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O Poder Normativo da Justiça do Trabalho e seus reflexos para as Negociações Coletivas


Autoria:

Gisele Mancuso


Gisele Mancuso, advogada trabalhista, pós-graduada em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil e do Trabalho pela Escola Paulista de Direito.

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Texto enviado ao JurisWay em 11/03/2013.



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1.    O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA DO TRABALHO

 

 

Primeiramente, para iniciarmos esse tema, deve-se lembrarque a grande fonte de inspiração da Justiça do Trabalho brasileira foi a Carta Del Lavoro[1], datada de 1927, oriunda do sistema fascista italiano e que conferia à Justiça do Trabalho a incumbência de solucionar conflitos de trabalho, por meio da criação de normas jurídicas aplicadas ao meio laboral, conforme se transcreve:

 

“Art. V. La magistratura del lavoro è l´organo com cui lo Stato interviene a regolare le controversie del lavoro, sai che vertano sull´ oservanza dei patti e delle altre norme esistenti, sai che vertano sulla determinazione di nuove condizioni del lavoro”.

 

Desse modo, como a pedra angular deste modelo era a negação do conflito, as partes deveriam buscar a conciliação. Por isso, após o fracasso das comissões mistas de conciliação, criou-se a Justiça do Trabalho, formalmente prevista na Constituição de 1937, e que tinha por finalidade precípua exercer o poder normativo, sempre que necessário, conferido pela via constitucional, e mantido ao longo dos anos nas Constituições seguintes.

 

O poder normativo da Justiça do Trabalho sempre foi objeto de críticas e intermináveis discussões, especialmente quanto aos seus limites, já que objetiva a própria criação da norma a ser aplicada ao caso concreto, para a composição do conflito entre as partes.

 

Assim, o poder normativo acaba ganhando corpo por meios das sentenças normativas em sede de dissídios coletivos, proferidas pelos Tribunais do Trabalho, cujo teor deverá traduzir não apenas a composição do conflito,mas guardar adequação com aquela coletividade envolvida no dissídio.

 

Importante destacar que, antes da reforma trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, o § 2º do artigo 114 constitucional acusava o seguinte teor:

 

“§ 2º - Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.” (grifo nosso)

 

O trecho grifado deixou de existir, presumindo a doutrina que, o poder normativo da Justiça do Trabalho restou limitado a decidir o conflito respeitando-se “as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”, eliminando, com isto o seu poder criativo e encontrando-se limitado, conforme se observará a seguir.

 

1.1 Limites do Poder Normativo

 

Estabelece o artigo 114, § 2º da Carta Magna:

 

“§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.’

 

Do parágrafo constitucional, verifica-seo limite mínimo do poder normativo exercido pela Justiça do Trabalho, quais sejam:

a) o respeito às disposições mínimas legais de proteção ao trabalho;

b) as disposições convencionadas anteriormente.

 

Isso implica dizer que, no tocante às normas já convencionadas entre as partes, apenas estas poderão alterá-la ou extingui-la, cabendo apenas a regulação das condições de trabalho nos casos de inexistência de norma anterior, ou de sentença normativa em vigor, que também implica falar na ausência de norma coletiva pactuada entre as partes, sem a interferência do Poder Judiciário.

 

No que concerne ao limite máximo do poder normativo, cabe aos Tribunais, apenas a atuação normativa no vazio da lei, de modo que não haja sobreposição nem confronto com a legislação vigente. Contudo, há que se ressaltar que parte considerável da doutrina considera que o limite máximo deste poder, também está expressamente descrito no § 2º do artigo 114.

 

Assim, para Ronaldo Lima dos Santos[2], “haverá ‘vazio da lei’, que justifique o exercício do poder normativo, nos casos em que a norma jurídica que regulamenta determinada condição de trabalho a preveja programaticamente, sem reservar à lei ou à negociação das partes a sua regulamentação; ou, ainda que não reserve à lei, não exista no ordenamento jurídico, preceito legal específico regulamentador do instituto que se deseja ver fixado por sentença normativa”.

 

Para o Supremo Tribunal Federal as limitações impostas ao poder normativo da Justiça do Trabalho se referem:

1º: à observância dos preceitos constitucionais e

2ª: à não invasão da esfera reservada à lei (princípio da reserva legal)

 

Quer dizer com isto que, os Tribunais Trabalhistas, não podem fazer uso do poder normativo para complementação de lei preexistente e tampouco suprirem a omissão do legislador, nos casos em que a Constituição delega este poder à lei infraconstitucional. Assim, para a Corte, o vazio da lei não pode se confundir com a omissão legislativa.

 

 

2.     OS REFLEXOS DO PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA DO TRABALHO NAS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS

 

 

Conforme estudado em capítulos anteriores, os conflitos econômicos sempre foram solucionados pela via jurisdicional, tendo em vista que o poder normativo foi concebido necessariamente junto com a Justiça do Trabalho nos anos de 1930, quando o país era governado pelo então Presidente Getúlio Vargas.

 

Importante dizer, portanto, que o poder normativo, como instrumento de composição dos conflitos coletivos está presente apenas na Justiça do Trabalho, o que sempre gerou bastante discussão em torno do tema.

 

Assim, alguns juristas, como Orlando Teixeira da Costa[3], sustentaram que, tal fonte normativa, à margem da legislação, são admitidas “com a finalidade de garantir um perfeito entrosamento dos ritmos de vida do trabalho e da vida jurídica da sociedade”.

 

No entanto, sustenta o Ministro Ives Gandra Martins Filho[4]:

 

“a intervenção estatal na solução dos conflitos coletivos, tal como praticada no Brasil através do Poder Normativo da Justiça do Trabalho, tem apresentado uma série de inconvenientes, que colocam em xeque a própria eficácia e oportunidade do sistema”.

 

Ainda, o Ministro do Trabalho define como desvantagens do sistema que privilegia o poder normativo, o enfraquecimento da liberdade de negociação, o desconhecimento das condições de cada setor produtivo, bem como a demora nas decisões, a generalização das condições de trabalho e o maior índice de descumprimento da norma coletiva.

 

De outro modo, acaba por defender a manutenção deste sistema, tendo em vista a ausência de um sindicalismo forte no Brasil, além da necessidade de se superar o impasse na ausência de autocomposição entre a categoria econômica e a profissional.

 

Quanto ao poder normativo da Justiça do Trabalho, o juiz e professor Pedro Carlos Sampaio Garcia[5], assim se manifesta:

 

“a função normativa inibe a negociação coletiva entre os atores sociais, que se acomodam com a intervenção judicial e não procuram a solução autônoma para os conflitos laborais econômicos”.

 

Nesse sentir, o dissídio coletivo, em que pese a intervenção estatal por meio do uso do poder normativo da Justiça do Trabalho, ainda se reveste de alguma garantia aos trabalhadores organizados em sindicatos menores, com pequeno ou até mesmo ínfimo poder de negociação perante a categoria economicamente organizada.

 

Neste sentido, os dizeres de Bento Herculano Duarte Neto[6]:

 

“é para proteger os trabalhadores desamparados, sem uma retaguarda sindical eficaz, que se impera a necessidade de um determinado intervencionismo estatal, em relação inversamente proporcional à força dos obreiros enquanto componentes de uma categoria profissional respectiva. Quanto mais forte a categoria, menor deve ser o intervencionismo; quanto menos forte deve ser a ação do Estado”.

 

Claro está que a intenção do legislador, ao instituir tais reformas no Poder Judiciário Trabalhista, não deveria ser a de restringir o acesso à Justiça, quando na verdade, o que se realmente pretende e que pode ser considerada a “situação ideal”, é o fortalecimento dos sindicatos, para que a cultura da negociação coletiva suplante qualquer imposição ou decisão judicial, a ponto de os envolvidos enterrarem, por si próprios, tal espécie de solução de conflitos.

 

Desse modo, lembra o Desembargador Davi Furtado Meirelles, que a Emenda Constitucional nº 45/2004 ainda manteve o dissídio coletivo de natureza econômica, o que significa que está mantido, por enquanto, o poder normativo. O que podemos afirmar é que o seu uso foi restringido”.

 

O professor Davi Furtado Meirelles[7] reforça ainda que, “ao verificar que o dissídio coletivo não obteve o aceite da parte suscitada, o que deverá ser feito fundamentada e justificadamente, de acordo com o princípio da boa-fé, a função da Justiça do Trabalho passará a ser de intermediação do conflito, via negociação entre as partes, retomando o estágio anterior, porém, desta feita com a colaboração e a experiência do Judiciário Trabalhista. Em caso de recusa à negociação coletiva e não concordância com o uso do poder normativo, ambas as atitudes sem qualquer justificativa fundamentada, a parte estará agindo com má-fé, o que autoriza o julgamento do dissídio coletivo econômico pelo Tribunal competente, uma vez que o conflito coletivo precisa ser solucionado”.

 

Como enfrentado, o Brasil não possui um sindicalismo fincado em bases sólidas, capaz de enfrentar a classe patronal, a não ser por meio da greve, o que acaba por estimular o intervencionismo do Estado, por meio do ajuizamento dos dissídios coletivos e de suas sentenças normativas.

 

Por isso, alguns autores têmentendido que a intenção da Emenda Constitucional nº 45/2004, ao instituir o “comum acordo” como um novo pressuposto para o aforamento dos dissídios coletivos de natureza econômica, foi justamente o de incentivar as negociações coletivas.

 

Neste sentido, a juíza Andréa Presas Rocha[8] se manifesta da seguinte forma:

 

“Nos parece que o legislador reformador teve em mente a salutar valorização da composição dos conflitos coletivos diretamente pelas partes envolvidas, uma vez que a alteração do texto constitucional privilegia a negociação direta entre os interlocutores sociais, pondo de lado a intervenção estatal, antes aviado pelo poder normativo atribuído à Justiça do Trabalho”.

 

Também, para o já citado Professor e Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Davi Furtado Meirelles[9], não restaram dúvidas que a Emenda Constitucional nº 45/2004, preferiu a negociação coletiva em detrimento da solução jurisdicional via dissídio coletivo econômico, como forma de criação de normas jurídicas coletivas, para a solução do conflito coletivo de trabalho.

 

Nesse sentido, afirma o professor que:

 

“o legislador constitucional indicou como alternativa primeira à negociação coletiva a arbitragem, o que nos parece claro tanto no parágrafo 1º (“Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros”) quanto na parte inicial do parágrafo 2º (“Recusando qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem ...”), do seu artigo 114, antes de oferecer às partes a solução jurisdicional, via poder normativo, na sequência do mesmo parágrafo 2º. Ou seja, a exigência de “comum acordo” serviu como um alerta às partes de que a solução pela via judicial é uma exceção, a ser exercida em último caso, mas sempre por vontade delas”.

 

Esse posicionamento, aliás, se adequa ao de outros importantes juristas, como Eduardo Gabriel Saad[10], que defende uma menor intervenção do Estado e maior incentivo às negociações coletivas, conforme se transcreve:

 

“deve-se abrir campo às negociações diretas entre patrões e empregados para discutir fórmulas que superem suas divergências. E só eles – e não os juízes – sabem ao certo até que ponto a empresa pode fazer concessões sem ameaçar sua sobrevivência. Só assim os empregados ficam em condições de evitar, em muitos casos, o mal maior representado pelo desemprego”.

 

Assim, em que pesem tantas considerações, de tamanha relevância para a reflexão do assunto, visível que se o movimento sindical ainda é tímido no Brasil, não tendo poder de barganha frente ao patronato, como afirmam muitos autores, a medida mais adequada seria a manutenção da exigência do “comum acordo”, contudo, devendo haver a demonstração cabal do esgotamento das negociações para o Poder Judiciário e ao mesmo tempo, a recusa injustificada do suscitado, para que tal exigência possa ser suprida no processo, de forma incidental. 

 

No mais, qualquer que seja o caminho a ser adotado ou repensado por nossos legisladores, reprisando as palavras do professor Davi Furtado Meirelles “a exigência de 'comum acordo' serviu como um alerta às partes de que a solução pela via judicial é uma exceção, a ser exercida em último caso, mas sempre por vontade delas”.

 

Por conclusão, este último posicionamento demonstra-se bastante interessante, pois propõe que as partes envolvidas na discussão coletiva avancem no sentido de amadurecerem o espírito de negociação, a fim de comporem os conflitos de suas classes com a mínima intervenção estatal possível, pois refletirá o anseio efetivo dos envolvidos, gerando menor índice de descumprimento da norma coletiva e retirando das mãos do Estado o poder de decidir condições de trabalho tão distantes da realidade dos próprios julgadores.

 



[1] BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito judiciário do trabalho. 3ª Ed. São Paulo: LTr, 1995.

[2]  SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e Ações Coletivas. Acesso à Justiça, jurisdição coletiva e tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. São Paulo: LTr, 2003.

[3] COSTA, Orlando Teixeira. A intervenção do Poder Judiciário nos conflitos coletivos de trabalho. São Paulo: LTr, 1983.

[4] MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Processo coletivo do trabalho. 3ª Ed. São Paulo: LTr, 2003.

[5] GARCIA, Pedro Carlos Sampaio. O sindicato e o processo: a coletivização do processo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2002.

[6]  DUARTE NETO, Bento Herculano. Temas modernos de processo e direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1994.

[7]   MEIRELLES, Davi Furtado. O poder normativo do Trabalho após cinco anos da nova regra. In: Candy Florêncio Thomé e Rodrigo Garcia Schwarz (orgs.). Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: Elsevier, abril de 2010.

[8] ROCHA, Andrea Presas. Dissídios Coletivos: modificações introduzidas pela Emenda Constitucional
nº 45/2004
. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, 24 de mar. 2006. Disponível em:
http://jus.com.br/revista/texto/8147/dissidios-coletivos. Acesso em 7 de mar. 2012.

[9]    Op. cit.

[10]    SAAD, Eduardo Gabriel. Direito processual do trabalho. São Paulo: LTr, 1994.

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