Produzido em 02/dez/2008
Davi Souza de Paula Pinto: Estagiário de Direito do Escritório Dr. Edison Mansur e Advogados Associados, Estudante de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Colaborador de vários sites e revistas jurídicas: Revista Prolegis, Revista Jusvigilantibus, Revista Ambito Jurídico, Revista Netlegis, Boletim Jurídico Clubjus, Revista Autor, Revista Areópago da Faculdade Unifaimi, Portal Jurídico Investidura, Portal Direitopositivo, Portal Jurídico Trinolex, Portal Jurídico Jurid, Universo Jurídico, Portal Viajus, BDJUR - Bibliotéca Digital Jurídica do STJ, Portal Abdir - Academia Brasileira de Direito, Portal Conteúdo Jurídico -Boletim Jurídico, Portal Jurídico LFG - Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes, Portal Jurídico Clubjus, Jurisway, Direitonet, Lemos e Cruz Livraria e Editora, Editora Mundo Jurídico, Portal Busca legis, União Ediorial, Portal Casa Jurídica, Portal Jurídico estudando direito, Portal Legis Brasil - Lex Brasil, Portal Argumentum Jurídico, dentre outros renomados sites de Direito.
Sumário: Introdução; 1.0 Disposições Gerais Sobre Sexualidade; 2.0 Família Homoafetiva Sob a Ótica Constitucional; 3.0 União Homoafetiva não é Sociedade de Fato; 4.0 Necessidade ou Não de Equiparar a União Homoafetiva Como União Estável; 5.0 Correspondentes Legais e Jurisprudências; Conclusão; Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa irá abordar sobre a família homoafetiva. Contudo, para maior apreensão e entendimento do leitor, iremos primeiramente dispor sobre a sexualidade através Sexologia, inclusive do Direito.
As questões que iremos focar primeiramente girarão em torno das seguintes indagações: O que é sexualidade? O que é sexo? Como se exterioriza a sexualidade? O exercício da sexualidade fora dos padrões culturais (“considerado correto”) gera conseqüências para a pessoa? O que é a sexualidade para o Direito? Quais são as proteções jurídicas a respeito do livre exercício da sexualidade?
Conscientizaremos que para trabalhar acerca da família homoafetiva devemos considerá-la como entidade familiar, tal como é. Qualquer resquício de preconceito abalará toda a pesquisa.
Tópico próprio de nossa pesquisa abordará a família homoafetiva através de uma ótica constitucional, onde iremos dispor a norma do artigo. 226 da Constituição, pertinente ao tema família. Analisaremos, inclusive, os desdobramentos do artigo mencionado, para abordarmos as questões doutrinárias que fazem um estudo crítico de nossa Constituição.
Pressupõe a pesquisa mostrar que a união homoafetiva sofre preconceitos não só por parte da sociedade, mas por parte de uma doutrina conservadora que persiste equiparar tais relações como uma sociedade de fato.
Outra parte do nosso trabalho mostrará um impasse doutrinário - Há ou não necessidade de equiparar a união homoafetiva como união estável? Maria Berenice Dias luta para a equiparação, já o autor Paulo Lôbo afirma não haver tal necessidade. Veremos que o problema decorre ou da interpretação que damos à norma constitucional ou de identificar se a Constituição ao tratar a união estável é taxativa ou exemplificativa.
Por fim, mostraremos que a omissão legal do legislador não implica em ausência de proteção constitucional da família homoafetiva. Esta entidade familiar além de forte apoio jurisprudencial possui correspondentes legais, tais como: art. 126 do Código de Processo Civil, art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil doDecreto-lei nº 4.657, art.1º, inciso III da CF, art.5º da CF, e por fim, o art. 5º e desdobramentos da “Lei Maria da Penha” (Lei nº.: 11.340/06).
1.0 DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE SEXUALIDADE
Um dos “problemas” da Família Homoafetiva é visualizado pela projeção da sexualidade dos sujeitos que a compõe. Por serem do mesmo sexo, acarreta uma onda de preconceitos diante da sociedade.
Antes de analisarmos as questões jurídicas acerca do tema, importante, passar algumas colocações a respeito de sexualidade.
Daniel Walker, Biólogo e especialista em Sexologia mostra em sua obra intitulada de “Introdução ao Estudo da Sexologia” que sexualidade.
“É a atividade, a expressão, a disposição ou o potencial dos impulsos sexuais do indivíduo. Simples e ao mesmo tempo complexa, a sexualidade envolve tudo o que cerca o indivíduo. Ela acompanha o indivíduo por toda a sua vida e não se restringe apenas os órgãos genitais” (WALKER, p.06, 2007)
Veja que a conceituação de sexualidade vai além da definição de sexo. O referido autor dispõe o conceito com propriedade, senão vejamos:
“Sexo – É o caráter que distingue os gêneros masculino e feminino. Refere-se basicamente às características biológicas e fisiológicas dos aparelhos reprodutores do homem e da mulher, ao seu funcionamento e também aos caracteres sexuais secundários decorrentes da ação hormonal” (WALKER, p.06, 2007)
Sexo, conforme vimos, refere-se às características primarias e secundarias para identificarmos se o sujeito é homem ou uma mulher. Há também seres que apresentam uma ambigüidade de sexo é o caso do hermafrodita, que possui órgãos de ambos os sexos (poderá ser definido o sexo através de tratamento cirúrgico e hormonal).
A sexualidade é mais abrangente porque não trata de um fator meramente físico, integram também na sexualidade fatores psicológicos do indivíduo que expressará seus impulsos sexuais de forma livre, não se restringindo, apenas aos órgãos genitais que possui.
Por ser expressão livre da vontade do individuo há varias formas de exteriorizar a sexualidade, definindo-se, portanto, por: homossexualidade, heterossexualidade, bissexualidade, transexualidade.
Maria Berenice Dias, em sua obra “Manual de Direito das Famílias”, assegura juridicamente, que a sexualidade “integra a própria condição humana. É direito humano fundamental que acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza” (DIAS, p. 176, 2006). O exercício da sexualidade é um direito natural, que nasce com o indivíduo e o acompanha por toda a sua vida, compreende também a sua dignidade, portanto, ninguém “pode se realizar como ser humano, se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade” (DIAS, p.31, 2008).
Vê-se que pelo desenrolar da pesquisa a sexualidade demonstra-se tema relevante para o Direito, possuindo assim tutela jurídica. A luta no que tange a livre manifestação da sexualidade (não-heterossexual) é conquistar o respeito à dignidade humana, igualdade e liberdade.
O nosso texto Constitucional refere à sexualidade em vários pontos. O preâmbulo é um deles, porém, o único despido de força normativa, pois é apenas a exposição de motivo da Constituição, mas que ainda sim não deixa de ser importante, vejamos:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (Preâmbulo, CR/1988) (grifo nosso)
Veja que lutam os bissexuais, homossexuais e transexuais, por igualdade, justiça, bem-estar, liberdade, direitos individuais e em certos casos por direitos sociais. Importante lembrar que todos estes direitos mencionados no Preâmbulo da Constituição são garantidos e elencados nas disposições dos artigos do texto Constitucional.
A dignidade humana é um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, é por este princípio que os demais se fundamentam. Estabelecido na Constituição, na norma do art.1º, inciso III, possui força normativa, devendo o Estado assegurar a dignidade de todos, sem discriminação e preconceito de uma minoria. E nem pode o Estado tolerar tais comportamentos nocivos à dignidade humana.
Neste sentido o art. 3º, Inciso IV da Constituição determina um dos objetivos da Republica Federativa do Brasil que é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art.3º,IV,CR/1988), tais como, preconceitos referentes à sexualidade. Este é o ideal da luta dos não-heterossexuais, simplesmente de não serem alvos de preconceitos, buscando assim igualdade e liberdade perante o Estado e a Sociedade.
Quanto à igualdade e liberdade, podemos observa o art. 5º da Constituição, que expõe que todos “são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade (...)” (Art.5º, Caput, CR/1988).
Seriam tais direitos, já expostos, respeitados? Importante apontarmos a reflexão de Maria Berenice Dias em artigo publicado na Revista Jurídica Areópago da Faculdade Unifaimi, senão vejamos:
“(...) de nada adianta assegurar respeito à dignidade humana e à liberdade. Pouco vale afirmar a igualdade de todos perante a lei, (...), que não são admitidos preconceitos ou qualquer forma de discriminação. Enquanto houver segmentos alvos da exclusão social, tratamento desigualitário entre homens e mulheres, enquanto a homossexualidade for vista como crime, castigo ou pecado, não se está vivendo em um Estado Democrático de Direito” (DIAS, p.30, 2008)
Portanto não podemos ter nenhuma sombra de dúvida, que a sexualidade de um indivíduo não deve ser alvo de preconceito e inclusive motivo de exclusão de direitos. As normas jurídicas além de disporem proteção, devem garantir a efetividade de direitos inibindo atos nocivos a estes. – Garantindo assim, os pilares de um Estado Democrático de Direito. O problema da discriminação quanto à sexualidade é visível, porém reparável.
Já exposto algumas peculiaridades sobre a sexualidade, inclusive suas disposições normativas que garante proteção ao seu livre exercício, veremos em tópico específico as principais dificuldades encontradas pelos homossexuais que almejam constituir-se em família, e felizmente, ressaltaremos os avanços jurídicos referentes ao tema.
2.0 FAMÍLIA HOMOAFETIVA SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL.
Já é sabido que devemos encarar a homoafetividade sem discriminação, mesmo porque a homossexualidade sempre existiu na história da humanidade. Em algumas épocas históricas foi amplamente exaltado, a exemplo da Grécia antiga, e noutras foi rigorosamente reprimido. A homoafetividade “não é doença nem uma opção livre” (DIAS, p. 43, 2006) e também não é “um mal contagioso” (DIAS, p.174, 2006). Portanto, porque tanto preconceito ou discriminação?
Em se tratando de questões históricas, o preconceito é oriundo da cultura e principalmente da religião, que influenciou e atingiu os textos normativos – O Direito.
O matrimônio era única fonte de união, que se daria entre homem e mulher com especial objetivo de procriação. Esta instituição possui suas raízes na religião, que fundou os traços da “normalidade”, manifestada pela heterossexualidade. Este fato fez com que o Direito tutelasse somente esta união, não prevendo assim, mudanças e avanços morais, como também, científicos e tecnológicos.
Maria Berenice Dias, aponta os fundamentos da Igreja afirmando que foi através do casamento que se propagou a “fé cristã: crescei e multiplicai-vos. A infertilidade dos vínculos homossexuais levou a Igreja a repudiá-los, acabando por serem relegados à margem da sociedade” (DIAS, p. 174, 2006).
O Direito representado pela figura do legislador (que poderia ter solucionado todo problema) seguiu os mesmos passos adotados pela religião e das exigências culturais, mesmo com a existência de relações homoafetivas, que cada dia aumenta no seio da sociedade. O motivo torna-se óbvio “o legislador, com medo da reprovação de seu eleitorado, prefere não aprovar leis que concedam direitos às minorias alvo da discriminação” (DIAS, p.174, 2006). – Não há leis específicas para as uniões homoafetivas no Direito Positivo Brasileiro! ?
Estabelece a Constituição em capitulo próprio sobre a família, a começar pelo artigo. 226 e desdobramentos. Entende-se pelo caput do artigo mencionado que família é uma instituição protegida pelo Estado, por ser a base formadora da sociedade. O problema doutrinário encontra-se nos desdobramentos presente artigo, vejamos:
“§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (art. 226, CR/ 1988)
A maior parte da doutrina entende que é expresso o descaso do Estado ao reconhecer como união estável somente entre homem e mulher, ainda que “em nada se diferencie a convivência homossexual da união estável heterossexual” (DIAS, p 43, 2006), fato este, que possa dificultar a proteção da relação homoafetiva como entidade familiar.
Nota-se atualmente, que a família toma novos aspectos obedecendo tão somente aos princípios da afetividade, ostensibilidade e estabilidade. Veja que o parágrafo 4º do artigo 226 da Constituição entende não ser necessário à presença de um homem e uma mulher para poder constituir uma entidade familiar. Esta entidade é denominada “monoparental, que dispensa a existência do casal (homem e mulher)” (LÔBO, p.68, 2008), basta-se que comprove os requisitos exigidos no conteúdo do parágrafo.
Outro grupo familiar que podemos encontrar na doutrina são as famílias recompostas ou famílias reconstituídas. Esta entidade é formada por “um cônjuge ou companheiro e os filhos do outro, vindos de relacionamento anterior” (LÔBO, p.73, 2008). Sem dúvida há uma figura familiar diferente da monoparental e da família decorrente do parágrafo 3º do art. 226 da Constituição. Na família reconstituída surgem relações diferentes, os filhos, por exemplo, “passam a ter novos irmãos. Os cônjuges, companheiros ou parceiros passam a ter novos parentes por afinidade” (FARIAS, ROSENVALD; p.62, 2008).
O que queremos comprovar é que o matrimônio, o sexo, ou a capacidade de procriar não são expressos como elementos fundadores da família, ou seja, que justifique ou não a existência de um núcleo familiar.
De forma alguma, está expresso na Constituição que é vedado relações homoafetivas, porém, já é sabido que o legislador não regulamentou tais uniões. Lôbo afirma que apesar da “ausência de lei que regulamente essas uniões não é impedimento para sua existência, porque as normas do art.226 são auto-aplicáveis independentemente de regulamentação” (LÔBO, p.68, 2008). Portanto, leva-nos a crer que esta omissão não significa a ausência de tutela jurídica.
No mesmo sentido, Farias e Rosenvald na obra Direito das Famílias, afirmam que uma relação homossexual “poderá produzir efeitos no âmbito do ordenamento jurídico seja no âmbito patrimonial, seja na esfera pessoal” (FARIAS, ROSENVALD, p.53, 2008).
À luz dos valores constitucionais a família “ganhou uma dimensão mais ampla, espelhando a busca da realização pessoal de seus membros” (FARIAS, ROSEVALD, p.54, 2008), ou seja, da dignidade humana (Art.1º, inciso III, CF, 1988). Outros princípios constitucionais também são levados em consideração, a titulo de exemplo: principio da igualdade (art.5º, CF 1988), que veda qualquer tipo de discriminação.
Definir dignidade, não é tarefa fácil, pois o termo possui para o Direito natureza principiológica, podemos fazer, porém, com a contribuição magistral de Gagliano e Pamplona Filho. Para os autores a dignidade
“traduz um valor fundamental de respeito à existência humana, segundo as suas possibilidades e expectativas, patrimoniais e afetivas, indispensáveis à sua realização pessoal e à busca da felicidade”(GAGLIANO; PAMPLONA, p.21, 2006)
Logo podemos perceber que o termo é bastante amplo, repercute nas relações patrimoniais e afetivas do individuo. Tal motivo nos leva a crer que é correto a visão esposada de Farias e Rosenvald ao afirmarem que as relações homoafetivas produzem efeitos no âmbito jurídico.
3.0 UNIÃO HOMOAFETIVA NÃO É SOCIEDADE DE FATO
A doutrina conservadora quanto ao tema procura equiparar a relação homoafetiva como sociedade de fato. É importante fazer esta alerta, pois é demonstrado na obra de Farias e Rosenvald que os autores são de renome, tais como: Carlos Roberto Gonçalves e Maria Helena Diniz.
Reconhecer esta entidade familiar como sociedade de fato, é levar as uniões homossexuais para o “âmbito puramente obrigacional, (...) – do qual decorreriam efeitos tão-somente patrimoniais” (FARIAS; ROSENVALD, p.53, 2008). Esta visão não é correta, pois o parceiro deveria comprovar efetivamente que houve participação sua quanto à aquisição de bens que se perfez no tempo de convivência.
Ora, pois, a relação existente é movida por traços eminentemente afetivos, não de sócios. Logo, é infundado o reconhecimento da união homoafetiva como sociedade de fato.
4.0 NECESSIDADE OU NÃO DE EQUIPARAR A UNIÃO HOMOAFETIVA COMO UNIÃO ESTÁVEL
Todo o trabalho de Maria Berenice Dias gira em torno da equiparação da união homoafetiva como união estável descrita no parágrafo 3º do art. 226 da Constituição.
Por outro lado, Paulo Lôbo entende não haver “necessidade de equipará-las à união estável, que é entidade familiar completamente distinta” (LÔBO, p.68, 2008). Quanto a este impasse, concordamos com Paulo Lôbo.
As uniões homoafetivas não deixam de ter tutela jurídica simplesmente por não estarem expressas nos desdobramentos do art. 226 do Texto Constitucional, além do mais, conforme Paulo Lôbo observou, esta entidade familiar é completamente diferente. O problema de ser ou não equiparada à União Estável deriva do art. 226 da Constituição. - Sua enumeração seria taxativa ou simplesmente exemplificativa? - O Texto Constitucional estaria sendo discriminativo?
Farias e Rosenvald, afirmam a “não taxatividade do rol contemplado no art.226 da Lei das Leis, sob pena de desproteger inúmeros agrupamentos familiares não previstos ali” (FARIAS, ROSENVALD, p.36, 2008). Logo, a Constituição não discrimina e nem exclui nenhuma outra entidade familiar existente.
Outra observação importante realizada pelos autores que justifica a não equiparação desta União a União Estável é que o problema pode ser originário da interpretação dada ao Texto Constitucional, senão vejamos:
“a exclusão das outras formas de entidades familiares não decorre da lei expressa do Texto Constitucional, mas de uma interpretação do Texto Magno” (LÔBO, citado por FARIAS; ROSENVALD, p. 36, 2008)
O Texto Constitucional diz tão-somente aquilo o que queremos compreender. Portanto, o que devemos compreender é que não há limitação, discriminação, ou exclusão de entidades familiares não previstas nos desdobramentos do art.226 do Texto Magno.
5.0 CORRESPONDENTES LEGAIS E JURISPRUDÊNCIAS
Até aqui foi demonstrado que há uma omissão do legislador quanto às uniões homoafetivas, porém, conforme vimos esta omissão não implicará em ausência de tutela jurídica.
Conforme vimos o desdobramento do art.226 da Constituição é apenas exemplificativo, pois por força da realidade, de sustentações doutrinárias, e inclusive de princípios constitucionais, podemos verificar uma nova ótica sobre a entidade familiar. Apesar da omissão, não deixa de ter a união homoafetiva correspondentes legais e jurisprudências que acompanham a realidade social.
Segundo o art. 126 do Código de Processo Civil, “o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei (...)” (CPC, art.126). O mesmo sentido pode ser notado na Lei de Introdução ao Código Civil doDecreto-lei nº 4.657, de 4 de Setembro de 1942. Quando a lei for omissa “o juiz decidirá o caso de acordo com analogia, os costumes e os princípios gerais do direito” (LICC, art.4º). Ressalvando que no caso dos costumes, não valerá para o Direito “preconceitos de ordem moral” (DIAS, p.179, 2006)
As normas do Art.1º, inciso III, CF, (relata sobre a dignidade da pessoa humana) e a norma do Art.5º da CF (expõe sobre a Igualdade), são utilizadas como pilares justificadores da família homoafetiva, mais especificamente da expressão sexual.
Outra disposição normativa do art. 5º da “Lei Maria da Penha” (Lei nº.: 11.340/06), a nosso ver, deu um grande passo ao reconhecer a união homoafetiva pelo menos, entre mulheres. Senão vejamos:
“art.5º: Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e de dano moral ou patrimonial:
I – (...)
II – no âmbito familiar, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – (...)
Parágrafo único. As relações enunciadas neste artigo independem de orientação sexual” (art. 5º, Lei nº.: 11340/06) (grifo nosso)
O inciso II da referida Lei, diferente da exemplificação Constitucional apresenta um conceito bastante moderno de entidade familiar. À vontade, ou união natural, ou a consideração da existência de vínculos parental, ou ter realmente este vínculo, são elementos básicos para formação de uma entidade familiar. Logo percebemos que tal conceituação é bastante abstrata, dispensando assim, exemplificações.
O parágrafo Único do art.5º da “Lei Marinha da Penha” é de extrema importância, pois ali, certificamos o reconhecimento da união homoafetiva, ainda que seja entre mulheres.
No âmbito jurisprudencial, podemos afirmar que a Justiça Gaúcha foi pioneira ao tratar da união homoafetivas. Já no ano de 1999 foi definido “a competência dos juizados especializados da família de apreciar as uniões homoafetivas” (DIAS, p.181, 2006).
Para finalizarmos nosso trabalho, segue abaixo algumas jurisprudências:
“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE.
É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO.
A ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC)”. (TJ, Estado do Rio Grande do Sul, AC 70009550070, Des. Luiz Felipe Brasil Santos, DESA. MARIA BERENICE DIAS, 2004)
APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo. (TJ, Estado do Rio Grande do Sul, AC 70012836755, Dês. Luiz Felipe Brasil Santos (revisor), Des. Ricardo Raupp Ruschel, Desa. Maria Berenice Dias, 2005)
REGISTRO DE CANDIDATO. CANDIDATA AO CARGO DE PREFEITO. RELAÇÃO ESTÁVEL HOMOSSEXUAL COM A PREFEITA REELEITA DO MUNICÍPIO. INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Recurso a que se dá provimento. (Ac. Unân, Rec. Especial Eleitoral 24564/PA, Gilmar Ferreira Mendes 2004)
AÇÃO ORDINÁRIA - RECONHECIMENTO DE DIREITO AO RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - CONTRATO FIRMADO COM ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA - UNIÃO HOMOAFETIVA COMPROVADA - TENTATIVA DE INCLUSÃO DO COMPANHEIRO COMO DEPENDENTE - INÉRCIA DA CONTRATADA - AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL QUE VEDE A POSSIBILIDADE DO SEGURADO POSSUIR UM COMPANHEIRO OU COMPANHEIRA - VEDAÇAO QUE CASO EXISTISSE SERIA NULA DE PLENO DIREITO - PRÁTICA DISCRIMINATÓRIA QUE NÃO É ACEITA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO - INTERPRETAÇÃO CONTRATUAL RESTRITIVA DE DIREITOS DO CONTRATANTE - FRUSTAÇÃO INDEVIDA DE SUAS EXPECTATIVAS - OBRIGAÇÃO DE PAGAR A PENSÃO PREVIDENCIÁRIA DECORRENTE DA MORTE DO COMPANHEIRO QUE DEVE SER DECRETADA PELO PODER JUDICIÁRIO. - Comprovada a existência de união estável homoafetiva, bem como a Comprovada a existência de união estável homoafetiva, bem como a dependência entre os companheiros e o caráter de entidade familiar externado na relação, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente o direito de receber benefícios previdenciários decorrentes de plano de previdência privada. Tolher o companheiro sobrevivente do recebimento do benefício previdenciário, ensejaria o enriquecimento sem causa da entidade de previdência privada, que permitia quando da celebração do contrato que o segurado possuísse companheiro e ainda garantia, que este seria beneficiário do plano quando algum sinistro ocorresse, portanto, o fato de tal companheiro ser do mesmo sexo do contratante (união homoafetiva) jamais enseja um desequilíbrio nos cálculos atuariais a impedir o pagamento pleiteado, prejuízos esses, os quais sequer foram comprovados nos autos. Negaram provimento ao recurso. (TJ do Estado de Minas Gerais, A.C. 1.0024.07.776452-0/001(1), Dês. Unias Silva, 10/10/2008)
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. 1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar. 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a uniãoentre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 5. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp 820475/RJ, Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Ministro Luis Felipe Salomão, 06/10/2008)
CONCLUSÃO
Concluímos com a pesquisa que para trabalhar acerca da família homoafetiva é mister entender o os problemas advindo da manifestação sexual, que pode se dar por quatro maneiras: homossexualidade, heterossexualidade, bissexualidade, transexualidade.
A heterossexualidade manifestada, em nada acarreta, mesmo porque é aceita e traçada pela cultura, e até mesmo, pela religião. Já as demais manifestações, enfrentam problemas do preconceito, marginalização etc. Por isso, entender a sexualidade do ponto de vista da sexologia comparando com as disposições doutrinárias e legais é extremamente importante.
Vimos que a sexualidade é a manifestação livre do indivíduo que integra não só os fatores físicos, mais psicológicos. Logo a sexualidade é mais abrangente do que o sexo, que é compreendido tão-somente pelas características biológicas e fisiológicas do individuo.
O respeito à sexualidade é importante para o indivíduo. Como direito fundamental do ser humano, torna sua vida digna e feliz. Motivo este, que levou o Direito a buscar princípios que tutelassem a livre manifestação sexual. Sua proteção é destacada pelo nosso texto Constitucional em vários pontos, mas apesar da proteção, se a homossexualidade, bissexualidade e transexualidade forem alvos de preconceito ou discriminação não efetivará a vontade do nosso Texto Maior.
Concluímos que o a omissão do legislador constitucional ao tratar sobre a família no artigo. 226 e desdobramentos não proíbe as relações homoafetivas, e muito menos significa dizer que a entidade familiar homoafetiva esta despida de tutela jurídica.
Vimos que não é necessário homem e mulher para se ter uma entidade familiar. O grupo familiar pode ser monoparental ou composto por famílias recompostas, ou formado por membros do mesmo sexo – Família Homoafetiva, que surte efeitos sociais e jurídicos, pois atualmente a família é compreendida tão-somente por valores constitucionais da dignidade, igualdade, afetividade, ostensibilidade e estabilidade.
A família homoafetiva é uma entidade que deve ser visualizada tal como se apresenta, não há necessidade de equiparar com a união estável. A família homoafetiva possui proteção Constitucional, mesmo que esta não esteja expressa nos desdobramentos do art. 226 da mencionada Lei. A Constituição não é taxativa. Em outras palavras ela não exclui nenhuma entidade familiar. A família descrita no parágrafo terceiro e quarto do art. 226 são apenas exemplificativos.
Concluímos que atualmente é pacífico o entendimento de que a família homoafetiva é uma entidade familiar e não uma sociedade de fato. O STF e a tendência jurisprudencial reconhecem as uniões homoafetivas como família.
Por fim, vimos que a família homoafetiva, apesar da omissão do legislador, mesmo porque o parágrafo terceiro e quarto do art.226 da Constituição é apenas exemplificativo, não deixa ter correspondentes legais e jurisprudências que justifiquem esta união.
A “Lei Maria da Penha” ou Lei nº.: 11.340/06 no art. 5º, e desdobramentos, avançou muito na definição e no reconhecimento da família homoafetiva, mesmo que somente entre mulheres. Concluímos que a definição de comunidade familiar no inciso II do referido artigo possui uma conceituação bastante ampla e moderna de entidade familiar, não ocorrendo problemas de interpretação ou da necessidade exemplificativa apresentada na Constituição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Leis
CRFB/1988 - Constituição da Republica Federativa do Brasil – 1988
CPC - Código de Processo Civil, art.126.
LICC - Lei de Introdução ao Código Civil doDecreto-lei nº 4.657, de 4 de Setembro de 1942, art. 4º.
Lei nº.: 11340/06 – Lei Maria da Penha
Jurisprudências
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TJ, Estado do Rio Grande do Sul,
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Doutrina
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FARIAS, Cristiano Chaves de Farias; ROSELVALD, Nelson, Diretos das Famílias, De acordo com a Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha e com a Lei 11.441/2007 – Lei de Separação, Divórcio e Inventário Extrajudiciais, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2004.
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WALKER, Daniel, Introdução ao Estudo da Sexologia, disponível para download em:http://www.4shared.com/file/17434626/d47ca8f1/d_wr-sea.html?cau2=403tNullpublicado em 2007