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O DÉBITO ENTRE SOCIEDADE E INDIVÍDUO: A Co-Culpabilidade e o Devido Processo Legal Substancial para um real acesso à justiça


Autoria:

Diego Augusto Bayer


Doutorando em Direito Penal pela UBA, Pós graduado em Direito Penal pela Uniasselvi, Pós graduado em Gestão Estratégica Empresarial pela FURB. Professor de Direito na Católica SC e Uniasselvi/Fameg. Professor de Pós Graduação na IMED.

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Resumo:

A Constituição brasileira leva consigo o fundamento de dignidade da pessoa humana que, por sua vez, irradia no seu conteúdo direitos com cunho individual e social.

Texto enviado ao JurisWay em 01/04/2013.

Última edição/atualização em 01/07/2014.



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o débito entre sociedade e indivíduo:

A Co-Culpabilidade e o Devido Processo Legal Substancial para um real acesso à justiça

 

Daniel Tambosi[1]

 

 

ResumO

A Constituição brasileira leva consigo o fundamento de dignidade da pessoa humana que, por sua vez, irradia no seu conteúdo direitos com cunho individual e social. Assim, o princípio da igualdade – que está dentre esse rol de direitos - buscou fazer com que todo ser humano fosse tratado de forma igual, tentado diminuir a desigualdade social. Entretanto, não foi isso que ocorreu na pratica. Não é de hoje que vemos o Estado dividido em classes sociais, e, nesse sentido tampouco seria inviável afirmar que o modo de organização social que fora estruturada para o homem viver em sociedade, também teria culpa nos resultados aduzidos de sua construção, sendo esse reconhecimento de culpa do Estado devida aos indivíduos que se tornam prisioneiros dela. É nesse ponto que há o choque entre a co-culpabilidade e o devido processo legal substancial, uma forma de fazer com que todos os culpados de um fato social ocorrido - que não é aprovado pela sociedade - ocorrido sejam penalizados.

Palavras chaves: Dignidade da pessoa humana, co-culpabilidade, devido processo legal

 

Introdução

            A atual carta constitucional traz consigo uma imensa gama de direitos disponíveis a sociedade brasileira, isso faz com que os direitos sejam devidos aos brasileiros. Por não garantir e efetivar todos esses direitos, o Estado brasileiro está em débito com a sociedade, vez que ao invés de promulgar a igualdade dentre os cidadãos, acaba desenvolvendo maior desigualdade social, o que pode resultar em uma parcela de responsabilidade perante os atos ilícitos ocorridos por determinados agentes. Portanto, a culpa não deve estar atribuída somente ao individuo, mas também deve ser imposta ao Estado para que, assim, possa reconhecer essa dificuldade e começar a realmente efetivar os direitos atribuídos aos seus membros.

 

Da dignidade da pessoa humana

A atual carta constitucional de 1988, com direitos e garantias de cunho liberal e social, dá à dignidade da pessoa humana status de princípio fundamento da República. A discussão atual reside em encontrar o exato conteúdo desse princípio-fundamento, pois seu caráter de abstração o torna vago quanto ao seu conteúdo mais intrínseco.

Barroso (2010, p. 27-28) leciona que a dignidade da pessoa humana tem valores que a envolvem, dentre eles os seguintes: um valor intrínseco que distingue o ser humano dos outros seres e impossibilita que ele seja tratado como objeto; uma autonomia de vontade que proporciona à pessoa fazer suas próprias escolhas e participar na vontade de formação da vontade do Estado; um valor comunitário que é o conteúdo que diz respeito a possibilidade da pessoa contribuir para a sua herança cultural que lhe serve enquanto pessoa como limitação de agir.

Sarlet define a dignidade como um mínimo que compreende um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem à pessoa segurança contra atos degradantes e desumanos sem o qual a sua existência ficaria comprometida:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos. (SARLET, 2001, p. 60)

De acordo o autor a pessoa é posta no centro do Estado, irradiando sobre ela uma série de direitos e garantias tidos por ele como fundamentais. É exatamente esse o propósito que se extrai do texto constitucional de 1988 que a partir do fundamento dignidade da pessoa humana esparge um capítulo nominado como “direitos e garantias fundamentais”, onde se encontram inseridos os direitos individuais e sociais.

Com todos esses direitos à disposição da sociedade, nasce o direito ao devido processo legal – reflexo da dignidade da pessoa humana – que busca dar um devido instrumento para aos direitos lesados, buscando, de certa forma, a igualdade entre as pessoas para o real acesso à justiça.

 

Um possível conceito de acesso à justiça

O acesso a justiça é, para Mauro Cappeletti (1988, p. 8) um sistema que deve garantir não só o acesso, mas um resultado socialmente justo: “ser igualmente acessível a todos e o sistema deve reproduzir resultados individual e socialmente justos”. Para o referido autor, o acesso a justiça prevê não só a possibilidade de acionar o Poder Judiciário, mas obter desse ao final do processo a satisfação de cunho processual e social. Tendo como item fundamental toda a condução do processo, desde custos iniciais, até toda a tramitação e morosidade na resolução.

O processo, na verdade, é um instrumento pelo qual se busca no Judiciário a reparação de um determinado direito violado. Dinamarco ao discorrer sobre a instrumentalidade do processo aduz que:

Falar em instrumentalidade do processo ou em sua efetividade significa, no contexto, falar dele como algo posto à disposição das pessoas com vista a fazê-las mais felizes (ou menos felizes), mediante a eliminação dos conflitos que as envolvem, com decisões justas (2009, p. 359)

            Portanto, acesso à justiça é conceituado não só na simples demanda, mas além das formas básicas de acessar o judiciário, como pelas formalidades processuais (garantias dos procedimentos processuais), e ainda, chegando aos resultados sobressalentes do processo, que devem ser resolvidos de forma justa, rápida e eficaz.

 

O processo em uma visão substancial

Ao se falar de devido processo legal, Dinamarco (p. 360) explana que “as partes têm verdadeiro direito ao processo, corporificado nessas regras formais do sistema processual e garantido constitucionalmente”, quais sejam, contradição e ampla defesa, razoável duração do processo, legalidade, juiz natural e outros mais. Essa é a idéia de devido processo legal em sua visão formal, conforme afirma Didier Jr.:

Há o devido processo legal formal ou procedimental, cujo conteúdo é composto pelas garantias processuais [...]: direito ao contraditório, ao juiz natural, a um processo com duração razoável etc. Trata-se da dimensão mais conhecida do devido processo legal (2011, p. 49)

            Além desse sentido, conforme leciona Didier Jr. desenvolveu-se, nos Estados Unidos, a ideia de devido processo legal substancial, que é aquele que, além de suas formalidades, gera decisões jurídicas devidas (2011, p. 49). Sob esse conceito, no Brasil, rege-se sob o fundamento de proporcionalidade e razoabilidade, sendo proporcionalidade onde surge o sentido de inibir abusos do Poder Público, observando-se a celeridade e segurança e, razoabilidade no sentido de que as leis devam ser elaboradas com justiça e razoáveis à sociedade.

            Sérgio Mattos compreende o devido processo legal substancial

Como princípio de garantia da liberdade em geral contra as arbitrariedades do Estado, que proíbe que se prejudiquem determinados direitos fundamentais, a não ser por uma justificativa suficiente [...] a “função de reconhecer e proteger direitos fundamentais implícitos como parte da liberdade assegurada pelo devido processo legal [...] concretizando, igualmente, o princípio da dignidade humana”. (apud Didier, 2011, p. 53)

            Portanto, devido processo legal é um dos desdobramentos do acesso à justiça, ou seja, o acesso a justiça também compreende um processo com uma finalização justa, adequada e que tenha por base o devido processo legal substancial, compreendido na exigência de proporcionalidade e razoabilidade (Didier Jr. 2011, p. 52) da decisão.

            Por sua amplitude, o devido processo legal se estende para todas as vertentes do Direito, adentrando, desta forma, no Direito Penal, mas com uma visão um pouco diferenciada e inovadora.

 

A responsabilidade da sociedade: a co-culpabilidade

            Como se sabe, a finalidade do direito penal está baseada na proteção de um bem jurídico tido como essencial para a sociedade, entretanto, como relata Rogério Greco, com base em Jakobs “o que está em jogo não é a proteção de bens jurídicos, mas, sim, a garantia de vigência da norma, ou seja, o agente que praticou uma infração penal deverá ser punido para que se afirme que a norma penal por ele infligida está em vigor” (2009, p. 04). Assim, para ele, o direito penal busca punir infratores e afirmar a eficácia da lei vigente.

            Acerca da culpabilidade, é valido expor que “é o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente” (Greco, 2009, p.381). Ou seja, é o principio em que “ninguém será penalmente punido, se não houver agido com dolo ou culpa, dando mostras de que a responsabilização não será objetiva, mas subjetiva” (Nucci, 2011, p. 90). Portanto, a culpabilidade é algo imposto ao individuo quando toma alguma atitude ilícita, como forma de puni-lo pela atitude que é reprovada pela sociedade.

Desta forma, a culpabilidade impõe punições sobre os indivíduos que praticam atos que não são bem vistos na sociedade moderna, atos como furtar ou roubar. Todavia, há de se expor que além do dolo próprio do agente, há uma parcela de culpa que se volta para a criação do próprio homem: o Estado.

A chamada co-culpabilidade, para Guilherme de Souza Nucci é a

Reprovação conjunta que deve ser exercida sobre o Estado, tanto quanto se faz com relação ao autor de uma infração penal, quando se verifica não ter sido proporcionada a todos igualdade de oportunidades na vida, significando, pois, que alguns tendem ao crime por falta de opção (2011, p. 305)

É nesse sentido que é possível compreender a co-culpabilidade como a responsabilidade (em parte) imposta ao Estado haja vista algumas atitudes - infrações penais - advindas de indivíduos que estão entregues à vida, que não estão sendo protegidos pelos direitos fundamentais.

Rogério Greco confirma a linha deduzida acima ao afirmar que,

A teoria da co-culpabilidade ingressa no mundo do Direito Penal para apontar e evidenciar a parcela de responsabilidade que deve ser atribuída à sociedade quando da prática de determinadas infrações penais pelos seus “supostos cidadãos”. (2009, p. 425)

Um dos desafios advindos desde o surgimento do movimento iluminista é o fim da desigualdade, tanto é que a igualdade é principio em nossa Constituição cidadã. Entretanto, ao um dos pontos que sobressaem, ao reconhecer a co-culpabilidade, é que há desigualdade social, resultando em pessoas marginalizadas pelo próprio Estado.

 

Greco vai além e afirma que,

Contamos com uma legião de miseráveis que não possuem um teto para se abrigar, morando embaixo de viadutos ou dormindo em praças ou calçadas, que não conseguem emprego, pois o Estado não os preparou ou os qualificou para que pudessem  trabalhar, que vivem a mendigar por um prato de comida, que fazem uso de bebida alcoólica para fugir à realidade que lhes é impingida (2009, p. 425)

Sem eira nem beira, para qualquer dessas pessoas a penitenciária pode ser considerada um hotel de muito luxo, ou seja, educação, moradia, trabalho e alimentação – direitos sociais garantidos constitucionalmente - realmente garantidos e efetivados pelo Estado.

 

Considerações finais      

            A dignidade da pessoa humana faz crer que todos os cidadãos devem ter um bem-estar social, atribuindo um sentido de igualdade amplo diante dos dizeres no ordenamento jurídico. Todavia, isso acaba não se aplicando a parte da população brasileira, que acaba vivendo sem proteção de sua constituição mãe.

            O Estado não protege os indivíduos que pertencem a ele e acaba criando pessoas que (sobre)vivem à mercê dos direitos e garantias fundamentais, vivendo na marginalidade, tendo de buscar uma vida melhor dentre a sociedade, que, por muitas vezes, é a única conhecida por ele – o meio ilícito. Em casos como esse, que a pessoa não vive desta forma por um bem querer, mas sim, por sobrevivência, a punição ao Estado se torna válida e vai além, é devida e justa para o cidadão.

            É aqui que se encontram entrelaçadas o co-culpabilidade com o acesso à justiça, em que, por muitas vezes, o agente pode praticar o delito por necessidade de sobrevivência, onde não existe outro meio de conseguir alimentação ou moradia (direitos esses que deveriam ser protegidos pelo Estado) resultando na única saída vital: o ato ilícito.

            Atribuir ao Estado sua determinada culpa é zelar para que num futuro os direitos previstos constitucionalmente sejam realmente efetivados, retirando o lapso entre teoria e prática, formalizando assim, o real acesso à justiça com o devido processo legal substancial inserido na vida dos brasileiros.

            Ao reconhecer que há, de fato, certa culpa do Estado, isso reflete numa possível busca para as causas disso, seja a condição social do indivíduo, seja a forma econômica, seja ela falta de educação. Um grande passo para que as pessoas possam ser realmente detentoras de direitos e deveres e, além, conhecedoras dos mesmos.

            Este reconhecimento busca evolução, tanto material quanto moral.

 

Referências bibliográficas

BARROSO, Luis Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público. Disponível em: < http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/a_dignidade_da_pessoa_humana_no_direito_constitucional.pdf >. Acesso em: 03 jul. 2013.

Bobbio, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. – 10ª reimpressão; p. 6.

CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Editora Fabris, 1988;

Didier Jr, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 13º edição. Bahia: Editora Juspodivm, 2011

Dinamarco, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2009 – 14ª edição.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – 11º ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.

MENDES, Gilmas. Recurso Extraordinário 466.343 – SP. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/re466343.pdf> Acesso em: 05 jul. 13

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral – 7º Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

Piovesan, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2000.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.



[1] Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Católica de Santa Catarina.

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