Getúlio.
Desta forma, tem-se a certeza que os inquéritos e julgamento de Gregório Fortunato é um caso emblemático dentro da história do Direito Brasileiro, qual jamais foi motivo de estudos aprofundados, tendo tão somente os livros já publicados expostos a versão de apenas um lado do atentado, necessitando-se de uma maior aprofundamento para a confecção de uma obra que pudesse colocar lado a lado as versões.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALDESSARINI, Hugo. Crônica de uma Época (de 1850 ao atentado contra Carlos Lacerda), São Paulo: Nacional, 1957.
COUTINHO, Lourival. O General Góes Depõe, Rio de Janeiro: Ed. Coelho Branco, 1955.
DULLES, John W. F. Carlos Lacerda, v. 1, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1992.
LACERDA, Carlos. Depoimento, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1977.
LACERDA, Cláudio. Uma Crise de Agosto: Atentado da Rua Toneleros, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1994.
LIMA, Carlos de Araújo. Os Grandes Processos do Júri. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955. Vol. II.
LIMA, Carlos de Araújo. Os Grandes Processos do Júri. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955. Vol. III.
NASCIMENTO, Alcino João do. Mataram o Presidente: Memórias do Pistoleiro que Mudou a história do Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1978.
SILVA, Hélio. Nos Braços do Povo, Rio de Janeiro, Três, 1975.
SKIDMORE, Thomas. De Getúlio a Castelo, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976.
WAINER, Samuel. Minha Razão de Viver, Rio de Janeiro, Record, 1987.
Fotografias fornecidas pelo CPDOC/FGV, Jornal Ultima Hora, Jornal do Brasil, Revista Manchete, Folha da Tarde, O Jornal, Arquivo pessoal do advogado Carlos de Araújo Lima.
Jornais Consultados: Folha da Tarde (Anos de 1954, 1955, 1956), Tribuna da Imprensa (Anos de 1954, 1955, 1956), Última Hora (Anos de 1954, 1955, 1956), O Jornal (Anos de 1954, 1955, 1956) e O Globo (Anos de 1954, 1955, 1956).
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