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Inseminação Heteróloga: Direito a identidade genética x Direito ao Sigilo do doador


Autoria:

Jackeline De Melo Da Silva


Jackeline de Melo da Silva,Bacharela em direito pela Sociedade de Ensino Universitário do Nordeste, Advogada.

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Resumo:

O presente trabalho tem por escopo principal esclarecer as discussões existentes acerca do direito ao conhecimento da origem genética, posto em confronto com o direito ao sigilo dos doadores de gametas.

Texto enviado ao JurisWay em 24/04/2014.



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RESUMO

                                                                                                         

Este trabalho tem por escopo principal esclarecer as discussões existentes acerca da reprodução humana assistida, no que tange o direito ao conhecimento da origem genética da pessoa gerada por meio de inseminação artificial heteróloga, posto em confronto com o direito ao sigilo dos doadores de gametas masculino e/ou feminino. A presente pesquisa é de natureza bibliográfica e foi realizada através da análise de livros, artigos científicos, projetos de lei, leis, resoluções, julgados nacionais, entre outros. Dessa forma, pode-se perceber que a posição atual sobre o respectivo tema, embora ainda não pacificado, é majoritariamente em defesa do direito ao conhecimento da origem genética, tendo em vista, tratar-se de direito inerente à personalidade humana. Contudo, em razão de não ter lei que regule e garanta de forma expressa o direito ao conhecimento da ascendência genética, havendo então litigância, caberá a magistratura brasileira a decisão de qual direito deverá prevalecer, já que, ambos, tanto a busca pela ascendência genética, quanto o sigilo dos doadores de gametas, encontram-se resguardados pelo ordenamento jurídico brasileiro.

 

Palavras-Chaves: Reprodução humana assistida heteróloga, Sigilo do doador, Identidade genética.

 

 

 

ABSTRACT

 

This work has as main scope to clarify existing discussions about assisted human reproduction, as regards the right to knowledge of the genetic origin of the person generated through heterologous artificial insemination being in confrontation with the right to confidentiality of the male gamete donors and / or female. This research is a bibliographic and was performed by analysis of books, papers, bills, laws, resolutions, national trial, among others. Thus, it can be seen that the current position on its theme, though still not pacified, is mostly in defense of the right to knowledge of genetic origin, with a view that it was inherent right to human personality. However, because of having no law to regulate and guarantee explicitly the right to knowledge of genetic ancestry, then there is litigation, it will be the Brazilian judiciary to decide which law should prevail, since both, so the search for genetic ancestry , as the secrecy of donor gametes, are guarded by Brazilian law.

 

Key Words: assisted human reproduction heterologous donor Secrecy, Identity genetics.

 

 

 INTRODUÇÃO

 

A evolução biotecnológica revelou ao mundo a possibilidade da reprodução humana ocorrer através de assistência médica. Assim, milhares de casais que por motivos alheios a sua vontade não conseguiam por meios naturais ter filhos, recorreram a reprodução humana medicamente assistida para satisfazer esse desejo pessoal da maternidade e/ou paternidade.

Destarte, pode-se definir a reprodução humana assistida, como sendo a interferência do homem no processo natural da procriação. Sendo assim, quando a fecundação não é possível por meio da relação sexual (meio natural de procriação humana), esta poderá ser realizada mediante as técnicas de fecundação artificial in vivo ou in vitro. Dentre as várias técnicas utilizadas pela medicina para procriação humana, destaca-se a inseminação artificial heteróloga, ou seja, aquela realizada utilizando material genético de doadores anônimos.

Dessa forma, a presente pesquisa tem por objetivo analisar se há ou não há possibilidade da violação do sigilo das informações dos doadores anônimos, em detrimento do direito subjetivo à identidade genética da pessoa gerada por meio de inseminação artificial heteróloga, uma vez que, o direito de conhecer a origem biológica é um direito personalíssimo de toda pessoa humana, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana e nos direitos da personalidade.

Entretanto, aos doadores de gametas (masculino e feminino), garante-se o sigilo de seus dados, tendo a instituição médica responsável pelo processo artificial de reprodução, o dever de manter o segredo da identidade civil destes doadores. Portanto, percebe-se de forma latente, a colisão entre o direito de buscar a origem biológica e o direito à manutenção  do sigilo dos doadores de gametas.

Sendo assim, através de pesquisa bibliográfica, se verificará a posição atual de alguns doutrinadores, tais como, Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo, Sílvio de Salvo Venosa, entre outros. Se estes se posicionam a favor ou contra a busca da identidade genética da pessoa gerada por inseminação heteróloga.

Percebe-se que há amparo contitucional e legal tanto para se buscar o conhecimento da origem genética, por se tratar de direito inerente a personalidade humana, sendo seu conhecimento indispensável para a conquista de uma vida digna; quanto para se manter a inviolabilidade do sigilo dos doadores, sob a perspectiva de que o doador de gametas não pode ser identificado para que não se impute ao mesmo a paternidade/maternidade.

É importante ressaltar que o escopo da presente presquisa é analisar se há possibilidade de identificar o doador apenas para garantir o conhecimento da origem genética e não o conhecimento de um pai ou de uma mãe, ou seja, se seria possível a identificação do doador,sem com isso, implicar em paternidade e/ou maternidade.

Sendo assim, será elucidado na presente pesquisa, em primeiro lugar, um breve esboço sobre o histórico da reprodução humana assistida no Brasil e no mundo, seu conceito, suas espécies, e sua proteção jurídica no ordenamento brasileiro. Logo após, ver-se-á a proteção jurídica do direito de conhecer a origem genética e do direito de manutenção do sigilo, e, ainda os tipos de filiação existente no Brasil.

Por fim, será explanada a problemática ético-jurídica da reprodução humana assistida heteróloga no que concerne a colisão entre direito ao sigilo dos doadores de gametas e direito ao patrimônio genético, analisando-se ainda, alguns julgados que embasam o direito ao conhecimento da genealogia humana.

 

 

1.    REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

 

1.1 A biotecnologia e a reprodução humana assistida

Nas últimas décadas, a sociedade mundial pode contemplar grandes descobertas científicas da medicina, que trouxeram inúmeros benefícios à vida e à saúde das pessoas. Os cientistas e as clínicas do mundo inteiro trabalharam ininterruptamente cerca de 50 anos, com a finalidade de possibilitar a vitória da ciência e da técnica frente a natural impossibilidade ou dificuldade humana no ato de reprodução (PUSSI, 2008, p. 315).

A evolução acelerada da medicina, que acompanhou a evolução do mundo moderno de hoje, repercutiu bastante no universo jurídico, e, principalmente, repercutiu no âmbito do direito de família, diversas famílias, optaram pela reprodução humana assistida para satisfazer um desejo pessoal de procriação.

Nessa direção a reprodução humana assistida causou uma verdadeira revolução no campo da biotecnologia, que acabou reproduzindo seus reflexos nas estruturas familiares (DIAS, 2011, p. 366). Os novos arranjos familiares encontrados hoje, comparados aos de algumas décadas atrás, não são mais os mesmos, em razão da modificação do conceito de familia, que hoje é formado pelo critério socioafetivo e não apenas pelo critério biológico. “O critério da verdade socioafetiva é explorado pela doutrina cada vez mais. Afeto, amor, respeito, ternura, entre outros vocábulos, são usados para caracterizar o legítimo laço entre pais e filhos.” (NAMBA, 2009, p. 125). Portanto mesmo inexistindo os laços consanguíneos, a paternidade e/ou maternidade poderá ser imputada através do critério socioafetivo.

 

1.2 Breve histórico sobre a reprodução humana

O biólogo francês Jean Rostand, deixou uma grande contribuição no campo da medicina, no que concerne à reprodução; ele modificou algumas condições das técnicas de fertilização, confirmando e desenvolvendo as experiências do italiano Abade Lazzaro Spallanzani, que efetuou experiências reprodutivas em animais, demonstrando assim, a possibilidade de conservação do esperma de animais à baixa temperatura. Tempos depois, o esperma humano também foi conservado em baixa temperatura, o que possibilitou o desenvolvimento da reprodução humana assistida. (BARACHO, 2006, p. 118)

As primeiras experiências realizadas por meio das técnicas de inseminação artificial ocorreram em 1790, na Inglaterra, com a realização da primeira inseminação artificial in vivo, utilizando-se o sêmen do próprio cônjuge, dessa forma, realizava-se, naquele momento, à primeira inseminação artificial, hoje denominada homóloga. Em 1884, na Grã Bretanha, ocorreu à primeira inseminação artificial, utilizando-se o sêmen de um doador, ou seja, a primeira inseminação heteróloga (CUNHA e FERREIRA, 2012, BARACHO, 2006, p. 118).

Posteriormente, dois geneticistas Watson e Crick, desvendaram a estrutura do DNA, a partir daquele instante, deu-se o impulso que a medicina necessitava para desenvolvimento das técnicas de manipulação genética e de fertilização humana em laboratório (BARACHO, 2006, p. 118).

De acordo com Pussi (2008, p. 310 grifo nosso):

 

 

Apenas na década de 50, graças aos trabalhos de dois grandes geneticistas, de nomes Watson e Crick, foi possível desvendar a estrutura do DNA, o material genético primordial de todo ser humano. Este, pode-se afirmar, foi o marco divisor, visto que, a partir deste momento, os avanços na área genética foram espantosos e, em curto espaço de tempo, foi possível o desenvolvimento de técnicas de manipulação do material genético e de fertilização humana em laboratório, sendo que, no final da década de 1970, o mundo assistiu estupefato do que nunca se acreditou ser possível realizar: o nascimento do bebês de proveta.

 

Os avanços genéticos ocorridos no final da década de 70 propiciaram o nascimento em julho de 1978, do primeiro bebê de proveta, ou seja, aquele proveniente das técnicas de fertilização in vitro Louise Joy Brown, nasceu na cidade de Oldham, Inglaterra, graças ao trabalho dos doutores Steptoe e Edwards. Essa técnica de fertilização in vitro, também foi utilizada no Brasil, em outubro de 1984, nascendo o primeiro bebê de proveta brasileiro, chamado de Ana Paula Caldeira (PUSSI, 2008, p. 310). Foi ela a primeira criança a ser gerada pelas técnicas de reprodução artificial no Brasil, se tornando assim o marco da inseminação em nosso país.

Nos dias atuais, a reprodução humana medicamente assistida ainda não é acessível economicamente a todos que dela necessitam, devido ao seu alto custeio, porém, percebe-se que reprodução assistida é acessível no sentido de ser possível a sua busca em nosso país, pois, há vários centros médicos capacitados em diversos locais do Brasil voltados, especialmente, para realização dessa tão grandiosa inovação no campo da biotecnologia, a reprodução humana artificial.

 

1.3Conceito de Reprodução Humana Assistida

Pode-se, definir reprodução humana assistida como, métodos que são utilizados pela medicina visando interferir no processo natural da procriação. De acordo com Cunha e Ferreira (2012) “[…] é o conjunto de operações que tem o objetivo de unir, de forma artificial, os gametas femininos e masculinos, dando origem a um ser humano. […] tem como finalidade auxiliar a fertilização, colocando espermatozóides e óvulos em contato próximo”.

Sendo assim, quando a fecundação não é possível por meio da relação sexual, ou seja, quando pelo meio natural de procriação não se consegue fecundar, esta poderá ser feita mediante técnicas de fecundação artificial. “O vocábulo fecundação indica a fase da reprodução assistida consistente na fertilização do óvulo pelo espermatozóide”(GONÇALVES, 2012, p. 324).

Urge a necessidade de se demonstrar que “as expressões ‘fecundação artificial’, ‘concepção artificial’ e ‘inseminação artificial’ incluem todas as técnicas de reprodução assistida que permitem a geração da vida, independentemente do ato sexual, por método artificial, cientifico ou técnico”(DIAS, 2011, p. 366, grifo no original). Porém, é importante evidenciar a distinção existente entre esses conceitos.

Fecundação, como já mencionado acima, consiste na fertilização do gameta feminino pelo gameta masculino, seja de forma natural ou artificial, a concepção, por sua vez, se dá em um momento posterior ao da fecundação, sendo a mistura dos materias genéticos dos genitores uma representação da ocorrência da concepção (MALUF, 2010, p. 157).

 

 

É importante que se esclareça que a fecundação não ocorre imediatamente após a relação sexual. Os poucos espermatozóides que em alguns minutos chegam até a trompa, não possuem capacidade de fecundar. A fecundação ocorre na trompa e o transporte do óvulo fecundado ou fertilizado, agora chamado zigoto, requer entre 5 e 7 dias para chegar até a cavidade uterina. O zigoto, constituído por 8 ou 10 células, passa por intensa multiplicação celular durante o transporte na trompa. Ao chegar na cavidade uterina, o zigoto tem cerca de 200 células e passa a ser chamado de blastocisto. O blastocisto, então, organiza suas células em dois pólos. O primeiro com cerca de 20 células, dá origem ao embrião (pólo embrionário). O segundo, chamado trofoblasto, tem por finalidade a fusão do blastocisto com o tecido endometrial. Este processo de fusão entre o blastocisto e o endométrio é chamado implantação ou nidação. A implantação se completa entre o 11° e 12° dia após a fecundação, resultando na concepção. O conceito de concepção se aplica ao processo de nidação. A fecundação ocorre muito antes da implantação ou nidação. (DREZETT, 2012 grifos no original)

 

 

Para Lôbo (2008, p. 198), a concepção só se efetiva quando o embrião é colocado no ventre materno. “Dá-se a concepção quando se efetiva no aparelho reprodutor da mãe, ainda que o embrião tenha resultado de manipulação em laboratório (in vitro)”. Sendo assim, pode-se chegar a conclusão que a concepção é o resultado do processo natural ou artificial de fecundação.

Por fim, observa-se a diferença em relação ao processo de inseminação. Em primeiro lugar, definir à origem da palavra inseminação é de máxima relevância. Pussi (2008, p. 322, grifo no original) define:

 

 

Com relação à origem da palavra, esta deriva do latim, tendo sua gênese no verbo inseminare  formado pelo prefixo in (em) mais seminare, o qual incorpora o termo semem, que significa “semente”, “grão de semear”, “germe”, “princípio”, “origem”, “fonte”, “causa”. Sendo, então, o sentido de inseminare como o de “procriar”, “gerar”, “difundir”.(grifos no original).

 

 

Ou seja, é o procedimento inovador pelo qual se introduz na mulher, o espermatozoide (gameta masculino), para que a fertilização ocorra naturalmente no corpo materno, ou já é introduzido nela o óvulo previamente fecundado em laboratório.

Para que se entenda melhor o que é inseminação, Frediani (2000, p. 135) explica que “Entende-se por inseminação artificial o processo pelo qual se insere no gameta feminino, seja “in vitro” ou no aparelho genital da mulher, sêmen previamente recolhido”. Em suma, a reprodução humana assistida é, basicamente, aquela que é realizada sob a direção e assistência médica, buscando-se a fertilização humana, por meio dos métodos artificiais quando não se consegue de forma natural atingir os resultados almejados.

De acordo com os ensinamentos de Dias (2011, p. 366 negrito no original) “[...] reprodução medicamente assistida é utilizada em substituição à concepção natural, quando houver dificuldade ou impossibilidade de um ou de ambos de gerar. São técnicas de interferência no processo natural, dai o nome de reprodução assistida”.

A reprodução humana assistida, além de ser utilizada por casais inférteis, também poderá ser usada para evitar a transmissão de doenças genéticas degenerativas de pessoas férteis. Essa nova alternativa médica só surgiu com o aprimoramento da técnica e com a possibilidade de descodificação do DNA.

Segundo Araguaia (2012), essa possibilidade se chama aconselhamento genético, realizado por um profissional especializado ou por equipe médica especializada em genética. Avalia-se, portanto, o indivíduo a fim de identificar possíveis doenças genéticas hereditárias capazes de afetar seus descendentes se for diagnosticado esses tipos de doenças degenerativas, abre-se a oportunidade de se realizar a reprodução humana assistida, utilizando-se os embriões artificiais, havendo a possibilidade de se descartar os “defeituosos”, e usar apenas os que não possuem “defeitos”, os quais causariam as doenças degenerativas.

Ainda de acordo com Araguaia (2012), o aconselhamento é indicado para mulheres com idade acima de 35 anos que pretendem engravidar, como também para mulheres com manifestação recorrente de abortos espontâneos, parentesco entre os pais, histórico familiar de um ou mais problemas hereditários e casais inférteis em geral ou com incompatibilidade sanguínea.

 

1.4 Espécies de Reprodução Humana Assistida

 

1.4.1 Espécies Médicas

Apesar de não ser o foco principal da nossa pesquisa, é importante ressaltar as principais distinções acerca das técnicas médicas utilizadas, uma vez que o tema aqui abordado é multidisciplinar e suscita dúvidas que prescindem de esclarecimentos mais técnicos. No campo da medicina, a reprodução humana possui cinco tipos, que são: a inseminação artificial intrauterina – IIU; fertilização in vitro convencional com transferência intrauterina de embriões – FIVETE; a transferência intratubária de gametas– GIFT; a transferência intratubária de zigotos – ZIFT; e a injeção intracitoplasmática de espermatozoide – ICSI. (MALUF, 2010, p. 157).

A inseminação artificial intrauterina – IIU consiste na introdução de espermatozóides, realizada de forma artificial, no interior do canal genital feminino com a ajuda de um cateter. Essa técnica é a mais simples entre todas as técnicas de reprodução humana assistida. Por ser utilizada para casos mais simples como: de incompatibilidade do muco cervical, deficiências seminal leve ou em casos de alterações na ovulação ou na concentração espermática (MALUF, 2010, p. 157).

A fertilização in vitro convencional com a posterior transferência intrauterina dos embriões, conhecida por FIVETE, é a técnica realizada em laboratório para a confecção dos embriões de modo artificial (junção artificial do gameta feminino ao gameta masculino), com a sua futura transferência para o corpo materno. Consiste numa técnica que estimula a hiperovulação da mulher, por meio da utilização de hormônios, e, quando há a formação vários folículos maduros, estes são colhidos por punção, feita por meio de ultrassonografia endovaginal e colocados junto a espermatozóides num recipiente chamado placa de petri, onde ocorre a fecundação. Após, aproximadamente, 48 horas os embriões contendo de quatro a oito células são transferidos para a cavidade uterina. Nessa técnica, poderá haver a probabilidade de gravidez múltipla, assim como poderá ocorre aborto espontâneo. (MALUF, 2010, p. 157).

A técnica denominada transferência intratubária de gametas – GIFT consiste na transferência dos espermatozóides e óvulos imaturos, que foram previamente colhidos, para a tuba uterina da mãe, onde serão aproximados, propiciando a fertilização natural nessa região. Essa técnica é chamada de fertilização in vivo (PUSSI, 2008, p. 323).

A transferência intratubária de zigoto – ZIFT é a técnica que corresponde à retirada do óvulo da mulher para ser fecundado com o sêmen do marido/companheiro ou doador anônimo em laboratório, para, somente depois, introduzir o embrião já anteriormente fecundado in vitro, no útero da mulher. Esta técnica é chamada de fecundação in vitro.(PUSSI, 2008, p. 323).

Por fim, a técnica denominada injeção intracitoplasmática de espermatozóide – ICSI é aquela em que é realizada diretamente uma injeção de espermatozóides no citoplasma de um ovócito maduro, com a ajuda de um aparelho especial que contém microagulhas para injeção. A escolha de qual técnica será utilizada no caso concreto, irá depender exclusivamente das necessidades de cada paciente (MALUF, 2010, p. 158).

 

 

1.4.2 Espécies Jurídica

No campo jurídico, o Código Civil Brasileiro prevê dois tipos de reprodução humana medicamente assistida, realizada por meio das técnicas de inseminação artificial: a inseminação artificial homóloga e a heteróloga.

Chama-se de homóloga a inseminação feita com material genético dos próprios cônjuges ou companheiros. Para Barbosa (2011, p. 5) “a reprodução humana assistida homóloga decorre da utilização do material genético do próprio casal (óvulo e espermatozóide)”, é utilizada quando por algum motivo o casal não consegue de forma natural, através de a relação sexual chegar à fecundação, podendo-se recorre às técnicas de inseminação para que se converta a impossibilidadede procriação, na possibilidade de gerar seu próprio filho.

Segundo Venosa (2008, p. 226), a inseminação artificial homóloga “é utilizada em situações nas quais, apesar de ambos os cônjuges serem férteis, a fecundação não é possível por meio do ato sexual por várias etiologias (problemas endócrinos, impotência, vaginismo etc.)”.

No que tange às relações parentais, estas não possuem maiores complicações uma vez que a presunção de paternidade está previamente estabelecida no Código Civil de 2002, como dispõe o artigo1.597, inciso III:“Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido” (BRASIL, 2013 a).

Além da previsão legal acima mencionada, o critério biológico, ou seja, a filiação decorrente do critério consanguíneo, confirma a paternidade, uma vez que os filhos nascidos terão o mesmo material genético dos pais (doadores dos gametas).

Segundo os ensinamentos de Dias (2011, p. 367/368) “na fecundação artificial homóloga, não há necessidade de autorização do marido. A cláusula “mesmo que falecido o marido” deve ser interpretada tão somente para fins do estabelecimento da paternidade [...]”.

A discussão aqui se baseia, tão somente, quanto a inseminação post mortem que, como o próprio nome diz, é realizada após a morte do doador. De acordo com Gonçalves (2012, p.324) “[...] é realizada com embrião ou sêmen conservado, após a morte do doador, por meio de técnicas especiais.” Para Maluf (2010, p. 162/163) a discussão doutrinária em face deste tema se baseia em direitos personalíssimos.

 

 

Um desdobramento polêmico em matéria de bioética é a fecundação artificial “post mortem”,tanto em seus efeitos para a geração do filho que de antemão não conhecerá um dos genitores, fazendo-se chocar dois direitos personalíssimos, o direito à procriação e o direito à biparentalidade biológica, quanto da necessidade de autorização expressa de ambos os doadores, que deve ser irrevogável, para a utilização de seu material genético.(MALUF 2010, p. 162/163, aspas no original)

 

 

Porém, é importante ressaltar que tal discussão também tem vínculo direto com o direito sucessório, ou seja, se um herdeiro do de cujus for gerado após a sua morte, isso traria inevitáveis complicações para a sucessão de seus bens. Esse tema tem em seu bojo vários argumentos que não cabe esmiuçar neste breve estudo, uma vez que tal discussão não é o objeto principal desta pesquisa.

Por outro lado, a inseminação denominada heteróloga, é aquela que é realizada com o material genético de terceiros. Sendo assim, a inseminação artificial heteróloga ocorre quando se utiliza material genético de doadores anônimos. Como bem observa Maluf (2010, p. 163) “[...] é aquela realizada com material genético de doador, podendo ser de apenas um deles – homem ou a mulher – ou de ambos, havendo assim a transferência de embrião doado”.

Portanto, o material genético doado pode ser o óvulo ou o espermatozoide e quando o sêmen (gameta masculino) é proveniente de um doador anônimo se faz a utilização deste para a fecundação do óvulo da mulher in vitro, ou seja, em laboratório. Quando o óvulo for obtido por doação anônima se faz a fecundação deste in vitro com o sêmen do marido ou companheiro, ou poderá ocorrer do sêmen também ser doado, colhido dos bancos de espermas. “Aplica-se principalmente nos casos de esterilidade do marido, incompatibilidade do fator Rh, moléstias graves transmissíveis pelo marido etc. [...] recorre-se aos chamados bancos de esperma [...]” (VENOSA, 2008, p. 226).

Dessa forma, quando há a impossibilidade de um ou ambos, cônjuges ou companheiros, que por alguma anomalia na saúde não conseguem reproduzir naturalmente com o próprio material genético, poderão, se assim quiserem, recorrer aos bancos de doação para que seja satisfeito o desejo pessoal da paternidade e/ou maternidade.

No caso de a mulher ser casada, para que seja realizada a inseminação com o sêmen de doador anônimo, necessário se faz que o marido autorize previamente tal procedimento. Tal disposição está preceituada no artigo 1.597, inciso V do Código Civil Brasileiro de 2002 que dispõe o seguinte: “Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido” (BRASIL, 2013 a).

De acordo com Lôbo (2008, p. 200)

 

 

A lei não exige que o marido seja estéril ou, por qualquer razão física ou psíquica, não possa procriar. A única exigência é que tenha o marido previamente autorizado a utilização de sêmen estranho ao seu. A lei não exige que haja autorização escrita, apenas que seja “prévia” razão por que ser verbal e comprovada em juízo como tal. Ressalta-se a distinção entre o pater e o genitor ou doador anônimo. (grifos no original)

 

 

O consentimento, uma vez dado, não pode ser revogado e a paternidade não poderá ser impugnada pelo marido em razão do critério biológico. “A manifestação do cônjuge corresponde a uma adoção antenatal, pois revela, sem possibilidade de retratação, o desejo de ser pai” (DIAS, 2011, p. 369, negrito no original).

Se, por algum motivo, o casal vier a se separar após o consentimento do marido ou companheiro, indaga-se, se haveria ou não a possibilidade da prévia autorização ser revogada antes do embrião ter sido implantado no ventre materno. Segundo os ensinamentos de Dias (2011, p. 370) “separado o casal, é necessário reconhecer a possibilidade de revogação do consentimento, contanto que ocorra antes da implantação do embrião no ventre da mulher”.

Na inseminação artificial heteróloga a discussão doutrinária gira em torno da maternidade e/ou paternidade em razão do material genético correspondente a um terceiro, além de diversos questionamentos bioéticos referentes à inseminação heteróloga feita por famílias monoparentais.Como bem leciona Maluf (2010, p. 163)

 

 

Nessa modalidade de reprodução artificial residem os maiores conflitos notadamente no que tange à determinação das presunções de paternidade e maternidade; além de diversos questionamentos bioéticos, pois a separação do vinculo genético na parentalidade abalou a estrutura do instituto da filiação. Impõe-se aqui um importante questionamento bioético: seria lícita a concepção de um filho já sem pai, impondo-lhe a participação coercitiva na família monoparental? O direito reprodutivo da mãe sobrepõe-se ao direito à biparentalidade do filho? Difícil chegar-

se num consenso para esta resposta.

 

 

A doutrina também diverge sobre vários outros aspectos relacionados à inseminação realizada pelo método heterólogo:gravidez sub-rogada, impossibilidade de revogação do consentimento do cônjuge ou companheiro, impossibilidade de ação negatória de paternidade, entre outros temas polêmicos discutidos doutrinariamente.

No que concerne à cessão temporária do útero materno, ou a denominada “barriga de aluguel”, vislumbra-se a problemática em virtude da reprodução ser realizada no corpo de um terceiro, “alheio”, de acordo com o sistema juridico brasileiro, ao vínculo da maternidade. A exigência normativa para que se realize a cessão do útero materno está prevista na Resolução nº 2.013/13 do Conselho Federal de Medicina

 

 

As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva.

1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia; quarto grau – prima), em todos os casos respeitada a idade limite de até 50 anos.

2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.(CFM, 2013)

 

 

Sendo assim, observa-se que o grau de parentesco entre a doadora e a receptora é muito próximo e que a doação temporária do útero materno não pode ter caráter comercial, não podendo auferir a doadora do útero qualquer lucro relativo a pratica da doação do seu útero por um período de tempo (período gestacional). Dessa forma, para que a gravidez sub-rogada ocorra necessário se faz que exista o consentimento informado dos partícipes: da mãe biológica (mulher que fornecerá o óvulo), do pai biológico (marido ou companheiro da doadora) e da receptora (mulher que cederá seu ventre para gerar um filho). Dessa forma, a partir do momento que a criança nascer, esta deverá ser entregue imediatamente a mãe biológica, ou seja, a que forneceu o óvulo (MALUF, 2010, p. 164).

A busca pela gestação de forma sub-rogada, ou gravidez por substituição, segundo a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM, 2013) deverá ser a última alternativa a ser escolhida e tentada pelo casal, devendo apenas ser realizada quando não se obtêm por outras maneiras o resultado almejado. É importante frisar que esse tema, em razão da sua complexidade, é objeto de bastante discussão doutrinária e jurisprudencial e, portanto, apenas há esse breve comentário, mas, não se levará as minúcias essa questão, pois não é o alvo principal desta pesquisa.

 

1.5  Proteção jurídica

              A família, segundo artigo 226 da Constituição Federal de 1988, foi pautada como base da sociedade, tendo assim, proteção especial do Estado (BRASIL, 2013 b), a reprodução humana assistida, por sua vez, parte da estrutura contemporânea do modelo familiar e também encontra a devida proteção no ordenamento jurídico brasileiro. O amparo jurisdicional dessas técnicas de reprodução artificial está prevista na própria Constituição Federal de 1988, através dos princípios Constitucionais. Assim como o Código Civil de 2002, a Resolução do Conselho Federal de Medicina, o Código de ética médica, entre outros, protegem de forma direta e/ou indiretamente os direitos e deveres das pessoas envolvidas no processso artificial de reprodução assistida (BRASIL, 2013 a, CFM, 2013 e CFM, 2009).

              Como bem sintetizam Gasparotto e Ribeiro (2008, p. 358):

 

 

[…] dada a importância da matéria, existem algumas disposições normativas que tentam, dentro de seus limites, controlar as práticas médicas relacionadas ao tema. Tais disposições encontram-se reunidas basicamente em três diplomas: o Código de Ética Médica, a Resolução do Conselho Federal de Medicina […] e a Lei n. 8.974/95 que disciplina os processos de manipulação genética.

 

 

Portanto, nota-se que o amparo legal e Constitucional douso das técnicas de reprodução humana medicamente assistida no Brasil nada mais é que a delimitação do espaço da ciência médica em razão do controle social realizado pelo Estado através do direito. Pois, na sociedade atual, urge a necessidade de um sistema que controla, proporcionalmente e razoavelmente, práticas tão invasivas como essas de manipulação do material génetico. Ver-se-á, no próximo capítulo, um pouco mais da proteção Constitucional e infraconstitucional, enfatizada pelos princípios que dão suporte básico ao processo de reprodução humana assistida.

 

 2. A PROTEÇÃO JURÍDICA AO PATRIMÔNIO GENÉTICO, AO SIGILO DOS DOADORES DE GAMETAS E A NOVA FILIAÇÃO.

2.1 A proteção jurídica no ordenamento brasileiro

O ordenamento jurídico brasileiro é composto por um montante de normas que se subdividem em regras e princípios. É um sistema normativo onde as normas são gênero, e os princípios e as regras são espécies, os princípios são normas jurídicas com um grau de abstração muito grande, enquanto as regras são normas mais específicas, que impõem, proíbem, ou até permitem que determinada conduta seja praticada, tendo um grau de abstração mais reduzido (CANOTILHO, 2002, p. 1.143).

As regras e princípios norteiam todo o sistema jurídico brasileiro, inclusive o direito de família, os princípios possuem grande peso valorativo no sistema normativo contemporâneo e é muito importante para resolução dos litígios, principalmente, quando estamos diante de problemas que envolvem a estrutura familiar.

É de extrema valia, destacar na presente pesquisa alguns dos princípios que dão suporte ao direito de família, especialmente, no que concerne a reprodução humana assistida e a nova filiação. Ressalta-se que a personalidade humana é a sede de onde derivam todos os direitos, tais como: dignidade da pessoa humana, vida, saúde, liberdade, igualdade, afetividade e inviolabilidade da intimidade. Porém, necessário se faz frisar, que estes serão mencionados de forma breve, apenas para dar base a presente pesquisa.

 

2.2 Direitos inerentes à personalidade humana

No que concerne à personalidade humana, Diniz (2008, p. 117) explica que “A personalidade é que apoia os direitos e deveres que dela irradiam [...]”.

No mesmo sentido Pereira elucida:

 

 

Ao tratar dos direitos da personalidade, cabe ressaltar que não constitui esta ‘um direito’, de sorte que seria erro dizer-se que o homem tem direito à personalidade. Dela, porém, irradiam-se direitos, sendo certa a afirmativa de que a personalidade é o ponto de apoio de todos os direitos e obrigações. [...] (PEREIRA, 2008 a, p. 241, grifos no original).

 

 

O artigo 2º do Código Civil de 2002 dispõe que, a personalidade civil começa a partir do nascimento com vida, pondo a salvo desde a concepção os direitos do nascituro. (BRASIL, 2013 a). O que o texto da lei menciona é que a partir do nascimento com vida, se estabelece a personalidade civil, passando o indivíduo a ser sujeito de direitos e deveres, porém isso não significa que os direitos do nascituro não estejam protegidos, a própria lei põe a salvo esses direitos desde a concepção. É importante mencionar que há grandes discussões nesta seara, porém, não será esmiuçado nesta pesquisa em razão de não ser o objetivo da mesma.

Destarte, Gagliano (2009, p. 146 grifo nosso), leciona que “[...] os direitos da personalidade são outorgados a todas as pessoas, simplesmente pelo fato de existirem.”. Sendo assim, a pessoa gerada por meio do processo artificial de inseminação heteróloga, tem o direito de procurar saber sobre sua origem genética, em razão de ser esse um direito inerente à personalidade humana.

Conforme Lôbo (2010, p. 68) “Toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade de vindicar sua origem biológica para que, identificando seus ascendentes genéticos, possa adotar medidas preventivas para prevenção a saúde e, a fortiori, da vida.”. Portanto, que uma vez adquirida à personalidade, adquirem-se também direitos e obrigações intrínsecos a mesma, inclusive o direito de buscar a origem biológica, uma vez que, o conhecimento da origem genética possui natureza de direito da personalidade e não de direito à filiação.

 

2.2.1 O direito à vida

Para definir o que significa a vida, Silva (2005, p. 197) explica:

 

 

É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida.

 

 

A vida é um bem supremo, este direito está acima de qualquer outro. Consoante aos ensinamentos de Frediani (2000, p. 131), a vida é “a fonte primária de todos os outros bens jurídicos, na medida em que, de nada valeria o texto constitucional assegurar outros direitos fundamentais, tais como, à igualdade, à liberdade, à segurança e propriedade, se não dependessem tais direitos da vida humana.” Conclui-se, que a vida é o bem maior, protegido pelo direito.

A proteção a esse direito está positivado no artigo 5° caput da Constituição Federal, onde dispõe que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”(BRASIL, 2013 b, grifo nosso).

A inviolabilidade desse direito se refere a não interrupção do processo vital, por motivo alheio a ordem natural, ou seja, a vida só poderá ser interrompida pela morte natural, espontânea. Reportando-se à reprodução humana assistida, por meio de inseminação artificial heteróloga, estando a pessoa gerada por inseminação heteróloga com problemas que importe em risco à vida, o sigilo dos doadores deverá ser quebrado e não poderá prevalecer face ao direito fundamental à vida. 

De acordo com Maluf (2010, p. 86) “ [...] o direito à vida prevalece então em face dos outros direitos nos casos de conflito.” Portanto, sempre haverá a proteção do direito à vida em detrimento de qualquer outro direito, mesmo quando ambos forem amparados por princípios fundamentais, o direito à vida sempre prevalecerá por ser este o maior bem protegido pelo direito.

 

2.2.2 A dignidade da pessoa humana

Dos direitos inerentes a personalidade, a dignidade da pessoa humana foi pautada como princípio fundamental da República Federativa do Brasil, ganhando posição de destaque no rol do artigo 1°, inciso III da Constituição Federal de 1988. (BRASIL, 2013 b).

Toda pessoa humana tem direito fundamental à vida e, esta deve ser vivida dignamente com total satisfação de suas necessidades humanas. Inclusive, no que concerne a possível necessidade da pessoa gerada por meio de inseminação artificial heteróloga de conhecer a própria ascendência genética, para Lôbo (2010, p. 70) o fundamento para se buscar o conhecimento da origem genética, com o intuito exclusivo de tutela do direito da personalidade, é a dignidade da pessoa humana, e esta só será plena quando se conhece sua origem.

Portanto, percebe-se que o princípio da dignidade da pessoa humana abrange a máxima proteção ao ser humano, este princípio demonstra que a vida humana deve ser respeitada e protegida sob a perspectiva de que por meio do respeito a vida se alcance também a dignidade humana.

 

2.2.3 O direito a igualdade

O artigo 5º caput da Constituição Federal de 1988, consagra os princípios da igualdade, o qual retrata a igualdade entre todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil. Tendo ainda, enfatizado no seu artigo 227, parágrafo 6º a igualdade entre filhos. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” (BRASIL, 2013 b).

Seguindo o mesmo parâmetro, o código civil de 2002 confirmou o tratamento igualitário entre os filhos, reproduzindo o mesmo texto constitucional no artigo 1.596 do referido diploma legal. Tal artigo engloba também (fazendo-se assim, uma interpretação ampliativa do texto Constitucional) a igualdade de direitos referentes aos filhos havidos por inseminação artificial.

Ou seja, não há distinção entre filhos, todos são iguais, sejam eles gerados pelo processo natural (conjunção carnal) dentro ou fora do matrimônio, gerados de forma artificial, pela reprodução humana assistida, ou trazidos ao seio familiar através da adoção.

A forma ou o processo que leva a configuração da filiação não importa, ou seja, uma vez filho, sempre filho. Sendo assim, devem ser resguardados os mesmos direitos aos filhos provenientes da reprodução natural e da reprodução artificial, inclusive, no que concerne ao direito de conhecimento da origem genealógica.

 

2.2.4  O direito a liberdade

O direito a liberdade positivado constitucionalmente garante ao indivíduo, a livre manifestação de pensamento, a livre locomoção em território nacional em tempos de paz, liberdade de expressão de opinião, liberdade do exercício profissional, liberdade de dispor de seus próprios bens, de seu corpo, de seu patrimônio, inclusive do genético.

A liberdade do indivíduo de dispor de seu patrimônio genético inclui a liberdade de doar gametas, tanto o masculino (sêmen), quanto o feminino (óvulos) para serem fecundados posteriormente in vivo ou in vitro.

 

A expressão patrimônio genético significa:

 

 

[…]o conjunto de elementos que formam o ácido desoxirribonucleico – DNA, que é o possuidor da informação genética, que caracteriza um organismo, manifestando-se através de fenótipos e genótipos [...] fenótipos são as informações que caracterizam as expressões externas de um organismo, suas características físicas, como orelhas, cabelos, cor de olhos, sexo etc. genótipos são as informações que se transmitem de uma geração a outra, um composto de vários genes, que possuem propriedades químicas e físicas especificas. (Lehninger, 1977 apud  Frediani, 2000, p. 130)

 

 

Verifica-se, ainda que da mesma forma que há a liberdade de doar gametas, há liberdade da pessoa gerada por esses gametas doados de buscar conhecer suas origens genéticas, seja porque há risco à vida, ou por pura curiosidade humana, em virtude do direito da personalidade e da dignidade da pessoa humana.

 Entretanto, da forma que a biotecnologia vem se desenvolvendo cada dia mais, e a manipulação do material genético vem sendo frequentemente utilizada, urge a necessidade cada vez maior de que essas técnicas sejam utilizadas respeitando os direitos inerentes a personalidade, assim como a dignidade da pessoa humana e liberdade (FREDIANI, 2000, p. 130 e BARACHO, 2006, p. 113).

Portanto, o direito a liberdade demonstra que todas as pessoas possuem liberdade para contrair obrigações e também liberdade para buscar a satisfação de direitos através da via judicial, porém, nem sempre tais pretensões serão satisfeitas, este é o princípio do livre acesso à justiça positivado no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal (BRASIL, 2013 b), ou seja, o indivíduo possui a liberdade de pleitear em juízo qualquer direito que se ache detentor, cabendo ao judiciário deferir ou indeferir tal pretensão.

 

2.2.5  O princípio da afetividade

Atualmente, o princípio afetividade ganhou destaque no ordenamento jurídico brasileiro, agora a filiação poderá ser constituída com base no critério socioafetivo e não apenas com base no critério biológico. A paternidade e a maternidade biológica cedeu espaço para a paternidade/maternidade socioafetiva.

 Consoante Venosa:

 

 

Assim como na adoção, a paternidade deve ser vista como um ato de amor e desapego material, e não simplesmente como fenômeno biológico e científico, sob pena de revivermos odiosas concepções de eugenia que assolaram o mundo em passado não muito remoto. Nesse sentido a doutrina refere-se à paternidade socioafetiva. (VENOSA, 2008, p. 225)

 

 

Dessa forma, não mais se define a filiação apenas levando em consideração o parentesco consanguíneo, tal definição está atualmente vinculada ao fator da socioafetividade, sendo assim, o convívio e a relação de afeto entre pais e filhos de forma pública e notória dentro da sociedade é o bastante para que se configure a filiação socioafetiva.

 Barbosa (2011, p. 3), explica

 

 

Para definir os critérios da filiação, o Código Civil Brasileiro de 1916 estava atrelado ao caráter biológico. O parentesco se edificava através dos laços consanguíneos. Porém, o atual Código Civil Brasileiro optou pela verdade jurídica em detrimento do biologismo, atribuindo status de família àqueles que socialmente se portam como tal, ou seja, a afetividade é a maior expressão para a constituição de uma família.

 

 

Os laços de afetividade, portanto, passou a ter mais valia do que ao liame biológico, demonstrando-se assim, que o verdadeiro pai/mãe é aquele que cuida, dá amor, carinho, sustento, é aquele que possui um compêndio de regras formuladas por ele mesmo, só para ter o prazer de ensinar o melhor caminho para o filho.

Portanto, estabelecida à verdade socioafetiva, a verdade biológica perde relevância para o direito de filiação. Entretanto, no que concerne ao direito de conhecer a origem biológica que pertence ao direito da personalidade, Pereira (2004, p. 430 b) esclarece, “A consolidação de uma paternidade ou maternidade socioafetiva não pode impedir que o filho busque conhecer, inclusive judicialmente, sua genealogia, suas raízes, suas origens, seus antepassados.”.

Dessa forma, a pessoa gerada por inseminação heteróloga não buscaria a proteção do direito à filiação, se buscaria apenas o conhecimento da origem genética, como parte integrante do direito da personalidade.

 

2.2.6  O direito a inviolabilidade da intimidade

No que diz respeito a inviolabilidade da intimidade do ser humano, o artigo 5°, inciso X, da Constituição Federal dispõe que “[…] são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 2013 b).

O mencionado artigo pode ser interpretado da seguinte forma, ocorrendo a violação de tal dispositivo constitucional terá a vitima o direito de postular em juízo ação de indenização contra quem cometeu o dano de ordem moral e/ou material. Seguindo o mesmo parâmetro, o  artigo 21 do código civil de 2002, dispõe que “A vida privada da pesssoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” (BRASIL, 2013 a)

Sendo assim, percebe-se, que tal proteção constitucional e infraconstitucional abrangem o direito ao sigilo do doador anônimo, devendo ser inviolável a sua intimidade e sua identidade, pois aquele que doa, o faz, com a devida garantia de que não terá sua intimidade revelada. Portanto, observa-se que tais garantias estão positivadas pela Magna Carta, pelo código civil e pela Resolução do Conselho Federal de Medicina (BRASIL, 2013 b, BRASIL, 2013 a e CFM, 2013).

Aos doadores de gametas, garante-se o anonimato, sob a perspectiva de que a quebra do mesmo, poderia gerar situações bastante desagradáveis para os doadores. Porém, é importante ressaltar, que nem todos os direitos são absolutos e que a violação da intimidade do doador em busca da revelação de sua identidade, não seria tão prejudicial quanto o não conhecimento da genealogia da pessoa gerada por inseminação heteróloga.

            Conforme Gasparotto e Ribeiro (2008, p. 372), “Nos casos de colisão de direitos fundamentais existem princípios constitucionais que podem ser utilizados como parâmetros para que se verifique qual deve prevalecer, tais como o princípio da proporcionalidade e adequação, e o princípio da dignidade da pessoa humana.”.

            Assim, com base na dignidade da pessoa humana, na proporcionalidade, na adequação, entre outros princípios que vão ponderar os interesses em conflito, pode-se concluir que, a não satisfação do direito da personalidade de conhecer a origem genética seria mais lesivo que a violação do sigilo dos doadores de gametas, já que, a identificação dos mesmos, não revelaria a paternidade/maternidade, apenas revelaria a genealogia do ser humano concebido por inseminação heteróloga.

 

2.3 Filiações no ordenamento jurídico brasileiro

            Para Lôbo (2008, p. 192) a expressão “Filiação procede do latim filiatio, que significa procedência, laço de parentesco dos filhos com os pais, dependência, enlace.”. De acordo com Venosa (2008, p. 212) “O termo filiação exprime a relação entre o filho e seus pais, aqueles que o geraram ou o adotaram.”.

            É importante evidenciar que os novos valores adquiridos pela sociedade moderna repercutiram diretamente nos modelos de famílias atuais, assim como também nas relações parentais. Por muito tempo prevaleceu a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, aqueles filhos havidos fora da relação matrimonial eram considerados ilegítimos, filhos que sofriam grandes discriminações. Já os legítimos eram os filhos decorrentes do matrimônio, filhos que tinham direitos, e proteção jurídica estatal. Porém, a Constituição Federal de 1988, solucionou tal questão, passando todos os filhos a serem tratados de forma igualitária perante a lei.

             A Magna Carta de 1988, em seu artigo 227, parágrafo 6º, destaca que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”, (BRASIL, 2013 b), a igualdade entre os filhos passou a ser protegido pelo texto constitucional e pelo texto legal, pois, o legislador civil trouxe a mesma definição prevista constitucionalmente para os artigos 1.596 do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2013 a).

 

O enunciado do art.1.596 do Código Civil de que os filhos de origem biológica e não biológica têm os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer discriminações, que reproduz norma equivalente da Constituição Federal, é, ao lado da igualdade de direitos e obrigações dos cônjuges, e da liberdade de constituição de entidade familiar, uma das mais importantes e radicais modificações havidas no direito de família brasileiro, após 1988. (LÔBO, 2008, p. 193).

 

Para o ordenamento jurídico brasileiro, não importa mais, se filho foi gerado dentro ou fora da relação matrimonial, pois, com o advento da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2013 b), tal distinção em relação aos filhos foi superada. De acordo com as lições de Rodrigues:

 

 

O novo Código, adaptado ao ambiente constitucional, deixou de distinguir o parentesco entre legitimo e ilegítimo. [...]. Sem que tenha qualquer discriminação, na filiação havida no casamento, o marido da mãe será o pai presumido; já nos demais casos, necessário se faz o reconhecimento, voluntário ou judicial (investigação de paternidade), para a identificação paterna. (RODRIGUES, 2007, p. 288).

 

 

              De acordo com os ensinamentos de Rodrigues (2007, p. 288), haverá casos em que o reconhecimento voluntário ou judicial, resultará no liame necessário para aquisição da filiação, o reconhecedor adquirirá o status de pai e o reconhecido o de filho. Para Lôbo (2010, p.52), “o estado de filiação é gênero do qual são espécies a filiação biológica e a filiação não biológica.”.

              Portanto, no ordenamento jurídico atual, a filiação poderá ser definida pelo critério consanguíneo, filiação biológica (decorrente da conjunção carnal ou de inseminação homóloga), ou, pelo critério socioafetivo, filiação não biológica (a qual engloba a adoção e a inseminação artificial heteróloga).

 

2.3.1 Filiação biológica

O Novo Código Civil, em seu artigo 1.593 dispõe, “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. (BRASIL, 2013 a, grifo nosso). Portanto, quando o elo entre ascendente, descendentes e/ou colaterais é a consanguinidade, esses serão parentes naturais ou biológicos. 

            Sendo assim, a filiação, ou seja, os descendentes resultantes do critério consanguíneo configura-se a chamada de filiação biológica, os filhos biológicos são todos aqueles gerados dentro ou fora da relação matrimonial, sendo eles consanguíneos, fazem parte da filiação biológica.

 

A filiação pode ser tanto biológica, como não biológica, sendo através de exames laboratoriais que se irá comprovar o liame biológico das pessoas envolvidas. A filiação biológica é decorrente da consangüinidade, em que os filhos possuem a mesma carga genética dos pais, podendo ser concebidos por meios naturais, ou seja, pelo ato sexual ou por meios artificiais, através da inseminação homóloga, proveniente do sêmen do marido e do óvulo da esposa.[sic] (GASPAROTTO e RIBEIRO, 2008, p. 360)

 

 

Dessa forma, a filiação será biológica, quando o filho é gerado por meio de relação sexual ou quando por meio artificial, se coleta o material genético proveniente dos próprios cônjuges ou companheiros, realizando-se a inseminação homóloga.

O reconhecimento da paternidade biológica poderá ser feito de livre e espontânea vontade, registrando a criança no cartório de registro civil, ou, judicialmente através de ação própria. Dessa forma, Pereira (2006, p. 340) leciona, “Mesmo hoje, com a prova do DNA identificando a verdade biológica, para que se estabeleça este liame entre o filho biológico e seus autores, torna-se mister a intercorrência de outro fato, revelando ou declarando a paternidade ou a maternidade: o reconhecimento.”.

Tal reconhecimento, feito voluntariamente ou pleiteado judicialmente, declara uma situação fática ou biológica existente entre pais e filhos, constituindo um vínculo, o qual gerará consequências jurídicas, tais como pensão alimentícia, habilitação em processo de inventário, entre outros direitos inerentes à pessoa do filho.

 

2.3.2 Filiação não biológica

Ainda com relação ao artigo 1.593 do Código Civil “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. (BRASIL, 2013 a, grifo nosso). Dessa forma, quando não se tem o elo biológico ligando a relação de parentesco, vislumbra-se, então, o elo civil, que de acordo com o texto legal resulta de “outra origem”, ou seja, não resulta da consanguinidade.

A filiação não biológica ou descendência não biológica é aquela que não decorre da consanguinidade, os filhos não possuem a mesma carga genética de seus pais, o liame que interliga a relação entre pais e filhos é a afetividade, nesse contexto, pode-se destacar a adoção, posse de estado de filho e a inseminação heteróloga.

A adoção é “[...] o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como seu filho, independentemente de existência entre elas de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim” (PEREIRA, 2006 a, p. 392). Consoante ao tema Rodrigues (2007, p. 340) conceitua “adoção é o ato do adotante pelo qual traz ele, para sua família e na condição de filho, pessoa que lhe é estranha.” Dessa maneira, o vinculo jurídico gerado com a adoção, reflete diretamente na filiação, onde com a adoção, o adotante passará a exercer a função de pai e/ou mãe, e o adotado, será filho.

            De acordo com Castelo (2011, p. 38), a posse de estado de filho, caracteriza-se pela posse de fato do status de filho em relação a outra pessoa, que por sua vez, possui o status de pai e/ou mãe, porém essa filiação não corresponde à verdade legal apenas, uma verdade de fato, são os chamados “filhos de criação”, não são adotados legalmente, apenas de fato. A filiação é puramente socioafetiva. Para Dias (2011, p. 372 negrito no original) “A filiação socioafetiva assenta-se no reconhecimento da posse de estado de filho: a crença da condição de filho fundada em laços de afeto.”.

            Para ser reconhecida a posse do estado de filho, a doutrina aponta três importantes aspectos que caracterizam a filiação; tractatus – quando o filho recebe dos pais tratamento específico de filho, tais como: criar, educar, apresentar como filho; nominativo – o filho utiliza o nome da família, e assim se apresenta perante a sociedade; reputatio – o filho é conhecido pela sociedade como sendo pertencente à família de seus pais. (DIAS, 2011, p. 372). 

            Para Gama (apud CASTELO, 2011, p. 39):

 

 

[...] o sistema jurídico nacional não albergou, de forma expressa, a noção de posse de estado de filho, mas através de uma interpretação constitucional e do principio da socioafetividade pode ser permitido o reconhecimento da posse de estado de filho. [...] como situação de fato que é, faz-se necessário registro civil para formalização da relação de parentesco, conferindo, assim, todos os direitos ao filho que ostenta a posse de estado de filho, surgindo a igualdade jurídica com os eventuais irmãos.

 

 

            De acordo com o artigo 1.606, caput e parágrafo único do Código Civil (BRASIL, 2013 a) a formalização do registro poderá ser realizada até mesmo após a morte daquele que possuía status de filho, tendo este ajuizado a ação de prova de filiação, vindo a falecer, os seus herdeiros poderão assumir o polo ativo da demanda, e continuar com a ação, salvo se for julgado extinto o processo.

            A inseminação heteróloga, é aquela que se utiliza de material genérico alheio, esperma e/ou óvulo de doadores férteis. “Ocorrendo a concepção com material genético de outrem, o vínculo de filiação é estabelecido, [...] Sendo ela casada, se o marido consentiu com a prática, será o pai, por presunção legal.” (DIAS, 2011, p. 367).

            Trata-se de filiação prevista no artigo 1.597, inciso V do Código Civil Brasileiro, “Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido” (BRASIL, 2013 a). Entende-se, portanto, que a autorização não precisa ser por escrito, basta que o consentimento seja dado antes da realização da inseminação artificial heteróloga, essa é a única exigência que lei menciona.

            No que aduz ao parentesco entre os ascendentes e descendentes, ou seja, entre pais e filhos será o civil. A filiação é socioafetiva, a socioafetividade, prevalecerá sobre qualquer argumento de filiação não biológica, não havendo assim, possibilidade de posterior impugnação de paternidade, sob o argumento de não ser pai biológico e nem de posterior pedido de reconhecimento de paternidade e/ou maternidade por partes dos doadores.

 

2.3.3 A nova filiação

            A nova filiação se baseia no critério da socioafetividade. O vínculo afetivo que é construído aos poucos revela a verdadeira maternidade/paternidade. Ser pai, ou ser mãe, reflete em atos diários de afeto, cumplicidade e proteção, tais sentimentos fazem parte do elo existente entre pais e filhos, esses sentimentos não se desconstituem pelo fato de se comprovar a existência de outra origem, a biológica.

            Para Lôbo (2008, p. 204) “O estado de filiação deriva da comunhão afetiva que se constrói entre pais e filhos independentemente de serem parentes consanguíneos.”. O fato de não ser mãe e/ou não ser pai biológico, não altera o estado de filiação, pois este decorre da verdade afetiva e não apenas da verdade biológica.

 

 

Desse modo, o que faz alguém ser pai ou mãe não é o ato de gerar uma criança ou ter o mesmo material genético que ela, mas, principalmente, é o ato de assumir os direitos e deveres próprios do estado de paternidade e maternidade. É o ato de criar e suprir o filho em suas necessidades fundamentais, sejam materiais ou psicológicas, propiciando lhe um ambiente saudável para o seu desenvolvimento. (GASPAROTTO e RIBEIRO, 2008, p. 366).

 

 

            De acordo com Monteiro (2007, p. 306) e Dias (2011, p. 387), apenas quando ausente a filiação afetiva, é que cabe prestigiar a verdade biológica. O exame laboratorial, ou seja, o DNA permite afirmar, o liame biológico entre duas pessoas. Para Toaldo e Rieder (2013), “Com as implicações da descoberta do DNA (ácido desoxirribonucléico) nos estudos jurídicos sobre o Direito de família modificaram a tradicional presunção de paternidade. Pois com os exames DNA é possível verificar com quase absoluta certeza o progenitor.”.

            Caso seja provado que este liame existe, dar-se-á o direito ao filho de ter a inclusão do nome de seu genitor em seu termo de nascimento. O artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que o direito ao reconhecimento da filiação é personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercido contra os pais, ou após a morte destes, contra seus herdeiros, sem que haja qualquer restrição, observando ainda, o segredo de justiça. (BRASIL, 2013 c), existem questionamentos doutrinários em face desse artigo, porém, não será analisado por não ser esse o objetivo principal da presente pesquisa.

            Portanto, necessário se faz enfatizar, que atualmente a verdade biológica passou a ter pouca valia frente à verdade afetiva. A nova filiação deriva do novo conceito de família que existe hoje na sociedade, baseando-se principalmente na afetividade, estabelecendo-se a distinção entre pai e genitor. “Pai é o que cria, o que dá amor, e genitor é somente o que gera. Se, durante muito tempo – por presunção legal ou por falta de conhecimentos científicos, confundiam-se essas duas figuras, hoje possível é identificá-las em pessoas distintas.” (DIAS, 2011, p. 365 negrito no original).

            Sendo assim, a nova filiação é a nova forma de ver a família sob conceito diferenciado, sendo o vínculo afetivo existente entre pais e filhos o principal caracterizador da filiação nos tempos modernos.

Destarte, a nova filiação, possibilita o entendimento quanto a problemática referente a reprodução humana assistida realizada por meio da inseminação heteróloga. Pois, de um lado protege-se o direito da personalidade ao conhecimento da origem genética, e, em contrapartida, protege-se também, o sigilo das informações dos doadores de gametas. Indaga-se, portanto, qual deverá prevalecer, já que ambos possuem amparo legal e constitucional, esta é a problemática que será analisada no próximo capítulo.

 

 


3. A PROBLEMÁTICA ETICO-JURÍDICA DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA HETERÓLOGA E A PROTEÇÃO JURÍDICA DOS INDIVÍDUOS ENVOLVIDOS NESSE PROCESSO.

 

3.1 A proteção jurídica da reprodução humana heteróloga

A problemática em questão é apresentada no tocante ao processo artificial de reprodução humana medicamente assistida, realizada por meio da inseminação heteróloga. A proteção jurídica que alberga os direitos inerentes à personalidade humana garante a pessoa humana uma gama de direitos que devem ser respeitados e protegidos, e que em caso de conflito, ocorrerá à ponderação de interesses.

Entende-se, portanto, que o direito ao conhecimento da origem genética da pessoa gerada por inseminação artificial heteróloga, deve ser garantido, por se tratar de direito da personalidade humana. E em contrapartida, deverá ser quebrado o sigilo das informações dos doadores de gametas, que está garantido de forma expressa pela Constituição Federal de 1988, pelo código civil de 2002 e pela Resolução n° 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina.

3.2 O direito ao sigilo da identidade civil dos doadores de material genético

O sistema jurídico atual protege o anonimato do doador, a identidade civil deste não poderá ser revelada uma vez que quando alguém doa anonimamente, assim o faz na perspectiva de que terá absoluta ocultação de sua identidade, não sofrendo responsabilizações ou exercendo qualquer ato relativo à paternidade/maternidade.

Como bem sintetizam Spode e Silva (2013), “No momento da doação do material genético, o doador tinha-se por descompromissado de qualquer espécie de vínculo com a mãe ou com o concebido, encarando o processo apenas como um agente auxiliador [...]”. Sendo assim, entende-se ser obrigatória a manutenção do sigilo, referente à identificação dos doadores e/ou receptores de material genético, para que não haja qualquer espécie de vínculo entre eles.

Verifica-se, que os doadores de gametas, gameta masculino (sêmen) e gameta feminino (óvulo), não poderão jamais pleitear ação de alimentos em face do filho concebido por meio do processo artificial de procriação, pois, a doação consiste no ato de vontade de doar o material genético especificamente, renunciando tacitamente a paternidade/maternidade (FREDIANI, 2000, p. 140).

Da mesma forma que o doador ou doadora não poderá posteriormente reivindicar direitos inerentes à paternidade/maternidade, estes também não poderão arcar com os deveres impostos a figura do pai e/ou mãe, ou seja, os filhos gerados com gametas de doadores anônimos, não poderão exigir de seu genitor/genitora a satisfação de suas necessidades de filho, tais como: alimentação, educação, vestuário, entre outras necessidades que geralmente supridas pelos pais, nem pleitear participação na sucessão de seus bens, uma vez que, não são os doadores pais, apenas genitores do ser concebido por meio de inseminação heteróloga.

Destarte, a vedação da identificação do proprietário do material genético está positivada na Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso X, que dispõe “[…] são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 2013 b, grifo nosso). Observar-se ainda, que o artigo 21 do código civil de 2002, dispõe que “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” (BRASIL, 2013 a, grifo nosso)

Dessa forma, entende-se que, havendo a violação da identidade e intimidade do doador, este poderia entrar com ação judicial pleiteando assim, uma indenização por dano moral, decorrente da violação/quebra do sigilo que lhe fora assegurado tanto pelos mencionados dispositivos legais e constitucionais, quanto pela Resolução nº 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina. (BRASIL, 2013 b e CFM, 2013).

A Resolução nº 2.013/13 do Conselho Federal de Medicina dispõe que:

 

 

Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador. (CFM, 2013)

 

 

Há divergências quanto à inviolabilidade do sigilo da identidade dos doadores de gametas, Frediani (2000 p. 140) se posiciona a favor da manutenção do sigilo dos doadores anônimos, e, que essa deve imperar, garantindo dessa forma, a autonomia e o desenvolvimento normal da família em condições de segurança e de discrição. Já Goldhar (2010, p. 284, grifo nosso), manifesta-se no sentido de que “o anonimato, no viés de direito a intimidade, por si só não se sustenta na ponderação com tantos outros direitos fundamentais, de modo que, normalmente este deverá ceder para dar lugar a outros direitos de maior relevo.”.

No Brasil, ainda é latente o confronto de entendimentos, alguns doutrinadores se posicionam a favor do sigilo, enquanto, outros, são a favor do direito ao conhecimento da origem genética do indivíduo. Na jurisprudência brasileira, não tem sido diferente, verificaram-se a ocorrência de alguns posicionamentos divergentes no tocante ao direito a inviolabilidade da intimidade e direito ao conhecimento da origem genética.

Consoante Lôbo (2010, p. 69), uma jurisprudência polêmica foi firmada no ano de 1996, neste ano o Supremo Tribunal Federal, garantiu o direito de recusa do réu ao exame de DNA, protegendo com isso sua intimidade, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, e obstou com isso, o direito da outra parte conhecer sua origem genética.

 

 

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DNA - CONDUÇÃO DO RÉU "DEBAIXO DE VARA".Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, "debaixo de vara", para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos.(71373 RS , Relator: FRANCISCO REZEK, Data de Julgamento: 09/11/1994, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 22-11-1996 PP-45686 EMENT VOL-01851-02 PP-00397)

 

 

Entretanto, depois de alguns anos, o Superior Tribunal de Justiça, firmou orientação em sentido contrário à decisão do Supremo Tribunal Federal, autorizando o exame de DNA mesmo após o falecimento do suposto genitor, entendendo que a coleta de material genético do suposto genitor não traria nenhum prejuízo para o mesmo, e não feriria sua intimidade, o recurso foi provido sob a fundamentação que “na fase atual de evolução do Direito de Família, não se justifica inacolher a produção de prova genética pelo DNA, que a Ciência tem proclamado idônea e eficaz”. Assim, autorizou a coleta de material genético do de cujus, para realização do DNA, possibilitando com isso o conhecimento da origem genética. (LÔBO, 2010, p. 69).

 

 

DIREITOS CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PROVA GENÉTICA. DNA. REQUERIMENTO FEITO A DESTEMPO. VALIDADE. NATUREZA DA DEMANDA. AÇÃO DE ESTADO. BUSCA DA VERDADE REAL. PRECLUSÃO. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. INOCORRÊNCIA PARA O JUIZ. PROCESSO CIVIL CONTEMPORÂNEO. CERCEAMENTO DE DEFESA. ART. 130, CPC. CARACTERIZAÇÃO. DISSÍDIO CARACTERIZADO. PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO.130CPCI - Tem o julgador iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando está diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de estado), ou quando, em face das provas produzidas, se encontra em estado de perplexidade ou, ainda, quando há significativa desproporção econômica ou sócio-cultural entre as partes.II -Além das questões concernentes às condições da ação e aos pressupostos processuais, a cujo respeito há expressa imunização legal (CPC, art. 267, § 3º), a preclusão não alcança o juiz em se cuidando de instrução probatória.CPC267§ 3ºIII - Diante do cada vez maior sentido publicista que se tem atribuído ao processo contemporâneo, o juiz deixou de ser mero espectador inerte da batalha judicial, passando a assumir uma posição ativa, que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório.IV - Na fase atual da evolução do Direito de Família, não se justifica inacolher a produção de prova genética pelo DNA, que a ciência tem proclamado idônea e eficaz (REsp222445 PR 1999/0061055-5, Relator: Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Data de Julgamento: 06/03/2002, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 29.04.2002 p. 246RDR vol. 23 p. 347REVFOR vol. 367 p. 226RSTJ vol. 157 p. 418)

 

 

Apesar das jurisprudências acima mencionadas firmarem entendimento quanto ao direito de investigação de paternidade, pode-se perceber que o Superior Tribunal de Justiça – STJ, entendeu por preservar não só o direito à investigação de paternidade, mas, principalmente, o direito ao conhecimento da identidade genética, contrariando o direito de inviolabilidade da intimidade do suposto pai, uma vez que, a coleta de material genético não seria tão prejudicial ao suposto pai quanto o não conhecimento da origem biológica, portanto, mesmo após a morte, a coleta de material genético, nesse caso, foi permitida para que se pudesse satisfazer tanto o conhecimento da origem genética, quanto os demais direitos, referentes ao processo de investigação de paternidade.

Sendo assim, através da analogia, pode-se utilizar o entendimento do STJ para dar suporte ao direito de buscar a identidade genética do filho gerado por meio de inseminação artificial heteróloga, até mesmo, se for o caso, após a morte o doador, pois, é de extrema importância destacar, que se irá pleitear apenas o conhecimento de sua ascendência genética, sua origem, suas raízes, não sendo imputado ao genitor doador qualquer obrigação referente a paternidade/maternidade.

Ressalta-se que o direito ao sigilo está positivado com o objetivo de resguardar o doador da responsabilidade da paternidade/maternidade, sendo assim, a Resolução nº 2.013/13 do Conselho Federal de Medicina, prevê expressamente a garantia do sigilo dos doadores, de acordo com inciso IV, números 2, 4 e 5 (CFM, 2013).

Observa-se ainda, que o código de ética médica, no capítulo I, inciso XI, impõe ao médico o dever de manter sigilo sobre as informações referentes a seus pacientes, englobando assim, os doadores e receptores. (CFM, 2009). E como já mencionado, fazendo-se uma análise ampliativa do texto legal e constitucional, percebe-se que o sigilo dos doadores é inviolável, com fulcro nos artigos 21 do código civil e artigo 5°, inciso X da constituição federal (BRASIL, 2013 a, BRASIL, 2013 b).

Portanto, essas são as mais importantes regulamentações que dão suporte ao sigilo do fornecedor de material genético nos dias atuais. É notável que a garantia da inviolabilidade da intimidade, engloba a garantia do sigilo dos fornecedores de material genético, e ambos estão expressamente garantidos pelos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais já mencionados, porém, cabe mencionar que nem todos os direitos são absolutos e no caso concreto cabe ao julgador sopesar os interesses conflitantes solucionando com base na axiologia qual direito deve prevalecer por possuir maior carga valorativa.

 

3.3 O direito fundamental ao patrimônio genético

A pessoa gerada por inseminação artificial héteróloga, tem o direito fundamental ao patrimônio genético como toda e qualquer pessoa, ressalta-se, que a inseminação heteróloga é aquela que utiliza para a fecundação gametas femininos e/ou masculinos doados anonimamente por terceiros, sendo assim, a pessoa gerada por meio dessa técnica não conhece sua origem genética, em virtude da proteção ao sigilo da identidade dos doadores de material genético.

              Para Dias (2011, p.363 negrito no original) “O direito de conhecer a origem genética, a própria ascendência familiar, é um preceito fundamental, um direito de personalidade: direito individual, personalíssimo, [...]”. No mesmo sentido Welter (2008, p. 183) se posiciona, não concordando com o acobertamento do anonimato dos doadores, que por consequência nega ao indivíduo o direito de conhecer o mundo genético, ou seja, nega o direito da personalidade ao conhecimento da sua origem, do princípio, da aurora das coisas.

Segundo Lôbo, o direito ao conhecimento da origem genética não implica em presunção de filiação e, portanto, não traria nenhum prejuízo ao genitor doador.

 

 

O direito ao conhecimento da origem genética não está coligado necessária ou exclusivamente à presunção de filiação e paternidade. Sua sede é o direito da personalidade, que toda pessoa humana é titular, na espécie direito à vida, pois as ciências biológicas têm ressaltado a insuperável relação entre medidas preventivas de saúde e ocorrências de doenças em parentes próximos. (LÔBO, 2008, p. 203)

 

 

              É notável que, ainda há, nos dias atuais, confusão no tocante ao direito de filiação e no que concerne ao direito de conhecer a origem biológica, que está intimamente ligada a dignidade da pessoa humana. Por haver tal confusão, é que urge a necessidade de se diferenciar tais institutos, o primeiro, diz respeito ao direito proveniente do elo (biológico e/ou socioafetivo) entre pais e filhos, ou seja, da relação paterno-filial. E o segundo, trata-se do direito fundamental que toda pessoa humana tem, de conhecer sua base ancestral, sua origem genética, com fulcro no direito da personalidade previsto no artigo 11, caput do código civil de 2002. (BRASIL, 2013 a).

              É importante esclarecer, que há confusão também a respeito da denominação da ação que tem por escopo a declaração da origem genética. Para Goldhar (2010, p. 285), a ação com fins de declaração da origem genética, não poderá ser denominada de ação de investigação de paternidade, por não ser esta a pretensão da ação, portanto, não estaria em concordância com o que realmente se almeja, o conhecimento da origem genética.

              Destaca-se que tal declaração não criaria vínculo algum com o genitor, nem com os parentes do genitor, apenas se revelaria ao concebido por inseminação heteróloga sua identidade genética. Para Welter (2008, p. 184/185) e Goldhar (2010, p. 275) a ação de investigação da origem genética seria plausível e necessária, já que,a investigação da origem biológica revelaria o conhecimento dos genitores, o que evitaria eventuais relações incestuosas, impedimentos matrimoniais, e até se realizariam prognósticos de doenças de cunho genético, o que possibilitaria a adoção de tratamentos adequados e eficazes para interromper ou minimizar futuras enfermidades hereditárias.

Percebe-se, que a discussão acerca do direito da personalidade de buscar a ascendência genética tem sido levantada em diversos países. No tocante a legislação Brasileira, ainda não há lei que regule o direito da pessoa gerada por inseminação heteróloga de buscar a identidade genética, até porque, tal técnica é recente e ainda é pouco utilizada em nosso país em virtude de seu alto custo. Porém, é necessário que o direito ao conhecimento da origem genética da pessoa gerada por inseminação heteróloga seja protegido por lei, com fundamento no direito da personalidade e da dignidade da pessoa humana.

No que tange ao direito da personalidade de conhecer a ancestralidade biológica a decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ em 2010 garantiu de forma inaudita a necessidade de conhecer a ancestralidade genética, como parte integrante da dignidade da pessoa humana.

Apesar de não se tratar de ação de declaração da origem genética referente ao indivíduo gerado por inseminação heteróloga, o Recurso Especial, transcrito abaixo, foi provido, sob a fundamentação de que o conhecimento da origem genética deve ser garantido, por se tratar de direito da personalidade e possuir tutela integral e especial, nos moldes dos artigos 5° e 226 da constituição federal (BRASIL, 2013 b).

O Recurso Especial n° 807849 (BRASIL, 2013 f, grifo nosso) foi provido com a seguinte justificativa:

 

 

Direito civil. Família. Ação de declaração de relação avoenga. Buscada ancestralidade. Direito personalíssimo dos netos. Dignidade da pessoa humana. Legitimidade ativa e possibilidade jurídica do pedido. Peculiaridade. Mãe dos pretensos netos que também postula seu direito de meação dos bens que supostamente seriam herdados pelo marido falecido, porquanto pré-morto o avô.- Os direitos da personalidade, entre eles o direito ao nome e ao conhecimento da origem genética são inalienáveis, vitalícios, intransmissíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis e oponíveis erga omnes.- Os netos, assim como os filhos, possuem direito de agir, próprio e personalíssimo, de pleitear declaratória de relação de parentesco em face do avô, ou dos herdeiros se pré-morto aquele, porque o direito ao nome, à identidade e à origem genética estão intimamente ligados ao conceito de dignidade da pessoa humana.- O direito à busca da ancestralidade é personalíssimo e, dessa forma, possui tutela jurídica integral e especial, nos moldes dos arts. 5º e 226, da CF/88.- […]Recurso especial provido. (807849 RJ 2006/0003284-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 24/03/2010, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 06/08/2010

Outra decisão importante que através da analogia pode ser utilizada para dar base ao direito da pessoa gerada por inseminação heteróloga, em ter acesso a sua identidade genética, foi proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em acórdão, não reformando a decisão do juiz que autorizou a realização de exame de DNA, apenas para buscar a origem genética. Pois, verifica-se que a paternidade nesse caso já existia, já havia pai registral e vinculo socioafetivo, porém, com base no direito da personalidade, foi-lhe garantido o direito de se buscar a origem genética, tanto pelo juiz de 1° grau, quanto pela oitava câmara cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.   

 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. DIREITO PERSONALÍSSIMO DE BUSCAR A ORIGEM GENÉTICA. É certo que o reconhecimento da paternidade é ato irrevogável, mas essa característica, por óbvio, atinge apenas quem efetuou o reconhecimento (o pai registral), jamais a filha que não participou daquele ato. Não se pode agora pretender levantar contra ela esse argumento para impedir a busca de um direito de personalidade que lhe é inalienável, qual seja a busca da verdade acerca de sua origem genética. NEGARAM PROVIMENTO. (70044262517 RS , Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Data de Julgamento: 01/12/2011, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 05/12/2011)

 

 

 

              Em 2012 o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, voltou a proferir decisão novamente no sentido de garantir o direito ao conhecimento da origem genética.

 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE POST MORTEM. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. LEGITIMIDADE PASSIVA.1) Em que pese tenha o agravado ajuizado ação de investigação de paternidade em face dos filhos do suposto pai biológico, já falecido, com base no art. 1.596 do CC, sem, no entanto, formular pedido de anulação da adoção havida por outro casal, por ora, considerando o direito personalíssimo de conhecer a ascendência genética, inviável considerar juridicamente impossível o pleito do recorrido. Manutenção da decisão que determinou a realização de perícia...1.596CC (70048408884 RS , Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Data de Julgamento: 14/06/2012, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 18/06/2012)

 

 

 

            Sendo assim, mais uma vez o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, se manifestou com coerência ao manter a decisão do juiz que determinou a realização da perícia nos filhos do de cujus, já que este era o suposto pai biológico. Considerando ainda, que mesmo havida adoção, esta por si só, não obsta o direito personalíssimo de conhecimento da origem biológica. No caso acima transcrito, o que se busca é o conhecimento da origem genética e não a anulação da filiação adotiva, pois a filiação socioafetiva já está constituída.

Dessa maneira, vê-se que a adoção, assim como, a inseminação heteróloga, fazem parte da filiação não biológica, este tipo de filiação segue o critério da socioafetividade, como já mencionado no capítulo anterior. Portanto, pode ser garantido o direito de conhecer a origem genética da pessoa gerada por inseminação heteróloga, pois a sua pretensão não tem por base a desconstituição da filiação socioafetiva, apenas se buscará conhecer a ascendência biológica, sob a primazia do direito da personalidade de todo e qualquer ser humano.

É importante evidenciar que nem toda pessoa gerada por inseminação heteróloga vai querer litigar o direito ao conhecimento da origem biológica, para algumas pessoas, não é necessário conhecer sua ascendência biológica para se sentir completo, digno, realizado, já que a filiação estabelecida pela afetividade poderá ser o bastante para sua vida (PEREIRA, 2004, p. 430).

Porém, em alguns casos, o ser humano é tentado a conhecer sua ascendência biológica, seja por questões de saúde, para fazer cessar ou minimizar doenças hereditárias, ou mesmo, por mera curiosidade humana. Destaca-se que, a descoberta da origem biológica não desconstitui a filiação civil, mas engrandece o ser humano, possibilitando assim, a dignidade plena. Contudo, mais uma vez se salienta que a pretensão que se litiga é a descoberta do patrimônio genético e não a descoberta de um pai e/ou uma mãe.

Verifica-se que vários projetos de lei foram criados no sentido de regulamentar o direito a identidade genética da pessoa gerada por inseminação artificial heteróloga, e, alguns estão ainda em tramitação. O projeto de lei nº 120 de 2003 de autoria do deputado Roberto Pessoa, dispõe sobre a investigação de paternidade de pessoas nascidas de técnicas de reprodução assistida.

 

 

Art 1° Esta Lei trata da investigação de paternidade de pessoas nascidas de técnicas de reprodução assistida.

Art 2° A Lei 8560, de 29 de dezembro de 1992 passa a vigorar com o acréscimo do seguinte Art. 6º A:

“Art. 6º A - A pessoa nascida de técnicas de reprodução assistida tem o direito de saber a identidade de seu pai ou mãe biológicos, a ser fornecido na ação de investigação de paternidade ou maternidade pelo profissional médico que assistiu a reprodução ou, se for o caso, de quem detenha seus arquivos.

Parágrafo único A maternidade ou paternidade biológica resultante de doação de gametas não gera direitos sucessórios.”

Art 3° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. (BRASIL, 2013 g)

 

 

Observa-se que o texto do projeto de lei refere-se à investigação de paternidade, quando na verdade, seria erro denominar de investigação de paternidade, ação que tem por escopo o conhecimento, a declaração da origem genética. O projeto de lei n° 120/03 foi apensado ao projeto de lei n° 1184/03 de autoria do senador Lucio Alcantara, que dispõe sobre a Reprodução Assistida, referindo-se nos artigos 8° e 9° sobre o direito da pessoa gerada por reprodução humana assistida de buscar a qualquer tempo a identificação dos doadores:

 

 

Art. 8º Os serviços de saúde que praticam a Reprodução Assistida estarão obrigados a zelar pelo sigilo da doação, impedindo que doadores e beneficiários venham a conhecer reciprocamente suas identidades, e pelo sigilo absoluto das informações sobre a pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida.

Art. 9º O sigilo estabelecido no art. 8º poderá ser quebrado nos casos autorizados nesta Lei, obrigando-se o serviço de saúde responsável pelo emprego da Reprodução Assistida a fornecer as informações solicitadas, mantido o segredo profissional e, quando possível, o anonimato.

§ 1º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida terá acesso, a qualquer tempo, diretamente ou por meio de representante legal, e desde que manifeste sua vontade, livre, consciente e esclarecida, a todas as informações sobre o processo que o gerou, inclusive à identidade civil do doador, obrigando-se o serviço de saúde responsável a fornecer as informações solicitadas, mantidos os segredos profissional e de justiça.

§ 2º Quando razões médicas ou jurídicas indicarem ser necessário, para a vida ou a saúde da pessoa gerada por processo de Reprodução Assistida, ou para oposição de impedimento do casamento, obter informações genéticas relativas ao doador, essas deverão ser fornecidas ao médico solicitante, que guardará o devido segredo profissional, ou ao oficial do registro civil ou a quem presidir a celebração do casamento, que notificará os nubentes e procederá na forma da legislação civil.

§ 3º No caso de motivação médica, autorizado no § 2º, resguardar-se-á a identidade civil do doador mesmo que o médico venha a entrevistá-lo para obter maiores informações sobre sua saúde. (BRASIL, 2013 h)

 

 

Em 2004, outro projeto de lei foi apensado aos demais já mencionados, o projeto de lei nº 4686/04 de autoria do deputado José Carlos Araújo, propõe introduzir ao artigo 1.597 do Código Civil, o artigo 1.597-A, assegurando assim, o direito ao conhecimento da origem genética do ser gerado a partir de reprodução assistida.

 

Art. 1º. Esta lei acrescenta artigo 1597-A ao Capítulo II, do Subtítulo II, do Livro IV, do Código Civil, de forma a assegurar o direito ao conhecimento da origem genética ao ser humano gerado por técnicas de reprodução assistida (RA) e define o direito sucessório e o vínculo parental, nas condições que menciona.

Art. 2º. A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 1597-A:

Art. 1597- A. As instituições de saúde, detentoras de licença de funcionamento concedidas na forma da lei, que realizarem Reprodução Assistida, e os profissionais responsáveis pela execução dos procedimentos médicos e laboratoriais pertinentes, estarão obrigadas a manter em arquivo sigiloso, e zelar pela sua manutenção, todas as informações relativas ao processo, às identidades do doador e da pessoa nascida por processo de inseminação artificial heteróloga, de que trata o inciso V, do artigo anterior.

§ 1º. À pessoa nascida pelo processo a que alude este artigo é assegurado o acesso, a qualquer tempo, diretamente ou por meio de representante legal, e desde que manifeste sua vontade, livre e consciente, a todas as informações sobre o processo que a gerou, inclusive a identidade civil do doador e mãe biológica, obrigando-se o serviço de saúde responsável a fornecer as informações solicitadas, mantidos os segredos profissionais e de justiça.

§ 2º A maternidade ou paternidade biológica resultante de processo de reprodução assistida heteróloga não gera direitos sucessórios.

§ 3º O conhecimento da verdade biológica impõe a aplicação dos artigos 1521, 1596, 1626, 1628 (segunda parte) deste Código.

Art. 3º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. (BRASIL, 2013 i)

 

 

Os referidos projetos têm por justificação o respeito a dignidade da pessoa humana, pautada como fundamento do Estado democrático de direito, no artigo 1°, inciso III da constituição federal da república (BRASIL, 2013 b),e,no direito personalíssimo do conhecimento da origem genética, positivado no código civil, artigo 11 caput e seguintes (BRASIL, 2013 a). Sendo assim, deve ser garantido a pessoa fruto de reprodução assistida, o direito de saber quem são seus genitores, sem gerar com isso, nenhuma relação paterno-filial com os mesmos, inclusive no que concerne ao direito sucessório e alimentar.

Atualmente, entende-se que em razão do direito à vida, positivado no artigo 5° e direito a saúde, disposto no artigo 196, ambos da Constituição federal, o sigilo da identidade dos doadores de gametas poderá ser quebrado, se tal situação (o não conhecimento do patrimônio genético) colocar em risco a vida humana, pois, entende-se que por ser a vida o maior bem protegido pelo direito brasileiro, prevalece então, em face dos outros direitos nos casos de conflito. (MALUF, 2010, p. 86)

Apenas nesse sentido, é que atualmente se garante o direito ao conhecimento da origem biológica do ser concebido por inseminação heteróloga, porém, urge a necessidade da promulgação de lei que conceda esse direito a pessoa que por necessidade, física, psíquica, moral, entre outras, queira saber sobre suas origens, pois, esse direito faz parte da sua personalidade, de acordo com o artigo 11 e 12 do código civil.

 

 

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. (BRASIL, 2013 a, grifo nosso)

 

 

Seguindo os parâmetros dos mencionados artigos, percebe-se que não pode ser suprimido o direito personalíssimo ao conhecimento da origem genética, em razão do sigilo dos doadores, já que a quebra deste, não seria tão prejudicial, quanto o não conhecimento do patrimônio genético da pessoa gerada pela técnica artificial de inseminação heteróloga.

 

3.4 Colisão entre os direitos: Identidade genética x Sigilo da identidade civil dos doadores de gametas.

Havendo colisão entre os direitos, um deverá ceder lugar para que o outro possa ser satisfeito, para Gomes (2007, p. 80) é preciso fazer uma interpretação dos princípios em conflito e depois estabelecer uma hierarquia axiológica, considerando ainda, o possível impacto de sua aplicação no caso concreto, onde a norma de maior valor axiológico prevalece e a de menor valor sucumbe, apenas no sentido de ser deixada de lado, para que se possa solucionar o conflito no caso concreto.

No que concerne ao direito de buscar a ascendência genética da pessoa gerada por reprodução humana realizada por inseminação heteróloga, Greuel (2013) resume que “Enquanto alguns estudiosos defendem a prevalência do anonimato do doador do material genético, outros posicionam pelo direito à identidade genética. Esse confronto de entendimentos reforça a necessidade de uma regulamentação específica.”

Ainda de acordo com Greuel (2013), o que torna mais difícil a pacificação desse conflito, é que no Brasil não existe nenhuma lei que disponha de forma expressa as questões conflitantes na seara da reprodução humana assistida heteróloga. No entanto, existem projetos de lei em tramitação visando apaziguar os conflitos e garantir o direito ao conhecimento da origem genética.

Porém, atualmente, coloca-se ainda, a ponderação de tais direitos nas mãos da magistratura brasileira, a interpretação dos princípios, ou seja, o juízo de valor que se dará aos princípios fundamentais em conflito caberá ao julgador realizar caso a caso.

Portanto, na reprodução humana medicamente assistida, realizada por inseminação heteróloga, havendo litigância entre direito a identidade genética e direito ao sigilo dos doadores, caberá ao julgador o dever de analisar com base na ponderação de interesses e na hierarquia axiológica, fazendo assim um juízo de valor de qual direito fundamental deverá ser garantido e satisfeito, se o sigilo do doador, ou, o direito ao conhecimento da origem genética, que é essencial, indisponível, intransmissível e irrenunciável, em virtude de se tratar de direito da personalidade humana de todo ser humano, para que este conquiste uma vida digna, como se preceitua na nossa magna constituição.


 

CONCLUSÃO

 

O objetivo do presente trabalho foi analisar a possibilidade de se garantir a investigação da origem genética, em face do genitor doador, que doa seu gameta para que por meio deste se possa reproduzir artificialmente, por meio das técnicas de fertilização in vitro.

Dessa forma, pode-se perceber que o doador tem a intenção de procriar, pois quando doa seu gameta, sabe que este será utilizado para a reprodução humana, sendo o doador um auxiliador do processo de reprodução humana medicamente assistida. Porém, o que o doador não quer, é que lhe seja imputado uma paternidade/maternidade, da qual deriva obrigações e despesas patrimoniais.

Contudo, em razão da evolução do direito de família, o indivíduo gerado por inseminação artificial heteróloga, adere à filiação civil, que de acordo com o código civil, é aquela que deriva de outra origem que não seja a biológica, portanto é uma filiação não biológica, porém, socioafetiva, que poderá em virtude da modernização do direito de família prevalecer sobre a biológica.

Portanto, é importante salientar que, o que se pretende com a investigação da origem genética é conhecimento de suas raízes, suas origens, sua ascendência genética, por que não dizer o conhecimento do seu próprio “eu”.

Tal conhecimento é um direito inerente a personalidade humana, intrínseco a dignidade da pessoa humana, pois, não conhecer seu tronco ancestral, pode trazer consequências drásticas, como, prejuízos irreversíveis a saúde pela dificuldade ou impossibilidade de tratar possíveis doenças hereditárias, relações incestuosas com possíveis patologias graves nos filhos gerados dessa relação, impedimentos jurídicos matrimoniais, entre outras.

Sendo assim, o individuo gerado por inseminação heteróloga, não pode ser privado do direito de conhecer sua origem genética, uma vez que, o não conhecimento é mais prejudicial que a violação do sigilo do doador. Isso não quer dizer que a violação se dará sem que haja qualquer restrição, ou seja, não é de qualquer modo, e não é qualquer pessoa que poderá tomar conhecimento do teor do sigilo, o direito ao conhecimento é personalíssimo e subjetivo.

Havendo necessidade de conhecimento, seja por doença ou mera curiosidade humana, se litigado for esse direito, tal pleito buscará a declaração judicial da origem biológica, e não a investigação de paternidade e, portanto, não se imputará ao genitor doador os encargos que derivam da paternidade/maternidade e nem será concedido direitos que derivam do estado de filiação ao indivíduo concebido artificialmente pelo(s) gameta(s) do(s) doador(es), como alimentação, vestuário, sucessão dos bens, entre outros que fazem parte da gama de direitos dos filhos e do rol deveres dos pais.

Portanto, não há impedimento constitucional, nem legal, para que seja indeferido o direito de conhecer a origem biológica da pessoa gerada por inseminação heteróloga, ao contrário, pela sua imensa carga axiológica, existe suporte constitucional e legal, para que seja garantido e satisfeito tal direito.

Diante do exposto, percebe-se que existe possibilidade de se conhecer a origem genética, sem com isso gerar consequências no estado de filiação, violando assim, o direito ao sigilo dos doadores de gametas, quando for investigada a origem biológica. Todavia, salienta-se que este estudo não exauriu as discussões existentes nessa seara e, portanto, necessário se faz a promulgação de lei que regule e garanta o direito ao conhecimento da genealogia do indivíduo gerado por inseminação heteróloga.

Sendo assim, espera-se que o presente estudo possa contribuir para ampliar o conhecimento de todos, no que concerne ao processo de reprodução humana assistida, realizada por meio de inseminação heteróloga, e o direito que é inato à pessoa humana de conhecer sua origem genética, e também, possa viabilizar a realização de novos estudos com relação ao direito de família e direitos da personalidade humana.

 

 

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